Introdução: os estudos longitudinais sobre e-campanhas em tempos de “big data”.
As últimas campanhas eleitorais brasileiras se caracterizaram pelo uso e incorporação maciça da internet e das mídias sociais como ferramenta de propaganda pelos candidatos. Nesse sentido, as eleições de 2014 e 2016 consolidaram essa tendência, com virtualmente todos os candidatos aos cargos majoritários e grande parcela dos candidatos a cargos proporcionais, utilizando a internet e algum tipo de mídia digital como ferramenta de comunicação e interação com os cidadãos, de maneira geral, e não apenas com o potencial eleitor.
Entretanto, embora já tenham sido empreendidos diversos estudos sobre o uso da internet nas eleições brasileiras, como veremos adiante, ainda não existem trabalhos que apresentem dados sistematizados sobre a evolução desse uso pelos candidatos ao longo do tempo, bem como os padrões e eventuais efeitos desse uso na organização dos sucessivos pleitos eleitorais brasileiros, que possam servir como base para um diálogo com estudos longitudinais de natureza análoga sobre e-campanhas empreendidos em outros países.
A esse respeito, um amplo debate vem ocorrendo na literatura sobre e-campanhas desde meados da década de 1990, quando as ferramentas da internet passaram a ser empregadas de maneira mais sistemática por diferentes categorias de candidatos (BIMBER, 2014; NICKERSON & ROGERS, 2014). Esse debate intensificou-se com o crescente desengajamento cívico do eleitorado em relação aos partidos ocorrido no início deste século, que tornou ainda mais importante o papel das campanhas nas decisões de voto do eleitor, inclusive as e-campanhas feitas por intermédio das tecnologias digitais (BLUMER, 2014; GIBSON, 2015; RÖMMELE & SCHENEIDMESSER, 2016). Nesse contexto, uma ideia que tem sido constantemente enfatizada na literatura refere-se ao caráter dinâmico das campanhas eleitorais, especialmente após o emprego maciço das redes digitais, com inovações tecnológicas significativas surgindo de eleição para eleição.
Mais recentemente, muitos autores chegaram mesmo a afirmar que, com a crescente disponibilidade de grandes quantidades de informação no mundo virtual (os chamados big data), o emprego das tecnologias digitais daria lugar a uma nova fase das campanhas eleitorais, distinta das anteriores (pré-moderna, moderna e pós-moderna, para empregar as expressões clássicas difundidas por Pippa Norris em seu A virtuous circle (NORRIS, 2000)), fase esta caracterizada por alguns analistas como “campanhas iniciadas pelos cidadãos” (citizen initiated campaign) (GIBSON, 2015) e, por outros, como “campanhas midiatizadas” (mediatized campaing) (RÖMMELE & SCHENEIDMESSER, 2016). Convém observar, no entanto, que críticas aos potenciais democratizantes do emprego das ferramentas da internet nas campanhas também têm sido feitas pela literatura mais recente, especialmente após a verificação do uso de robôs (os chamados bots) e outros artifícios de modulação do comportamento dos eleitores no mundo digital por ocasião das e-campanhas (ARNAUDO, 2017; PERSILY, 2017).
Nossa intenção neste texto é contribuir para uma percepção menos especulativa e mais empiricamente fundamentada desse tema mais geral da evolução das e-campanhas ao longo do tempo, apresentando dados sistemáticos sobre o uso das mídias sociais e da internet pelos candidatos nas últimas campanhas eleitorais brasileiras (especialmente a partir de 2006, quando esses dados passaram a ser reunidos de maneira mais precisa), e analisando os padrões de uso das tecnologias digitais ao longo do tempo pelos diferentes grupos de candidatos.
Este artigo é, portanto, uma tentativa de sistematização de dados longitudinais sobre as eleições brasileiras, por meio da qual procuraremos traçar algumas tendências gerais das e-campanhas no Brasil. Para cumprir tal objetivo, reconstituiremos brevemente os achados mais significativos da literatura sobre o assunto e, também, a maneira pela qual ela apreendeu a evolução do emprego das tecnologias digitais nas e-campanhas brasileiras. Nesse sentido, ele busca dialogar com outros estudos de natureza análoga já existentes sobre o emprego da internet e das mídias sociais em países com maior grau de inclusão digital do que o Brasil (SCHWEITZER, 2008, 2011; AGGIO, 2013; STROMEY-GALLEY, 2014; KOC-MICHALSA, GIBSON & VEDEL, 2014; SOUZA, 2015; LEVI-ON & HALEVA-AMIR, 2016; COK-MICHALSKA et al., 2016; LILLEKER, 2016).
Além disso, estudos de sistematização da literatura demonstram que o campo das relações entre internet e política tem tido uma importância crescente na literatura brasileira de Ciência Política, o que justifica uma análise mais detalhada das abordagens e evidências sobre o campo específico de “internet e eleições” no Brasil recente (SAMPAIO, BRAGATTO & NICOLÁS, 2016).
Esclareça-se, por fim, que o objetivo deste artigo não é o de fazer uma análise bibliométrica do conjunto de artigos publicados sobre e-campanhas no Brasil em eventos e periódicos científicos, mas, sim, o de extrair da literatura secundária e de nossa base de dados alguns achados relevantes que nos permitam mapear, de uma perspectiva diacrônica, as principais inovações ocorridas nas campanhas digitais brasileiras ao longo do tempo.
Questões de pesquisa, proposições básicas e referencial teórico-metodológico
Nesse contexto, as questões básicas que buscaremos responder neste artigo são as seguintes: Como a literatura de comunicação e Ciência Política abordou a questão do uso das ferramentas digitais pelos candidatos nas e-campanhas brasileiras desde o pleito de 1998, quando começaram a surgir os primeiros estudos mais sistemáticos sobre o assunto? Quais os achados e inovações mais significativos mapeados por esta literatura ao longo do tempo? Quais foram os padrões de uso das ferramentas digitais por diferentes categorias de candidatos a cargos majoritários nas últimas campanhas eleitorais brasileiras? Como o uso dos diferentes recursos digitais mais utilizados pelos candidatos (especialmente os websites e mídias socais tais como Facebook, Twitter e Youtube) evoluiu ao longo do tempo? Há evidências de que tais candidatos interagiram de fato com os cidadãos ou apenas estiveram on-line divulgando de forma unilateral suas mensagens políticas?
Nesse contexto, procuraremos fornecer evidências que nos permitam demonstrar as seguintes proposições básicas: a) a partir do exame dos achados mais relevantes da literatura e da base de dados utilizada em nossa pesquisa consolidou-se no Brasil, nos dois últimos pleitos, um padrão pós-web de campanhas eleitorais, com uso intensivo de mídias digitais associadas às plataformas-base de e-campanha dos candidatos (os websites), para os casos dos candidatos de partidos maiores e com mais recursos políticos; b) Facebook e Twitter, por seu baixo custo e fácil acesso, tornaram-se as ferramentas digitais preferidas dos candidatos a partir do pleito de 2012, ultrapassando os websites como ferramenta de e-campanhas; c) houve uma atenuação progressiva do “digital divide” ao longo dos sucessivos pleitos, com as desigualdades entre os diferentes subgrupos de candidatos se atenuando ao longo do tempo, havendo, portanto, uma tendência à difusão no uso da internet, especialmente das mídias sociais, entre candidatos localizados entre diferentes regiões do País com graus distintos de desenvolvimento socioeconômico; d) embora as mídias sociais não possam, em geral, ser consideradas como “preditoras” dos resultados eleitorais, especialmente nas eleições proporcionais; em nível majoritário, observa-se uma associação positiva entre presença on-line dos diferentes candidatos e os resultados eleitorais, o que implica afirmar que a intensidade do uso das mídias sociais já pode ser considerada um antecipador de certos comportamentos off-line; e) observou-se um progressivo aumento da intensidade da interação on-line nas plataformas virtuais, especialmente o Facebook, que passou a ser a plataforma preferida pelos candidatos para interagir com os eleitores, embora os padrões observadores de interação on-line por intermédio dessa plataforma entre os diferentes subgrupos de candidatos seja bastante distinto.
Para apreender essa dinâmica da evolução das e-campanhas no Brasil, além da sistematização das contribuições da literatura secundária, utilizaremos como metodologia o levantamento quantitativo dos seguintes indicadores: a) a frequência do uso de websites de campanha e de algum tipo de rede digital pelos candidatos às eleições majoritárias; b) o uso das mídias digitais mais empregadas ao longo do tempo, tais como Facebook, Twitter e canal do Youtube; c) nível geral de interatividade observada nas principais mídias sociais, tal como mensurado pelo grau de atenção obtido no Facebook, pelo número de seguidores no Twitter e pelo número de visualizações nos canais do Youtube; d) desigualdades existentes no uso das tecnologias digitais por candidatos localizados em diferentes regiões do País; e) relação entre intensidade de uso das mídias sociais e padrões de votação nas últimas eleições brasileiras.
A base de dados utilizada nesta análise foi a base que construímos em nosso trabalho de monitoramento das eleições majoritárias brasileiras desde julho de 2008 em nosso grupo de pesquisa, no projeto intitulado: Elites políticas e tecnologias digitais: uma análise longitudinal do uso da internet e mídias sociais nas eleições brasileiras (1998 a 2018)3. O objetivo básico do projeto era efetuar uma sistematização da literatura sobre “internet e eleições” no Brasil e construir uma base de dados que possibilitasse comparar o uso da internet pelos candidatos nos sucessivos pleitos eleitorais brasileiros, especialmente nas eleições majoritárias.
Essa base quantitativa compreende informações sobre o uso das diversas ferramentas internet por 1.912 candidatos às eleições majoritárias a partir do pleito de outubro de 2008, abrangendo o uso dos websites e as principais redes digitais por ele utilizadas. Para o levantamento e análise de conteúdo dos websites, além da pesquisa em mecanismos de busca da internet, checamos as informações coletadas pelos pesquisadores por meio do cruzamento de várias fontes, tais como o site do TSE nas últimas eleições, onde há um campo para o candidato informar o website, os verbetes dos candidatos na Wikipédia, quando houvesse, e também os links para os websites em outras mídias tais como Facebook e Twitter. Assim o fizemos para evitar uma subestimação na contagem de websites, especialmente nas últimas eleições. Também analisamos outras mídias sociais além do Facebook, Twitter e Canais do Youtube, tais como Orkut, Instagram e Flickr. Entretanto, não as incluímos em nossa análise porque elas não permitem fazer comparações longitudinais significativas entre os diferentes subgrupos de candidatos. O Orkut foi pouco utilizado após as eleições de 2012, até sua extinção em setembro de 2014. O Flickr não chegou a ter uso significativo entre os candidatos, como ocorre em alguns países como, por exemplo, nos EUA. E o Instagram, que substituiu o Flickr na preferência dos candidatos, apenas passou a ser usado com alguma frequência após as eleições de 2014. No tocante ao WhatsApp, trata-se de uma ferramenta de difícil rastreamento cujo uso difundiu-se efetivamente somente no pleito municipal de 2016.
Sublinhe-se que concentraremos nosso estudo nas eleições para cargos majoritários (presidente da República, governadores de estado, senadores, prefeitos das capitais e cidades do interior onde há dois turnos), pelos seguintes motivos: (i) estas eleições fornecem um “n” intermediário entre as eleições presidenciais (com reduzido número de candidatos) e as eleições proporcionais para deputados federais e estaduais (com número acentuado de candidatos, que dificulta a coleta sobre o uso das tecnologias digitais); (ii) elas nos possibilitam “nacionalizar” a análise, permitindo um estudo comparativo mais abrangente do uso da internet pelos candidatos em diferentes contextos socioeconômicos e em diversas regiões do País; (iii) ainda são escassos estudos abrangentes e agregados sobre as e-campanhas nesses níveis político-administrativos.
Além disso, procuraremos reunir informações existentes na literatura secundária sobre as eleições brasileiras a partir de 1998, quando a internet passou a ser empregada como ferramenta de e-campanha no Brasil. Por esse motivo, nossa análise começa no ano de 1998, embora tenhamos iniciado a coleta regular de dados sobre as e-campanhas brasileiras somente a partir de julho de 2008. Como referência e fonte de inspiração teórica mais geral para a análise da literatura e das evidências coletadas em nossa pesquisa, além dos estudos longitudinais sobre outros países mencionados neste artigo, utilizaremos a tipologia de campanhas eleitorais sugerida por Wilson Gomes em seus trabalhos (GOMES et al., 2009)4. Segundo Gomes e seus colaboradores, podemos subdividir as e-campanhas em quatro tipos de acordo com a centralidade do uso de websites vis-à-vis outros recursos digitais empregados pelos candidatos: pré-web, protoweb, web e pós-web, cujas características podem ser assim resumidas:
Quadro 1. Características das campanhas eleitorais segundo o modelo de Gomes et al. (2009)
CARACTERÍSTICAS | |
Pré-web | Ausência de uso de websites. Os candidatos usam outras ferramentas de comunicação com o eleito, tais como e-mail e newsletter. |
Protoweb | Sites estáticos e com pouca interação. O uso das linguagens digitais já começa a se difundir entre os candidatos, mas de maneira restrita, de modo que as campanhas eleitorais ainda tinham natureza claramente off-line. |
Web | As principais (ou únicas) plataformas virtuais dos candidatos são os websites. As atividades partem de sites vinculados a bancos de dados empregados para arquivo e acesso a discursos, panfletos e outros materiais de campanha. Esse material de campanha tende a reproduzir o conteúdo off-line. Observam-se algumas experiências de interação e participação por meio dos websites. |
Pós-Web | Surge depois da criação das redes digitais e de seu uso maciço por alguns candidatos e políticos. O website do político deixa de ser o elemento central ou único da estratégia de comunicação dos candidatos e passa a ser um centro difusor e de oferta de credibilidade a informações difundidas por outras mídias. Os candidatos interagem com os cidadãos principalmente nas mídias digitais e não no website. |
Fonte: Gomes et al. (2009).
Combinando os indicadores utilizados por esses autores, nossa tese teórica mais geral, que serve de inspiração para a concretização do presente estudo, é a de que as e-campanhas no Brasil evoluíram de um estágio proto-web com baixo grau de interatividade em 1998, para um patamar pós-web com grau mais elevado de interatividade on-line e de profissionalização do uso das mídias digitais, embora experiências mais sofisticadas de deliberação digital e de debate sobre políticas públicas substantivas ainda sejam uma exceção no atual contexto das e-campanhas brasileiras.
Tecnologias digitais e campanhas eleitorais no Brasil: um breve balanço da literatura.
Podemos dividir a literatura sobre e-campanha no Brasil em duas etapas bem definidas: a) uma primeira etapa, anterior ao ano de 2008 e, especialmente, de 2010, antes dos impactos da campanha eleitoral de Barack Obama, nos EUA, e da queda das restrições dos tribunais eleitorais ao uso das ferramentas digitais no Brasil, onde os websites, em regra, com poucos recursos de interatividade foram as principais modalidades de e-campanha utilizadas pelos candidatos; b) uma segunda fase, a partir das eleições de 2010, caracterizada pela queda das restrições legais ao emprego da internet e pelo uso crescente de diferentes recursos digitais (mídias sociais, memes, aplicativos de comunicação instantânea, etc.) pelos candidatos, especialmente aqueles mais utilizados pelos eleitores, como veremos adiante. Em seguida, efetuaremos um breve balanço dos estudos mais relevantes de cada uma dessas etapas, sublinhando alguns de seus principais achados, especialmente aqueles que nos permitem apreender a dinâmica das inovações introduzidas nas e-campanhas eleitorais brasileiras, tendo em vista o quadro teórico explicitado anteriormente.
Principais estudos e inovações de e-campanha antes da liberação do uso das mídias digitais e da internet pelo TSE (1998-2010)
Datam de 1998 as primeiras experiências de utilização da internet e das tecnologias digitais no Brasil, seis anos depois de ter início seu uso nas campanhas eleitorais norte-americanas (MYERS, 1993; D’ALESSIO, 1997; CORRADO, 1998; NORRIS, 2002; STROMMER-GALLEY, 2000)5. De nosso conhecimento, o estudo mais sistemático sobre esta fase inicial das e-campanhas no Brasil é a dissertação de Rodrigo Garcia Fernandez (2005) , na qual o autor busca aplicar uma versão ligeiramente modificada do modelo de análise de conteúdo proposto no texto seminal de Ward & Gibson (2001) para examinar 50 websites de campanhas eleitorais na internet para cargos executivos (prefeitos, governadores e presidentes da República) nas eleições de 1998, 2000 e 2002. As conclusões de Fernandez são semelhantes às de outros estudos produzidos na mesma época para as e-campanhas de outros países (e.g. BIMBER & DAVIS, 2003), ou seja, a pouca presença de ferramentas de participação e interatividade mais sofisticadas na web e a predominância de mecanismos top down de comunicação política virtual entre os candidatos e os eleitores, que, em regra, reproduzem conteúdos utilizados na propaganda impressa e audiovisual. Além do mais, o autor aponta, como característica específica do caso brasileiro, uma maior “personificação” (ou personalização) das mensagens políticas divulgadas nos websites (FERNANDEZ, 2005, p. 79).
Após o pleito de presidencial de 1998, tivemos as eleições de outubro de 2000 para prefeitos e vereadores, nas quais a internet teve impacto fraco e provocou poucos estudos (CARNEIRO, 2002). As pesquisas pioneiras sobre internet nesse período, além do estudo longitudinal de Rodrigo Garcia Fernandez, já citado, concentraram-se em mapear o papel que meios alternativos tinham no agendamento das grandes questões pautadas pelas mídias tradicionais, e na cobertura que os principais órgãos de imprensa efetuaram sobre as candidaturas presidenciais (BORGES, 2008). A esse respeito, destacam-se os textos de Alessandra Aldé e Juliano Borges (2004) sobre o papel da internet e dos websites dos candidatos no agendamento de notícias nas mídias tradicionais, e o trabalho de César Steffen (2003) sobre os websites dos candidatos à presidência da República nas eleições de outubro de 2002.
Após o pleito de 2002, com a consolidação do uso da internet pelos candidatos presidenciais6, passaram a surgir estudos mais abrangentes sobre e-campanhas no Brasil e, pela primeira vez, se fornecem dados agregados sobre o emprego das diferentes tecnologias digitais pelos candidatos às eleições brasileiras. Paradigmáticos dessa fase são os trabalhos de Adriane Figueiroa Martins (2006) sobre as estratégias persuasivas de José Fogaça (PPS) e Raul Point (PT) no segundo turno das eleições municipais para prefeito em Porto Alegre, em outubro de 2004 e os trabalhos de Francisco Brandão Júnior e Carlos Batista (2007, 2009; 2008), no qual são fornecidas as primeiras informações agregadas sistemáticas sobre o uso da internet (websites e e-mails) pelos candidatos às eleições para a presidência da República, para os governos estaduais e para o Senado de outubro de 2006 no Brasil. A principal conclusão da pesquisa de Adriane Martins é de que a campanha na web agrega algo em relação ao conteúdo transmitido via HPEG, e desempenha papel relevante no processo eleitoral, embora o principal público-alvo das mensagens eleitorais sejam os militantes mais próximos aos candidatos, e as mensagens divulgadas pelos candidatos se destinem a esses apoiadores mais ativos, ideia que antecipa achados de pesquisas posteriores segundo os quais as estratégias de comunicação digital dos candidatos visariam mais à “pregação através dos convertidos” do que à comunicação direta com o eleitorado mais amplo, a qual seria feita de forma mais eficaz pelas mídias tradicionais (VISSERS, 2009; MARQUES, AQUINO e MIOLA, 2014), enquanto Brandão e Batista fazem um meticuloso mapeamento das primeiras experiências de participação via e-mail nas campanhas dos candidatos às eleições presidenciais.
Ainda nas eleições de 2006, além de ferramentas tais como e-mails e websites (BRAGA, FRANÇA & CRUZ, 2007; IASSULAITIS, 2007; BRANDÃO e BATISTA, 2009), outras plataformas digitais entram na agenda de estudos dos pesquisadores. Dentre estas, destacam-se os blogs e o Orkut, especialmente as comunidades dos candidatos criadas de forma espontânea ou não pelos cidadãos, que dão origem aos artigos pioneiros de Cláudio Penteado e seus colaboradores (2009), Vera Chaia (2007) e Barros Filho, Coutinho & Safatle (2006) sobre o uso dessas ferramentas. Segundo estes últimos autores, embora, no Brasil, os níveis de inclusão digital ainda fossem reduzidos em comparação com outros países, a internet tornou-se um canal de comunicação que apresentou importantes possibilidades em termos de mobilização e engajamento dos eleitores mais envolvidos com a política, notadamente os mais jovens (COUTINHO & SAFATLE, 2009).
As eleições municipais de 2008 deram origem a vários estudos que mostravam o uso intensivo da internet por determinados candidatos e a emergência das primeiras experiências participativas de maior impacto no espaço virtual, inclusive com uso de mídias sociais por alguns candidatos, apesar da ambiguidade ou proibição da legislação eleitoral no tocante ao seu uso pelos candidatos (BRAGA, NICOLÁS & FRANÇA, 2011; PENTEADO et al., 2010). Destacam-se nessas eleições as performances de alguns candidatos às prefeituras das capitais, tais como Gilberto Kassab (DEM-SP), Fernando Gabeira (PV-RJ), Beto Richa (PSDB-PR) e Antonio Anastasia (PSDB-SP), que usaram amplamente a internet como ferramenta de campanha, promovendo diversas inovações, especialmente seus websites pessoais, blogs e mesmo mídias sociais próprias que foram importantes ferramentas de interação com os cidadãos. Também nessas eleições surgem os primeiros estudos mais aprofundados sobre as disputas proporcionais, com pesquisas sobre vereadores em capitais dos estados que enfatizaram a natureza predominantemente personalizada e pouco interativa das estratégias de comunicação propostas pelos candidatos em suas plataformas virtuais, embora esse não fosse o único padrão de comunicação digital encontrado entre os candidatos (BRAGA, NICOLÁS & BECHER, 2013).
Entretanto, apesar de algumas inovações introduzidas no pleito de 2008, foi somente nas eleições nacionais de 2010 que as tecnologias digitais apresentam maior grau de difusão entre os candidatos, por dois motivos básicos: a) em primeiro lugar, pela queda das restrições dos tribunais eleitorais ao amplo uso da internet pelos candidatos; b) em segundo lugar, e estreitamente relacionado ao primeiro fator, destaque-se uma vez mais a influência do bem-sucedido exemplo da campanha presidencial de Barack Obama no pleito de novembro de 2008, que provocou grande euforia no campo do marketing político eleitoral e, também, entre os analistas políticos e candidatos pelo mundo afora (GOMES et al., 2009; GRAEF, 2009; BIMBER, 2014, MARQUES, SAMPAIO & AGGIO, 2013, p. 18)7.
Principais estudos e inovações após a liberação das e-campanhas na internet pelo TSE
As eleições presidenciais de 2010 ainda tiveram nos websites suas plataformas mais importantes, com poucas tentativas de integrar as informações divulgadas nos sites com ações de mobilização articuladas a partir das mídias sociais, o que caracteriza um estágio web de campanha com baixo grau de interatividade, segundo a tipologia acima adotada. Entretanto, duas inovações podem ser detectadas nessas eleições: o surgimento das propostas de governo colaborativo por meio dos websites e o uso intenso do Twitter pelos candidatos presidenciais (ROTHBERG, 2011; BARROSO, 2013). Essas inovações, somadas a outras, propiciaram um aumento na quantidade de informação política, maior oferta de mecanismos de participação e aumento da transparência das ações dos candidatos em escala inédita em eleições brasileiras até então (MARQUES & SAMPAIO, 2011; AGGIO, 2011b; BARROSO, 2013; IASSULAITIS, 2013). Nesse contexto, aparecem as primeiras pesquisas sobre propostas de governo colaborativo e sobre o uso do Twitter nas eleições, e mesmo trabalhos pioneiros sobre o uso do Facebook (MARTINI, 2011). Alguns textos, por exemplo, mencionam o elevado grau de uso do Twitter pelos candidatos José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV), inversamente ao que ocorreu com Dilma Rousseff (PT), que pouco se utilizou da ferramenta durante a campanha eleitoral (AGGIO, 2011a, AGGIO 2014; BALDIOTI, 2011, 2012; FONSECA & VASCONCELOS, 2013; PEREIRA, 2011; COSTA, 2011; CREMONESE, 2012; FONSECA & VASCONCELOS, 2013). Além disso, surgem as primeiras análises de conteúdo das mensagens veiculadas pelas mídias sociais dos candidatos, com pesquisas mostrando o uso mais personalizado do Twitter por José Serra e Dilma Rousseff, que empregaram a ferramenta basicamente como um mecanismo de gerenciamento de imagem, em comparação com Marina Silva, que usou a ferramenta para mobilizar seus apoiadores (AGGIO, 2014, 2015; BALDIOTI, 2012; FONSECA & VASCONCELOS, 2013; MARQUES et al., 2011b; PEREIRA, 2011; TELLES & MUNDIM, 2012). Nessas eleições, aparecem, ainda, os primeiros casos de campanha negativa, fake news e de desconstrução de imagem utilizando as mídias digitais (especialmente o Twitter) como um recurso importante, com a questão do aborto sendo usada de maneira intensa contra a candidata Dilma Rousseff (PT), tendo esse fato sido decisivo para levar a eleição para o segundo turno, segundo alguns observadores (RAMOS, 2012). Por fim, uma evidência adicional da importância do Twitter nas eleições de 2010 são os estudos mostrando o Twitter também como ferramenta de agendamento nos debates e na grande mídia, sendo o caso mais bem-sucedido o do candidato presidencial Plínio de Arruda Sampaio (PSOL), que usou intensamente a ferramenta para ganhar visibilidade nos debates entre os candidatos na TV e nos jornais (AGGIO, 2014; ROSSINI & LEAL, 2013).
Também nas eleições para os governos estaduais e para o Senado, aparecem pesquisas mais sistemáticas sobre uso de websites e Twitter (BRAGA; NICOLÁS & BECHER, 2013b; CERVI & MASSUCHIN, 2011, 2012). Esses estudos mostram um incremento no uso do Twitter pelos candidatos ao longo da campanha eleitoral, assim como a possibilidade de diferentes estratégias discursivas serem implementadas pelos candidatos nessas plataformas, com tendência para uso “personalizado” da ferramenta, embora não estejam ausentes postagens sobre políticas públicas substantivas. No tocante às eleições proporcionais para a Câmara, um estudo a ser destacado é o de Gilmore (2012), que mostra o elevado grau de uso do Twitter pelos deputados também nas eleições proporcionais. Ainda nesse pleito, aparecem os resultados das primeiras pesquisas sobre comentários nos portais jornalísticos durante o período eleitoral (CERVI, 2013; CERVI & MASSUCHIN, 2013).
Nas eleições de 2012 para as prefeituras e câmaras municipais, como veremos adiante, o Facebook torna-se a mídia social preferida dos candidatos às prefeituras do interior e das capitais dos estados, dando ensejo às primeiras investigações mais sistemáticas sobre o uso dessa ferramenta de campanha no Brasil (AGGIO & REIS, 2013; PENTEADO, 2012; ASSUNÇÃO & SANTOS, 2013; BACHINI et al., 2013a, 2013b; ALDÉ & MARQUES, 2015; SOUZA, 2013). Dentre os achados mais importantes dessas pesquisas, podemos mencionar o predomínio do agendamento de campanha nas plataformas dos candidatos, tanto no Twitter como no Facebook, em detrimento de experiências colaborativas mais aprofundadas, assim como algumas experiências pioneiras do uso de recursos visuais mais avançados e de troca de razões em plataformas tais como Wikipédia (SOUZA & MARQUES, 2016). Os estudos mostram também que alguns poucos candidatos tiveram alta taxa de interação com os eleitores e apoiadores em suas timelines no Facebook como, por exemplo, Marcelo Freixo (PSOL/Rio de Janeiro), Alexandres Fleming (PSOL/Maceió), ACM Neto (DEM/Salvador), Edmilson Rodrigues (PSOL/Belém) e José Serra (PSDB/SP) (ASSUNÇÃO & SANTOS, 2013; ARAÚJO & PEREIRA, 2013; BEIRÃO, 2014 e MORBACH, 2014).
Assim, as pesquisas sobre essas eleições destacam que a principal inovação de campanha, no tocante à internet, foi o uso do Facebook por alguns candidatos outliers que utilizaram intensamente a ferramenta como instrumento de mobilização e agendamento de campanha, embora o debate aprofundado sobre políticas públicas estivesse ausente da plataforma. Ainda sobre o pleito de 2012 são produzidos estudos sobre as campanhas para vereadores, abordando a questão da capacidade das interações das mídias sociais servirem como “preditores” do desempenho eleitoral dos candidatos, tema frequentemente abordado na literatura internacional (BRAGA & BECHER, 2015), assim como análises mostrando que estratégias mais interativas começam a surgir também nas eleições proporcionais, como no caso dos candidatos a vereador na cidade de Fortaleza-CE (MARQUES & MONT’ALVERNE, 2013).
No pleito de 2014, como veremos adiante, consolida-se a hegemonia do Facebook como mídia preferida dos candidatos, embora a média de interações no Twitter ainda seja maior do que as observadas naquela mídia, no caso das eleições para os governos estaduais. Mais uma vez, as eleições presidenciais polarizam a atenção dos pesquisadores, propiciando o surgimento de diversos artigos especialmente sobre o uso do Facebook nas eleições majoritárias (SILVEIRA, 2014; MASSUCHIN & TAVARES, 2015; CERVI, MASSUCHIN & CAVASSANA, 2016; MURTA & MARIANO, 2015; ROSSINI et al., 2016; SOUZA & MARQUES, 2016; SOUZA JR., 2015), mas, também, sobre outras mídias, tais como Instagram (AZEVEDO JR. & LIMA, 2015) e Twitter (PENTEADO, GOYA & FRANÇA, 2014; RECUERO, 2014), aplicativos para celulares (KLEINA e PRUDÊNCIO, 2016), tendo sido também produzidos estudos sobre o uso do Facebook nas eleições para deputados federais (SANTOS, 2017).
Dentre os principais achados dessa nova geração de pesquisas, destacamos as conexões existentes entre a movimentação nas redes ocorrida durante as manifestações de junho de 2013 e o quadro eleitoral de 2014, com a maioria das páginas que foram “autoridades” nas manifestações se opondo à candidatura Dilma em 2014 (SILVEIRA, 2014) e, mais uma vez, a predominância das estratégias discursivas de agendamento nas timelines dos candidatos, embora as postagens de mobilização aparecessem com maior frequência do que as eleições anteriores (MASSUCHIN & TAVARES, 2015). Além disso, outros temas começam a aparecer na agenda dos pesquisadores, tais como a importância do uso de memes nas estratégias discursivas das campanhas (CHAGAS et al., 2017; CHAGAS, 2017; SANTOS & CHAGAS, 2015), as redes de apoiadores on-line que se formam por ocasião dos pleitos eleitorais, que serviram como um importante espaço de expressão e organização dos setores mais conservadores da opinião pública brasileira (BRUGNAGO & CHAIA, 2015; SANTOS, 2014), as interações que ocorrem nas timelines dos órgãos de mídia por ocasião das campanhas, campanha negativa e as características do webjornalismo durante as eleições (CERVI, MASSUCHIN & CAVASSANA, 2016).
Dentre os achados relevantes efetuados por essas pesquisas, podemos mencionar o mapeamento das diferentes estratégias discursivas elaboradas pelos candidatos por meio dos memes, que se convertem num elemento fundamental para a veiculação de mensagens irônicas e de desconstrução da imagem do adversário nas e-campanhas eleitorais no Brasil, especialmente pelos apoiadores dos candidatos, o elevado grau de articulação dos campos políticos na esfera virtual, especialmente as redes conservadoras, mais próximas a candidatos de direita, bem como as características inéditas do debate público que se travou no Facebook durante as eleições presidenciais de 2014 (CERVI, MASSUCHIN & CAVASSANA, 2016). Ainda em relação a esse pleito, aparecem estudos pioneiros sobre o uso do Facebook nas eleições pelos deputados federais do estado do Rio de Janeiro, mapeando a natureza das interações estabelecidas entre os candidatos e seus apoiadores nessa plataforma digital (MURTA et al., 2017).
Por fim, a grande novidade das eleições municipais de 2016 foram os estudos buscando mapear de forma mais aprofundada, por meio de recursos metodológicos inovadores e análise de big data, as interações e as redes que se formam pelas mídias digitais como Facebook e Twitter, os quais ainda estão em fase de elaboração, tendo sido divulgadas apenas versões preliminares ou iniciais destes (ALBUQUERQUE et al., 2016; SANTOS JR., 2016, 2017). Outra novidade foram os projetos que buscam monitorar as eleições em tempo real, tais como a empresa Vértice, no Rio de Janeiro, o projeto Meme, no Paraná, o projeto #Merepresenta, a Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV/DAPP), no Rio de Janeiro, além de jornalistas que produzem dados analisando em tempo real os movimentos dos candidatos nas redes digitais8.
Por fim, surgem estudos analisando o uso de robôs nas eleições (ARNAUDO, 2017; FGV/DAPP, 2017), assim como a qualidade do debate no Facebook (CARRERO & GOMES, 2017), sendo que esses estudos sobre as eleições de 2016 ainda estão em fase de elaboração e publicação em periódicos especializados por ocasião da elaboração deste texto. Em suma, esse conjunto de pesquisas evidencia um movimento geral em direção a um padrão cada vez mais interativo de e-campanha, com amplo uso e disseminação dos mais variados formatos de mídias digitais, embora estas ainda não tenham adquirido a mesma importância das mídias tradicionais (especialmente do HPEG), para os candidatos a cargo majoritário, e/ou do acesso a redes pessoais, recursos políticos e fontes de financiamento, para o caso dos candidatos às eleições proporcionais9.
Entretanto, mesmo não sendo predominantes nas estratégias de campanha como um todo, as pesquisas mais relevantes realizadas até aqui demonstram que a internet e as demais mídias digitais se integraram definitivamente à paisagem da democracia brasileira, como continuaremos a ver pelos dados analisados neste artigo.
Tendências do uso da internet nas campanhas eleitorais no Brasil
Como dissemos, o foco central deste artigo é a realização de uma sistematização empírica de dados longitudinais sobre as e-campanhas brasileiras, coletados tanto de fontes secundárias como de fontes primárias, a partir das pesquisas que efetuamos desde 2008 sobre o uso da internet pelos candidatos, especialmente nas eleições majoritárias, com vistas a mapear de maneira abrangente as principais inovações trazidas pelo emprego das tecnologias digitais nas eleições brasileiras.
Nas páginas seguintes analisaremos esses dados, segundo metodologia anteriormente explicitada. Esclareça-se que, embora nossa base de dados própria tenha sido constituída a partir das eleições de outubro de 2008, apresentaremos dados de outras eleições extraídas de literatura secundária, quando estiverem disponíveis. Assim procedemos porque, como informamos anteriormente, um dos objetivos deste artigo é fornecer ao leitor uma visão panorâmica da evolução do emprego das tecnologias digitais desde quando começaram a ser empregadas pelos candidatos, e não apenas trabalhar com os dados contidos em nossas bases.
Uso de websites e mídias sociais nas campanhas eleitorais brasileiras (2002-2016)
Em seguida, vamos apresentar informações sobre várias dimensões do uso da internet pelos candidatos a fim de verificar tendências nos últimos anos e apontar algumas inovações ocorridas nas campanhas mais recentes de outubro de 2014 e de 2016. Utilizaremos os indicadores mencionados anteriormente, sendo o primeiro deles a frequência simples de uso de websites e mídias sociais pelos candidatos a cargos majoritários ao longo do tempo, os quais podem ser visualizados a seguir10.

Fonte: Brandão Jr. (2008) e base de dados Geist sobre e-campanhas no Brasil (2008-2016)
Gráfico 1. Uso de websites de campanha e de algum tipo de mídia social pelos candidatos às eleições majoritárias (n= 1912 e 15 eleições)
Pelo gráfico, podemos observar que, desde 2002, quando começaram a ser efetuadas mensurações mais sistemáticas do uso das ferramentas da internet pelos candidatos (BRANDÃO JÚNIOR, 2008), houve grande expansão no uso desses recursos nas eleições majoritárias, embora tal expansão não tenha sido linear e tenha ocorrido de maneira desigual pelas várias mídias e subgrupos de candidatos11. No caso das últimas eleições, nota-se, inclusive, diminuição no uso de websites em virtude da fácil disponibilidade e acesso universal às mídias sociais, mesmo por partidos com poucos recursos políticos e regiões com o eleitorado menos incluído digitalmente, o que provocou migração dos atores políticos com menos recursos para as mídias de menor custo.
Pelos dados da tabela, podemos observar que, embora no caso das candidaturas presidenciais o uso de websites tenha se mantido constante, com todos usando essa plataforma digital como ferramenta de campanha, no caso dos candidatos ao Senado e aos governos estaduais, assim como no caso dos candidatos às prefeituras do interior e das capitais nas últimas eleições (i. e., de 2014 e 2016) observamos forte queda. No tocante às prefeituras das capitais, por exemplo, apenas 46,6% dos candidatos usaram websites, e nas prefeituras do interior, somente 23,6% nas últimas eleições. O fenômeno inverso ocorreu, no entanto, em relação ao uso das mídias sociais, onde se observou aumento constante de eleição para eleição, sendo que nos últimos pleitos praticamente todos os candidatos foram usuários de alguma rede digital.
Outro indicador agregado da difusão do uso das tecnologias digitais nas eleições brasileiras é a frequência com que as mídias sociais mais populares, tais como Facebook, Twitter e canal do Youtube foram utilizadas pelos diferentes candidatos. Esses dados estão resumidos no gráfico seguinte. O número de candidatos usuários dessas mídias em cada pleito está entre parêntesis.

Fonte: Base de dados Geist sobre e-campanhas no Brasil (2008-2016).
Gráfico 2 Frequência de uso das mídias sociais mais utilizadas: Facebook, Twitter e Canal do Youtube (n=1.896 candidatos)
Pelos dados longitudinais do gráfico, observamos que as mídias sociais começaram a ser utilizadas com mais frequência somente a partir de 2010, quando a legislação eleitoral brasileira permitiu o uso de tais recursos pelos candidatos fora de seus websites próprios. Desde então, nota-se uma crescente preferência pelo Facebook, ao contrário da expectativa alimentada por alguns observadores segundo a qual o Twitter seria a mídia preferida em virtude de sua agilidade e facilidade em promover a comunicação de “um para muitos” (AGGIO, 2010). Por fim, verifica-se forte declínio do uso de websites e Twitter nas últimas eleições, fato que, como veremos a seguir, pode ser atribuído, no caso dos websites, à proliferação de candidatos de pequenas legendas sem recursos políticos e com baixo grau de competitividade eleitoral e ao pouco tempo de campanha especialmente nas eleições de 2016, enquanto que, em relação ao Twitter, ele se deve, provavelmente, ao decréscimo de uso dessa ferramenta pelo próprio eleitorado12. Esse movimento pode ser ilustrado pela tabela a seguir, que nos informa o uso dos websites pelos diferentes partidos e grupos de partidos desde as eleições de 2008.
Tabela 1. Percentuais de usuários de websites por partidos com resíduos padronizados (n=1.721 candidatos)
2010 | 2012 | 2014 | 2016 | Candidatos | |||||
% | R | % | R | % | R | % | R | N Total | |
DEM | 93,8 | 0,9 | 82,6 | 0,6 | 85,7 | 1,1 | 66,7 | 0,7 | 55 |
PDT | 90,0 | 0,6 | 66,7 | -0,3 | 87,5 | 1,2 | 52,4 | 0,1 | 66 |
PMDB | 96,9 | 1,5 | 88,2 | 1,1 | 89,7 | 2,5 | 79,4 | 2,4 | 129 |
PP | 80,0 | 0,3 | 70,6 | -0,1 | 44,4 | -0,4 | 42,9 | -0,4 | 55 |
ppd | 45,0 | -2,1 | -2,5 | -2,0 | -1,5 | ||||
ppe | 60,3 | -1,9 | -2,2 | -3,9 | -3,3 | ||||
PPS | 62,5 | -0,4 | 0,1 | -0,7 | 1,0 | ||||
PR | 100,0 | 0,9 | 0,5 | 0,1 | -0,8 | ||||
PRB | 100,0 | 0,3 | -0,5 | -0,1 | 1,6 | ||||
PSB | 93,8 | 0,9 | 1,6 | 1,8 | 0,5 | ||||
PSD | 0 | 0 | 1,1 | 1,7 | 1,6 | ||||
PSDB | 93,8 | 1,3 | 1,5 | 1,9 | 1,8 | ||||
PT | 96,9 | 1,5 | 2,1 | 2,7 | 1,5 | ||||
PTB | 75,0 | 0,0 | 0,4 | 1,1 | 0,3 | ||||
TOTAL | 73,8 |
Fonte: Base de dados do Geist sobre e-campanhas no Brasil (2008-2016).
Com efeito, a tabela nos mostra que, embora tenha havido decréscimo consistente no uso de websites por candidatos de diferentes partidos, essa queda foi mais intensa nos pequenos partidos de direita e nos pequenos partidos de esquerda que, além de lançarem um número excessivo de candidatos na expectativa de fortalecer as respectivas legendas no bojo da crise do PT e dos demais grandes partidos da coalizão governista, especialmente a partir das manifestações de junho de 2013, não investiam de forma adequada nas campanhas digitais pelos poucos recursos disponibilizados aos candidatos. A tabela também nos permite visualizar as agremiações mais competitivas que usaram mais os websites nas diversas eleições (PT, PSDB e PMDB), provavelmente pelo fato de comandarem mais recursos políticos13.
Fazendo uma análise menos agregada das informações do gráfico, podemos observar ainda que, no caso das eleições para prefeitos das capitais, verificamos uma evolução de um patamar de apenas 15% de usuários de Facebook nas eleições de 2008 para um total de 95,6%, em 2016, com praticamente todos os candidatos a prefeito fazendo campanha por meio dessa mídia social. Note-se que esse aumento é constante tanto entre candidatos às prefeituras das capitais, como do interior. Um movimento diferente ocorre no caso dos usuários de Twitter e Youtube, com um ligeiro decréscimo dos usuários dessas ferramentas nas eleições de 2016 em comparação com 2012.
No caso das eleições de 2016, portanto, o Facebook firma-se como a mídia digital dominante, sendo utilizada pelos candidatos a prefeito articulada a outras mídias emergentes como, por exemplo, o WhatsApp, Instagram e, em menor medida, Periscope e Snapchat. No caso dos governadores e senadores, o maior patamar de uso do Twitter foi alcançado em 2010, que pode ser considerada “a eleição do Twitter”, com elevados percentuais de uso dessa mídia, superiores aos do Facebook, vantagem que não se manteve em 2014, quando o Facebook sobrepujou o Twitter nas preferências dos candidatos aos governos estaduais e ao Senado. Esse movimento reflete aproximadamente o movimento dos usuários, e também dos estrategistas de campanha dos candidatos que tendem a buscar aquelas mídias mais acessadas pelos eleitores e/ou com maior potencial de constituição de redes de apoio eficazes14.
Outro aspecto a ser analisado é a existência ou não de um “digital divide” no uso das ferramentas digitais mais relevantes (websites e Facebook ou outras mídias sociais) pelos candidatos e seu comportamento ao longo do tempo. Isso nos permite também abordar uma questão mais substantiva: estaria havendo uma tendência à “normalização” (repetição dos padrões assimétricos existentes no mundo off-line) ou uma “equalização” (maior igualdade de oportunidades) nos padrões de competição política digital entre os candidatos ao longo do tempo? Não se trata de uma questão fácil de ser abordada, na medida em que ela tem de ser respondida em vários níveis, correspondentes aos diferentes significados do termo digital divide (socioeconômico, cognitivo, motivacional, etc.) (NORRIS, 2001; KOC-MICHALSA et al., 2016).
Neste texto, abordaremos apenas um deles, que é o nível socioeconômico, na medida em que procuraremos analisar o uso das tecnologias digitais por candidatos de diversas regiões do País com diferentes níveis de inclusão digital do eleitorado. Para mensurar esse fenômeno, criamos um indicador que consiste na diferença das médias entre as duas regiões com o maior percentual de candidatos usuários de algum tipo de ferramenta digital (websites e mídias sociais) e as duas regiões com menor percentual de usuários. O comportamento do índice ao longo do tempo, que pode ser sumarizado no gráfico a seguir:

Fonte: Base de dados do Geist sobre e-campanhas no Brasil (2008-2016)
Gráfico 3. Desigualdades existentes no uso das tecnologias digitais por candidatos localizados em diferentes regiões do País (2008-2016)
Há acentuado decréscimo na fratura digital entre as diferentes regiões do País ao longo do tempo, com as diferenças variando de um pico de 29,9%, nas eleições para as prefeituras de 2008, até o patamar de 0,8%, nas eleições para as prefeituras das capitais, em 2016, sendo que no caso das eleições para as prefeituras de cidades do interior esse indicador chegou mesmo a ser negativo, ou seja, candidatos das regiões Norte e Nordeste tiveram maior índice de uso das ferramentas digitais do que os candidatos das regiões Sul e Sudeste. Assim, embora houvesse um aumento das assimetrias no uso de websites ao longo do tempo, especialmente a partir da difusão das mídias sociais em 2010, que tornou maiores os custos relativos de manutenção de websites para candidatos com menos recursos, podemos caracterizar uma tendência geral à equalização no uso da internet, na medida em que as desigualdades de acesso às mídias sociais diminuíram acentuadamente, com a facilidade cada vez maior de acesso a seu uso por amplas categorias de candidatos. Isso não implica afirmar, naturalmente, que as desigualdades foram eliminadas, mas, sim, transferidas para outros níveis de emprego das ferramentas digitais, tais como o grau de sofisticação dos websites, a contratação de equipes para produzir e difundir conteúdos mais sofisticados nas mídias digitais, análise de big data em tempo real e, assim, sucessivamente. Entretanto, essas desigualdades ocorrem a partir de um patamar mínimo de inclusão digital para a quase totalidade da elite política.
Por fim, resta examinar um último indicador que é o nível de interatividade observada nas eleições. Para tanto, procuramos mensurar o grau em que os candidatos interagem com os eleitores na última semana de campanha, tal como evidenciado pelo índice de presença no Facebook (amigos + seguidores + falaram sobre), pelo número de seguidores no Twitter e de visualizações em vídeos no Youtube. Embora esse índice esteja sujeito a algumas imperfeições, ele pode ser usado como um indicador indireto do ativo de interações acumulado pelos candidatos em cada campanha eleitoral.

Fonte: Base de dados do Geist sobre e-campanhas no Brasil (2008-2016)
Gráfico 4. Nível geral de interatividade observada nas principais mídias sociais (médias por grupo de candidatos nas eleições 2010-2016)
Estes dados fornecem uma evidência adicional da transição do Twitter para o Facebook como a principal mídia social de e-campanha nas últimas eleições. Com efeito, o pico de interações no Twitter, comparativamente às outras mídias, ocorreu no pleito para a presidência da República de 2010, onde os candidatos que usaram Twitter tiveram uma média de cerca de 445.505 seguidores, com uma interação no Facebook inclusive inferior àquela verificada em canais de Youtube. Nas eleições para prefeito das capitais de 2012, o Twitter continuou a provocar um impacto relativo maior que o Facebook, embora o número de candidatos usuários não tenha mais sido o maior. Por fim, o Facebook supera o Twitter no pleito de 2014, sendo a mídia social mais utilizada tanto em termos do percentual de candidatos que empregaram esta mídia quanto do número médio de seguidores que cada um tem online, posição que se manteve nos últimos pleitos às eleições municipais de 2016. Um achado a ser destacado e é que o Youtube ultrapassou todas as demais mídias sociais em termos de interações nos dois últimos pleitos para as prefeituras das capitais. Isso se deve ao fato de haverem candidatos “celebridades”, com reputação consolidada em programas de TV ou outras plataformas de atuação audiovisual com elevada presença no Youtube, que utilizaram este recurso durante a campanha eleitoral. Os casos clássicos de “outliers” são os do apresentador Celso Russomano, candidato derrotado a prefeito de São Paulo em 2016 pelo PRB, cujo canal do Youtube tinha 8.658.827 de visualizações e 28.515 inscritos na reta final da campanha em outubro de 2016 (link: https://www.youtube.com/user/crussomanno/about), Marcelo Freixo, candidato do PSOL à prefeitura do Rio de Janeiro no mesmo ano, com 3.016.585 visualizações, ou os casos de Marina Silva, candidata pelo PSB às eleições presidenciais de 2014, e Romário, candidato pelo PSB ao senado no Rio de Janeiro em outubro de 2014, todos eles com mais de 2.000.000 de visualizações nos respectivos canais de Youtube na reta final de campanha. Estes “outliers” inflaram o grau de interatividade médio do Youtube vis-à-vis o Facebook, fazendo com que as médias fossem pouco representativas nesse caso específico.
Em estudos anteriores que analisaram as eleições municipais de capitais brasileiras de 2012 (Braga & Becher, 2013), as mídias sociais tiveram baixa correlação com a votação final, não sendo boas preditoras dos resultados eleitorais dos candidatos. Nós questionamos aqui: será que o mesmo se repete quando tratamos de outras eleições majoritárias ao longo do tempo ou as eleições de 2012 não uma exceção? A seguir, apresentamos uma matriz de correlação com os resultados das correlações de Pearson entre presença nas redes sociais (presença no Facebook, seguidores no Twitter e visualizações no canal do Youtube) e o percentual de votos válidos no primeiro turno para os candidatos às eleições que usaram esta plataforma. Estes dados nos informam a intensidade das relações existentes entre presença nas principais mídias sociais na última semana de campanha e o grau de sucesso eleitoral dos candidatos, tal como mensurado pelo percentual de votos obtido por cada um deles nas eleições.
Tabela 2. Correlação entre índice de presença nas principais mídias sociais e votação dos candidatos (2010-2016)15
% de votos por cargo X presença nas mídias | Youtube | |||
Senado 2010 | R Pearson | ,461** | ,457** | ,232* |
Sig | ,000 | ,000 | ,046 | |
N | 96 | 134 | 74 | |
Governador 2010 | R Pearson | ,217 | ,290** | ,299* |
Sig | ,157 | ,010 | ,028 | |
N | 44 | 79 | 54 | |
Presidente 2010 | R Pearson | 0,21 | ,974** | ,666 |
Sig | 0,02 | ,005 | ,149 | |
N | 5 | 5 | 6 | |
Prefeito interior 2012 | R Pearson | ,481** | ,085 | ,053 |
Sig | ,000 | ,245 | ,466 | |
N | 286 | 190 | 193 | |
Prefeito Capital 2012 | R Pearson | ,366** | ,120 | ,139 |
Sig | ,000 | ,219 | ,129 | |
N | 166 | 107 | 121 | |
Senado 2014 | R Pearson | ,380** | ,265* | ,290** |
Sig | ,000 | ,010 | ,008 | |
N | 145 | 93 | 83 | |
Governador 2014 | R Pearson | ,367** | ,126 | ,338** |
Sig | ,000 | ,217 | ,005 | |
N | 142 | 98 | 68 | |
Presidente 2014 | R Pearson | ,838** | ,782** | ,336 |
Sig | ,002 | ,008 | ,377 | |
N | 10 | 10 | 9 | |
Prefeitos interior 2016 | R Pearson | ,219** | ,180* | ,275 |
Sig | ,001 | ,031 | ,067 | |
N | 219 | 144 | 45 | |
Prefeito capital 2016 | R Pearson | ,216** | ,157 | -,043 |
Sig | ,003 | ,056 | ,735 | |
N | 183 | 148 | 64 |
**. A correlação é significativa no nível 0,01 (2 extremidades).
*. A correlação é significativa no nível 0,05 (2 extremidades).
Fonte: Base de dados do Geist sobre e-campanhas no Brasil (2008-2016).
O Gráfico 4 nos fornece várias informações importantes sobre a relação entre o desempenho eleitoral dos candidatos e sua presença nas diferentes mídias sociais. Em primeiro lugar, podemos observar que em geral há uma associação positiva entre presença nas mídias sociais e votação, embora essa associação seja, em regra moderada (ou seja, com R de Pearson entre 0,3 e 0,5). Entretanto, o fato de que ela exista e seja positiva pode servir como uma ilustração dos incentivos existentes para que os candidatos usem as mídias sociais, já que estas estão em geral associadas a um desempenho positivo nas eleições pelas diferentes categorias de candidatos. Também podemos perceber que o R de Pearson é diferente para as diversas mídias sociais ao longo dos anos.
Destaca-se, a esse respeito, o Facebook, que apresenta maior associação com o desempenho eleitoral em todos os anos, excetuando as eleições de 2010, quando a presença no Twitter esteve mais associada a um bom desempenho eleitoral no caso das eleições para o Senado, para os governos estaduais e, especialmente, para a presidência da República com um elevado R de Pearson de 0,974. Além disso, notamos que as correlações tendem a ser diferentes para os distintos níveis de eleição: enquanto são altas para as eleições à presidência da República, tendem a ser menores nas eleições estaduais e, na média, ainda menores para as prefeituras.
Por fim, ao contrário de nossa expectativa inicial, não houve uma associação crescente entre desempenho eleitoral e presença nas redes digitais, embora este se mantivesse positivo em todo o período. A nosso ver, esse fato pode ser efeito da crescente inclusão digital e popularização do uso do Facebook por diferentes categorias de candidatos, especialmente em nível municipal, e a existência de um subgrupo de candidatos que, embora com certa presença nas mídias digitais, não são capazes de transformar essa presença em número de votos por variados motivos. De qualquer maneira, esses são problemas a serem examinados com mais profundidade em estudos posteriores.
Por fim, podemos abordar um ponto final. Alguém poderia argumentar que a simples conexão (ter seguidores) não implicaria necessária conexão e interação entre as fanpages e usuários de mídias sociais. Para testar a validade desse argumento, coletamos por meio do software Netvizz informações sobre todas as interações ocorridas durante a e-campanha do primeiro turno das eleições de 2014, nas fanpages de 140 candidatos a governador e 124 candidatos ao Senado, presentes no Facebook. Os gráficos a seguir mostram os resultados divididos por mês e por região.

Fonte: Base de dados do Geist sobre e-campanhas no Brasil (2008-2016).
Gráfico 5. Interações realizadas no Facebook de 140 candidatos a governador na campanha eleitoral de 2014

Fonte: Base de dados do Geist sobre e-campanhas no Brasil (2008-2016).
Gráfico 6 Interações realizadas no Facebook de 124 candidatos a senador na campanha eleitoral de 2014
Essa é outra evidência daquilo que estamos argumentando neste texto: a redução do digital divide brasileiro devido à popularização das mídias digitais, especialmente do Facebook. No quesito dos governadores, embora o Sudeste tenha índices elevados desde o começo da campanha, na reta final do pleito o Nordeste tem mais interações do que o Sudeste - e muito superior às demais regiões, como o Sul. Baseado nisso, o Nordeste parece apresentar uma tendência para ocupar, junto com o Sudeste, o posto das regiões com maior utilização dessas ferramentas.
Já no gráfico sobre os senadores, o cenário difere um pouco. A tendência geral de interações é menor do que a de governadores e o posto ocupado pelo Nordeste não se repete. Em seu lugar, alguns outliers da região Sul, especialmente puxados pelo senador Álvaro Dias (PSDB), apresentam sozinhos índices superiores aos dos governadores. É, portanto, um cenário mais heterogêneo e atípico. De qualquer modo, há fortes evidências de que existe uma interação efetiva dos candidatos com os cidadãos por intermédio das mídias sociais, ficando a natureza dessa interação aberta a estudos empíricos futuros, sendo esse um dos principais temas da agenda de pesquisa dos analistas de e-campanhas eleitorais.
Conclusões: em direção a uma nova etapa nas e-campanhas eleitorais brasileiras?
Procuramos, neste artigo, oferecer uma abordagem sintética e panorâmica do fenômeno das e-campanhas no Brasil, buscando ir um pouco além dos resultados de estudos, em regra, fragmentários e parcelares existentes sobre o tema. Para tanto, apresentamos dados empíricos sobre o uso da internet nas campanhas eleitorais no Brasil e examinamos como a literatura tem abordado as principais inovações de e-campanha efetuadas, principalmente nas eleições majoritárias brasileiras ao longo dos anos. Dentre as principais tendências observadas no uso das ferramentas digitais nas eleições brasileiras, podemos destacar as seguintes: (1) um crescente uso das mídias sociais ao longo das eleições, especialmente do Facebook, que se tornou a ferramenta preferida dos candidatos às eleições majoritárias nos últimos pleitos, corroborando as observações da literatura sobre a natureza dinâmica e inovadora das e-campanhas (AGGIO, 2013; RÖMMELE & SHNEIDMESSER, 2016); (2) Um decréscimo no uso de outros recursos da internet, tais como o Twitter e websites, seja em função da mudanças das preferências do eleitorado, ou em virtude do maior custo relativo da manutenção de outras plataformas digitais vis-à-vis os websites ao longo da campanha; (3) Uma redução do digital divide em termos absolutos, com praticamente todos os candidatos tendo acesso às ferramentas digitais mais difundidas, embora se conservasse a desigualdade no acesso às tecnologias que demandam a posse de maiores recursos políticos, como, por exemplo, o uso de websites, o que indica uma tendência à “normalização” nesse aspecto específico. Esse dado também corrobora os achados de pesquisas empreendidas em outros países segundo os quais, embora a difusão geral de mídias sociais como Facebook e Twitter promovessem uma universalização ao acesso dos candidatos às ferramentas digitais, permanecem as desigualdades em outras dimensões do uso dessas mídias, com candidatos com mais recursos políticos revelando um uso mais eficaz dessas mídias, pelo que se manteria certa tendência à “normalização” das e-campanhas (KOC-MICHALSA et al., 2016; LEVI-ON & HALEVA-AMIR, 2016); (4) Uma tendência ao aumento médio das interações nas mídias sociais em diversas regiões do País, possibilitando modalidades mais interativas e participativas de campanha eleitoral (BIMBER, 2014; GIBSON, 2015), provocando, assim, a queda progressiva das barreiras à interação digital observadas nos estágios iniciais de e-campanha (STROMER-GALLEY, 2000); (5) Uma associação positiva entre a presença on-line dos candidatos e percentuais de votação, o que pode ser considerado um indicador indireto do potencial preditivo das interações on-line no tocante aos resultados eleitorais, embora essa associação não seja idêntica para todas as categorias de candidatos, nem tenha evoluído de maneira uniformemente positiva ao longo dos anos.
O primeiro ponto a ser observado a partir da detecção dessas tendências é o de que, não obstante o ceticismo inicialmente manifestado no tocante à utilização das tecnologias digitais nas eleições (MIGUEL, 2014; CERVI, 2016), essas se tornaram uma plataforma de campanha amplamente difundida entre os candidatos, com praticamente todos os concorrentes a cargos majoritários com alguma presença on-line. Nesse sentido, Twitter e Facebook foram um divisor de águas na história dos padrões de interação on-line entre elites políticas e cidadãos: ao reduzir os custos operacionais e técnicos de possuir uma plataforma on-line, tornando possível a qualquer cidadão leigo ter um perfil e interagir on-line, tais ferramentas praticamente universalizaram o uso das tecnologias digitais como recurso de campanha e de interação on-line entre cidadão e elites políticas.
Entretanto, como é evidente, nem todos optam por estar on-line e, para os que estão on-line, observamos diferentes padrões empíricos de interação. A nosso ver, o fenômeno-chave a ser explicado é porque houve o decréscimo de websites e Twitter, enquanto que o Facebook e Youtube e mantiveram constantes ou, mesmo, aumentaram sua frequência de uso, ao lado de outras ferramentas digitais de difícil rastreamento tais como o WhatsApp.
Os dados permitem levantar algumas hipóteses a serem testadas em análises posteriores. A nosso ver, além da difusão das mídias no mundo off-line, há uma razão mais substantiva para seu uso desigual: o estrategista de campanha mediano pode estar preferindo se “comunicar através dos convertidos” em vez de adotar uma estratégia de “comunicação direta com o eleitor em larga escala”, ou mesmo com jornalistas e formadores de opinião, no caso do Twitter (VISSERS, 2009; NIELSEN & VACCARI, 2014; STROMER-GALLEY, 2014). Por isso, não usam ou usam pouco o Twitter, exceto em alguns contextos em que o uso dessa mídia ainda é maior (e mais intenso) do que o do Facebook, especialmente no caso de candidatos que já têm ampla plataforma de atuação em outras mídias mais tradicionais, ou candidatos localizados em centros urbanos com maior inclusão digital e sistemas de comunicação mais desenvolvidos, que criem incentivos para uma comunicação “horizontal” sistemática com formadores de opinião, especialmente profissionais de mídia.
Ou seja: Facebook e, mais recentemente, o WhatsApp, têm sido preferidos pelos candidatos também por seus atributos enquanto mídias digitais, especialmente por sua facilidade em organizar redes e trocar informações com apoiadores mais leais, ao invés de “construir uma narrativa sobre si mesmos” à revelia da grande mídia como parece ser o caso dos websites ou do Twitter. Ou por outra: longe de estarem “pregando para os convertidos” esses candidatos usariam essas mídias para “pregar através dos convertidos” disseminando informações e mensagens em redes de apoio que potencializam enormemente suas estratégias de comunicação política.
Daí que, ao que tudo indica, o uso dessas mídias sociais tenha vindo para ficar se tornando um ingrediente indispensável das campanhas eleitorais e do processo de construção de imagens e de redes de apoios dos políticos, não obstante os fenômenos negativos recentemente associados a essas mídias digitais tais como o uso de bots (robôs), notícias falsas deliberadamente produzidas, ou a propagação remunerada de mensagens de ódio.
Outro ponto refere-se à questão de se está havendo uma “normalização” ou “equalização” ao longo do tempo nas campanhas eleitorais brasileiras. Com efeito, a postulação da tese da “normalização” (ou seja, da reprodução das desigualdades e dos padrões de competição do mundo off-line na esfera virtual) por David Resnick no final dos anos 1990 do século passado (RESNICK, 1998), provocou uma série de estudos longitudinais na literatura procurando averiguar empiricamente se o fenômeno estaria ocorrendo em outros países do mundo.
Em regra, esses estudos longitudinais confirmam a tese da “normalização”, mostrando que atores com mais recursos (tanto candidatos individuais como partidos políticos) possuem uma vantagem competitiva decisiva na disputa pelo voto na internet (SCHWEITZER, 2008, 2011; KOC-MICHALSKA et al., 2016) seja por elaborarem websites mais sofisticados e com maior poder de difusão de conteúdo, ou por terem maior presença e potencial de articulação nas mídias digitais pela contratação a peso de ouro de profissionais difusores de conteúdo nas redes.
Nosso estudo mostrou que a questão é mais complexa e depende da dimensão do fenômeno a ser considerada. Se a “equalização” for entendida no sentido socioeconômico do termo, os dados indicam que as mídias digitais provocaram amplo acesso dos candidatos de diferentes regiões do País às ferramentas da internet, praticamente eliminando as barreiras à entrada no acesso ao mundo on-line e às e-campanhas. Se o fenômeno for compreendido no sentido relacional, ou seja, de seus efeitos sobre a competição política, observamos que determinadas desigualdades competitivas persistem mesmo com a ampla difusão das mídias digitais, com candidatos de partidos com menos recursos políticos tendo um menor grau de acesso a ferramentas mais sofisticadas como os websites, por exemplo.
De qualquer forma, o acesso às mídias digitais dá voz política para atores que antes estavam excluídos do debate político, provocando uma ampliação da esfera pública e a inclusão de atores (candidatos e cidadãos de maneira geral) anteriormente sem capacidade de manifestação no sistema político, aumentando, assim, o pluralismo e a intensidade da competição política e do debate público, especialmente em períodos eleitorais como inclusive previram analistas pioneiros antes do advento das mídias digitais (BIMBER, 1998; NORRIS, 2001). Se essa inclusão crescente de setores na elite política e do público terá efeitos positivos ou não para a qualidade do debate político e da democracia de maneira geral no longo prazo, é uma questão que só a passagem do tempo e estudos empíricos futuros poderão dizer.
Por fim, os resultados agregados líquidos de nossa pesquisa apontam para uma evolução de um padrão mediano “protoweb com baixo grau de interatividade e mecanismos top down de e-campanha”, no pleito de outubro de 1998, quando aparecem as primeiras evidências de uso da internet em campanhas eleitorais no Brasil, para a difusão de um “estágio pós-web de e-campanha com alto grau de interatividade”, conforme procuramos demonstrar com os dados apresentados acima corroborando as formulações teóricas de outros autores efetuadas antes da ampla difusão destas mídias entre os candidatos e eleitores, quando o padrão pós-web de e-campanha ainda era um fenômeno outlier (GOMES et al., 2009).
Ficam ainda em aberto e passíveis de serem objeto de novas pesquisas empíricas mais aprofundadas a natureza e o conteúdo dessa interação, assim como seus impactos na natureza das relações que se estabelecem entre candidatos e internautas ao longo das campanhas eleitorais no Brasil, bem como o surgimento de outras inovações democráticas que tornem mais transparentes e participativas as e-campanhas no Brasil como em outras partes do mundo (GIBSON, 2015; RÖMMELE, 2016). Fica em aberto, também, e dependendo de estudos qualitativos mais aprofundados, a questão da difusão de uma nova forma de “campanha midiatizada” e seus impactos na qualidade da democracia entendida em num sentido mais amplo. De qualquer maneira, as evidências apontadas na literatura indicam que o modelo de “campanhas iniciadas pelos cidadãos” (GIBSON, 2015) ainda são uma exceção no Brasil.
A esse respeito, podem ser mencionadas algumas poucas campanhas e cases que ilustram alguns potenciais democratizantes das ferramentas digitais tais como os de Fernando Gabeira para a prefeitura do Rio de Janeiro, em 2008, de Marina Silva, para a presidência da República, em 2010, ou de Marcelo Freixo, para a prefeitura do Rio de Janeiro, em 2016. O fato de essas experiências ainda serem exceções indica que “o meio não é a mensagem”, ou seja, que ferramentas mais interativas não geram necessariamente impactos positivos na qualidade da democracia como era a expectativa inicial de muitos analistas.
Assim, se é exagero afirmar que as tecnologias digitais e os recursos de manipulação e modulação dos eleitores por meio do uso de robôs, por exemplo, chegam a colocar em risco a própria existência da democracia e a legitimidade das eleições, como querem alguns (PERSILY, 2017); por outro lado, esses fenômenos advertem contra a expectativa irrealista segundo a qual a mera inclusão digital e o aumento da interação entre esfera política e esfera civil geraria automaticamente formas mais participativas de democracia, independentemente da cultura política predominante entre os usuários de tais ferramentas, dentre outros fatores. Além disso, colocam como desafios empíricos e normativos para uma agenda de pesquisa e reflexão sobre e-campanhas outras questões mais complexas, tais como as da falsificação em tempo real das fake news que circulam pela web, o controle social e monitoramento dos bots e atores responsáveis pela disseminação de tais conteúdos falsos, e mesmo a criação de ferramentas empíricas para mapear e mensurar seus impactos efetivos nas preferências dos eleitores (PASQUALE, 2017; FUCHS, 2017).
Para finalizar o artigo, elaboramos um anexo sintetizando as diversas etapas da realização das campanhas eleitorais no Brasil a partir da redemocratização de 1985-1988, assinalando os principais momentos das inovações trazidas pelas e-campanhas ao longo do tempo.