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Ação governamental e direitos das mulheres: abrigamento para mulheres ameaçadas de morte no Brasil

Government action and women's rights: housing for women threatened with death in Brazil

Resumo

Este trabalho tem como objetivo avaliar o programa de abrigamento para mulheres ameaçadas de morte por motivo de desigualdade de gênero em Pernambuco, procurando entender como o serviço atua no enfrentamento à violência contra as mulheres. A avaliação é referente ao período compreendido entre 2013 (ano a partir do qual o serviço foi completamente estadualizado) e o primeiro semestre de 2014 (até quando os dados foram divulgados), feita com base em dados quantitativos, disponibilizados pela Secretaria da Mulher do estado, e qualitativos, como entrevistas e observação participante. O que se verifica é uma diferença entre o que foi formulado pelo programa e aquilo que vem sendo implementado, o que não significa seu fracasso, na medida em que o fortalecimento institucional do programa é constatado.

Palavras-chave:
avaliação de políticas públicas; políticas públicas de gênero; programa de abrigamento; violência contra a mulher.

Abstract

This study aims to evaluate the shelter program for women under threat of death in Pernambuco, trying to understand how the service works in combating violence against women. The evaluation refers to the period between 2013 and the first half of 2014, based on quantitative data provided by the Department of Women from Pernambuco and qualitative data as interviews and participant observation. What checks is a difference between the program design and its implementation, which does not mean a failure, in that its institutional strengthening was found.

Keywords:
evaluation of public policies; gender policies; shelter program; violence against women

Introdução

A crítica à dicotomia entre as esferas pública e privada é ponto de partida das abordagens feministas na Ciência Política e problematiza o entrelaçamento das relações de poder nos âmbitos doméstico, do trabalho e da política (Biroli e Miguel, 2014BIROLI, Flávia; MIGUEL, Luís Felipe. Feminismo e política: uma introdução. São Paulo: Boitempo, 2014.). Assim, ainda que de modo discreto, a Ciência Política tem se debruçado sobre questões como a sub-representação feminina na política, as abordagens feministas na teoria política e as políticas públicas com caráter de gênero. A partir desse referencial, este artigo avalia o programa de abrigamento para mulheres ameaçadas de morte por motivos de desigualdade de gênero em Pernambuco.

O programa de abrigamento foi uma das primeiras ações adotadas pelo Estado para enfrentamento da violência contra a mulher e diz respeito aos serviços de acolhimento provisório destinado a mulheres em situação de violência que se encontrem sob grave ameaça de morte, e, portanto, necessitem de proteção em ambiente seguro (Brasil, 2011BRASIL. Diretrizes nacionais para abrigamento de mulheres em situação de risco e de violência. Brasília: [s.n.], 2011.). É importante ressaltar que políticas voltadas para o enfrentamento da violência contra as mulheres fundamentam-se na visão de que a ação governamental deve objetivar o fortalecimento das mulheres e a expansão da cidadania delas, contribuindo, assim, para a construção da igualdade e a ampliação do caráter democrático do Estado (Godinho, 2003GODINHO, Tatau. Construir a igualdade combatendo a discriminação. Políticas Públicas e Igualdade de Gênero Caderno, n. 8, 2003.).

Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea),1 1 Pesquisa Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil (Ipea, 2013). entre 2001 e 2011, houve mais de 50 mil mulheres assassinadas no Brasil, o que equivale a cerca de 5 mil mortes por ano. Grande parte destas mortes foi consequência de violência doméstica e familiar - aproximadamente um terço teve o domicílio como local de ocorrência. Ainda de acordo com o instituto, em Pernambuco, entre 2009 e 2011, a cada 100 mil mulheres, 7,81 foram mortas (Ipea, 2013IPEA - INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil. Brasília: Ipea, 2013. Disponível em: <Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/130925_sum_estudo_feminicidio_leilagarcia.pdf >. Acesso em: 31 jan. 2017.
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). Atualmente, de acordo com o Mapa da Violência 2015 (Waiselfisz, 2015WAISELFISZ, Julio. Mapa da Violência: homicídios de mulheres no Brasil. [S.l.]: [s.n.], 2015. Disponível em: <Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf >. Acesso em: 31 jan. 2017.
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), o estado ocupa o 10º lugar no ranking de violência contra a mulher. Neste sentido, percebe-se como a questão da violência sexista é latente no contexto social e como são urgentes as políticas públicas que atuem no combate a essa prática.

Diante disso, pretende-se responder à seguinte questão: como o programa de abrigamento tem atuado no enfrentamento à violência contra a mulher? A hipótese central, baseada no que argumenta Arretche (2001ARRETCHE, Marta. Uma contribuição para fazermos avaliações menos ingênuas. In: BARREIRA, Maria Cecília; CARVALHO, Maria do Carmo (Orgs.). Tendências e perspectivas na avaliação de políticas e programas sociais. São Paulo: Ed. Câmara Brasileira do Livro, 2001.), é que há uma discrepância entre o que foi formulado e aquilo que é cotidianamente implementado nas casas-abrigo do estado de Pernambuco, tendo em vista que, no momento da formulação, diversas questões práticas eram desconhecidas, e, portanto, não foram consideradas pelo conteúdo formulado. Além disso, diante do relativo grau de autonomia dos implementadores, estes atuam com base em outros referenciais para além daqueles previstos pelos formuladores da política. Outros fatores que podem influenciar essa diferença entre o que foi formulado e o que vem sendo implementado é a articulação da política com outras áreas do governo (como saúde, educação, segurança e justiça), conforme as orientações da Secretaria de Políticas para as Mulheres do governo federal e as experiências já consolidadas de consórcio de casas-abrigo. Analisar as diferenças, no entanto, não significa constatar o fracasso da política, mas a necessidade de adequá-la às demandas das usuárias. A hipótese secundária é que o serviço de abrigamento vem se fortalecendo institucionalmente, ampliando sua capacidade de atendimento às mulheres vítimas de violência.

Algumas notas sobre avaliação de políticas públicas

O feminismo, ao romper com a dicotomia entre as esferas pública e privada, evidencia questões cujas discussões eram tradicionalmente restritas ao ambiente doméstico. Discussões temáticas, que até então não faziam parte das agendas governamentais, passaram a ter que integrá-las. Assim, diante de um contexto em que homens e mulheres vivenciavam os mesmos problemas de forma distinta, surgem demandas por políticas públicas com foco nessas desigualdades, a fim de que encaminhamentos e soluções fossem apontados levando em conta as relações de dominação que social e culturalmente foram estabelecidas dos homens sobre as mulheres.

A inclusão das mulheres como público-alvo de políticas públicas sob a perspectiva de gênero2 2 O eixo de uma ação governamental orientada pela perspectiva de gênero baseia-se na redução das desigualdades entre homens e mulheres (Farah, 2004). indica um avanço na ampliação da democracia, uma vez que reconhece que as mulheres e os homens têm os mesmos direitos, mas, no entanto, necessidades específicas que devem ser consideradas pelo Estado. O programa de abrigamento para mulheres ameaçadas de morte situa-se neste contexto. É necessário compreender de que forma a inclusão das mulheres como alvo de políticas públicas sob a perspectiva de gênero ocorre, se de fato altera a lógica das desigualdades às quais estão historicamente submetidas (Silveira, 2003SILVEIRA, Maria Lúcia. Políticas públicas de gênero: impasses e desafios para fortalecer a agenda política na perspectiva da igualdade. In: URBIS 2003 - FEIRA E CONGRESSO INTERNACIONAL DE CIDADES, 2003, São Paulo. Anais... São Paulo: Anhembi, 2003.). Por isso a importância da avaliação do programa para mulheres ameaçadas de morte em Pernambuco.

Para realizar a avaliação do referido programa, este artigo adota o modelo explicativo do ciclo de políticas públicas por compreendê-lo como um quadro de referência útil para a análise processual aqui pretendida. De acordo com este modelo, as políticas públicas constituem um ciclo deliberativo composto por diversos estágios e caracterizado por um dinâmico processo de aprendizado. O modelo supõe ainda que a ação pública divide-se em etapas do processo político-administrativo subjacente à resolução de problemas - tais etapas correspondem à sequência de elementos do processo (Trevisan e Van Bellen, 2008TREVISAN, Andrei Pittol; VAN BELLEN, Hans Michael. Avaliação de políticas públicas: uma revisão teórica de um campo em construção. Revista de Administração Pública, v. 42, n. 3, p. 529-550, 2008.). De todas as etapas, este trabalho foca especificamente a de avaliação.

A concepção canônica de avaliação de políticas públicas, supostamente a última etapa desse ciclo, a compreende como a fase na qual são apurados os resultados de um curso de ação, fornecendo elementos para o desenho de novas intervenções ou para o aperfeiçoamento de políticas já em curso. Além disso, a avaliação pode ser entendida como um instrumento para prestação de contas e responsabilização dos agentes estatais, sendo elemento da accountability3 3 Há dois tipos principais de accountability trazidos por O’Donnell (1998): accountability vertical, que são ações organizadas por grupos ou indivíduos, com referência àqueles que ocupam posições em instituições do Estado, eleitos ou não; e accountability horizontal, que envolve as agências estatais que têm o direito e o poder legal e que estão capacitadas para agir diante de ações ou omissão de outros agentes ou agências do Estado que possam ser classificadas como delituosas. Neste sentido, quando se fala em avaliação de políticas públicas como instrumento de accountability, significa dizer que a avaliação é uma alternativa que pode ser adotada por agentes estatais para verificar as ações ou omissões de outros agentes estatais. (Faria, 2005FARIA, Carlos Aurélio. A política da avaliação de políticas públicas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 20, n. 59, p. 97-109, 2005.).

De acordo com Faria (2005FARIA, Carlos Aurélio. A política da avaliação de políticas públicas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 20, n. 59, p. 97-109, 2005.), no momento de sua institucionalização - por volta dos anos 1960 -, a avaliação de políticas públicas buscava exercer algum controle sobre a atividade dos implementadores; com isso, esperava-se assegurar racionalidade aos processos decisórios, e, assim, legitimar as políticas e os programas. Tal compreensão de avaliação como instrumento administrativo, e, por isso sem relação com as disputas propriamente políticas, é fortalecida diante da postura da Ciência Política brasileira, que reforça esse “viés distorcido do princípio republicano da desvinculação entre política e administração pública” (ibidem, p. 101).

No entanto, a avaliação de políticas não é usada somente a favor dos interesses prioritários do Estado, ela também é “elemento central na disputa eleitoral, no controle das interações intergovernamentais e na busca de acomodação de forças e de interesses no âmbito intraburocrático” (Faria, 2005FARIA, Carlos Aurélio. A política da avaliação de políticas públicas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 20, n. 59, p. 97-109, 2005., p. 100). Neste sentido, reconhecemos o conteúdo político da avaliação de políticas públicas, mas compreendemos que a avaliação envolve necessariamente advocacy - entendida aqui como uma adesão a valores como um ideal regulatório específico relativo à racionalidade do processo decisório.

Ressalta-se, ainda, que as políticas voltadas para mulheres sob a perspectiva de gênero, incluindo a política de abrigamento, caracterizam-se como políticas sociais, na medida em que incidem sobre relações desiguais entre homens e mulheres, buscando alterá-las a fim de maior equidade entre ambos. Políticas sociais são ações estatais de caráter compensatório e redistributivo que instrumentalizam o controle dos antagonismos sociais (Draibe, 1986DRAIBE, Sônia Maria. Avaliação de implementação: esboço de uma metodologia de trabalho em políticas públicas. In: BARREIRA, Maria Cecília; CARVALHO, Maria do Carmo (Orgs.). Tendências e perspectivas na avaliação de políticas e programas sociais. São Paulo: Ed. Câmara Brasileira do Livro, 2001.; Augusto, 1989AUGUSTO, Maria Helena. Políticas públicas, políticas sociais e política de saúde: algumas questões para reflexão e debate. Tempo Social, v. 1, n. 2, p. 105-119, 1989.). Elas expressam a relação de forças presentes nas sociedades e podem corresponder a interesses econômicos do capital, podendo, ainda, traduzir a incorporação de interesses mais imediatos das posições e dos lugares subalternos, refletindo, assim, o sucesso dos esforços e lutas dos segmentos sociais dominados (Augusto, 1989AUGUSTO, Maria Helena. Políticas públicas, políticas sociais e política de saúde: algumas questões para reflexão e debate. Tempo Social, v. 1, n. 2, p. 105-119, 1989.).

Nesse sentido, é necessário levar em conta que as políticas sociais têm um duplo aspecto. De um lado, geram produtos mensuráveis e tangíveis, e, de outro, causam impactos subjetivos, ligados ao plano dos comportamentos e das opiniões. Embora inviáveis de serem medidos, tais impactos são bastante para as condições de vida dos segmentos sociais aos quais se destinam (Figueiredo e Figueiredo, 1986 apudNogueira, 2005NOGUEIRA, Vera Maria. Avaliação e monitoramento de políticas e programas sociais: revendo conceitos básicos. Katálysis, v. 5, n. 2, p. 141-152, 2005.).

A inclusão da problemática da violência contra a mulher na agenda governamental brasileira

A partir dos anos 1980, com o fim da ditadura militar no Brasil e diante da histórica luta dos movimentos feministas e de mulheres,4 4 Por conta da diversidade de posicionamentos, muitas autoras não se utilizam do termo feminismo no singular. Além disso, há movimentos de mulheres que não se denominam feministas, embora lutem pelos direitos das mulheres. No entanto, é necessário ressaltar que há um elemento comum a todas essas organizações, que é a superação das desigualdades entre os gêneros. As diferenças ocorrem por conta das desigualdades presentes na realidade de cada grupo e nas estratégias adotadas por eles (Zirbel, 2007). o Estado brasileiro passa, gradualmente, a incorporar a questão das desigualdades de gênero5 5 Diz respeito à desigual distribuição de poder nas relações entre homens e mulheres. na agenda governamental, no sentido de dirimi-las. Tais desigualdades têm como uma de suas expressões máximas a violência contra a mulher, que, conforme a Conferência de Belém do Pará (Brasil, 1994BRASIL. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher - Convenção de Belém do Pará. Belém: CIDH, 1994. Disponível em: <Disponível em: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/m.Belem.do.Para.htm >. Acesso em: 31 jan. 2017.
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), corresponde a qualquer ato ou conduta baseado no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública quanto na privada. Segundo o documento, a violência contra as mulheres configura uma expressa violação dos direitos humanos.

Um breve histórico desse processo indica que uma das dificuldades para que as políticas específicas para mulheres fossem implementadas no Brasil relaciona-se à pretensa neutralidade (do ponto de vista de gênero) assumida pelo Estado (Godinho, 2003GODINHO, Tatau. Construir a igualdade combatendo a discriminação. Políticas Públicas e Igualdade de Gênero Caderno, n. 8, 2003.). Este comumente não leva “em conta os processos hegemônicos que conferem às diferenças um sinal de desigualdade, que passam ao largo das relações desiguais de poder, renda e recursos de parcela considerável de significativos segmentos sociais” (Silveira, 2003SILVEIRA, Maria Lúcia. Políticas públicas de gênero: impasses e desafios para fortalecer a agenda política na perspectiva da igualdade. In: URBIS 2003 - FEIRA E CONGRESSO INTERNACIONAL DE CIDADES, 2003, São Paulo. Anais... São Paulo: Anhembi, 2003., p. 66). Diante disso, os movimentos feminista e de mulheres reivindicavam que as ações estatais fossem encaradas do ponto de vista de gênero,6 6 Por ser fruto de disputas políticas e teóricas, não se pretende estabelecer uma definição do que é gênero. No entanto, para fazer uso do referido conceito, é necessário escolher algum referencial. Optou-se, portanto, por utilizá-lo como referência para a análise como sendo a construção social e histórica do feminino e do masculino e para as relações sociais entre os sexos, marcadas em nossa sociedade por uma forte assimetria (Farah, 2004). alterando relações de poder, garantindo às mulheres acesso aos direitos nas suas dimensões social e política, para que tivessem condições concretas de reverter a condição de desigualdade (Godinho, 2003GODINHO, Tatau. Construir a igualdade combatendo a discriminação. Políticas Públicas e Igualdade de Gênero Caderno, n. 8, 2003.).

De acordo com Farah (2004FARAH, Marta. Gênero e políticas públicas. Revista Estudos Feministas, v. 12, n. 1, p. 47-71, 2004.), o histórico das políticas públicas de gênero no país foi marcado pelo trade-off7 7 Termo oriundo da economia que define situações em que há conflito de escolha. Consiste em uma ação cuja tentativa de resolução de problema acarreta necessariamente outro, obrigando que seja feita uma escolha; abre-se mão de algum bem ou serviço para se obter outro bem ou serviço distinto. entre a eficiência de uma política e o componente democrático que ela representava. Isso significa dizer que, de um lado, estava o governo, o qual, por meio das suas políticas universais - que supostamente atendiam indistintamente homens e mulheres -, alegava buscar a máxima eficiência da política, diante da limitação de recursos, e, de outro, a sociedade civil, representada pelos movimentos feminista e de mulheres, que reivindicavam a inclusão de políticas específicas - que incorporassem as questões de gênero na agenda pública como elemento fundamental para a ampliação e a consolidação democráticas.

Ainda segundo a autora, outra característica desse processo é que, inicialmente, os movimentos feminista e de mulheres criticavam fortemente a ação estatal (ou sua omissão), não estabelecendo relações institucionais e buscando garantir a máxima autonomia dos movimentos. Somente nos anos 1980 “alguns grupos passaram a defender a tese de que espaços governamentais deveriam ser ocupados, num cenário de redefinição das políticas públicas no país, sob o signo da democratização” (Farah, 2004FARAH, Marta. Gênero e políticas públicas. Revista Estudos Feministas, v. 12, n. 1, p. 47-71, 2004., p. 130). No entanto, a relação entre os movimentos reivindicatórios e o Estado não era (e segue não sendo) um ponto não pacífico, tanto do ponto de vista das práticas sociais quanto no que diz respeito aos debates teóricos.

A esse respeito, Cisne e Gurgel (2008CISNE, Mirla; GURGEL, Telma. Feminismo, Estado e políticas públicas: desafios em tempos neoliberais para a autonomia das mulheres. SER Social, v. 10, n. 22, p. 69-96, 2008.) argumentam que, para o Estado neoliberal, era imperativo que o potencial reivindicatório dos movimentos sociais fosse fragmentado e controlado. De tal modo, este Estado empenhou-se em criar uma ideologia capaz de reproduzir valores que não ameaçassem o status quo, mediante um “envolvimento manipulatório” sobre uma parcela destes movimentos sociais. Tal envolvimento materializou-se, em grande medida, via financiamento dos movimentos para execução de projetos pontuais, e, comumente, gerou processos de institucionalização destes movimentos em Organizações não Governamentais (ONGs). Ao assumirem o papel de interlocução entre Estado e movimentos sociais, as ONGs correm o risco de adequar-se à lógica do “mercado de projetos”, adotando um perfil mais técnico e moderado quando comparadas aos movimentos sociais, refreando, assim, suas demandas emancipatórias.

Apesar da existência desses conflitos, nos anos 1970 e 1980, diante da ocorrência e da repercussão de vários assassinatos de mulheres,8 8 Ressalta-se que o assassinato de mulheres não era uma novidade em si, na medida em que é um problema social que remonta à antiguidade. No entanto, os casos ocorridos tiveram ampla cobertura da mídia e apoio da opinião pública, devido, em alguma medida, ao status socioeconômico das vítimas. denúncias e protestos deram visibilidade à violência contra as mulheres como problema de âmbito público diante do qual o Estado deveria intervir (Frota e Pinheiro, 2006FROTA, Maria Helena; PINHEIRO, Maria Jaqueline. As casas-abrigo: política pública de proteção à mulher vítima de violência doméstica. O Público e o Privado, n. 8, p. 109-130, 2006.). De acordo com Côrtes (2012CÔRTES, Gisele. Violência doméstica: centro de referência da mulher Heleieth Saffioti. Estudos Sociológicos, v. 17, n. 32, p. 149-168, 2012.), a perpetuação da impunidade dos agressores, sustentada pela cultura machista, mobilizou diversas formas de organização dos movimentos feminista e de mulheres que buscavam dar visibilidade às expressões de violência e reivindicavam a criação de estruturas de apoio destinadas às mulheres.

Diante disso, o Estado brasileiro passou a adotar suas primeiras ações voltadas para as mulheres, como a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), em 1985; a criação das Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres (DEAMs); e o Programa Nacional de Prevenção e Combate à Violência Doméstica e Sexual,9 9 Seu nome foi posteriormente alterado para Programa de Prevenção, Assistência e Combate à Violência contra a Mulher. em 1996 (Falcão, 2008FALCÃO, Virgínia. Política de abrigamento: a casa-abrigo na Bahia - histórico e análise de um difícil processo. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008.). Um avanço mais estrutural foi a criação da Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM), em 2003, responsável pela realização das I e II Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres, em 2004 e 2007, respectivamente. Outro marco é a Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, legislação específica para proteger as mulheres da violência baseada na desigualdade de gênero.

De acordo com Farah (2004FARAH, Marta. Gênero e políticas públicas. Revista Estudos Feministas, v. 12, n. 1, p. 47-71, 2004.), a agenda de reforma do Estado dos anos 1990 tinha como eixo estruturante a descentralização política, concebida como estratégia de democratização e como forma de viabilizar o uso mais racional dos recursos públicos. A formulação da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, no momento da criação da SPM, lançou diretrizes para uma atuação coordenada dos organismos governamentais nas três esferas da Federação. Em 2007, foi lançado o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, que consiste em um acordo federativo entre o governo federal e os governos estaduais e municipais brasileiros para a implementação de políticas públicas integradas.

Apesar dos avanços na implementação de políticas de enfrentamento à violência contra a mulher, tal enfrentamento segue sendo um grande desafio para o Estado brasileiro, pois requer mudanças profundas nos padrões e representações sociais baseadas em desigualdades estruturais de raça, gênero e classe. “A violência está vinculada ao poder e à desigualdade das relações de gênero, onde impera o domínio do homem, e está ligada também à ideologia dominante que lhe dá sustentação” (Frota e Pinheiro, 2006FROTA, Maria Helena; PINHEIRO, Maria Jaqueline. As casas-abrigo: política pública de proteção à mulher vítima de violência doméstica. O Público e o Privado, n. 8, p. 109-130, 2006., p. 112). Dados recentes do Ipea (2013IPEA - INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil. Brasília: Ipea, 2013. Disponível em: <Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/130925_sum_estudo_feminicidio_leilagarcia.pdf >. Acesso em: 31 jan. 2017.
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) referentes à violência contra a mulher demonstram como essa questão ainda é latente no país:

  • No Brasil, no período de 2009 a 2011, a taxa corrigida de feminicídios foi 5,82 óbitos por 100 mil mulheres;

  • Nesse período, estima-se que ocorreram, em média, 5.664 mortes de mulheres por causas violentas a cada ano, 472 a cada mês, 15,52 a cada dia, ou uma a cada hora e meia;

  • As regiões Nordeste, Centro-Oeste e Norte apresentaram as taxas de feminicídios mais elevadas do país;

  • Mulheres jovens foram as principais vítimas: 31% na faixa etária de 20 a 29 anos e 23% de 30 a 39 anos;

  • Sessenta e um por cento dos óbitos foram de mulheres negras;

  • A maior parte das vítimas tinham baixa escolaridade: 48% daquelas com 15 anos ou mais de idade tinham até oito anos de estudo;

  • Vinte e nove por cento dos feminicídios ocorreram no domicílio, 31% em via pública e 25% em hospital ou outro estabelecimento de saúde.

Com relação a Pernambuco, estado desta análise, o Sistema da Informação de Mortalidade (SIM) registrou 3.012 homicídios de mulheres entre 2003 e 2013. Além disso, dados do Sistema Nacional de Agravos e Notificações (Sinan) registraram que, entre 2009 e 2014, ocorreram mais de 18 mil notificações de violências doméstica, sexual ou outras praticadas contra mulheres com idade a partir de 15 anos no estado. A seguir constam algumas tabelas que ilustram esses dados.

Tabela 1
Homicídios de mulheres em Pernambuco por região e ano (2003-2013)
Tabela 2
Notificação de violência contra a mulher no Sinan em Pernambuco por ano (2009-agosto de 2014)

O programa de abrigamento

Como parte das políticas de enfrentamento à violência contra a mulher, foram criadas as casas-abrigo. Em 1986, o Centro de Convivência para Mulheres Vítimas de Violência (Comvida), em São Paulo, foi criado por meio da Secretaria de Segurança Pública com suporte da Secretaria de Promoção Social. Ele foi a primeira casa-abrigo implementada pelo Estado brasileiro. No entanto, a experiência não durou muito tempo devido à falta de recursos e de estrutura.

Somente com o lançamento do já mencionado Programa Nacional de Prevenção e Combate à Violência contra a Mulher, em 1996, os investimentos para construção de casas-abrigo foram priorizados. Em 1998, mediante convênio entre o CNDM, o Ministério da Justiça (MJ) e alguns municípios brasileiros, nove casas foram construídas nas cidades integrantes da parceria (Falcão, 2008FALCÃO, Virgínia. Política de abrigamento: a casa-abrigo na Bahia - histórico e análise de um difícil processo. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008.). Embora já houvesse a previsão legal para o abrigamento em casos extremos de violência contra a mulher,10 10 Constam como principais marcos legais do programa de abrigamento: a Lei nº. 8.742/1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social e justifica a necessidade de abrigamento em caso de vulnerabilidade temporária, que compreende situações de violência doméstica e familiar; a Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) que institui mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra as mulheres através das medidas protetivas de urgência, dentre as quais consta o abrigamento; o Decreto nº. 6307 do Sistema Único de Assistência Social, de 2007, que prevê a utilização de benefícios eventuais suplementares e provisórios, prestados aos cidadãos e às famílias em virtude de situações de vulnerabilidade temporária; a Resolução 109, de 2009, do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), que inclui entre a tipificação dos Serviços de Proteção Social Especial de Alta Complexidade, o abrigo institucional para as mulheres em situação de violência; e as Diretrizes Nacionais de Abrigamento às Mulheres em Situação de Violência, lançada em 2011, acompanhada do Termo de Referência para Ampliação e Implementação dos Serviços da Rede de Atendimento. somente em 2011 foram lançadas as Diretrizes Nacionais para o Abrigamento, que passaram a orientar o abrigamento de mulheres em situação de violência e o fluxo de atendimento na rede de serviços, incluindo as diversas formas de violência e novas alternativas de abrigamento.

De acordo com a Pesquisa de Informações Básicas Municipais de 2013, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nesse ano existiam 155 casas-abrigo em 142 cidades brasileiras. A distribuição destas casas indica que somente 2,5% dos municípios do país contam com esse instrumento, e as regiões Sul e Sudeste são as que contam com maior incidência de casas-abrigo (IBGE, 2013IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa de Informações Básicas Municipais. Rio de Janeiro: IBGE, 2013. Disponível em: <Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/perfilmunic/2013/default.shtm >. Acesso em: 2 fev. 2015.
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). Tais números refletem a profunda carência dos estados e munícipios brasileiros no que diz respeito à atenção às mulheres em situação de violência e sob grave ameaça de morte.

Em Pernambuco, em 2007, foi criada a Secretaria Especial da Mulher, que, em 2011, perde o caráter excepcional, e atualmente atua sob a nomenclatura de Secretaria da Mulher (SecMulher). No ano seguinte, 2008, o estado assinou o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher e foi composta a Câmara Técnica, formada por organismos de políticas paras as mulheres, Secretaria de Defesa Social, Secretaria de Desenvolvimento Social, Secretaria de Saúde, Defensoria Pública, Ministério Público, Polícia Civil e governos municipais (Amorim e Barros, 2014AMORIM, Elba; BARROS, Ana Maria. A casa-abrigo para mulheres vítimas de violência doméstica e os direitos humanos. In: ENCONTRO DA ANDHEP - POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A SEGURANÇA PÚBLICA E DIREITOS HUMANOS, 8., 2014, São Paulo. Anais... São Paulo: Andhep, 2014.).

A partir de 2007 (Pernambuco, 2011PERNAMBUCO. 8 de março - Anuário da Secretaria da Mulher. Recife: [s.n.], 2011. ano 5.), a SecMulher passou a implementar o Projeto Casas-Abrigo, que constatou a demanda para construção de seis casas-abrigo e uma casa-apoio, com capacidade de abrigamento para 15 pessoas cada uma delas. No fim de 2008, existiam seis casas-abrigo administradas pela SecMulher em funcionamento (Pernambuco, 2012PERNAMBUCO. Enfrentamento da violência contra as mulheres em Pernambuco: relatório para a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito. Recife: [s.n.], 2012.). Diante da complexidade da questão e das restrições e dos limites dos municípios de desenvolver consórcios, a rede de casas-abrigo foi estadualizada por meio da Lei nº 13.977/2009 (Pernambuco, 2009PERNAMBUCO. Lei nº 13.977, de 16 de dezembro de 2009. Institui o serviço de abrigamento, atendimento e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar sob risco de morte, no âmbito do estado de Pernambuco, e dá providências correlatas. Diário Oficial do Estado, Recife, 2009. ), que instituiu o serviço de abrigamento, atendimento e proteção às mulheres em situação de violência e sob o risco de morte. De acordo com o Anuário da Secretaria da Mulher de 2014, em 2013, com a estadualização da última casa-abrigo municipal em Pernambuco, completou-se a transferência da responsabilidade do serviço de abrigamento para o nível estadual (Pernambuco, 2014PERNAMBUCO. 8 de março - Anuário da Secretaria da Mulher . Recife: [s.n.], 2014. ano 8.). No período da análise deste artigo - 2013 até junho de 2014 - funcionaram, de forma não regular, cinco casas-abrigo.

De acordo com as Diretrizes Nacionais para o Abrigamento da SPM, o conceito de abrigamento refere-se aos serviços e programas de acolhimento provisório destinado a mulheres em situação de violência que se encontrem sob grave ameaça de morte, e, portanto, necessitem de proteção em ambiente seguro. O abrigamento, no entanto, vai além das casas-abrigo, incluindo serviços que devem ser prestados via políticas públicas de assistência social, saúde, educação, segurança etc., assegurando o bem-estar físico, psicológico e social das mulheres em situação de risco.

Mulheres que se encontram ameaçadas de morte em virtude de violência de gênero são encaminhadas às casas-abrigo, junto com seus dependentes menores de 18 anos, e contam com equipe multidisciplinar para seu atendimento. Há de se considerar que, quando se trata de situações de abrigamento, a avalição da gravidade dos casos de violência é um exercício extremamente subjetivo, visto que o limite entre “ameaça”, “risco de morte” e “risco iminente de morte” é bastante tênue, devendo a equipe que atende essas mulheres, portanto, estar bastante sensível à questão e preparada para identificar e diferenciar a situação e o tipo de encaminhamento adequado (Brasil, 2011BRASIL. Diretrizes nacionais para abrigamento de mulheres em situação de risco e de violência. Brasília: [s.n.], 2011.).

Em Pernambuco, o serviço de abrigamento é normatizado pela Lei nº 13.977/2009, que garante proteção às mulheres e aos seus dependentes. Eles podem passar até 180 dias nas casas que têm endereço sigiloso e capacidade para 15 pessoas. Por estarem ameaçadas, as mulheres precisam ficar isoladas do convívio social e familiar no período em que estão abrigadas para não comprometer sua segurança, a das profissionais e a das demais abrigadas. As casas contam com equipe multidisciplinar composta por educadoras sociais, psicólogas, pedagoga, assistentes sociais, técnicas em enfermagem, cozinheiras e auxiliares de serviços gerais. A coordenação da casa, junto à equipe e à mulher, discute alternativas seguras de saída da usuária da casa-abrigo. Assim, quando um local seguro é encontrado, aquela que declarar ser hipossuficiente11 recebe um auxílio de R$ 250,00 e o Estado viabiliza sua ida ao local definido.

Metodologia

Para os intentos deste artigo, foram realizadas avaliações de processo e de resultados, entendendo que elas se complementam e permitem uma compreensão mais abrangente daquilo que vem sendo executado pelo projeto de abrigamento em Pernambuco. Demarca-se, ainda, que a avaliação é ex post e a posição da avaliadora é externa em relação à política avaliada. Foram utilizados dados quantitativos12 12 Os dados solicitados foram: relatórios mensais das casas-abrigo existentes, número de atendimentos médicos prestados às mulheres e aos seus dependentes enquanto permaneciam na casa, número de crianças que estiveram na casa e permaneceram frequentando a escola, número de atividades educativas realizadas com as usuárias do serviço e seu conteúdo; número de agressores presos e os andamentos dos processos, número de usuárias que tiveram acesso a auxílios-moradia ou a outros programas de habitação disponíveis, número de mulheres que conseguiram algum emprego devido a articulações da Secretaria da Mulher e se houve, no período em que as usuárias estiveram na casa, algum tipo de formação profissional, e número de mulheres que obtiveram, por meio da Secretaria da Mulher, acesso a programas sociais. da SecMulher referentes aos atendimentos prestados nas cinco casas-abrigo que funcionaram em Pernambuco nos anos de 2013 (ano a partir do qual o serviço foi completamente estadualizado) e primeiro semestre de 2014 (até quando havia disponibilidade dos dados); elementos qualitativos, tais como entrevistas semiestruturadas com gestoras; usuária do serviço;13 13 Foram entrevistas as gestoras Angélica Brandão, coordenadora do Núcleo de Abrigamento da SecMulher, e Milena Tenório, assistente jurídica da Secretaria. A usuária entrevistada terá seu nome mantido sob sigilo para garantir sua proteção. Sua identificação será feita pela letra N. e observação participante entre julho e dezembro de 2013 em uma das unidades das casas-abrigo.14 14 Casa-abrigo Sempre Viva.

Para realização da avaliação de processo foram utilizadas como referência analítica as dimensões do processo propostas por Draibe (2001DRAIBE, Sônia Maria. Avaliação de implementação: esboço de uma metodologia de trabalho em políticas públicas. In: BARREIRA, Maria Cecília; CARVALHO, Maria do Carmo (Orgs.). Tendências e perspectivas na avaliação de políticas e programas sociais. São Paulo: Ed. Câmara Brasileira do Livro, 2001.), quais sejam: a) a dimensão temporal; b) os atores estratégicos envolvidos; e c) as etapas da implementação. Em relação à avaliação de resultados, foram comparados os dados obtidos no período analisado e as metas propostas pela Lei Estadual nº 13.977/2009; pelo relatório elaborado pela SecMulher para a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre a violência contra a mulher no Brasil; pelo Plano Estadual para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (2007-2016) (Pernambuco, 2008PERNAMBUCO. Plano Estadual para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. Recife: [s.n.], 2008. ); e pelas Diretrizes Nacionais para o Abrigamento.15 15 Esses documentos foram selecionados porque, em conjunto, contêm todas as diretrizes que normatizam o funcionamento do serviço de abrigamento. Portanto, foram analisados os resultados propriamente ditos do programa, sem avaliar seus impactos devido à complexidade do fenômeno da violência contra a mulher e à ausência de dados que possibilite a realização da avaliação de impacto deste programa.

Avaliação de processo do programa de abrigamento em Pernambuco

Dimensão temporal

O quadro 1 demonstra as etapas da implementação da política no estado.

Quadro 1
Etapas da implementação da política de abrigamento em Pernambuco

A partir dessas normativas, as casas foram construídas gradativamente, via parcerias entre os governos federal e estadual. Portanto, pode-se dizer que a implementação do serviço ocorreu via estratégias incrementais, uma vez que foi viabilizada por apoios e coalizões construídos ao longo do período.

Atores estratégicos envolvidos16 16 Entrevista concedida por BRANDÃO, Angélica. Entrevista. [Jun. 2014]. Entrevistadora: Natália Cordeiro. Recife, 2014. 17 17 Entrevista concedida por BRANDÃO, Angélica. Entrevista. [Jun. 2014]. Entrevistadora: Natália Cordeiro. Recife, 2014. 18 18 Entrevista concedida por N. Entrevista. [Ago. 2014]. Entrevistadora: Natália Cordeiro. Recife, 2014.

Foi realizada uma entrevista semiestruturada com Angélica Brandão, coordenadora do Núcleo de Abrigamento da SecMulher, a fim de compreender quais são os grupos de interesse envolvidos, os parceiros e as redes do programa de abrigamento em Pernambuco. Segundo a gestora, a Câmara Técnica de Enfrentamento à Violência contra a Mulher representa um importante parceiro para o Núcleo de Abrigamento.

É a SecMulher que realmente preside todo o processo. A gente dentro desse espaço tem a Secretaria de Saúde, Secretaria de Educação, o Ministério Público, as varas com seus juízes e juízas, algumas secretarias da região metropolitana. [...] É um espaço muito interessante pra (sic) gente, a gente consegue fazer excelentes articulações (informação verbal)

Ela também diz que há entraves com atores envolvidos no processo de implementação, mas é pouco específica em relação a esse ponto.

Os nossos entraves são muitos... na realidade, como é que eu posso te dizer? Porque cada caso é um caso e à medida que o caso vai acontecendo, que vai avançando, os obstáculos vão aparecendo e a gente vai tentando desconstruir aquele obstáculo para poder dar andamento (informação verbal)

Para ela, um ator fundamental no momento da implementação é a equipe técnica. Segundo a gestora, muitas das técnicas que adentram no serviço carecem de capacitação prévia, tendo que aprender o serviço no momento de sua execução. Isso gerou dificuldades das técnicas em lidar com as usuárias, exigindo processos específicos de aprendizagem.

Segundo a gestora, outro ator que gerou alguns entraves no momento da implementação foi o público-alvo. Além do fato de as usuárias constituírem um grupo muito heterogêneo e que vem de uma situação muito grave de violência - fatores que afetam seus comportamentos dentro das casas -, o isolamento das mulheres necessário para a manutenção do sigilo dos abrigos era de difícil assimilação para elas. Isso fica claro na seguinte fala da usuária N.

Eu estava muito aperreada porque estava sem contato com meu filho, com a minha casa, ficava muito aflita. Às vezes eu queria saber como estava a minha casa, mas a gente só tinha direito a duas, três ligações na semana e era uma agonia e eu me sentia muito sufocada, com a cabeça muito pesada. Porque a gente entra naquele abrigo e deixa uma vida aqui fora e realmente é como se a gente tivesse morrido quando entra no abrigo, morrido para o mundo, porque a gente não tem acesso a celular, a nada. Uma vez na semana a gente tem direito a ligar para algumas pessoas na família, tudo muito secreto... tudo bem que é o trabalho delas, tudinho. Mas isso me atordoava muito. Então eu pedi desabrigamento porque eu não estava mais aguentando (informação verbal)

Etapas da implementação22 22 Entrevista concedida por BRANDÃO, Angélica. Entrevista. [Jun. 2014]. Entrevistadora: Natália Cordeiro. Recife, 2014. 23 23 Entrevista concedida por BRANDÃO, Angélica. Entrevista. [Jun. 2014]. Entrevistadora: Natália Cordeiro. Recife, 2014.

Sistema gerencial22 22 Entrevista concedida por BRANDÃO, Angélica. Entrevista. [Jun. 2014]. Entrevistadora: Natália Cordeiro. Recife, 2014. 23 23 Entrevista concedida por BRANDÃO, Angélica. Entrevista. [Jun. 2014]. Entrevistadora: Natália Cordeiro. Recife, 2014.

Diante dos acordos entre as esferas estadual e federal, a maior parte dos recursos destinados ao enfrentamento da violência de gênero, entre 2007 e março de 2012, vieram do governo federal - aproximadamente R$ 6 milhões dos cerca de R$ 11 milhões declarados (Pernambuco, 2012PERNAMBUCO. Enfrentamento da violência contra as mulheres em Pernambuco: relatório para a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito. Recife: [s.n.], 2012.).19 19 Não há informações específicas sobre o montante destinado ao serviço de abrigamento. Outro importante fator a ser considerado é que a mudança de status da Secretaria da Mulher em 2011 gerou aumentos no seu orçamento, e, consequentemente, na sua autonomia política.20 20 Em 2007, quando era uma secretaria especial, o orçamento total da SecMulher foi de 3 milhões de reais e em 2013, quando já era uma secretaria ordinária, foi de aproximadamente 31 milhões de reais (PERNAMBUCO, 2014).

A implementação do programa de abrigamento obedeceu à seguinte hierarquia: governo estadual ( Secretaria da Mulher ( Secretaria Executiva de Políticas para Mulheres ( Diretoria-Geral de Enfrentamento da Violência de Gênero ( Coordenação do Núcleo de Abrigamento ( coordenação das casas-abrigo ( equipe técnica das casas-abrigo.

O que a análise do funcionamento das casas permitiu inferir é que elas têm relativa autonomia para atuar com as usuárias do serviço. Embora haja atividades comuns a todas as casas, cada uma tem atividades que lhe são próprias. Isso significa que, embora haja diretrizes gerais que pautem o programa de abrigamento, ao longo da implementação, os agentes responsáveis adotam formas de trabalhar que variam de acordo com o contexto local da casa, a quantidade de abrigadas, entre outros fatores.

Processos de divulgação e informação22 22 Entrevista concedida por BRANDÃO, Angélica. Entrevista. [Jun. 2014]. Entrevistadora: Natália Cordeiro. Recife, 2014. 23 23 Entrevista concedida por BRANDÃO, Angélica. Entrevista. [Jun. 2014]. Entrevistadora: Natália Cordeiro. Recife, 2014.

Tendo em vista o caráter sigiloso das casas-abrigo, a função de divulgação do programa é especialmente das Delegacias da Mulher, dos Centros de Referência, das Unidades Básicas de Saúde, da Defensoria Pública, das ONGs e dos Conselhos, podendo ser exercida por outros. Assim, por conta do sigilo, a divulgação é feita de maneira diferenciada, sem publicização dos endereços.

Sistemas de seleção22 22 Entrevista concedida por BRANDÃO, Angélica. Entrevista. [Jun. 2014]. Entrevistadora: Natália Cordeiro. Recife, 2014. 23 23 Entrevista concedida por BRANDÃO, Angélica. Entrevista. [Jun. 2014]. Entrevistadora: Natália Cordeiro. Recife, 2014.

De acordo com Angélica Brandão, toda a equipe das casas-abrigo é composta de funcionárias da SecMulher, contratas por meio de seleção simplificada,21 21 Contrato por tempo determinado. No caso da Secretaria são dois anos que podem ser renovados duas vezes por mais dois anos. enquanto as coordenações são preenchidas por cargos comissionados.

As pessoas vão saindo, [...] vão procurando outras histórias e [...] entra uma e outra pessoa que muitas vezes não tem conhecimento do que é violência doméstica [...] e muitas vezes não tem o trato de lidar com aquela mulher, e a gente precisa muito daquela pessoa para o imediato (informação verbal)

Percebe-se, portanto, que a forma como se dão as contratações não gera estímulos às profissionais para que permaneçam em seus cargos, o que implica uma grande rotatividade da equipe, fato que pode comprometer a qualidade do serviço.

Sistemas de capacitação23 23 Entrevista concedida por BRANDÃO, Angélica. Entrevista. [Jun. 2014]. Entrevistadora: Natália Cordeiro. Recife, 2014.

Segundo Angélica Brandão, não há tempo para capacitação da equipe contratada e comumente adentram ao serviço pessoas que não têm conhecimento na área.

Eu simplesmente não posso chegar e dizer “antes de você entrar na unidade de abrigamento você vai passar por um processo de capacitação”. Não é assim, a capacitação é na tora (sic). Como diz a história, você entra e já aprende fazendo (informação verbal).

A fala da gestora apresenta claramente um complicador para a implementação que se estende para o cotidiano do programa, na medida em que a constituição de equipes técnicas para o atendimento às mulheres não pode acontecer de forma improvisada. Formação no tema, acompanhamento e supervisão externa são fatores fundamentais para a sustentabilidade das propostas de emancipação das mulheres que vêm de um contexto de muita vulnerabilidade e demandam muito do Estado para que consigam romper o ciclo de violência. Tratar a problemática da violência contra a mulher de modo endógeno ao programa não oferece perspectivas futuras para o serviço e para a política.

Sistemas internos de monitoramento e avaliação

Com a observação participante, verificou-se que, nas casas-abrigo, as profissionais fazem relatórios mensais, prestando conta de suas atividades. Com base neles, a coordenação da casa faz um relatório geral, que é enviado ao Núcleo de Abrigamento. Até o presente momento nenhum tipo de avaliação externa incide sobre a política, nem há prestações de conta à sociedade sobre as atividades das casas-abrigo;24 24 Somente por meio de solicitação à Ouvidoria do estado as informações solicitadas para a pesquisa foram disponibilizadas. O primeiro contato com a SecMulher foi estabelecido no dia 25 de abril de 2014, diante da omissão da Secretaria em disponibilizar os dados. Em 29 de setembro de 2014 recorreu-se à Ouvidoria. Assim, em 15 de outubro de 2014 (quase seis meses após o contato inicial) foram disponibilizados os primeiros dados referentes ao funcionamento das casas-abrigo. Os dados completos só foram repassados no dia 30 de janeiro de 2015. Tal morosidade dificultou enormemente a pesquisa. Quando questionada sobre a suposta tentativa de dificultar o acesso às informações, a SecMulher negou e disse que os dados não estavam sistematizados e que por isso demorou para dar retorno, o que indica uma falta de monitoramento do referido projeto. somente o número de mulheres abrigadas e seus dependentes vem sendo divulgado nos Anuários da Secretaria, bem como informações referentes às condições das instalações físicas das casas.

Avaliação de resultados do programa de abrigamento em Pernambuco

Meta 1 - Atendimento e proteção às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar sob risco de morte, no âmbito do estado de Pernambuco (Lei Estadual nº 13.977/2009)

A tabela 3 indica que houve um aumento considerável da quantidade de abrigamentos realizados pelo programa ao longo dos anos - bem como de crianças acompanhantes. Tais números representam um dado positivo para o enfrentamento à violência contra as mulheres, pois significam que mais mulheres estão tendo acesso ao serviço de abrigamento.

Tabela 3
Evolução do número de mulheres abrigadas e crianças acompanhantes ao longo dos anos

No entanto, a análise dos dados indica que o aumento de abrigamentos não reflete a ampliação da capacidade de atendimento, na medida em que as casas-abrigo operaram na maior parte do período analisado acima da sua capacidade (que é de 15 pessoas), fator que compromete a qualidade do atendimento prestado.25 25 Em dezembro de 2013 a casa Adalgisa Cavalcanti chegou a operar com 26 pessoas; a Sempre Viva chegou a ter 48 pessoas em junho de 2013; a Marici Amador operou com 28 pessoas em maio de 2013; a Cristina Tavares chegou a operar com 21 pessoas; e a Jerusa Mendes operou com 36 pessoas em abril de 2014.

Apesar de a SecMulher não ter disponibilizado os dados sobre a quantidade de mulheres e dependentes abrigados em todos os meses analisados (18 meses), pôde-se constatar que as casas operaram acima da capacidade-limite na maioria do período que foi informado (para cada casa, esse período foi diferente). Por exemplo, a casa Adalgisa Cavalcanti operou acima do limite em nove dos 14 meses informados.

Tabela 4
Casas-abrigo operando acima da capacidade

Meta 2 - Garantir a integridade física e psicológica das mulheres ameaçadas de morte e de seus filhos ou dependentes legais menores de 18 anos (Lei Estadual nº 13.977/2009 e Política Nacional de Abrigamento)

As casas contam com vigilância terceirizada 24 horas, feita por um(a) vigilante por turno, e têm seus endereços mantidos sob sigilo. Durante o período analisado foram prestados 1.385 atendimentos psicológicos individuais e coletivos para as usuárias e seus dependentes.

Em relação ao sigilo, há de se considerar: a) a depender do tamanho do município no qual a casa esteja situada, a garantia do sigilo é de difícil manutenção - municípios pequenos têm maior dificuldade de fazê-lo; b) as Diretrizes Nacionais para o Abrigamento (Brasil, 2011BRASIL. Diretrizes nacionais para abrigamento de mulheres em situação de risco e de violência. Brasília: [s.n.], 2011.) recomendam a mudança periódica de imóvel para que os locais não se tornem conhecidos. Isso, no entanto, pode comprometer a qualidade da estrutura física disponibilizada para as usuárias, pois os imóveis alugados comumente são residenciais e precisam localizar-se em regiões em que não haja movimento intenso de pessoas, de forma que nem sempre têm as condições ideais para comportar diversas famílias.26 26 Desde então, a SecMulher tem investido na compra de imóveis próprios, que possam ser adequados às necessidades do serviço, mas, para que isso não comprometa a segurança das usuárias e das profissionais, é imprescindível um reforço na segurança das casas.

Meta 3 - Auxiliar no processo de reorganização da vida das mulheres e no resgate de sua autoestima (Lei Estadual nº 13.977/2009)/resgatar a casa-abrigo como espaço de segurança, proteção, reconstrução da cidadania, resgate da autoestima e empoderamento das mulheres, a partir de valores feministas (Política Nacional de Abrigamento)27 27 Entrevista concedida por N. Entrevista. [Ago. 2014]. Entrevistadora: Natália Cordeiro. Recife, 2014.

Em todas as casas-abrigo houve consultas médicas e realização de exames, emissão de documentos, cadastro em programas sociais e articulação institucional. Houve oficinas sobre violência contra a mulher, desigualdades de gênero, Lei Maria da Penha, autoestima e empoderamento, fortalecimento dos vínculos familiares, realização de dias de cuidado com a beleza e produção de artesanato.

Tais ações são extremamente importantes para a reorganização da vida das mulheres, pois lhes asseguram a cidadania do ponto de vista legal, estimulam e orientam as práticas de cuidado consigo e com seus dependentes e lhes permitem algum grau de autonomia financeira. No entanto, o nível de violência ao qual estas mulheres estiveram submetidas é muito profundo, de modo que o resgate da autoestima e o empoderamento não são processos rápidos nem fáceis, sendo dificilmente exequíveis no prazo de quatro meses. Tal impressão é confirmada pelo relato de N.

Eu pedi desabrigamento, encontrei um lugar para ir que não fosse minha residência, mas depois acabei voltando pra minha casa mesmo [...]. Eu tenho a consciência de que eu me arrisquei. Porque elas [técnicas do serviço] me orientaram muito para que eu não voltasse para o local da violência, mas eu voltei por minha livre e espontânea vontade (informação verbal).

Além disso, a usuária diz que, após a saída da casa-abrigo, voltou a relacionar-se por algum tempo com o agressor. Assim, ainda que a casa-abrigo dê às mulheres novas perspectivas de vida, na medida em que as retira da situação em que o risco de morte é eminente, é importante reconhecer os limites da atuação do programa de abrigamento - tendo em vista a complexidade inerente à questão da violência de gênero -, ressaltando a urgência de estar articulado à rede de serviços, em especial aos Centros de Referência para Mulheres em Situação de Violência.

No que diz respeito aos valores feministas, se, por um lado, em todas as unidades houve oficinas referentes a temáticas caras ao feminismo,28 28 O feminismo aqui é entendido como corrente teórica e política que visa extinguir as desigualdades estabelecidas socialmente entre mulheres e homens. Há problemáticas centrais para o feminismo, como a violência contra a mulher, a divisão sexual do trabalho, os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres etc. por outro, é pouco provável que esses temas tenham sido tratados com base em seus valores, uma vez que, segundo a coordenadora do Núcleo de Abrigamento, não há capacitação para as profissionais contratadas, e muitas entram desconhecendo questões básicas para o enfrentamento à violência de gênero que se pauta por valores feministas.

Na casa em que ocorreu a observação participante, a discordância com os valores feministas pôde ser notada: em diversas ocasiões, as educadoras reforçaram ideias de que o cuidado com a casa e com as crianças é responsabilidade principalmente da mulher - indo na direção oposta da tentativa de reformulação da divisão sexual do trabalho proposta pelo feminismo -; houve casos em que a equipe técnica queria impor seus entendimentos às usuárias, desrespeitando um dos princípios básicos do feminismo, de respeito à autonomia das mulheres; e, em algumas circunstâncias, educadoras insinuavam que o modo de as usuárias se vestirem ou se portarem não eram adequados a uma mulher - reforçando os papéis sociais tradicionalmente impostos e novamente ferindo a autonomia das mulheres, dessa vez em relação aos seus próprios corpos.

Meta 4 - Atuação em parceria com os serviços de saúde, educação, segurança, justiça, habitação, emprego e renda (Relatório CPMII)/prestação de assistência social, psicológica, orientação, informação e encaminhamento aos serviços e programas sociais ou profissionais desenvolvidos no âmbito do estado e dos municípios (Lei Estadual nº 13.977/2009)30 30 Entrevista concedida por N. Entrevista. [Ago. 2014]. Entrevistadora: Natália Cordeiro. Recife, 2014.

Segundo dados recolhidos junto à SecMulher, foram alcançados os seguintes resultados:

Quadro 2
Atividades realizadas pelas casas-abrigo em articulação com a rede de serviços

Com relação à área de educação, a observação participante permitiu concluir que as oficinas e atividades socioeducativas tinham importante papel para ocupar os dias das mulheres e para introduzi-las a importantes temáticas; no entanto, o despreparo da equipe comprometia a qualidade das oficinas e o respeito aos valores feministas. Somente nas unidades Adalgisa Cavalcanti e Marici Amador houve inscrição de usuárias em programas educacionais, tais como o Educação de Jovens e Adultos, o Aprendiz Legal e o Pró-Jovem Urbano.

Com relação à justiça, em entrevista com a assistente jurídica da SecMulher, Milena Tenório, foi informado que as medidas protetivas, quando deferidas, tornam a saída da mulher da casa-abrigo mais segura. Em entrevista com Angélica Brandão, no entanto, foi pontuado que a articulação com a justiça é um dos maiores entraves que o programa enfrenta, pois há medidas que levam mais de seis meses para serem deferidas, o que deveria ocorrer no prazo de 48 horas, e que deixa as mulheres em situação de vulnerabilidade.29 29 Diante da morosidade do Judiciário, foram criados outros instrumentos de proteção à mulher, tais como o monitoramento eletrônico dos acusados por meio de tornozeleiras eletrônicas e a senha do Centro Integrado de Operações de Defesa Social.

No que diz respeito ao emprego e à renda, somente a casa-abrigo Marici Amador articulou a inscrição das usuárias em cursos profissionalizante fora da casa - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), ONGs etc. Para a SecMulher, as oficinas de artesanato e culinária são vistas como atividades geradoras de emprego e renda; contudo, o que a observação participante pôde constatar foi que aquilo que é ensinado/aprendido não tem valor de mercado fora desse contexto, pois as profissionais que realizavam as oficinas não eram especializadas naquelas atividades, que as faziam como forma de preencher o dia a dia das mulheres; portanto, sem caráter profissionalizante. Isso é reforçado pela fala de N.

Podiam ter mais dinâmicas sobre como melhorar de vida, ser independente, sem precisar daquele homem mais, porque na sua maioria as mulheres sofrem violência porque são completamente dependentes daquele homem, né? (informação verbal).

Por fim, com relação ao atendimento psicológico, em alguns casos coincide de psicólogas e assistentes sociais realizarem as mesmas funções. Além disso, a análise dos dados fornecidos pela SecMulher leva a crer que as mesmas atividades eram enquadradas em duas ou mais categorias - por exemplo: acompanhamento em Centro de Atendimento Psicossocial e Centro de Atendimento Psicossocial Álcool e outras Drogas era considerado atendimento psicológico, encaminhamento da assistência social e encaminhamento de saúde. Tal fato pode dar a entender que eram realizadas mais atividades do que de fato aconteciam.

Meta 5 - Implantação e reforma de seis casas-abrigo, em diferentes pontos do estado, garantindo a proteção à vida das mulheres em todo território do estado (Plano Estadual para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra as Mulheres)31 31 Entrevista concedida por BRANDÃO, Angélica. Entrevista. [Ago. 2014]. Entrevistadora: Natália Cordeiro. Recife, 2014.

No período analisado, cinco casas funcionaram: a Sempre Viva, que, em 2013, passou a ser responsabilidade do estado; a Marici Amador e a Adalgisa Cavalcanti, que funcionaram ininterruptamente; a Cristina Tavares, que só funcionou dois meses (abril e maio de 2013); e a Jerusa Mendes, que só passou a funcionar em abril de 2014. Ou seja, ao fim da análise, só existiam quatro casas-abrigo funcionando.

Diante do aumento da demanda pelo serviço de abrigamento, a redução do número de casas-abrigo sem ampliação da capacidade destas comprometeu bastante a qualidade do atendimento prestado. Neste sentido, a fala da gestora Angélica Brandão vai de encontro àquilo estabelecido pela Lei Estadual nº 13.977/2009.

Anteriormente a gente tinha seis casas-abrigo, passamos para quatro, porque a gente visualiza que não é interessante a gente tá (sic) expandindo a quantidade de casa-abrigo. Se a gente quer reduzir o número de mulheres que são vítimas de violência doméstica, a gente não pode tá (sic) aumentando a quantidade de casas-abrigo. O que seria interessante pra (sic) gente era reduzir a quantidade de casa-abrigo, porém dando uma estrutura que seria interessante para comportar a demanda com qualidade (informação verbal).

Deve-se considerar que o aumento da quantidade de casas-abrigo não significa o aumento do número de mulheres vítimas de violência. Essa relação causal estabelecida pela gestora não se sustenta, uma vez que as casas-abrigo são um serviço de proteção às mulheres vítimas de violência, e não de prevenção.

Meta 6 - Apoio à transferência domiciliar que consiste na viabilização do deslocamento aéreo ou terrestre das mulheres vítimas de violência doméstica ou familiar e de seus filhos ou dependentes legais menores de 18 anos (Lei Estadual nº 13.977/2009)32 32 Entrevista concedida por BRANDÃO, Angélica. Entrevista. [Ago. 2014]. Entrevistadora: Natália Cordeiro. Recife, 2014.

No período analisado, todas as mulheres desabrigadas tiveram seus deslocamentos e de seus dependentes viabilizados pela SecMulher. Tal ação é fundamental no processo de reconstrução das vidas delas, mas as condições às quais as desabrigadas são submetidas são discutíveis.

Embora a SecMulher não informe os números, a observação participante permitiu concluir que há três alternativas para o desabrigamento: a) aquele em que a mulher decide livremente voltar para seu lar e assina um termo assumindo os riscos por isto; b) aquele em que a mulher decide, junto à equipe das casas-abrigo, instalar-se em outro endereço - fora do munícipio ou do estado de origem -, e lá recomeçar sua vida; e c) aquele em que as medidas protetivas são deferidas ou até mesmo o agressor é condenado e a mulher pode voltar para seu endereço de origem, pois supostamente estará segura.

Nesse sentido, o que se discute são as condições de vida que as mulheres desabrigadas terão. Deve-se considerar que a maioria delas tem filhos e depende financeiramente dos companheiros. Tais fatores influenciam muito para uma decisão sobre o primeiro tipo de desabrigamento. Em relação a esses casos, a gestora Angélica Brandão afirma:

muitas vezes as meninas [técnicas] das casas se angustiam [...] porque as mulheres saem do serviço de abrigamento e acabam voltando para os agressores [...], e eu costumo dizer “gente, nós não estamos trabalhando para que essa mulher não volte para o agressor, o nosso trabalho e principal objetivo é para que ela não volte para a situação de violência”. Como é que a gente faz isso? É fortalecendo essa mulher, garantindo e mostrando a ela que ela tem os direitos [...], que existe o equipamento que tá (sic) ali para garantir os direitos dela, proteção dela (informação verbal).

Em relação ao segundo tipo de desabrigamento, considera-se que a falta e/ou a insuficiência de serviços públicos, como creches, lavanderias e restaurantes públicos, dificulte e até mesmo inviabilize que as mulheres adentrem no mercado de trabalho e sejam capazes de viabilizar seu sustento e de seus dependentes. O mesmo se aplica à terceira alternativa de desabrigamento.

Meta 7 - Possibilidade de convênios com órgãos ou entidades públicos ou privados para o atingimento dos objetivos acima mencionados (Lei Estadual nº 13.977/2009)

No período, foram realizados convênios com a SPM para reforma de duas casas-abrigo e houve uma parceria com uma Secretaria Municipal da Mulher. Esta parceria consistia em a Secretaria Municipal da Mulher (cujo nome do município não está sendo informado para garantia do sigilo) arcar com o custo do aluguel da unidade Sempre Viva. Anteriormente à completa estadualização do serviço, a casa era de inteira responsabilidade do referido município (aluguel, despesas, quadro de funcionárias etc.), mas a partir de 2013 passou a ser responsabilidade do estado, com o município atuando como parceiro. Neste sentido, tanto os recursos federais quanto as parcerias com um dos municípios em que há casas-abrigo demonstram a existência de uma atuação coordenada entre as três esferas federativas.

Considerações finais

Diante da análise realizada, confirma-se a hipótese central de que há uma discrepância entre o que foi formulado e o que tem sido implementado nas casas-abrigo de Pernambuco. Em virtude do limite de informações, inerente ao processo de elaboração de políticas públicas, no momento da formulação, uma série de questões eram desconhecidas e não foram consideradas na elaboração do referido programa. Além disso, a relativa autonomia das técnicas, responsáveis pelo dia a dia da política, e, portanto, por sua implementação, também influenciou essas diferenças. Outro fator que influenciou foi a articulação do programa com outras áreas do governo, que, conforme demonstrado, não foi sempre bem-sucedida.

Algumas das questões não consideradas no momento da formulação e que se mostraram desafios para a implementação foram: a) a dificuldade de manutenção do sigilo das casas, umas vez que os imóveis alugados não garantem estrutura física compatível com as demandas do serviço; b) a dificuldade de cumprir metas, como resgate da cidadania, empoderamento e autoestima da mulher, previstas na formulação, mas praticamente inexequíveis diante do pouco tempo em que as usuárias permanecem nas casas-abrigo, do grau de violência ao qual elas estiveram submetidas e do teor das atividades realizadas nas casas - reforçando o argumento de que, para lidar com a problemática da violência contra a mulher, é fundamental uma atuação em rede entre uma série de organismos; e c) o isolamento das usuárias do serviço gera uma série de dificuldades na rotina das casas e provoca o questionamento se, de fato, devem ser as mulheres, vítimas da violência, as retiradas de seus contextos sociais.

Com relação à autonomia das implementadoras, a análise verificou que em cada casa as profissionais têm formas particulares de atuação com as usuárias, ainda que haja práticas norteadoras comuns. O fato de as atividades com as usuárias nem sempre atentarem para valores feministas, conforme preceitua as Diretrizes Nacionais para o Abrigamento, sugere que os implementadores podem atuar com base em outros referenciais para além dos estipulados. Essa questão adquire especial relevância diante do fato de não haver sistemas de capacitação para as profissionais e diante da alta rotatividade das equipes - decorrente do sistema de contratação adotado.

Outro fator indicado como capaz de influenciar a diferença contingente entre o que foi formulado e o que vem sendo implementado é a articulação da política com outras áreas do governo. Este foi parcialmente confirmado, na medida em que as articulações com as áreas de saúde, segurança e assistências psicológica e social demonstraram ser congruentes com o que foi proposto. Já nas áreas de educação, emprego, renda, habitação e justiça, os resultados indicam discrepâncias.

Nos itens educação, emprego e renda existiram dificuldades de articulação devido ao caráter sigiloso das casas; a exposição das mulheres e de seus dependentes em saídas rotineiras das casas poderia vir a comprometer a segurança familiar. Tal fato não foi considerado no momento da implementação e ilustra bem a ideia de que analisar as dificuldades e lacunas não significa constatar fracasso do projeto, mas sim as condições reais de seu funcionamento.

No que tange à justiça e à habitação, contudo, a dificuldade de articulação está relacionada à morosidade do Judiciário em dar andamento às medidas protetivas e à articulação precária entre a SecMulher, os organismos municipais de habitação e os programas habitacionais. Um ponto em que aparentemente houve congruência entre o formulado e o implementado diz respeito à articulação intergovernamental.

A hipótese secundária de que o programa de abrigamento vem se fortalecendo institucionalmente também foi confirmada, ainda que algumas observações devam ser feitas. A avaliação verificou que a implementação seguiu o fluxo de transformações políticas e sociais que passaram a ver o combate à violência como uma questão relevante. Assim, ele foi implementado de maneira gradual, na medida em que alguns ajustes incrementais eram realizados diante do diagnóstico de novas necessidades. Desse modo, ao longo da implementação, houve complementações àquilo que havia sido planejado inicialmente, viabilizando que o programa ampliasse sua capacidade de atendimento.

Isso, no entanto, não significa dizer que o fortalecimento institucional tenha sido absoluto, uma vez que a análise também diagnosticou alguns pontos de estrangulamento, como a superlotação das casas, a falta de capacitação das profissionais contratadas, os poucos incentivos para que estas permaneçam no serviço devido ao sistema de contratação e a inexistência de sistemas de avaliação.

Uma questão que não foi considerada pela hipótese central, mas que demonstrou ser relevante ao longo da pesquisa, foi o fato de algumas das metas formuladas para a política serem muito abrangentes, o que faz os resultados indicarem que elas não foram plenamente alcançadas. Isso causa a impressão de que a distância entre o formulado e o implementado é maior do que a realidade. Metas como, por exemplo, reestruturar a vida das mulheres, garantir que consigam recomeçar suas vidas, entre outras, não dependem somente do projeto de abrigamento, o que reforça a imperatividade de ações articuladas com diversas esferas e instituições para enfrentamento à violência contra a mulher.

Referências

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  • ZIRBEL, Ilze. Estudos feministas e estudos de gênero no Brasil: um debate Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2007.

Notas

  • 1
    Pesquisa Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil (Ipea, 2013IPEA - INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil. Brasília: Ipea, 2013. Disponível em: <Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/130925_sum_estudo_feminicidio_leilagarcia.pdf >. Acesso em: 31 jan. 2017.
    http://www.ipea.gov.br/portal/images/sto...
    ).
  • 2
    O eixo de uma ação governamental orientada pela perspectiva de gênero baseia-se na redução das desigualdades entre homens e mulheres (Farah, 2004FARAH, Marta. Gênero e políticas públicas. Revista Estudos Feministas, v. 12, n. 1, p. 47-71, 2004.).
  • 3
    Há dois tipos principais de accountability trazidos por O’Donnell (1998O’DONNELL, Guillermo. Accountability horizontal e novas poliarquias. Lua Nova, n. 44, p. 27-54, 1998.): accountability vertical, que são ações organizadas por grupos ou indivíduos, com referência àqueles que ocupam posições em instituições do Estado, eleitos ou não; e accountability horizontal, que envolve as agências estatais que têm o direito e o poder legal e que estão capacitadas para agir diante de ações ou omissão de outros agentes ou agências do Estado que possam ser classificadas como delituosas. Neste sentido, quando se fala em avaliação de políticas públicas como instrumento de accountability, significa dizer que a avaliação é uma alternativa que pode ser adotada por agentes estatais para verificar as ações ou omissões de outros agentes estatais.
  • 4
    Por conta da diversidade de posicionamentos, muitas autoras não se utilizam do termo feminismo no singular. Além disso, há movimentos de mulheres que não se denominam feministas, embora lutem pelos direitos das mulheres. No entanto, é necessário ressaltar que há um elemento comum a todas essas organizações, que é a superação das desigualdades entre os gêneros. As diferenças ocorrem por conta das desigualdades presentes na realidade de cada grupo e nas estratégias adotadas por eles (Zirbel, 2007ZIRBEL, Ilze. Estudos feministas e estudos de gênero no Brasil: um debate. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2007.).
  • 5
    Diz respeito à desigual distribuição de poder nas relações entre homens e mulheres.
  • 6
    Por ser fruto de disputas políticas e teóricas, não se pretende estabelecer uma definição do que é gênero. No entanto, para fazer uso do referido conceito, é necessário escolher algum referencial. Optou-se, portanto, por utilizá-lo como referência para a análise como sendo a construção social e histórica do feminino e do masculino e para as relações sociais entre os sexos, marcadas em nossa sociedade por uma forte assimetria (Farah, 2004FARAH, Marta. Gênero e políticas públicas. Revista Estudos Feministas, v. 12, n. 1, p. 47-71, 2004.).
  • 7
    Termo oriundo da economia que define situações em que há conflito de escolha. Consiste em uma ação cuja tentativa de resolução de problema acarreta necessariamente outro, obrigando que seja feita uma escolha; abre-se mão de algum bem ou serviço para se obter outro bem ou serviço distinto.
  • 8
    Ressalta-se que o assassinato de mulheres não era uma novidade em si, na medida em que é um problema social que remonta à antiguidade. No entanto, os casos ocorridos tiveram ampla cobertura da mídia e apoio da opinião pública, devido, em alguma medida, ao status socioeconômico das vítimas.
  • 9
    Seu nome foi posteriormente alterado para Programa de Prevenção, Assistência e Combate à Violência contra a Mulher.
  • 10
    Constam como principais marcos legais do programa de abrigamento: a Lei nº. 8.742/1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social e justifica a necessidade de abrigamento em caso de vulnerabilidade temporária, que compreende situações de violência doméstica e familiar; a Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) que institui mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra as mulheres através das medidas protetivas de urgência, dentre as quais consta o abrigamento; o Decreto nº. 6307 do Sistema Único de Assistência Social, de 2007, que prevê a utilização de benefícios eventuais suplementares e provisórios, prestados aos cidadãos e às famílias em virtude de situações de vulnerabilidade temporária; a Resolução 109, de 2009, do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), que inclui entre a tipificação dos Serviços de Proteção Social Especial de Alta Complexidade, o abrigo institucional para as mulheres em situação de violência; e as Diretrizes Nacionais de Abrigamento às Mulheres em Situação de Violência, lançada em 2011, acompanhada do Termo de Referência para Ampliação e Implementação dos Serviços da Rede de Atendimento.
  • 11
    Tal termo é utilizado pela burocracia das casas-abrigo em Pernambuco. As usuárias do serviço assinam uma declaração de hipossuficiência, ou seja, alegam que não possuem condições financeiras para viabilizar sua saída da casa-abrigo.
  • 12
    Os dados solicitados foram: relatórios mensais das casas-abrigo existentes, número de atendimentos médicos prestados às mulheres e aos seus dependentes enquanto permaneciam na casa, número de crianças que estiveram na casa e permaneceram frequentando a escola, número de atividades educativas realizadas com as usuárias do serviço e seu conteúdo; número de agressores presos e os andamentos dos processos, número de usuárias que tiveram acesso a auxílios-moradia ou a outros programas de habitação disponíveis, número de mulheres que conseguiram algum emprego devido a articulações da Secretaria da Mulher e se houve, no período em que as usuárias estiveram na casa, algum tipo de formação profissional, e número de mulheres que obtiveram, por meio da Secretaria da Mulher, acesso a programas sociais.
  • 13
    Foram entrevistas as gestoras Angélica Brandão, coordenadora do Núcleo de Abrigamento da SecMulher, e Milena Tenório, assistente jurídica da Secretaria. A usuária entrevistada terá seu nome mantido sob sigilo para garantir sua proteção. Sua identificação será feita pela letra N.
  • 14
    Casa-abrigo Sempre Viva.
  • 15
    Esses documentos foram selecionados porque, em conjunto, contêm todas as diretrizes que normatizam o funcionamento do serviço de abrigamento.
  • 16
    Entrevista concedida por BRANDÃO, Angélica. Entrevista. [Jun. 2014]. Entrevistadora: Natália Cordeiro. Recife, 2014.
  • 17
    Entrevista concedida por BRANDÃO, Angélica. Entrevista. [Jun. 2014]. Entrevistadora: Natália Cordeiro. Recife, 2014.
  • 18
    Entrevista concedida por N. Entrevista. [Ago. 2014]. Entrevistadora: Natália Cordeiro. Recife, 2014.
  • 19
    Não há informações específicas sobre o montante destinado ao serviço de abrigamento.
  • 20
    Em 2007, quando era uma secretaria especial, o orçamento total da SecMulher foi de 3 milhões de reais e em 2013, quando já era uma secretaria ordinária, foi de aproximadamente 31 milhões de reais (PERNAMBUCO, 2014PERNAMBUCO. 8 de março - Anuário da Secretaria da Mulher . Recife: [s.n.], 2014. ano 8.).
  • 21
    Contrato por tempo determinado. No caso da Secretaria são dois anos que podem ser renovados duas vezes por mais dois anos.
  • 22
    Entrevista concedida por BRANDÃO, Angélica. Entrevista. [Jun. 2014]. Entrevistadora: Natália Cordeiro. Recife, 2014.
  • 23
    Entrevista concedida por BRANDÃO, Angélica. Entrevista. [Jun. 2014]. Entrevistadora: Natália Cordeiro. Recife, 2014.
  • 24
    Somente por meio de solicitação à Ouvidoria do estado as informações solicitadas para a pesquisa foram disponibilizadas. O primeiro contato com a SecMulher foi estabelecido no dia 25 de abril de 2014, diante da omissão da Secretaria em disponibilizar os dados. Em 29 de setembro de 2014 recorreu-se à Ouvidoria. Assim, em 15 de outubro de 2014 (quase seis meses após o contato inicial) foram disponibilizados os primeiros dados referentes ao funcionamento das casas-abrigo. Os dados completos só foram repassados no dia 30 de janeiro de 2015. Tal morosidade dificultou enormemente a pesquisa. Quando questionada sobre a suposta tentativa de dificultar o acesso às informações, a SecMulher negou e disse que os dados não estavam sistematizados e que por isso demorou para dar retorno, o que indica uma falta de monitoramento do referido projeto.
  • 25
    Em dezembro de 2013 a casa Adalgisa Cavalcanti chegou a operar com 26 pessoas; a Sempre Viva chegou a ter 48 pessoas em junho de 2013; a Marici Amador operou com 28 pessoas em maio de 2013; a Cristina Tavares chegou a operar com 21 pessoas; e a Jerusa Mendes operou com 36 pessoas em abril de 2014.
  • 26
    Desde então, a SecMulher tem investido na compra de imóveis próprios, que possam ser adequados às necessidades do serviço, mas, para que isso não comprometa a segurança das usuárias e das profissionais, é imprescindível um reforço na segurança das casas.
  • 27
    Entrevista concedida por N. Entrevista. [Ago. 2014]. Entrevistadora: Natália Cordeiro. Recife, 2014.
  • 28
    O feminismo aqui é entendido como corrente teórica e política que visa extinguir as desigualdades estabelecidas socialmente entre mulheres e homens. Há problemáticas centrais para o feminismo, como a violência contra a mulher, a divisão sexual do trabalho, os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres etc.
  • 29
    Diante da morosidade do Judiciário, foram criados outros instrumentos de proteção à mulher, tais como o monitoramento eletrônico dos acusados por meio de tornozeleiras eletrônicas e a senha do Centro Integrado de Operações de Defesa Social.
  • 30
    Entrevista concedida por N. Entrevista. [Ago. 2014]. Entrevistadora: Natália Cordeiro. Recife, 2014.
  • 31
    Entrevista concedida por BRANDÃO, Angélica. Entrevista. [Ago. 2014]. Entrevistadora: Natália Cordeiro. Recife, 2014.
  • 32
    Entrevista concedida por BRANDÃO, Angélica. Entrevista. [Ago. 2014]. Entrevistadora: Natália Cordeiro. Recife, 2014.

Disponibilidade de dados

Citações de dados

IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa de Informações Básicas Municipais Rio de Janeiro: IBGE, 2013. Disponível em: <Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/perfilmunic/2013/default.shtm >. Acesso em: 2 fev. 2015.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    27 Jul 2016
  • Aceito
    22 Jan 2017
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