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Sistema de resolução de conflitos e o papel do Senado como Câmara revisora no bicameralismo brasileiro

System of conflict resolution and the role of the Senate as a reviser in the Brazilian bicameralism

Resumo

O Brasil adota um sistema bicameral simétrico e incongruente, isto é, ambas as Câmaras possuem semelhante capacidade legislativa e formas diferentes de seleção de seus membros. Em bicameralismos desse tipo, o sistema de resolução de conflitos entre as Câmaras ganha relevo. No caso brasileiro, é utilizado o sistema de navette, em que os projetos de lei passam por leituras sequenciais nas duas Câmaras. Este trabalho busca analisar este sistema, focando a capacidade revisora da Câmara Alta. Para tanto, duas etapas devem ser realizadas. Primeiro, será feita uma análise do sistema de navette no Brasil, destacando o caráter privilegiado da Câmara de origem. Na sequência, serão analisados os projetos originados da Câmara dos Deputados, que passam por revisão no Senado, destacando seu resultado. A partir dessas análises, será possível apontar o papel revisor desempenhado pelo Senado no processo legislativo bicameral brasileiro.

Palavras-chave:
processo legislativo; bicameralismo; Senado; Brasil.

Abstract

Brazil adopts a symmetrical and incongruent bicameral system, which means that both Cameras have similar legislative powers and different forms to select its members. In bicameralisms such this, the system of resolution of disputes between the Chambers becomes important. In Brazil is used navette system that bills go through sequential reads in both Chambers. This paper seeks to analyze this system focusing on the reviser ability of upper Chamber. For this, two steps must be performed: first of all, the analysis of the navette system in Brazil and highlighting the privileged character of the source Chamber. Following that, the analyze of the projects that are originated in the Chamber of Deputies, who undergo to a revision in the Senate, giving importance on its results. From these analyzes, it’s possible to point the reviewer role played by the Brazilian Senate bicameral legislative process.

Keywords:
legislative process; bicameralism; Senate; Brazil

Introdução

O Brasil adota o sistema bicameral na sua organização do Legislativo Nacional. Mais do que isso, o bicameralismo brasileiro é classificado como forte,1 1 Lijphart (2008), Llanos (2002), Llanos e Nolte (2003) classificam os sistemas bicamerais de acordo com os eixos de simetria e incongruência, sendo considerados fortes os sistemas simétricos e incongruentes, de força média os assimétricos e incongruentes e os simétricos e congruentes, e fracos os sistemas bicamerais assimétricos e congruentes. conjugando alta simetria e incongruência. Grosso modo, a dimensão da simetria está relacionada à capacidade de participação no processo decisório - iniciar projetos, emendar, vetar, participar de nomeações e atividades de controle -; já a incongruência refere-se à forma de seleção dos membros de cada Casa - representação de minorias, existência de membros não eleitos, fórmulas e distritos eleitorais diferentes, tamanho das Câmaras, duração de mandatos, exigências para ocupar um cargo em cada Câmara.

Se ambas as Câmaras possuem semelhante poder para a aprovação de projetos de lei e sendo esses sistemas bicamerais incongruentes, a possibilidade de haver desacordos entre elas é potencializada, uma vez que uma forte incongruência potencializa a formação de distintas maiorias em cada Casa e a simetria dá-lhes igual ou semelhante capacidade de iniciativa e veto no processo decisório. Sendo assim, os mecanismos de resolução de conflitos ganham importância para a análise destes sistemas.

Este trabalho busca apresentar uma análise sobre o sistema de resolução de conflitos no caso do bicameralismo brasileiro, buscando avaliar o papel de Câmara revisora do Senado.

Cabe notar que os estudos legislativos brasileiros têm ganhado destaque nas últimas décadas, porém grande parte dos trabalhos dessa área centram esforços na análise da produção e do comportamento dos deputados federais, deixando o Senado em segundo plano. Mais recentemente, esse quadro começou a mudar e estudos focando o Senado brasileiro ganharam força e espaço dentro da ciência política nacional. Como exemplo destes estudos que focam o Senado e o sistema bicameral, temos o de Pedro Neiva (2008aNEIVA, P. Os poderes dos Senados de países presidencialistas e o caso brasileiro. In: LEMOS, L. (Org.). O Senado Federal brasileiro no pós-constituinte. Brasília: Senado Federal; Unilegis, 2008a.), que, ao estudar de forma comparada todos os sistemas bicamerais e democráticos, aponta que o federalismo é a principal variável para explicar-se a existência de uma segunda Câmara, mas é o sistema e o governo que explicariam a “força” do Senado, sendo que, em sistemas presidencialistas, as Câmaras Altas seriam mais fortes. Outros trabalhos analisam as características sociais e econômicas na composição do Senado brasileiro, como gênero (Neiva, 2008bNEIVA, P. Women in upper houses: a global perspective. Brazilian Political Science Review, v. 2, n. 1, p. 77-95, 2008b.; Bohn, 2008BOHN, S. Mulheres e qualidade das candidaturas nas eleições para o Senado: Brasil e Estados Unidos em contraste. In: LEMOS, L. B. (Org.). O Senado Federal brasileiro no pós-constituinte . Brasília: Senado Federal; Unilegis, 2008.), idade (Llanos e Sanchéz, 2008LLANOS, M.; SÁNCHEZ, F. Conselho de anciãos? O Senado e seus membros no Cone Sul. In: LEMOS, L. (Org.). O Senado Federal brasileiro no pós-constituinte. Brasília: Senado Federal; Unilegis, 2008.; Neiva, 2010NEIVA, P. Senado brasileiro: um conselho de anciãos? Revista de Informação Legislativa, v. 47, n. 187, p. 269-279, 2010.), escolaridade (Neiva e Izumi, 2012NEIVA, P.; IZUMI, M. Os doutores da Federação: formação acadêmica dos senadores brasileiros e variáveis associadas. Revista de Sociologia e Política, v. 20, n. 41, p. 171-192, 2012.) e diferenças regionais (Backes, 2008BACKES, A. L. Fortalecimento parlamentar de minorias regionais e suas razões. In: LEMOS, L. B. (Org.). O Senado Federal brasileiro no pós-constituinte. Brasília: Senado Federal; Unilegis, 2008.). Há ainda textos que se centram na produção legislativa, apontando a capacidade de iniciativa e aprovação de projetos de lei dos senadores (Araújo, 2008 ARAÚJO, P. M. A Câmara Alta no presidencialismo brasileiro: o desempenho legislativo do Senado entre 1989 e 2000. In: LEMOS, L. B. (Org.). O Senado Federal brasileiro no pós-constituinte. Brasília: Senado Federal; Unilegis, 2008.), comparando as diferenças temáticas e de abrangência na produção do Senado e da Câmara dos Deputados (Ricci, 2008RICCI, P. A produção legislativa de iniciativa parlamentar no Congresso: diferenças e similaridades entre a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. In: LEMOS, L. B. (Org.). O Senado Federal brasileiro no pós-constituinte. Brasília: Senado Federal; Unilegis, 2008.), bem como a atuação da Câmara Alta nas funções de controle (Lemos e Llanos, 2008LEMOS, L. B.; LLANOS, M. O Senado e as aprovações de autoridades: um estudo comparativo entre Argentina e Brasil. In: LEMOS, L. B. (Org.) O Senado Federal brasileiro no pós-constituinte. Brasília: Senado Federal; Unilegis, 2008.). Por fim, existem os trabalhos que focam a questão das diferenças na representação partidária das Casas Legislativas (Rubiatti, 2015RUBIATTI, B. C. Incongruência e composição partidária no bicameralismo brasileiro. In: CARVALHO, V. R.; MENEZES, M. (Orgs.). Política e instituições no Brasil. Teresina: EDUFPI, 2015.), o comportamento partidário dos senadores (Neiva, 2011NEIVA, P. Coesão e disciplina partidária no Senado Federal. Dados, v. 54, n. 2, p. 289-318, 2011a.a; Neiva e Soares, 2013NEIVA, P.; SOARES, M. Senado brasileiro: Casa Federativa ou Partidária? Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 28, n. 81, p. 97-115, 2013.), o Senado e sua relação com o Executivo (Neiva, 2011NEIVA, P. Disciplina partidária e apoio ao governo no bicameralismo brasileiro. Revista de Sociologia e Política, v. 19, n. 39, p. 183-196, 2011b.b; Araújo, 2014ARAÚJO, P. M. Bicameralismo e Poder Executivo no Brasil: revisão de projetos presidenciais entre 1989-2010. Opinião Pública, v. 20, n. 1, p. 67-95, 2014.), a carreia política no Senado (Lemos e Ranincheski, 2008LEMOS, L. B.; RANINCHESKI, S. Carreiras políticas no Senado brasileiro: um estudo das composições do Plenário e da Comissão de Justiça e Cidadania na década de 1990. In: LEMOS, L. B. (Org.). O Senado Federal brasileiro no pós-constituinte. Brasília: Senado Federal; Unilegis, 2008.), organização interna (Rubiatti, 2017RUBIATTI, B. C. Organização interna das Casas Legislativas da Argentina, Brasil e México: estratégias individualistas ou reforço da representação partidária? In: MENEZES, M.; JOHAS, B.; PEREZ, O. (Orgs.). Instituições políticas e sociedade civil. Teresina: EDUFPI, 2017.) e o sistema de comissões (Lemos, 2008LEMOS, L. B. O sistema de comissões no Senado brasileiro: hierarquia e concentração de poderes nos anos 1990. In: LEMOS, L. B. (Org.) O Senado Federal brasileiro no pós-constituinte. Brasília: Senado Federal; Unilegis, 2008.).

Este artigo busca somar-se a essa produção, focando um elemento ainda pouco estudado do sistema bicameral brasileiro: o sistema de resolução de conflitos e a capacidade de revisão e retenção da Câmara Alta.

Para avaliar essa capacidade de revisão da segunda Câmara, os projetos em revisão serão classificados de acordo com seu resultado. Os em revisão no Senado podem ter os seguintes destinos: 1) aprovados; 2) emendados ou substitutivos; 3) rejeitados; 4) arquivados pelo regimento; 5) prejudicados; 6) sobrestados; 7) retirados; ou 8) tramitando. No primeiro caso, os projetos vão para a sanção presidencial, isto é, o conteúdo do projeto original não sofre nenhuma alteração e passa para as mãos do Executivo;2 2 Caberá ao Executivo aprovar e vetar parcial ou totalmente. neste caso, há coincidência nas preferências das duas Câmaras e o texto original é mantido. Os projetos emendados ou os substitutivos voltam para a Câmara dos Deputados, pois há algumas divergências entre ambas as Câmaras. Como o sistema de navette utilizado no Brasil prioriza a Câmara iniciadora, caberá a ela decidir se aprova o projeto original ou o reformado pelo Senado. Os projetos rejeitados vão para arquivo. Neste caso, a Câmara revisora não possui acordo com o conteúdo da proposta e veta-o, não cabendo nenhum tipo de recurso para a Câmara de origem. Esses três resultados necessitam de aprovação, ou pelo Plenário ou pelas comissões do Senado; isto é, há uma decisão por parte dos membros da Câmara Alta diferente das outras quatro categorias.

O Regimento Interno do Senado Federal (RISF) determina que serão arquivadas automaticamente as propostas que se encontrem em tramitação há duas legislaturas (Brasil, 2007BRASIL. Regimento Interno do Senado Federal e normas conexas. Brasília: Senado Federal, 2007., Art. 332). Assim, o “arquivamento por regimento” passa a figurar como uma retenção de projetos por não decisão, isto é, não ocorre uma decisão do corpo legislativo sobre a proposição, mas sim essa falta de decisão, que acarreta o arquivamento. Cabe destacar que os projetos arquivados dessa maneira podem ser desarquivados por requerimento de um terço dos senadores feito em até 60 dias do início da primeira sessão legislativa seguinte ao arquivamento. Entretanto, se o projeto desarquivado não tiver sua tramitação concluída até o final dessa legislatura, ele será arquivado definitivamente.

Uma proposta pode ser declarada prejudicada por dois motivos: primeiro, se houver perdido a oportunidade - ou seja, cessou o motivo que a justificava -; e segundo, se outra matéria correlata foi aprovada ou rejeitada. Em ambos os casos, a proposta será definitivamente arquivada. Assim como no arquivamento por definição do regimento, as propostas prejudicadas não recebem um parecer negativo, mas são retidas no processo de revisão.

As três últimas categorias não podem ser chamadas propriamente de resultados. O trâmite pode ser sobrestado temporariamente para esperar a decisão de comissão sobre outra matéria a ela relacionada, o recebimento de outra proposição sobre a mesma matéria ou o resultado de diligência. Em todos esses casos, o trâmite da matéria em questão fica suspenso até se chegar a uma conclusão, podendo a matéria ou ir para arquivo ou voltar ao trâmite normal. Já o projeto considerado retirado dá-se quando o autor da proposta decide por sua retirada do processo legislativo. Por fim, a matéria tramitando ainda não chegou a nenhuma decisão. Cabe destacar que essas duas categorias são levadas em consideração por causa do fator da impaciência: ambas não são projetos realmente rejeitados, mas se encontram retidas na Câmara revisora no período analisado.

A partir desses resultados é possível avaliar qual a principal estratégia de revisão utilizada pelos senadores e a capacidade de retenção da Câmara Alta no processo legislativo bicameral. Espera-se que, por se tratar de um sistema bicameral forte, a capacidade de retenção seja alta, ou melhor, a soma do número de projetos rejeitados, arquivados, prejudicados, sobrestados e tramitando seja significativa. Entretanto, devido à própria composição partidária das duas Casas e às premissas do funcionamento do presidencialismo de coalizão, não se espera que o Senado tenha um comportamento obstrucionista. Rubiatti (2015)RUBIATTI, B. C. Incongruência e composição partidária no bicameralismo brasileiro. In: CARVALHO, V. R.; MENEZES, M. (Orgs.). Política e instituições no Brasil. Teresina: EDUFPI, 2015. aponta que, ao levar em conta dispositivos institucionais que fomentam a incongruência, as diferenças na composição partidária das Câmaras são menores do que as esperadas. Todavia, estas diferenças ainda são significativas, mesmo que não sejam no grau esperado ao observar-se os dispositivos institucionais existentes no desenho do bicameralismo brasileiro. Em suma, ao apresentar algum grau de semelhança na composição partidária das Casas Legislativas, espera-se algum grau de acordo entre elas, o que possibilita uma maior taxa de aprovação dos projetos em revisão. Somada a isso, a própria lógica do presidencialismo de coalizão, com concentração de poderes de agenda no Executivo e nos líderes partidários, induziria algum grau de cooperação entre as diferentes Câmaras, diminuindo o caráter obstrucionista da Câmara revisora. No mesmo sentido, a distribuição de postos no Executivo, ao obedecer a uma lógica partidária, também leva em consideração a busca de formação de maiorias no Senado. Desta forma, espera-se uma retenção de parte significativa dos projetos em revisão e uma real filtragem dos projetos oriundos da Câmara dos Deputados, bem como que parte destes projetos seja aprovada ou emendada/substitutiva.

Para realizar essa análise, este artigo foi dividido em três partes, além desta introdução e das considerações finais. Na primeira será apresentado o bicameralismo brasileiro nas dimensões de simetria e incongruência. Na segunda, se discutirá o sistema de resolução de conflitos e se ele apresenta traços efetivamente bicamerais. A terceira tratará dos projetos em revisão no Senado. Serão analisados todos os projetos originados da Câmara Baixa - que incluem, além dos projetos dos deputados federais, os originados de outros atores com capacidade de iniciativa legislativa (Executivo, Tribunais Superiores e iniciativa popular) que passaram por revisão do Senado entre 1999 e 2014.

O bicameralismo brasileiro nas dimensões de simetria e incongruência

Esta seção busca focar a questão da organização do bicameralismo brasileiro a partir dos dois eixos propostos por Lijphart (2008)LIJPHART, A. Modelos de democracia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. para definir a força dos sistemas bicamerais, a dizer: simetria e incongruência. A noção de simetria está relacionada aos poderes constitucionais que cada Casa Legislativa detém, sendo considerados bicameralismos simétricos os casos em que ambas as Câmaras possuem igual, ou semelhante, poder de intervenção no processo legislativo. Já a incongruência está relacionada aos métodos de formação das duas Câmaras, sendo que são incongruentes os bicameralismos que apresentem diferentes métodos de formação dos corpos legislativos de cada Casa. A partir destes dois eixos é possível caracterizar a força dos sistemas bicamerais, sendo considerados bicameralismos fortes os sistemas que conjugam simetria e incongruência.

Apesar de ser um importante ponto de partida para a análise dos sistemas bicamerais, as duas dimensões propostas por Lijphart (2008)LIJPHART, A. Modelos de democracia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. acabam por ser demasiado agregadas. Por esse motivo, Llanos (2002)LLANOS, M. El bicameralismo em América Latina. Hamburg: Institut für Iberoamerica-Kunde, 2002. (Arbeitspapier, n. 5). e Llanos e Nolte (2003)LLANOS, M.; NOLTE, D. Bicameralism in the Americas: around the extremes of symmetry and incongruence. The Journal of Legislative Studies, v. 9, n. 3, p. 54-86, 2003. desagregam essas duas categorias em dez dispositivos ou traços institucionais que fomentam a incongruência e seis que reforçam a simetria. Para a incongruência, são: 1) representação de interesses provinciais e minoritários na Câmara Alta; 2) representação populacional em ambas as Câmaras, porém com distritos e fórmula eleitoral diferentes; 3) representação de não eleitos; 4) eleições indiretas para senadores; 5) tamanho diferente dos corpos de cada Câmara; 6) mínimo de idade maior para a segunda Câmara; 7) requisitos mínimos de expertise para a Câmara Alta; 8) duração de mandatos diferentes; 9) renovação parcial da Câmara Alta; e 10) eleições não simultâneas de ambas as Câmaras. Sobre o último dispositivo apontado por Llanos (2002)LIJPHART, A. Modelos de democracia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008., cabe destacar que uma eleição é coincidente quando se elege uma única legislatura e esta divide-se em dois corpos legislativos depois da eleição (Llanos, 2002LIJPHART, A. Modelos de democracia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008., p. 13). São poucos os casos em que isto acontece: apenas a Islândia e a Noruega formariam seus legislativos desta maneira. Na Islândia, a segunda Câmara é formada por um terço dos representantes eleitos; na Noruega, por um quarto. Em trabalho posterior (Llanos e Nolte, 2003)LLANOS, M.; NOLTE, D. Bicameralism in the Americas: around the extremes of symmetry and incongruence. The Journal of Legislative Studies, v. 9, n. 3, p. 54-86, 2003., esse dispositivo foi retirado da análise e da construção do índice de incongruência, pois, apesar de existirem alguns sistemas bicamerais que adotam uma única eleição para a formação de seus dois corpos legislativos, este dispositivo institucional pode ser desconsiderado como parte da caracterização dos elementos que reforçam a incongruência entre as Casas Legislativas devido à sua raridade e ao caráter não bicameral dos sistemas que adotam as eleições coincidentes. Para a simetria, os dispositivos institucionais utilizados são: 1) o Senado pode apresentar projetos de lei, modificar ou negar qualquer legislação; 2) origem indistinta dos projetos de lei em ambas as Câmaras; 3) sistema de resolução de desacordos entre as Câmaras de natureza bicameral; 4) instrumentos de controle do Poder Executivo semelhantes em ambas as Câmaras; 5) participação do Senado em nomeações; e 6) divisão bicameral das tarefas de julgamento político. Esses 16 traços institucionais permitem-nos uma melhor avaliação dos sistemas bicamerais, além de uma comparação mais apurada entre estes sistemas. O artigo analisa estes traços institucionais no caso brasileiro para, desta maneira, caracterizar o sistema bicameral desse país.

Os seis dispositivos que fomentam a simetria estão relacionados às duas atividades prioritárias do Poder Legislativo, sendo que os três primeiros relacionam-se à capacidade de participação no processo de criação de leis, políticas públicas e ordenamentos jurídicos, e os três últimos à capacidade de controle e fiscalização do Executivo.

O primeiro indicador refere-se à capacidade dos Senados para participar do processo de elaboração de leis, isto é, se lhes é permitido modificar ou vetar qualquer legislação e se podem apresentar seus próprios projetos de lei, ou se têm essas capacidades restritas a algumas áreas temáticas, ou mesmo se não têm tal capacidade, com seu papel reduzido a atrasar a aprovação da legislação. No caso brasileiro, tanto os senadores quanto os deputados podem iniciar, modificar e vetar projetos de lei. Além disso, um projeto de lei tem que ser aprovado por ambas as Câmaras para ser efetivado. Sendo assim, a capacidade legislativa de ambas as Casas Legislativas do Brasil é igual.

Já o segundo dispositivo institucional refere-se à origem indistinta dos projetos de lei, ou seja, se qualquer projeto pode ter origem em qualquer uma das Casas, se ambas as Casas são origem exclusiva de certos temas - caso em que a simetria seria reforçada -, se a Câmara dos Deputados é origem exclusiva de alguns temas - simetria moderada -, ou, por fim, se a Câmara Baixa é origem de todos os projetos - caso em que o sistema bicameral é assimétrico (Llanos, 2002LLANOS, M. El bicameralismo em América Latina. Hamburg: Institut für Iberoamerica-Kunde, 2002. (Arbeitspapier, n. 5)., p. 15). No Brasil, ambas as Câmaras podem ser origem de projetos de lei, ou seja, não há prerrogativa exclusiva para nenhuma das Casas Legislativas. Entretanto, os projetos de lei de iniciativa do Executivo, do STF e dos Tribunais Superiores têm sua origem obrigatória na Câmara dos Deputados, e, uma vez que grande parte dos projetos de lei aprovados no país é originada do Executivo,3 3 No levantamento feito por Figueiredo e Limongi (1999, p. 50), o Executivo foi o responsável pela grande maioria das leis aprovadas entre os anos de 1989 e 1994: de um total de 1.259, 997 são de iniciativa do Executivo (sendo que, desse total, 745 foram medidas provisórias e leis orçamentárias, que são de iniciativa exclusiva do Executivo). No levantamento feito por Pessanha (2002, p. 188), o Executivo foi responsável por aproximadamente 77% das leis aprovadas no período que se estende de 1989 a 2001. Esses dados confirmam a grande importância que o Poder Executivo brasileiro tem na iniciativa de projetos de lei e a grande capacidade legislativa deste Poder. isso acaba por gerar certo desequilíbrio em favor da Câmara Baixa, uma vez que o Art. 64 da Constituição brasileira obriga que as leis de iniciativa do Executivo iniciem seu processo de tramitação pela Câmara dos Deputados (Brasil, 2009BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 32. ed. Brasília: Senado Federal, 2009.), o que privilegia o papel da Câmara Baixa, já que o peso das medidas iniciadas pelo Executivo é alto, e, por esse motivo, é pela Câmara Baixa que a maioria dos projetos de lei que efetivamente são aprovados inicia-se. Sendo assim, o Brasil apresenta moderada simetria neste dispositivo institucional, ou seja, conta com a participação do Senado na iniciativa de leis, mas há certa primazia da Câmara Baixa no que diz respeito à capacidade de iniciar a apreciação de projetos.

Em suma, no que tange à capacidade legislativa - entendida como possibilidade de participar efetivamente do processo de criação e aprovação de leis -, a segunda Câmara do Brasil é forte, uma vez que é necessário que os projetos de lei passem por ela para que sejam efetivados; entretanto, a capacidade de iniciativa legislativa difere entre as Câmaras, sendo que a Câmara Baixa beneficia-se da entrada privilegiada de projetos de lei com origem em outros atores políticos externos ao Legislativo.

Outra importante função do Legislativo é o controle do Executivo e de outros órgãos de Estado. Segundo Sáez, Montero e López (2005SÁEZ, M. A.; MONTERO, M. G.; LÓPEZ, F. S. Funciones, procedimientos y escenarios: un análisis del Poder Legislativo en América Latina. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2005., p. 135), “o controle é uma das funções clássicas dos Parlamentos e constitui a origem dos órgãos legislativos liberais”, isto é, na origem do Poder Legislativo está a pretensão de controle do monarca absoluto por parte dos representantes da burguesia. Essa atividade de controle cristalizou-se no decorrer dos séculos e “os desenhos institucionais têm colocado os Parlamentos como lugares legítimos para exercer a fiscalização das atividades do governo” (ibidem, 2005SÁEZ, M. A.; MONTERO, M. G.; LÓPEZ, F. S. Funciones, procedimientos y escenarios: un análisis del Poder Legislativo en América Latina. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2005., p. 135).

As atividades de controle podem variar de acordo com sua finalidade: o controle jurídico limitar-se-ia à exigência de responsabilidade e à sanção de atividades, sendo que seus principais instrumentos são a moção de censura e a votação de confiança; já o controle político pode ser visto como uma categoria mais ampla, que englobaria toda a atividade de fiscalização sobre os órgãos de poder. A utilização de instrumentos de controle político “implica uma consequência, independentemente de que se produza uma decisão final. Seu resultado é mostrar que se está levando a cabo uma fiscalização do poder que pode gerar obstáculos e desgastar o Executivo” (Sáez, Montero e López, 2005SÁEZ, M. A.; MONTERO, M. G.; LÓPEZ, F. S. Funciones, procedimientos y escenarios: un análisis del Poder Legislativo en América Latina. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2005., p. 138). Os três últimos dispositivos institucionais que fomentam a simetria dos sistemas bicamerais apontados por Llanos (2002)LLANOS, M. El bicameralismo em América Latina. Hamburg: Institut für Iberoamerica-Kunde, 2002. (Arbeitspapier, n. 5). e Llanos e Nolte (2003)LLANOS, M.; NOLTE, D. Bicameralism in the Americas: around the extremes of symmetry and incongruence. The Journal of Legislative Studies, v. 9, n. 3, p. 54-86, 2003. referem-se à capacidade de controle e ao julgamento de autoridades.

Uma importante forma de controle exercida pelos parlamentes é a participação destes na nomeação de altos cargos. Em sistemas parlamentaristas, essa capacidade de indicação de membros do governo e de outros órgãos do Estado por parte do Legislativo é geralmente maior do que nos sistemas presidencialistas. Isto se deve ao fato de que, nos primeiros, a formação do gabinete depende da confiança do Parlamento, ou seja, sem o voto de confiança de uma Casa Legislativa, não se forma o governo. Entretanto, não podemos desconsiderar a participação dos Parlamentos na nomeação para cargos, tanto do Executivo quanto do Judiciário e de outros órgãos de Estado existentes nos sistemas presidencialistas.

Em se tratando de nomeações, a capacidade de controle político pelo Legislativo é maior nos casos em que o Parlamento nomeia os funcionários, tanto nas situações em que ele escolhe livremente quanto nas em que tais funcionários são selecionados por meio de uma lista. Nos casos em que é o Executivo o responsável pela nomeação, o controle parlamentar pode ser exercido de maneira mais fraca, mas isso “não significa que seja inexistente[,] já que o Parlamento pode exercê-lo, seja dando seu consentimento à nomeação, ou apresentando as listas” (Sáez, Montero e López, 2005SÁEZ, M. A.; MONTERO, M. G.; LÓPEZ, F. S. Funciones, procedimientos y escenarios: un análisis del Poder Legislativo en América Latina. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2005., p. 143).

Duas possibilidades de participação do Congresso em nomeações estão presentes no caso brasileiro: 1) o Executivo nomeia, mas precisa passar pela aprovação do Legislativo; e 2) há alguns cargos escolhidos livremente pelo Parlamento. Esse é o caso dos membros do Conselho da República,4 4 Segundo a Constituição brasileira, compete ao Conselho da República: 1) pronunciar-se sobre a intervenção federal, o estado de defesa e o estado de sítio; e 2) pronunciar-se sobre questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas (Brasil, 2009). órgão de consulta do presidente composto do vice-presidente, dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, dos líderes da maioria e da minoria de cada Casa do Legislativo, do ministro da Justiça e de seis cidadãos brasileiros natos - dois nomeados pelo presidente, dois pela Câmara dos Deputados e dois pelo Senado (Brasil, 2009BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 32. ed. Brasília: Senado Federal, 2009., p. 69). O quadro 1 sintetiza a participação do Legislativo na nomeação de funcionários do estado no Brasil.

Quadro 1
Participação do Legislativo em nomeações

Um ponto relevante sobre a participação legislativa nas nomeações em países bicamerais é qual Casa participa de cada nomeação. É importante ressaltar que, no caso em questão, há uma forte presença do Senado nas nomeações; raramente a Câmara dos Deputados tem participação nessa modalidade de controle político. Em outras palavras, no Brasil predomina a participação do Senado, ficando a Câmara dos Deputados com uma participação ínfima: a nomeação de dois membros para o Conselho da República.

Além dessa participação em nomeações, há outras modalidades de controle parlamentar. Sáez, Montero e López (2005SÁEZ, M. A.; MONTERO, M. G.; LÓPEZ, F. S. Funciones, procedimientos y escenarios: un análisis del Poder Legislativo en América Latina. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2005.) apontam dez outros instrumentos de controle que os Parlamentos da América Latina possuem. O primeiro destes instrumentos é o próprio processo legislativo, uma vez que a participação de grupos parlamentares na elaboração e na aprovação de leis, na convalidação de decretos do Executivo, e na insistência, ante o veto presidencial, a uma lei aprovada pelo Congresso, garantiriam o controle parlamentar das atividades do governo. Claro está que quanto maior for o grau de concentração de poderes no Executivo menor será a possibilidade de o Legislativo exercer plenamente sua função de controle por meio do processo legislativo. Outro instrumento de controle que a maioria dos Parlamentos em países democráticos detém é o controle orçamentário. Neste caso, o Parlamento é “responsável por aprovar, autorizar e sancionar o gasto dos recursos públicos” (Sáez, Montero e López, 2005SÁEZ, M. A.; MONTERO, M. G.; LÓPEZ, F. S. Funciones, procedimientos y escenarios: un análisis del Poder Legislativo en América Latina. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2005., p. 139) e, desta maneira, é o responsável por fiscalizar os gastos governamentais, além de aprovar a destinação de recursos para as diversas áreas do governo e para as políticas públicas. Esses dois instrumentos de controle são altamente disseminados nos Parlamentos de países democráticos e referem-se ao próprio trâmite legislativo, isto é, são partes de função legislativa mais ampla. Em contrapartida, os outros instrumentos de controle que pontuaremos a seguir referem-se exclusivamente a essa atividade.

Uma forma direta de controle sobre o governo é o comparecimento de membros do Executivo ao Congresso, que pode dar-se tanto por petição do próprio Parlamento quanto por iniciativa própria. Seu principal objetivo é obter ou oferecer informação. No Brasil, qualquer deputado, senador ou comissão das duas Casas pode convocar ministros e outros titulares de órgãos diretamente vinculados à Presidência para prestarem pessoalmente informações sobre assunto previamente estipulado. Os ocupantes desses cargos também podem comparecer perante o Plenário ou qualquer comissão das duas Casas Legislativas por iniciativa própria.

Um importante instrumento de controle político é a capacidade de criação de Comissões de Investigação. A criação destas comissões “responde a interesses variados[,] como obter informação para o trabalho legislativo, controlar o funcionamento da administração, informar ao público ou controlar o comportamento de membros do governo” (Sáez, Montero e López, 2005SÁEZ, M. A.; MONTERO, M. G.; LÓPEZ, F. S. Funciones, procedimientos y escenarios: un análisis del Poder Legislativo en América Latina. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2005., p. 139). A criação de Comissões de Investigação está presente no Brasil e, além disso, a possibilidade de criação deste tipo de comissão cabe tanto ao Senado quanto à Câmara dos Deputados, contando também com a possibilidade de criação de Comissões Parlamentares Mistas de Inquérito. Assim sendo, mantém-se a simetria nessa função de controle parlamentar sobre o governo e a administração.5

A exigência de informe presidencial também é uma forma de controle presente no caso estudado. Estes informes são anuais e servem para o presidente informar sobre o estado do país e as ações empreendidas durante o ano (Sáez, Montero e López, 2005SÁEZ, M. A.; MONTERO, M. G.; LÓPEZ, F. S. Funciones, procedimientos y escenarios: un análisis del Poder Legislativo en América Latina. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2005., p. 149). No Brasil, o presidente tem que comparecer no Congresso para prestar informes anuais sobre o plano de governo e a execução deste plano, sendo que o primeiro é apresentado antes de ser posto em prática e o segundo é posterior. Entretanto, não há exigência de pronunciamento do Congresso, ou seja, limita-se a oferecer informações para o processo legislativo.

Os três últimos instrumentos de controle presentes no caso brasileiro têm como principal função o fornecimento de informações para o processo legislativo: a solicitação de documentos e informes, perguntas e interpelações. Cabe destacar que estes instrumentos de controle estão à disposição das duas Câmaras Legislativas.

Como podemos notar, há vários instrumentos de controle parlamentar sobre as atividades de governo. Sendo assim, o Parlamento do Brasil apresenta considerável capacidade de controle. Cabe destacar que o mais importante para este trabalho é que tais instrumentos estão distribuídos em pé de igualdade entre as duas Casas do Legislativo, ou seja, ambas gozam da mesma capacidade de controlar o Executivo.

Um último dispositivo que fomenta a simetria também está relacionado à função de controle exercida pelo Legislativo: o julgamento político. O que nos interessa sobre esse tema é o papel que cada Câmara desempenha nesse controle e sobre quem ele pode ser exercido.

No que tange aos cargos que podem ser alvo de julgamento político no Brasil, apenas o presidente, o vice-presidente e os ministros podem ser acusados pelo Legislativo, ou seja, esse tipo de controle está limitado a cargos do Executivo. Já o que motiva o início desse processo são os delitos de responsabilidade e os delitos comuns.

Como o Brasil organiza seu Legislativo em duas Casas, o mais importante sobre as tarefas de julgamento político está na sua divisão entre as Casas do Legislativo. A responsável pela acusação é a Câmara Baixa, e exige-se uma maioria qualificada de dois terços dos deputados (Sáez, Montero e López, 2005SÁEZ, M. A.; MONTERO, M. G.; LÓPEZ, F. S. Funciones, procedimientos y escenarios: un análisis del Poder Legislativo en América Latina. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2005., p. 175-179). Contudo, a tarefa de julgamento cabe à Câmara Alta, sendo exigidos dois terços dos membros desta Casa para chegar-se a um resultado. No caso brasileiro, quando um ocupante de cargo no Executivo é acusado pela Câmara dos Deputados por causa de delitos comuns, o julgamento cabe ao STF, ficando o Senado responsável apenas pelo julgamento em casos de crimes de responsabilidade. Caso o julgamento condene o indiciado, os resultados são destituição, incapacidade de ocupar cargos públicos e possíveis sanções judiciais ou penais.

Em suma, a capacidade de julgamento político no sistema bicameral brasileiro respeita a simetria entre as duas Casas Legislativas. Apesar de elas não terem iguais tarefas, elas dividem o processo, sendo que a acusação cabe exclusivamente à Câmara dos Deputados, e o julgamento ao Senado. Neste sentido, ambas participam desta forma de controle e responsabilização do Executivo.

A noção de incongruência está relacionada principalmente à justificativa de representação diferenciada nas duas Câmaras Legislativas, e, consequentemente, à visão de garantia de um melhor sistema de pesos e contrapesos no processo legislativo, fomentando uma maior proteção para a representação de interesses minoritários ou de grupos diferenciados.

O primeiro dispositivo institucional de fomento à incongruência é a representação de interesses provinciais e minoritários na Câmara Alta, e está intimamente ligado à justificativa da existência de uma segunda Casa Legislativa: a representação de distintos interesses em cada Câmara. Esse traço encontra-se em diversos bicameralismos: na Inglaterra, o sistema bicameral foi adotado para garantir a representação dos interesses de distintas classes (nobres e comuns); nos Estados Unidos, a segunda Câmara serve para dar representação igual para os estados-membros da Federação; na Bélgica, o bicameralismo é utilizado para a proteção dos interesses minoritários dos grupos linguísticos. No caso do Brasil, este traço também se encontra presente. Assim como nos Estados Unidos, o Senado brasileiro tem como função a representação igualitária dos entes federados - estados -, enquanto a Câmara dos Deputados busca uma representação da população.6 6 Mesmo buscando a representação populacional, a Câmara dos Deputados brasileira também apresenta uma desproporcionalidade na sua representação territorial (Rubiatti, 2014). Vale ressaltar a impossibilidade de uma proporcionalidade perfeita.

O segundo elemento está ligado ao primeiro: a questão da representação populacional em ambas as Câmaras, mas com distritos e fórmula eleitoral distinta. Essa diferenciação de fórmulas ou de distritos eleitorais reforçaria a possibilidade de diferenciação nos corpos legislativos de cada Casa, uma vez que, na seleção de seus membros, cada uma obedeceria a princípios eleitorais diferentes, ou mesmo teria uma representação territorial diferenciada, e, por esse motivo, espera-se que esse dispositivo aumente a diferença entre os grupos políticos presentes em cada uma das Câmaras Legislativas. Claro está que a distinção dos distritos eleitorais terá maior impacto em países que apresentem forte clivagem regional.

No Brasil, a Câmara Alta não busca representar nenhuma categoria de cidadãos. A diferença na representação está na fórmula eleitoral utilizada para a formação dos distintos corpos legislativos. No caso brasileiro, a Câmara dos Deputados é formada a partir da eleição em 27 circunscrições plurinominais, e o Senado é composto de três senadores por estado e pelo Distrito Federal, ou seja, os distritos são os mesmos, mas a fórmula eleitoral muda: no caso dos deputados, aplica-se o sistema proporcional, enquanto para os senadores é utilizado o sistema de maioria simples.

Esses dois primeiros traços estão intimamente ligados a uma questão central do bicameralismo: a acomodação de diferentes interesses em cada Casa Legislativa. Entretanto, esse não é o único objetivo apontado para a adoção de um sistema bicameral: há também a questão da estabilidade e da melhoria da qualidade da produção legislativa. Os outros traços institucionais estão ligados a esses objetivos.7 7 Dois traços apontados por Llanos (2002), mas que não se apresentam no Brasil, são a representação de não eleitos (hereditários ou designados) na Câmara Alta e as eleições indiretas para senadores.

No que se refere ao sistema eleitoral utilizado, podemos ver que há um forte elemento de incongruência. Fórmulas eleitorais diferenciadas estão presentes neste caso, o que possibilita a formação de diferentes maiorias em cada Câmara, que, por sua vez, pode reforçar o papel dos Senados no sistema de pesos e contrapesos desse país. Além disso, a inexistência de membros não eleitos - sejam hereditários, sejam indicados - ou eleitos indiretamente no Senado também reforça a representatividade dessa Casa Legislativa no processo político e sua legitimidade perante a opinião pública. Em suma, ao utilizar a eleição direta como fórmula para seleção dos ocupantes no Senado, o bicameralismo brasileiro reforça a representatividade e a legitimidade dessa Casa.

O quinto traço institucional é a diferença no tamanho dos corpos legislativos de cada Casa, sendo que a segunda Casa tem um tamanho menor. Por serem menores, os Senados possibilitariam uma maior comunicação interpartidária e evitariam as paixões repentinas e violentas das assembleias numerosas (Llanos, 2002LLANOS, M. El bicameralismo em América Latina. Hamburg: Institut für Iberoamerica-Kunde, 2002. (Arbeitspapier, n. 5)., p. 5). Desta maneira, permitiriam uma melhoria na qualidade da produção legislativa, ao corrigirem os erros e possibilitarem uma melhor discussão dos projetos de lei apresentados. Como podemos notar, esse dispositivo institucional está ligado à noção de redundância ou salvaguarda que serve de justificativa para a existência de uma segunda Câmara Legislativa. A presença deste dispositivo institucional é forte no Brasil: 513 deputados e 81 senadores. O Senado equivale a menos de um terço da Câmara dos Deputados.

A existência de requisitos diferenciados para ser senador está ligada à questão da estabilidade e da melhoria de qualidade da produção legislativa. Neste caso, o Senado é visto como uma Casa composta por membros mais qualificados ou com carreiras políticas mais avançadas. Por esse motivo, os dispositivos contidos nessa variável referem-se à diferença na idade mínima para ser senador e outros requisitos, que podem tanto estar ligados à cidadania quanto à escolaridade, à renda, à experiência prévia etc.

Da exigência de uma idade mínima maior para ser senador, resultaria um Senado composto por legisladores com opiniões mais formadas e que se encontrariam em um estágio mais avançado na sua carreira política em relação aos deputados. No Brasil, a idade mínima para ser senador é de 35 anos, e para deputado é de 21 anos, ou seja, há diferença na idade mínima (de 14 anos), e a exigência é maior para os senadores. É esta diferença na idade mínima para ser senador que leva essa Casa a ser associada a um conselho de anciãos, mas isso não significa que os Senados sejam realmente compostos por membros mais velhos, isto é, uma idade mínima diferente não significa que a diferença de idade entre as duas Casas Legislativas seja automaticamente relevante.8 8 Para um estudo sobre a composição social, inclusive etária, dos Senados da América do Sul, ver Llanos e Sánchez (2008). Nesse estudo, os autores mostram que a diferença na média de idade dos senadores e dos deputados no Brasil não chega a cinco anos: 51,3 para os deputados e 56,1 para os senadores.

Além da diferença na idade mínima, algumas constituições também estipulam outros requisitos diferenciados para ser senador, ou seja, os critérios de seleção de senadores envolvem algum outro requisito além da diferença de idade, como, por exemplo, maior tempo de cidadania,9 9 No caso de cidadãos nascidos em outros países, mas que possuem cidadania no atual, algumas Constituições, como a da Argentina, estipulam maior tempo de cidadania para ser candidato ao Senado, em relação ao estipulado para a Câmara dos Deputados. alguma limitação de renda ou escolaridade. Entretanto, os requisitos para ser deputado ou senador no Brasil são exatamente os mesmos, com exceção da diferença de idade.

Outro elemento importante no fomento da incongruência dos sistemas bicamerais é a duração dos mandatos, geralmente maiores para os Senados. Um período maior de mandato para os senadores tem por finalidade desenvolver perícia, acumular experiência, criar maior independência de opinião deles - uma vez que não teriam que enfrentar reeleições tão seguidas - e fornecer estabilidade (Llanos, 2002LLANOS, M. El bicameralismo em América Latina. Hamburg: Institut für Iberoamerica-Kunde, 2002. (Arbeitspapier, n. 5)., p. 5). Além disso, a duração diferente dos mandatos diminuiria a possibilidade de formar-se a mesma maioria circunstancial nas duas Câmaras, o que reforça o papel estabilizador desse dispositivo institucional. No Brasil, o mandato dos senadores é o dobro do dos deputados: oito e quatro anos, respectivamente.

A renovação parcial dificultaria a formação de maiorias conjunturais ou circunstanciais iguais nas duas Câmaras, afinal a composição do Senado dar-se-ia em mais de um momento eleitoral. No Brasil, o Senado renova-se em um terço e dois terços a cada quatro anos, enquanto a renovação da Câmara dos Deputados é total de quatro em quatro anos. Em suma, no caso brasileiro, esse dispositivo institucional está presente e garantiria um reforço na questão da estabilidade na produção legislativa.

Levando em consideração os dispositivos institucionais que fomentam a simetria e a incongruência formulados por Llanos (2002LLANOS, M. El bicameralismo em América Latina. Hamburg: Institut für Iberoamerica-Kunde, 2002. (Arbeitspapier, n. 5).) e Llanos e Nolte (2003)LLANOS, M.; NOLTE, D. Bicameralism in the Americas: around the extremes of symmetry and incongruence. The Journal of Legislative Studies, v. 9, n. 3, p. 54-86, 2003., vemos que o Brasil apresenta um alto grau de simetria e incongruência. No que tange à incongruência, temos o Brasil como o país que apresentaria o maior índice da América Latina,10 10 Em uma escala que vai de 24 (máxima incongruência) a 0 (congruência), sendo 8 o valor de incongruência mediana, o Brasil atinge um índice de 16 pontos, apenas 1 ponto a menos do que os Estados Unidos, que têm 17 pontos. Algo semelhante ocorre com o índice de simetria criado pelos autores, em que o Brasil alcança 22 pontos, enquanto os Estados Unidos apresentam 24 (Llanos e Nolte, 2003, p. 72-74). além de possuir um dos maiores índices de simetria nesse subcontinente, ficando apenas atrás do Paraguai.

Sistema de resolução de conflitos

Há diversos tipos de mecanismos de resolução de conflitos e alguns deles têm claro caráter bicameral, enquanto outros apresentam soluções unicamerais. Tsebelis e Money (1997TSEBELIS, G.; MONEY, J. Bicameralism. Cambridge: Cambridge University Press, 1997.) apresentam cinco formas utilizadas para a resolução de conflitos em sistemas bicamerais, a dizer: 1) sistema de navette; 2) formação de comissão consultiva; 3) sessão conjunta; 4) decisão final por uma Câmara; e 5) novas eleições. Destas cinco formas, apenas o sistema de navette tem claro caráter bicameral, possibilitando a discussão e a aprovação em ambas as Casas Legislativas, não privilegiando nenhuma das Câmaras.

O sistema de navette ou shuttle é o mais comum dos mecanismos de resolução de conflitos, pois dos 53 casos estudados por Tsebelis e Money (1997TSEBELIS, G.; MONEY, J. Bicameralism. Cambridge: Cambridge University Press, 1997.), 52 utilizavam o sistema de navette como forma principal de resolução de desacordos no processo legislativo entre as Câmaras. Neste sistema, um projeto de lei passa de uma Casa a outra até que se chegue a um acordo ou até que se aplique alguma regra para deter esse trânsito (Tsebelis, 2009TSEBELIS, G. Atores com poder de veto. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009., p. 211). Neste caso, o número de rounds (quantas vezes o mesmo projeto de lei pode ser discutido e votado em cada Câmara) varia conforme a Constituição de cada país. Este é um sistema que fortalece o caráter bicameral da decisão legislativa, isto é, esse método é claramente de natureza bicameral, uma vez que, “ao requerer a aprovação da legislação por parte de cada Câmara, as trataria em pé de igualdade” (Llanos, 2002LLANOS, M. El bicameralismo em América Latina. Hamburg: Institut für Iberoamerica-Kunde, 2002. (Arbeitspapier, n. 5)., p. 5). Em outras palavras, nenhuma Câmara é privilegiada. Entretanto, se não houver definição do número de rodadas ou outra forma de finalizar o trânsito dos projetos de lei entre as Casas Legislativas, o sistema pode tender à paralisia na tomada de decisões. Por esse motivo, diversos países definem um limite de rodadas ou outras formas de resolução, caso o conflito entre as Casas prolongue-se ou não se chegue a um acordo dentro do número de rodadas estipuladas.

Quadro 2
Sistema de navette no Brasil

Um ponto a destacar-se é a diferença do trâmite bicameral quando se trata de questões financeiras: as formas de discussão e aprovação de leis orçamentárias diferem, sendo que, para estas leis, o sistema de navette, quando utilizado, é reduzido, e o processo de revisão é limitado temporalmente. Para leis desse tipo, muitos países adotam a sessão conjunta, ou a participação de uma única Câmara, geralmente a Câmara Baixa, no processo legislativo (Tsebelis e Money, 1997TSEBELIS, G.; MONEY, J. Bicameralism. Cambridge: Cambridge University Press, 1997., p. 63-68).

No Brasil, um projeto de lei tem que ser aprovado pelas duas Casas Legislativas para ir para sanção presidencial. Todavia, há duas outras possibilidades. Um projeto pode ser aprovado pela Câmara iniciadora e vetado pela Câmara revisora; neste caso, o projeto é arquivado, dando a palavra final para a Casa Legislativa revisora. Entretanto, se o projeto aprovado pela Câmara iniciadora for emendado pela Câmara revisora, o projeto volta a ser discutido na primeira, e a palavra final recairá sobre esta Câmara, ou seja, em casos nos quais o projeto é emendado, a que tem a decisão final é a Câmara iniciadora. Como podemos ver, neste caso, não há predomínio de nenhuma das Casas Legislativas, uma vez que ambas, tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado, detêm a prerrogativa de iniciar projetos de lei; consequentemente, ambas podem ser tanto a Casa iniciadora quanto a revisora, o que dá um caráter aleatório sobre a posição ocupada por cada Casa Legislativa. Sendo assim, o caráter simétrico de nosso sistema estaria preservado. Cabe destacar também que o número de leituras de um mesmo projeto não ultrapassa três: 1) Câmara iniciadora; 2) Câmara revisora; e 3) novamente a Câmara iniciadora, mas apenas se o projeto sofrer emendas pela Câmara revisora.

Assim, Backes (2008BACKES, A. L. Fortalecimento parlamentar de minorias regionais e suas razões. In: LEMOS, L. B. (Org.). O Senado Federal brasileiro no pós-constituinte. Brasília: Senado Federal; Unilegis, 2008.) afirma que a interpretação do Art. 65 da Constituição Federal acaba por dar prevalência à Casa iniciadora.

A interpretação dada a esse artigo é que a Casa iniciadora tem o poder de manter o seu texto contra as emendas da Casa revisora, em qualquer assunto. Assim, embora todas as leis passem necessariamente pelas duas Casas, pontos específicos podem se transformar em lei contra a vontade da Casa revisora. Como ambas as Casas têm igual iniciativa de lei, este critério resulta aleatório - prevalece a vontade da Casa que chegar primeiro, aquela que tomar a iniciativa. Não se deve esquecer, porém, que a Casa revisora pode rejeitar o projeto (Backes, 2008BACKES, A. L. Fortalecimento parlamentar de minorias regionais e suas razões. In: LEMOS, L. B. (Org.). O Senado Federal brasileiro no pós-constituinte. Brasília: Senado Federal; Unilegis, 2008., p. 69).

Entretanto, há um complicador nessa questão. Como dito anteriormente, o Executivo brasileiro é responsável por grande parte da produção legislativa nacional (Figueiredo e Limongi, 1999FIGUEIREDO, A.; LIMONGI, F. Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999.; Pessanha, 2002PESSANHA, C. O Poder Executivo e o processo legislativo nas Constituições brasileiras. In: VIANNA, L. W. (Org.). A democracia e os Três Poderes no Brasil. Belo Horizonte; Rio de Janeiro: Editora UFMG; IUPERJ/FAPERJ, 2002.), e como toda a lei de iniciativa do Executivo tem, obrigatoriamente, que iniciar seu trâmite pela Câmara dos Deputados, esse caráter aleatório fica prejudicado. Já que a maioria dos projetos aprovados inicia-se pela primeira Câmara, o Senado acaba exercendo o papel de Câmara revisora mais frequentemente. Isso tem por consequência, nos projetos do Executivo - que compõem a maioria dos projetos de lei aprovados no Brasil pós-1988 -, que a Câmara dos Deputados terá a palavra final, a não ser que o Senado rejeite-os; se os emendar, a primeira Câmara poderá considerar essas emendas ou aprovar o projeto, não as levando em consideração. Em outras palavras, o poder de decisão final caberá, mais frequentemente, à Câmara Baixa.

Em suma, o sistema de navette aplicado no Brasil favorece o caráter aleatório do poder de decisão final sobre as leis, não privilegiando nenhuma das Câmaras Legislativas, mas sim o papel da Câmara iniciadora. Entretanto, o alto peso do Executivo na iniciativa de leis acaba por alterar esse caráter, privilegiando a Câmara dos Deputados, uma vez que é por esta Câmara que os projetos do Executivo são iniciados. Apesar disso, não podemos esquecer que o papel privilegiado da Câmara iniciadora só se efetiva quando a Casa revisora emenda o projeto. Caso o rejeite, a palavra final cabe a essa Casa Legislativa, ou seja, mesmo com a diminuição do caráter aleatório do sistema, causada pelo poder de iniciativa do Executivo, o caráter simétrico do sistema é mantido, podendo ambas as Câmaras finalizarem os projetos de lei.

Os processos em revisão no Senado

Nesta seção serão apresentados os dados sobre a produção legislativa em revisão no Senado. Foram tratados todos os projetos de lei ordinária e complementar que tramitaram em revisão no Senado. Assim, não estão incluídos nesse levantamento as medidas provisórias, as leis orçamentárias e os projetos de emenda à Constituição. Essa exclusão deve-se ao fato de estes projetos terem um processo de tramitação intercameral diferenciado. No período coberto por este artigo, foram iniciados 2.313 projetos em revisão no Senado brasileiro. Além destes, havia 185 projetos em revisão de legislaturas anteriores ainda tramitando na Câmara Alta em 1999. Desta forma, foram tratados 2.498 projetos de lei. A tramitação deles será tratada de duas formas: primeiro a origem (Executivo, deputados ou outros) e o resultado da tramitação em revisão (aprovado, emendado/substitutivo, rejeitado, prejudicado, retirado ou arquivado, além dos projetos que ainda não chegaram a um resultado final até 2014); na sequência, será tratada a questão temporal do processo de tramitação, isto é, o tempo - em legislaturas.

Como dito anteriormente, os projetos em revisão no Senado brasileiro podem ter sido propostos tanto por deputados federais quanto pelo Executivo, pelos Tribunais Superiores e por iniciativa popular. Devido à interpretação de que todas as iniciativas feitas por órgãos externos ao Legislativo devem obrigatoriamente iniciar sua tramitação pela Câmara dos Deputados, o Senado é, consequentemente, a Câmara revisora dos projetos iniciados por esses órgãos. Levando-se em consideração o papel relevante do Executivo brasileiro na produção legislativa, a Câmara Alta acaba por exercer esse papel de revisora em um número considerável de proposições que se efetivam na forma de lei. Assim, Llanos (2002LLANOS, M. El bicameralismo em América Latina. Hamburg: Institut für Iberoamerica-Kunde, 2002. (Arbeitspapier, n. 5).) aponta que o caráter simétrico do bicameralismo brasileiro seria moderado no que tange a essa capacidade de iniciativa, uma vez que o caráter aleatório das iniciativas - em que ambas as Câmaras possuem a mesma prerrogativa para serem as Casas de origem ou revisora - estaria prejudicado pelo volume de leis oriundas do Executivo.

Gráfico 1
Total de projetos por origem

Como se pode notar no gráfico 1, a maior parte dos projetos em revisão no Senado é iniciada por deputados federais: 1.834 projetos em revisão tiveram essa origem. O Executivo é o segundo maior autor de projetos de lei em revisão, ficando com 447 projetos de sua autoria. Cabe notar aqui que parte da agenda do Executivo não está incluída nessa análise, uma vez que estão excluídas as matérias orçamentárias e as medidas provisórias, que são formas de iniciar projetos de lei à disposição exclusivamente do Executivo e que ocupam parte relevante das proposições desse Poder. As iniciativas classificadas como “outros” são, em sua quase totalidade, originadas dos Tribunais Superiores: Tribunal Superior do Trabalho (TST), Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça (STJ), Superior Tribunal Militar (STM), Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Estes tribunais têm a prerrogativa de iniciar projetos de lei em áreas específicas, vinculadas à sua própria organização, às carreiras e à atuação. Sendo assim, as iniciativas destes tribunais podem ser vistas como muito específicas e representam uma pequena parte do volume de projetos em revisão no Senado: são apenas 187 projetos ou 7,5% do total. Desta forma, pode-se notar que, ao tratar-se de projetos de lei ordinária e complementar em revisão no Senado, o maior propositor é a própria Câmara dos Deputados, ficando como autora de 73,4% dos projetos em revisão na Câmara Alta. O Executivo é o segundo maior propositor, chegando a 19,1%. Os 7,5% restantes são, majoritariamente, oriundos dos Tribunais Superiores.

Gráfico 2
Projetos em revisão por origem e ano de entrada no Senado

O gráfico 2 apresenta a evolução temporal da entrada dos projetos em revisão no Senado. Um primeiro ponto que se destaca neste gráfico é o ano de 2009, em que há um comportamento desviante na evolução de entradas, isto é, um forte crescimento no número de projetos que iniciaram seu trâmite em revisão: em 2008 foram iniciados 208 projetos, em 2009 esse número subiu para 329, mas caiu para 191 em 2010. Desta forma, o crescimento apresentado em 2009 não encontra continuidade; pelo contrário, a queda no número de entradas continua até 2013, quando chega a 127 projetos. Ainda sobre o ano de 2009, cabe notar que esse crescimento deve-se ao aumento de projetos iniciados pelos deputados federais, uma vez que os números de projetos do Executivo mantiveram-se próximos (24 e 37, respectivamente, para 2008 e 2009), e os que tiveram outros propositores representam um número baixo.11 11 Apesar de praticamente dobrar o número de iniciativas (12 em 2008 e 23 em 2009), a participação de outros propositores ainda pode ser vista como residual.

Outro ponto a ser destacado é que há variações na trajetória de iniciativas, de acordo com o órgão propositor. Em 1999, Executivo e Câmara dos Deputados foram responsáveis por apresentar 31 dos projetos em revisão cada. Como só houve um projeto com origem em outro propositor, pode-se afirmar que basicamente cada um desses dois órgãos apresentou metade dos projetos em revisão. Contudo, a partir de 2000, os deputados são responsáveis por apresentar mais da metade dos projetos, mostrando um crescimento, mesmo que não contínuo, no número de projetos em revisão iniciados por eles, variando de 31 e 169. Já o Executivo apresenta uma menor variação no número de projetos em revisão - entre 15 e 42 -, ou seja, há uma distribuição mais homogênea em sua participação como autor de projetos nessa condição. Já os outros propositores tiveram uma variação entre 1 e 27 projetos em revisão e nota-se uma maior concentração destes projetos no final do período, em especial nos anos de 2009, 2011 e 2012. Assim, a participação dos propositores difere tanto quando se observa apenas o volume de iniciativas quanto este volume de acordo com o ano, isto é, a trajetória dos projetos em revisão de cada Poder não é coincidente.

Feitas essas considerações sobre o volume e os propositores dos projetos em revisão, cabe agora tratar dos resultados. Como dito anteriormente, devido ao sistema de resolução de conflitos adotado entre as Câmaras e à incongruência do sistema bicameral do Brasil, espera-se que haja uma retenção significativa dos projetos em revisão, uma vez que os traços de incongruência são fortes e possibilitariam a formação de distintas maiorias nas Casas Legislativas, assim como o sistema de resolução de conflitos outorga à Câmara revisora forte papel de veto. Porém, não se espera que o Senado tenha uma posição conflitiva com a Câmara Baixa nem com o Executivo e os outros propositores, a ponto de optar por uma posição puramente de obstrução destes projetos. Assim, devido à concentração de poderes de agenda no Executivo e à centralização do processo decisório nas lideranças partidárias, bem como ao caráter partidário da formação da coalizão, espera-se que haja um estímulo à cooperação entre as Câmaras Legislativas e o Executivo. Desta forma, almeja-se que ocorra tanto a retenção quanto a aprovação destes projetos pela Câmara Alta. O gráfico 3 mostra os resultados obtidos pelos projetos em revisão. Nele estão agrupados como aprovados todos os projetos que continuaram seu trâmite, isto é, tantos os efetivamente aprovados e mandados para a sanção presidencial quanto os que foram emendados ou apresentados substitutivos e que retornaram para a Câmara dos Deputados. Entretanto, foram considerados retidos todos os projetos que não tiveram continuidade em seu trâmite, ou seja, os rejeitados, os arquivados pelo regimento, os prejudicados, os retirados e os que ainda se encontram em tramitação dentro do próprio Senado.

Gráfico 3
Resultados dos projetos em revisão no Senado

Como se pode notar, a maior parte dos projetos não fica retida na Câmara Alta: 59% dos projetos em revisão são ou enviados para a sanção presidencial ou retornam para a Câmara de origem. Consequentemente, 41% ficam retidos nessa Casa Legislativa. Essa capacidade de retenção é significativa e mostra que efetivamente o Senado utiliza seu poder de veto sobre as proposições dos outros iniciadores, filtrando as propostas aprovadas pelos deputados. Ao mesmo tempo, a aprovação dos projetos também é significativa, mostrando que a Câmara Alta não adota uma postura obstrucionista; pelo contrário, ela dá continuidade a mais da metade dos projetos em revisão. Desta forma, a imagem de uma Câmara que efetivamente serve de ponto de veto dentro do regime institucional brasileiro é confirmada.

Gráfico 4
Resultado dos projetos em revisão no Senado: iniciados por deputados

Cabe destacar que a retenção de projetos em revisão difere segundo o órgão propositor. Os gráficos 4 e 5 apontam a aprovação e a retenção dos projetos dos deputados e do Executivo. Como se pode notar, os projetos dos deputados são, em sua maioria, retidos, apesar de esta maioria ser estreita: 52,7% dos projetos iniciados por deputados são retidos no Senado. Em contrapartida, apenas 9,9% dos projetos do Executivo têm o mesmo destino. Desta forma, é possível notar que o Senado apresenta uma maior tendência de cooperação com o Executivo do que com os deputados. Esta maior cooperação com o Executivo pode ser explicada por dois fatores: o primeiro se refere ao próprio presidencialismo de coalizão; o Executivo, ao formar sua coalizão, buscaria apoio partidário visando construir maioria em ambas as Casas Legislativas. Como apontado por Neiva (2011NEIVA, P. Coesão e disciplina partidária no Senado Federal. Dados, v. 54, n. 2, p. 289-318, 2011a.a), o comportamento partidário dos senadores segue padrão semelhante ao da Câmara dos Deputados. Somado a ele, Araújo (2014ARAÚJO, P. M. Bicameralismo e Poder Executivo no Brasil: revisão de projetos presidenciais entre 1989-2010. Opinião Pública, v. 20, n. 1, p. 67-95, 2014.) aponta que:

tanto o formato bicameral das coalizões quanto o da representação legislativa como um todo incorporam, no Senado, um número menor de atores, com um perfil ideológico mais moderado. Quando se trata das coalizões, além de terem sido menos fragmentadas entre os senadores e quase sempre majoritárias ao longo do período, elas compuseram, boa parte das vezes, bancadas maiores que na Câmara dos Deputados (Araújo, 2014ARAÚJO, P. M. Bicameralismo e Poder Executivo no Brasil: revisão de projetos presidenciais entre 1989-2010. Opinião Pública, v. 20, n. 1, p. 67-95, 2014., p. 92).

Dessa forma, o Senado não se apresenta, na maioria das vezes, como um forte obstáculo na aprovação de projetos do Executivo. O segundo fator é a “filtragem” feita pelos deputados nos projetos do Executivo. Em outras palavras, os projetos do Executivo que apresentem maior grau de conflito na base do governo podem ser retidos na Câmara Baixa, não chegando ao Senado para apreciação. Além disso, por ser Câmara revisora destes projetos, os interesses representados no Senado:

podem ser antecipados nas deliberações da Câmara, de modo que os senadores só têm incentivos para atuar de forma contundente quando tais interesses não são devidamente atendidos nas etapas anteriores do processo de formação de leis (Araújo, 2014ARAÚJO, P. M. Bicameralismo e Poder Executivo no Brasil: revisão de projetos presidenciais entre 1989-2010. Opinião Pública, v. 20, n. 1, p. 67-95, 2014., p. 92).

Gráfico 5
Resultado dos projetos em revisão no Senado: iniciados pelo Executivo

Ainda sobre a atuação dos senadores diante dos projetos do Executivo, nota-se que a retenção de tais projetos dá-se por não decisão da Câmara Alta, uma vez que, em todo o período, apenas dois projetos do Executivo foram efetivamente rejeitados pelo Senado.12 12 Um no primeiro mandato de Lula (2003-2006) e outro no primeiro mandato de Dilma (2011-2014). Nota-se também, que no primeiro caso, era um projeto iniciado em legislaturas anteriores, ou seja, não havia sido proposto pelo governo vigente na época de sua rejeição, o que pode indicar desinteresse desse governo na aprovação do projeto. O mesmo não ocorre no segundo caso: neste, o projeto foi iniciado na mesma legislatura, sendo, então, proposta do governo vigente na época de sua rejeição. No mesmo sentido, a maioria dos projetos retidos com origem no Executivo foi arquivada por força do regimento, ou seja, são projetos que passaram mais de dois períodos legislativos sem que se chegasse a uma decisão na Câmara revisora.

A partir dessas informações, cabe perguntar: qual é a estratégia utilizada pelos senadores no tratamento dos projetos em revisão? Ou seja, qual dos resultados é mais utilizado pela Câmara Alta no tratamento dos projetos? Para responder a essa pergunta, agora serão tratadas as participações de cada tipo de resultado.

Quando tratamos das aprovações, dois resultados são possíveis: a aprovação de fato, que leva o projeto direto para a sanção presidencial, ou a utilização de emendas e substitutivos, que faz com que o projeto retorne para a Câmara de origem. No primeiro caso, há concordância entre as duas Casas Legislativas. Já no segundo, há discordâncias em pontos específicos e conteúdo. Como apontado anteriormente, o sistema de navette adotado no Brasil acaba por dar o poder de decisão para a Câmara de origem quando o projeto sofre alterações pela Câmara revisora, isto é, acaba por privilegiar a Câmara de origem. Esse privilégio dar-se-ia na medida em que a Câmara de origem pode aprovar o projeto alterado ou o original, ignorando as mudanças da Câmara revisora. Desta forma, a alteração de um projeto em pontos específicos e conteúdo pode não ser a melhor estratégia dos senadores para fazer valer sua decisão, uma vez que esta decisão pode ser simplesmente descartada pela Câmara de origem. Assim, espera-se que a utilização de emendas e substitutivos nos projetos em revisão seja limitada (ainda que existente), deixando a aprovação e o envio para a sanção presidencial, com a maior parte destes projetos.

O gráfico 6 mostra o resultado para as aprovações. Nele fica claro que a maior parte das aprovações resulta no envio para a sanção presidencial, isto é, não altera os projetos vindos da Câmara dos Deputados. Já os projetos emendados/substitutivos representam 20,4% dos projetos aprovados. Desta forma, nota-se que uma pequena parte dos projetos em revisão retorna para o trâmite bicameral. Esse fato pode estar relacionado ao privilégio da Câmara de origem: se o projeto for alterado, a alteração poderá ser descartada pela Câmara de origem; desta forma, caso haja algum desacordo entre as Câmaras, pode ser mais vantajoso para a Câmara revisora utilizar algum método de retenção deste projeto e iniciar um projeto de autoria de seus membros sobre o mesmo tema, tornando-se, desta maneira, a Câmara de origem da nova proposta.

Gráfico 6
Resultado das aprovações dos projetos em revisão no Senado

No que tange às retenções, duas estratégias destacam-se: o arquivamento por força regimental e os projetos que ainda se encontram em tramitação. De certa forma, ambos os resultados estão ligados. Os projetos arquivados são aqueles que passaram mais de duas legislaturas sem obterem resultado. Os ainda tramitando já passaram por, pelo menos, uma legislatura sem obter resultado. Desta forma, ambas as retenções acabam por estar relacionadas ao fator tempo. Juntos, os arquivamentos e os projetos ainda em tramitação representam 73,1% dos projetos em revisão retidos. Prejudicados e retirados representam uma pequena parcela destes projetos (9,3%). Já os rejeitados representam 17,7% dos projetos.

Gráfico 7
Resultados das retenções dos projetos em revisão no Senado

Cabe aqui destacar que, das retenções, apenas os projetos rejeitados exigem uma posição contrária da Câmara revisora. Os outros resultados são não decisões (arquivamento e tramitando) ou não exigem concordância ou negativa da Câmara revisora (retirado e prejudicado). Desta forma, pode-se notar que a retenção é utilizada prioritariamente por meio da estratégia de não decisão: os projetos continuam seus trâmites entre legislaturas até serem arquivados - ou mesmo perderem objeto ou terem outro projeto aprovado sobre o mesmo assunto -, ficando a decisão negativa (rejeição) apenas como terceira estratégia mais utilizada.

Tendo em mente essa estratégia de manter os projetos tramitando por mais de uma legislatura, cabe perguntar: o tempo de tramitação afeta os resultados dos projetos? Em outras palavras, um projeto que fique mais de uma legislatura em revisão tem maiores ou menores chances de ser aprovado, ou rejeitado? O gráfico 8 divide os resultados de acordo com o tempo de tramitação - se dentro da mesma legislatura em que iniciaram o trâmite em revisão ou se ficaram mais de uma legislatura em tramitação no Senado.

O primeiro ponto a ser destacado é que, obviamente, todos os projetos arquivados por força do regimento são de legislaturas anteriores, uma vez que o regimento define que esse arquivamento ocorra após duas legislaturas de tramitação. Também merece destaque que, no que tange aos projetos tramitando, os dados referem-se à última legislatura (2011-2014). Como os arquivamentos por regimento ocorrem no último ano de cada legislatura, pode-se notar que o número de projetos oriundos de legislaturas anteriores a 2011-2014 é baixo, mas como todos estes projetos continuarão seu trâmite na legislatura seguinte, todos serão de legislaturas anteriores quando obtiverem algum resultado.

Gráfico 8
Resultados de acordo com o tempo de tramitação

Sobre as aprovações que levam o projeto para a sanção presidencial, há uma preponderância dos projetos da mesma legislatura, isto é, 80% dos projetos que foram enviados diretamente para a sanção presidencial após o trâmite em revisão no Senado iniciaram o processo de revisão na mesma legislatura em que foram aprovados. Já no que tange aos projetos emendados/substitutivos, não há uma preponderância tão clara. Todavia, mais da metade dos que tiveram esse resultado, o tiveram na mesma legislatura que iniciaram o processo de revisão na Câmara Alta. Em contrapartida, os projetos rejeitados são majoritariamente de legislaturas anteriores: mais de 70% dos rejeitados ficaram mais de uma legislatura para obter esse resultado. Os projetos retirados dividem-se no meio. Todavia, retirar um projeto é ação do propositor, e, por esse motivo, não depende da Câmara revisora. Os projetos prejudicados são majoritariamente de legislaturas anteriores, mas não há uma forte preponderância. Assim, é possível notar, pelo gráfico 8, que a maior retenção ocorre em projetos que estão a mais de uma legislatura em processo de revisão. Desta forma, ficar mais do que uma legislatura tramitando em revisão no Senado diminui as chances de um projeto ter resultado positivo.

Assim, a partir dos dados referentes aos projetos em revisão no Senado, é possível visualizar que essa Casa Legislativa não se apresenta como obstrucionista, utilizando sua capacidade de veto de acordo com a proposição. Em outras palavras, a Câmara Alta retém parte considerável dos projetos por ela revisados, mas também dá continuidade à maior parte destes projetos.

Considerações finais

Este artigo buscou apresentar o sistema de resolução de conflitos e a capacidade de retenção do Senado brasileiro. Para tanto, partiu-se da definição do sistema bicameral adotado no Brasil - simétrico e incongruente - e do caráter bicameral de seu sistema de resolução de conflitos. O sistema de navette adotado pelo Brasil tem forte caráter simétrico, uma vez que ambas as Câmaras podem ser iniciadoras ou revisoras de projetos de lei, sendo aleatório o papel que cada uma delas irá ocupar. Todavia, esse caráter aleatório seria enfraquecido pelo entendimento de que os projetos do Executivo - e de outros Poderes - obrigatoriamente iniciariam seu trâmite na Câmara dos Deputados, fazendo com que o Senado torne-se Casa revisora em um importante número de projetos de lei que efetivamente são aprovados. Além disso, o sistema de navette brasileiro acaba por privilegiar a Câmara de origem, permitindo a ela a palavra final sobre os projetos modificados pela Câmara revisora.

Ao tratar dos projetos em revisão entre 1999 e 2014, observou-se que a maior parte deles tem por origem os próprios deputados, sendo o Executivo o segundo maior propositor. Entretanto, a participação de cada um desses Poderes no número de projetos aprovados não apresenta uma mesma trajetória: os referentes aos deputados apresentam grande variação conforme os anos, enquanto os do Executivo mostram menor variação.

No que tange aos resultados dos projetos em revisão, percebeu-se que há uma considerável retenção dos projetos pelo Senado: 41% deles foram retidos nessa Câmara. Ao mesmo tempo, esta retenção não qualifica a Câmara Alta como obstrucionista, uma vez que a maior parte dos projetos tem seu trâmite continuado (aprovado ou emendado). Desta forma, o Senado qualifica-se como um ponto de veto no regime institucional brasileiro, mas não como barreira intransponível para os projetos oriundos de outros Poderes, o que poderia acarretar uma paralisia decisória no sistema.

Ao se olhar para os tipos de resultado, pode-se notar que as principais estratégias de retenção são o arquivamento por força do regimento e o alongamento do processo de tramitação. Ambas as estratégias estão ligadas ao fator tempo e ambas são não decisões. Entretanto, a utilização de rejeição propriamente dita não é tão frequente. Somadas a isso, as aprovações sem alteração dos projetos são a forma mais comum de aprovação. Esse tipo de resultado mostra concordância entre as Casas e evita uma nova passagem pela Câmara de origem, indo diretamente para a sanção presidencial. Os substitutivos/emendas não são tão utilizados, e isto pode ser visto como uma forma de a Câmara revisora evitar o privilégio da Câmara de origem inerente ao sistema de navette adotado pelo país.

Por fim, também se observa que as chances de um projeto ser aprovado diminuem quando ele não chega a um resultado na mesma legislatura em que iniciou seu trâmite em revisão, isto é, passar mais de uma legislatura em revisão na Câmara Alta diminui a chance de um projeto ter um resultado positivo. Da mesma forma, a grande maioria dos projetos aprovados e enviados diretamente para a sanção presidencial foi de projetos que iniciaram seu trâmite na mesma legislatura, o oposto ocorrendo com os rejeitados - a maioria foi de projetos que ficaram mais de uma legislatura em revisão.

Assim, pode-se notar que o Senado cumpre papel importante na filtragem dos projetos de lei aprovados pela Câmara dos Deputados, retendo parte considerável dessa produção. Somada a isso, a passagem do tempo em tramitação afeta negativamente a possibilidade de sucesso dos projetos.

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Notas

  • 1
    Lijphart (2008)LIJPHART, A. Modelos de democracia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008., Llanos (2002)LIJPHART, A. Modelos de democracia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008., Llanos e Nolte (2003)LLANOS, M.; NOLTE, D. Bicameralism in the Americas: around the extremes of symmetry and incongruence. The Journal of Legislative Studies, v. 9, n. 3, p. 54-86, 2003. classificam os sistemas bicamerais de acordo com os eixos de simetria e incongruência, sendo considerados fortes os sistemas simétricos e incongruentes, de força média os assimétricos e incongruentes e os simétricos e congruentes, e fracos os sistemas bicamerais assimétricos e congruentes.
  • 2
    Caberá ao Executivo aprovar e vetar parcial ou totalmente.
  • 3
    No levantamento feito por Figueiredo e Limongi (1999FIGUEIREDO, A.; LIMONGI, F. Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999., p. 50), o Executivo foi o responsável pela grande maioria das leis aprovadas entre os anos de 1989 e 1994: de um total de 1.259, 997 são de iniciativa do Executivo (sendo que, desse total, 745 foram medidas provisórias e leis orçamentárias, que são de iniciativa exclusiva do Executivo). No levantamento feito por Pessanha (2002PESSANHA, C. O Poder Executivo e o processo legislativo nas Constituições brasileiras. In: VIANNA, L. W. (Org.). A democracia e os Três Poderes no Brasil. Belo Horizonte; Rio de Janeiro: Editora UFMG; IUPERJ/FAPERJ, 2002., p. 188), o Executivo foi responsável por aproximadamente 77% das leis aprovadas no período que se estende de 1989 a 2001. Esses dados confirmam a grande importância que o Poder Executivo brasileiro tem na iniciativa de projetos de lei e a grande capacidade legislativa deste Poder.
  • 4
    Segundo a Constituição brasileira, compete ao Conselho da República: 1) pronunciar-se sobre a intervenção federal, o estado de defesa e o estado de sítio; e 2) pronunciar-se sobre questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas (Brasil, 2009BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 32. ed. Brasília: Senado Federal, 2009.).
  • 5
    Cabe destacar que, “no Brasil[,] as Comissões de Investigação de ambas as Câmaras têm poderes de investigação próprios de autoridades judiciais e suas conclusões são dirigidas ao Ministério Público para que se promova a responsabilidade civil ou penal dos infratores” (Sáez, Montero e López, 2005SÁEZ, M. A.; MONTERO, M. G.; LÓPEZ, F. S. Funciones, procedimientos y escenarios: un análisis del Poder Legislativo en América Latina. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2005., p. 148).
  • 6
    Mesmo buscando a representação populacional, a Câmara dos Deputados brasileira também apresenta uma desproporcionalidade na sua representação territorial (Rubiatti, 2014RUBIATTI, B. C. Sistemas bicamerais na América Latina: Argentina, Brasil e México. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2014.). Vale ressaltar a impossibilidade de uma proporcionalidade perfeita.
  • 7
    Dois traços apontados por Llanos (2002)LIJPHART, A. Modelos de democracia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008., mas que não se apresentam no Brasil, são a representação de não eleitos (hereditários ou designados) na Câmara Alta e as eleições indiretas para senadores.
  • 8
    Para um estudo sobre a composição social, inclusive etária, dos Senados da América do Sul, ver Llanos e Sánchez (2008LLANOS, M.; SÁNCHEZ, F. Conselho de anciãos? O Senado e seus membros no Cone Sul. In: LEMOS, L. (Org.). O Senado Federal brasileiro no pós-constituinte. Brasília: Senado Federal; Unilegis, 2008.). Nesse estudo, os autores mostram que a diferença na média de idade dos senadores e dos deputados no Brasil não chega a cinco anos: 51,3 para os deputados e 56,1 para os senadores.
  • 9
    No caso de cidadãos nascidos em outros países, mas que possuem cidadania no atual, algumas Constituições, como a da Argentina, estipulam maior tempo de cidadania para ser candidato ao Senado, em relação ao estipulado para a Câmara dos Deputados.
  • 10
    Em uma escala que vai de 24 (máxima incongruência) a 0 (congruência), sendo 8 o valor de incongruência mediana, o Brasil atinge um índice de 16 pontos, apenas 1 ponto a menos do que os Estados Unidos, que têm 17 pontos. Algo semelhante ocorre com o índice de simetria criado pelos autores, em que o Brasil alcança 22 pontos, enquanto os Estados Unidos apresentam 24 (Llanos e Nolte, 2003LLANOS, M.; NOLTE, D. Bicameralism in the Americas: around the extremes of symmetry and incongruence. The Journal of Legislative Studies, v. 9, n. 3, p. 54-86, 2003., p. 72-74).
  • 11
    Apesar de praticamente dobrar o número de iniciativas (12 em 2008 e 23 em 2009), a participação de outros propositores ainda pode ser vista como residual.
  • 12
    Um no primeiro mandato de Lula (2003-2006) e outro no primeiro mandato de Dilma (2011-2014). Nota-se também, que no primeiro caso, era um projeto iniciado em legislaturas anteriores, ou seja, não havia sido proposto pelo governo vigente na época de sua rejeição, o que pode indicar desinteresse desse governo na aprovação do projeto. O mesmo não ocorre no segundo caso: neste, o projeto foi iniciado na mesma legislatura, sendo, então, proposta do governo vigente na época de sua rejeição.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    07 Dez 2016
  • Aceito
    07 Maio 2017
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