Acessibilidade / Reportar erro

Indiferenciação e alienação partidária no Brasil

Resumo

Nos últimos anos, diversas pesquisas têm registrado um declínio nas taxas de identificação partidária em diferentes regiões do mundo. Uma preocupação da literatura tem sido compreender se os eleitores que se afastam dos partidos tomam essa decisão mediante uma decisão racional e bem informada, caracterizada pela autonomia e independência em relação aos partidos (indiferenciação), ou se o motivo seria uma atitude de desencanto e afastamento do sistema partidário ou até mesmo do regime como um todo (alienação). No presente artigo, investigamos essa questão aplicada ao caso brasileiro. Para isso utilizamos os dados do Estudo Eleitoral Brasileiro (2002, 2006, 2010 e 2014). Os resultados demonstram que o percentual de eleitores indiferentes e alienados variam conjuntamente, especialmente em conjunturas críticas na qual o governo se envolve em escândalos de corrupção. Essa variação é em parte explicada pela baixa nota atribuída pelos eleitores indiferentes, fazendo com que todos os partidos sejam vistos igualmente “ruins”. Encontramos ainda que indiferentes e alienados compartilham dos mesmos determinantes, sendo que em ambos estão ausentes fatores ligados à mobilização cognitiva, como a escolaridade e o interesse por política. No decorrer do artigo argumentamos que esses resultados têm consequências importantes para a democracia brasileira.

Palavras-chave:
Partidarismo; Cultura Política; Legitimidade democrática; Brasil

Abstract

In recent years, several studies have identified a decline in party identification in different regions of the world. The literature has sought to understand whether voters who depart parties take this decision by a rational and well-informed decision, characterized by autonomy and independence from the parties (non-differentiation), or if the motive would be an attitude of disenchantment and withdrawal from the system partisan or even of the regime as a whole (alienation).In this article, we investigate this issue applied to the Brazilian case. For this we use data from the Brazilian Electoral Study (2002, 2006, 2010 and 2014). The results show that the percentage of indifferent and alienated voters vary together, especially at critical junctures in which the government gets involved in corruption scandals. This variation is partly explained by the low score given by the indifferent voters, making all parties are also seen “bad”. We also found that indifferent and alienated share the same determinants and that both are absent factors linked to cognitive mobilization, such as education and political interest. Throughout the article we argue that these results have important consequences for Brazilian democracy.

Keywords:
Partisanship; Political Culture; Democratic legitimacy; Brazil

Introdução

Diversas pesquisas empreendidas nos Estados Unidos e em diferentes países da Europa têm revelado crescente distanciamento entre os eleitores e os partidos políticos, configurando um quadro de desalinhamento partidário (Putnam, 2003PUTNAM, Robert (2003) El declive del capital social. Barcelona: Galaxia Gutenberg.; Dalton, McAllister e Wattenberg, 2003DALTON, Russell; McALLISTER, Ian; WATTENBERG, Martin P. (2003)“Democracia e identificação partidária nas sociedades industriais avançadas”. Revista Análise Social, v. 38, n. 167, pp. 295-320.; Dalton, 2013DALTON, Russell. (2013) The apartisan American: dealignment and changing electoral politics. Washington, DC: Sage.; Witheley, 2011WITHELEY, Paul (2011) “Is the party over? The decline of party activism and membership across the Democratic World”. Party Politics, v. 17, n. 1, pp. 21-44; Van Biezen, Mair e Poguntke, 2012VAN BIEZEN, Ingrid.; MAIR, Peter.; POGUNTKE, Thomas (2012) “Going, going, gone? The decline of party membership in contemporary Europe”. European Journal of Political Research, v. 51, n. 1, pp. 24-56.). O diagnóstico quanto ao efeito desse fenômeno sobre as democracias têm sido objeto de intenso debate entre os analistas. De um lado, temos aqueles que advogam que o desalinhamento produz um eleitor “indiferente” aos partidos, porém devidamente informados e interessados nos assuntos políticos, o que o colocaria em situação convergente com o ideal democrático de livre formação das opiniões e vontades políticas (Norris, 1999NORRIS, Pippa (1999). Critical citizens: global support for democratic governance. Oxford: Oxford University .; Dalton, 2013DALTON, Russell. (2013) The apartisan American: dealignment and changing electoral politics. Washington, DC: Sage.). De outro, aqueles que percebem um cenário de risco para a legitimidade democrática, pois identificam que os eleitores ao abandonarem os partidos como canal de mediação, o fazem em troca de maior alheamento e alienação em relação à política (Albright, 2009ALBRIGHT, Jeremy (2009). “Does political knowledge erode party attachments? A review of the cognitive mobilization thesis”. Electoral Studies, n. 28, v. 2, pp. 248-260.; Witheley, 2011WITHELEY, Paul (2011) “Is the party over? The decline of party activism and membership across the Democratic World”. Party Politics, v. 17, n. 1, pp. 21-44; Dassonneville, Hooghe e Vanhoutte, 2012DASSONNEVILLE, Ruth.; HOOGHE, Marc.; VANHOUTTE, Bram. (2012) “Age, period and cohort effects in the decline of party identification in Germany: an analysis of a two decade panel study in Germany (1992-2009)”. German Politics, v. 21, n. 1, pp. 209-227.; Van-Biezen, Mair e Poguntke, 2012VAN BIEZEN, Ingrid.; MAIR, Peter.; POGUNTKE, Thomas (2012) “Going, going, gone? The decline of party membership in contemporary Europe”. European Journal of Political Research, v. 51, n. 1, pp. 24-56.).

Em estudo recente, Dassoneville e Hooghe (2016)DASSONNEVILLE, Ruth.; HOOGHE, Marc. (2016) “Indifference and alienation: diverging dimensions of electoral dealignment in Europe”. Acta Politica, V. 53, n. 51, pp. 1-23. analisaram a relação entre desalinhamento, indiferença e alienação, tomando como base empírica 16 países europeus abrangidos pelo European Election Studies Project, no período 1988-2014. Suas conclusões apontam para um cenário pessimista ao identificar que o desalinhamento está mais relacionado com sentimentos de alienação em relação ao sistema político.

Considerando que os testes empíricos sobre as consequências do desalinhamento têm sido desenvolvidos essencialmente no contexto das democracias desenvolvidas, que contam, em geral, com sistemas partidários institucionalizados, sabemos pouco sobre como opera tal fenômeno em contextos de jovens democracias, em especial as latino-americanas (Mainwaring, 2001MAINWARING, Scott. (2001). Sistemas partidários em novas democracias: o caso do Brasil. Porto Alegre/Rio de Janeiro: Mercado Aberto/Fundação Getúlio Vargas.), para as quais sequer há consenso acerca da verificação desse processo de afastamento (Carreras, Morgenstein e Su, 2013CARRERAS, Miguel.; MORGENSTERN, Scott.; SU, Yen-Pin (2013) “Refining the theory of partisan alignments: evidence from Latin America”. Party Politics, v. 21, n. 5, pp. 1-15. ; Gimenes, 2015______ (2015). A relação dos eleitores com partidos políticos em novas democracias: partidarismo na América Latina (2015). 240 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis., 2018).

O caso brasileiro parece ser um interessante laboratório nesse sentido, pois trata-se de um sistema partidário jovem que, desde a década de noventa, encontrava-se em plena estruturação, como reconhecem a maioria dos analistas, mas que, ao longo da última década experimentou mudanças bastante significativas na relação entre eleitores e partidos políticos4 4 Uma revisão da literatura sobre o sistema partidário brasileiro pode ser encontrada em Carreirão (2014). . A partir de 2013 são evidentes os sinais de desalinhamento partidário, o que muito provavelmente está relacionado às mudanças na relação entre o Partido dos Trabalhadores e os seus eleitores e a afirmação do antipetismo (Ribeiro; Carreirão; Borba, 2016RIBEIRO, Ednaldo.; CARREIRÃO, Yan.; BORBA, Julian. (2016) “Sentimentos partidários e antipetismo: condicionantes e covariantes”. Opinião Pública, v. 22, n. 3, pp. 603-637.)5 5 O fato de o PT ser um partido com posicionamento ideológico claramente definido à esquerda do espectro ideológico e de perfil organizacional semelhante aos partidos de massa europeus acabou fazendo dele a “espinha dorsal” do sistema partidário brasileiro (SINGER, 2000), ao qual conferiu coerência. A chegada do referido partido ao Governo Federal e os mais de três mandatos à frente da Presidência da República, se por um lado o fortaleceram eleitoral e organizacionalmente, por outro, provocaram profundos abalos na sua relação com o eleitorado. A implementação de uma agenda de governo contrária a bandeiras históricas do partido e as denúncias de corrupção alteraram profundamente as bases de identificação do petismo (BAKER et al, 2015). Mais do que isso, a polarização entre o PT e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) nas eleições presidenciais desde 1994, os grandes protestos de junho de 2013, majoritariamente direcionados contra o governo petista, e o processo de impeachment de 2016, consolidaram aquilo que se convencionou chamar de “antipetismo” no eleitorado (Ribeiro; Carreirão; Borba, 2011; 2016). . As consequências de tal processo sobre o eleitorado ainda são difíceis de serem mensuradas, mas, neste artigo, tentamos avançar nessa direção.

Para cumprir esse objetivo, valemo-nos das pistas conceituais e metodológicas sugeridas no estudo de Dassonneville e Hooghe (2016)DASSONNEVILLE, Ruth.; HOOGHE, Marc. (2016) “Indifference and alienation: diverging dimensions of electoral dealignment in Europe”. Acta Politica, V. 53, n. 51, pp. 1-23. já mencionado. Mais especificamente, pretendemos verificar a evolução e analisar os determinantes do desalinhamento partidário no país, distinguindo a “indiferença do eleitor em relação aos partidos” da “alienação partidária”. Para tanto, a série histórica de dados do Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB) é utilizada como material empírico nos testes que combinam análise longitudinal e multivariada sobre os indicadores de partidarismo6 6 O balanço teórico acerca do conceito de partidarismo e suas manifestações encontra-se em Gimenes (2017). Neste artigo, entendemos partidarismo como qualquer manifestação positiva de sentimento por algum partido político, como identificação, simpatia ou percepção de ser representado ou ouvido, por exemplo. , indiferenciação e alienação.

O artigo está dividido em quatro seções, além desta: na segunda, apresentamos a literatura sobre desalinhamento partidário e suas consequências para a democracia, com atenção especial aos conceitos de indiferença e alienação; na terceira, discorremos sobre os procedimentos metodológicos e hipóteses de trabalho; na quarta, discutimos nossos resultados empíricos. Para fechar o artigo, nas considerações finais elencamos as principais conclusões do estudo, bem como perspectivas para pesquisas futuras na área.

Desalinhamento partidário e democracia

O desalinhamento partidário7 7 Uma abordagem detalhada sobre o conceito de desalinhamento está contemplada em balanço da literatura elaborado por Gimenes (2017), de modo que, neste artigo, tratamos deste fenômeno enquanto retração dos laços estabelecidos por eleitores com partidos políticos. Nesse sentido, o desalinhamento diferencia-se da ausência de identificação, uma vez que o primeiro conceito remete ao processo de desvinculação dos indivíduos com relação às legendas (seja em termos identitários, de sentimentos positivos de pertença ou representação, por exemplo), enquanto a ausência de identificação partidária está relacionada à não manifestação de enraizamento partidário junto ao eleitorado. se caracteriza pelo enfraquecimento dos laços estabelecidos entre eleitores e partidos políticos e é verificado de maneira recorrente entre democracias consolidadas desde a segunda metade do século XX.

As causas do fenômeno são múltiplas. Por um lado, estão ligadas às mudanças nas próprias organizações partidárias e sua relação com a sociedade civil. Nessa linha, os partidos de massa teriam se reestruturado nas últimas décadas, assumindo cada vez mais uma feição meramente “procedimental” e menos “representativa” (Katz e Mair, 1995KATZ, Richard.; MAIR, Peter (1995). “Changing models of party organization and party democracy. The emergency of the cartel party”. Party Politics, v. 1, n. 1, pp. 5-28.; Mair, 2003MAIR, Peter. (2003)“Os partidos políticos e a democracia”. Revista Análise Social, v. 38, n. 167, p. 277-293.; Whiteley, 2011WITHELEY, Paul (2011) “Is the party over? The decline of party activism and membership across the Democratic World”. Party Politics, v. 17, n. 1, pp. 21-44). Outros autores relacionam o desalinhamento partidário ao processo de modernização, particularmente ao aumento dos níveis de escolarização e ao concomitante desenvolvimento dos meios de comunicação (Inglehart e Welzel, 2009INGLEHART, Ronald e WELZEL, Christian (2009). Modernização, mudança cultural e democracia: a sequência do desenvolvimento humano. São Paulo: Francis. ). Por essa ótica, os cidadãos estariam cada vez mais “equipados” cognitivamente para estabelecer suas preferências e os meios de alcançá-las e, consequentemente, menos dependentes dos partidos para essa função (Dalton, McAllister e Wattenberg, 2003DALTON, Russell; McALLISTER, Ian; WATTENBERG, Martin P. (2003)“Democracia e identificação partidária nas sociedades industriais avançadas”. Revista Análise Social, v. 38, n. 167, pp. 295-320.; Dalton, 2013DALTON, Russell. (2013) The apartisan American: dealignment and changing electoral politics. Washington, DC: Sage.).

Se há pouca divergência quanto ao diagnóstico do desalinhamento e sendo suas causas relativamente bem estabelecidas, o mesmo não pode ser dito em relação às suas consequências para a democracia, objeto de intenso debate na literatura. Existem, pelo menos, duas grandes interpretações nesse sentido. Uma visão “pessimista” defende que o desalinhamento partidário estaria na raiz da diminuição das taxas de comparecimento eleitoral, na sua maior volatilidade e na emergência de políticos “outsiders”, isto é, de políticos sem lastros partidários sólidos e, por isso mesmo, mais imprevisíveis e nocivos à estabilidade democrática (Putnam, 2002PUTNAM, Robert (2002) Solo en la bolera: colapso y resurgimiento de la comunidad norteamericana. Barcelona: Galaxia Gutenberg .; Mair, 2003MAIR, Peter. (2003)“Os partidos políticos e a democracia”. Revista Análise Social, v. 38, n. 167, p. 277-293.). Em contrapartida, uma visão “positiva” relaciona o desalinhamento a um processo gradual de “mobilização cognitiva”. O enfraquecimento dos laços partidários estaria ligado, nesse sentido, ao desenvolvimento das competências políticas do eleitor e da sua capacidade em estabelecer preferências e ações políticas sem depender, necessariamente, de rótulos partidários. A queda no comparecimento eleitoral seria compensada pelo aumento da participação política não convencional e as atitudes de desconfiança seriam canalizadas ao funcionamento das instituições e não à democracia em si (Norris, 1999NORRIS, Pippa (1999). Critical citizens: global support for democratic governance. Oxford: Oxford University .; Inglehart, 1999INGLEHART, Ronald (1999). Post modernization, authority, and democracy. In: NORRIS, P. (Org.). Democratic Phoenix: political activism worldwide. Cambridge: Cambridge University Press. ; Inglehart e Welzel, 2009INGLEHART, Ronald e WELZEL, Christian (2009). Modernização, mudança cultural e democracia: a sequência do desenvolvimento humano. São Paulo: Francis. ; Dalton, 1999______. (1999). Political support in advanced industrial democracies. In: NORRIS, P. (Ed.). Critical citizens: global support for democratic government. Oxford: Oxford University. p. 57-77., 2013DALTON, Russell. (2013) The apartisan American: dealignment and changing electoral politics. Washington, DC: Sage.).

Todo esse debate motivou uma série de pesquisas mais recentes que tiveram como foco a elaboração de “perfis” ou “tipos” de eleitores no nível individual, capazes de refletir empiricamente as condições propostas pelos teóricos do desalinhamento. Em uma das pesquisas pioneiras nesse sentido, Rose e McAllister (1986)ROSE, Richard.; McALLISTER, Ian. (1986) Voters begin to choose. Beverly Hills, CA: Sage. propuseram a seguinte classificação dos eleitores de democracias consolidadas: “eleitores fechados”, que mantêm lealdade forte com uma legenda e contribuem para a persistência do alinhamento; “abertos à competição”, que estão dispostos a alterar sua preferência entre um pleito e outro; e “alienados”, que manifestam atitudes negativas e depreciativas com relação a todos os partidos. É importante notar que nessa classificação os eleitores “não fechados” (“abertos à competição” e “alienados”), isto é, que não mantêm laços partidários, são subdivididos em dois tipos: um primeiro que permanece conectado ao sistema partidário, porém de forma mais independente a autônoma, enquanto o segundo se mantém cético e à margem dos partidos.

Recentemente, Dalton (2013)DALTON, Russell. (2013) The apartisan American: dealignment and changing electoral politics. Washington, DC: Sage. sugeriu uma tipologia dos eleitores baseada nos níveis de escolarização, interesse por política e identificação partidária, a partir da qual elaborou quatro perfis: independentes apolíticos, partidários rituais, partidários cognitivos e apartidários. Enquanto os tipos partidários (“partidários cognitivos” e “partidários rituais”) dizem respeito a indivíduos que manifestam laços com alguma legenda, associados ou não à sofisticação política e cognitiva, os perfis independentes apolíticos e apartidários dizem respeito aos eleitores que conformam o fenômeno do desalinhamento, pois não se identificam com partidos políticos. A classificação de Dalton (2013)DALTON, Russell. (2013) The apartisan American: dealignment and changing electoral politics. Washington, DC: Sage. assemelha-se a de Rose e McAllister (1986)ROSE, Richard.; McALLISTER, Ian. (1986) Voters begin to choose. Beverly Hills, CA: Sage. no sentido de qualificar os eleitores que não mantêm laços partidários, diferenciando-os daqueles que adotam uma postura de independência em relação aos partidos sem desprezar o sistema partidário, e os que sustentam atitudes de ceticismo, afastamento e desprezo pelo sistema.

A pesquisa de Dassonneville e Hooghe (2016)DASSONNEVILLE, Ruth.; HOOGHE, Marc. (2016) “Indifference and alienation: diverging dimensions of electoral dealignment in Europe”. Acta Politica, V. 53, n. 51, pp. 1-23. busca refinar esses conceitos e medidas e é particularmente importante para os nossos propósitos. De forma geral, os autores corroboram a tipologia de Dalton (2013)DALTON, Russell. (2013) The apartisan American: dealignment and changing electoral politics. Washington, DC: Sage., concordando com seu argumento de que o desalinhamento partidário estaria relacionado aos dois perfis que não dispõem de simpatia partidária: independentes apolíticos e apartidários. Nesses termos, investigam duas hipóteses distintas: 1) o desalinhamento partidário estaria associado à abertura crescente do eleitorado a opções partidárias; e 2) o desalinhamento estaria associado ao crescente afastamento do eleitorado com relação aos partidos e ao sistema partidário. A fim de operacionalizar tal investigação, Dassonneville e Hooghe (2016)DASSONNEVILLE, Ruth.; HOOGHE, Marc. (2016) “Indifference and alienation: diverging dimensions of electoral dealignment in Europe”. Acta Politica, V. 53, n. 51, pp. 1-23. utilizaram os conceitos de indiferenciação e alienação, já presentes em Rose e McAllister (1986)ROSE, Richard.; McALLISTER, Ian. (1986) Voters begin to choose. Beverly Hills, CA: Sage..

O termo indiferenciação é mobilizado em seu sentido original, qual seja, o de identificar eleitores que percebem pouca ou nenhuma distinção entre os partidos e estão propensos de modo similar a votar nas diversas legendas, conforme seu interesse. Já o termo alienação remete à percepção de que todas as alternativas partidárias estão igualmente distantes dos (e pelos) eleitores, o que os torna mais propensos a se afastarem da arena política e, eventualmente, adotar atitudes de ceticismo em relação à própria democracia.

É importante reforçar aqui a diferença entre “indiferentes” e “alienados”, pois embora ambos tenham em comum a ausência de laços partidários, suas orientações políticas são fundamentalmente distintas. O eleitor indiferente não diferencia os partidos políticos, mas nem por isso despreza a arena eleitoral, agindo como um “eleitor racional” que busca no “mercado partidário” as melhores opções para suas preferências naquele contexto. O eleitor alienado, por sua vez, afasta-se da arena política, não enxergando nela qualquer utilidade, desprezando os partidos políticos ou até mesmo o sistema como um todo.

Dassonneville e Hooghe (2016)DASSONNEVILLE, Ruth.; HOOGHE, Marc. (2016) “Indifference and alienation: diverging dimensions of electoral dealignment in Europe”. Acta Politica, V. 53, n. 51, pp. 1-23. observaram as atitudes de indiferenciação e alienação dos europeus com base em dados do European Election Studies (1989-2004) e outras pesquisas referentes aos anos de 2009 e 2014 (Van Egmond et. al., 2013VAN EGMOND, M.; VAN DER BRUG, W.; HOBOLT, S.B.; FRANKLIN, M.N.; SAPIR, E. V. European Parliament Election Study 2009, Voter Study. GESIS Data Archive, Cologne , 2013. ZA5055 Data file Version 1.1.0, doi: 10.4232/1.11760.
https://doi.org/10.4232/1.11760...
; Schmitt et. al., 2015SCHMITT, H.; POPA, S. A.; HOBOLT, S. B.; TEPEROGLOU, E (2015) European Parliament Election Study 2014, Voter Study. GESIS Data Archive, Cologne. ). Além disso, analisaram por meio de regressões com efeitos fixos as semelhanças e diferenças nos seus determinantes individuais. Os autores identificaram elevação de cerca de um quarto no nível de indiferenciação, com destaque à redução expressiva do partidarismo na Grécia e na Itália e destaque à Suécia como único país com partidarismo crescente nos últimos 25 anos. Em síntese, os resultados apontam a existência de correlação entre partidarismo e indiferença, no sentido de que a redução dos laços partidários estaria associada à elevação da indiferenciação que os eleitores fazem das legendas partidárias.

No que diz respeito à relação entre partidarismo e alienação, os resultados vão no mesmo sentido, ou seja, a redução da primeira medida é verificada de maneira inversa ao aumento da segunda, sendo que em três quartos dos países houve elevação da alienação e, tal indicador praticamente dobrou no período. Na contramão dessa tendência, a Suécia novamente se destaca pela redução da alienação, acompanhada de crescimento dos níveis de partidarismo. Entre países onde essa medida tem se mantido estável, como a Finlândia, a alienação também não tem oscilado significativamente.

Diante desse conjunto de resultados, Dassonneville e Hooghe (2016)DASSONNEVILLE, Ruth.; HOOGHE, Marc. (2016) “Indifference and alienation: diverging dimensions of electoral dealignment in Europe”. Acta Politica, V. 53, n. 51, pp. 1-23. afirmaram que indiferenciação e alienação estão altamente correlacionadas entre si e que, na maioria dos casos, aumentam na medida em que diminui o partidarismo. Ou seja, o fenômeno do desalinhamento partidário estaria relacionado com ambos os fenômenos, a indiferenciação e a alienação, sendo que entre os países da Europa Ocidental os efeitos da alienação seriam ainda mais expressivos do que os da indiferença:

O desalinhamento implica que os eleitores estão se tornando mais ‘abertos’ à escolha, com o aumento dos níveis de indiferença. Este aumento da seletividade dos eleitores, no entanto, vem com um custo enorme - um custo de níveis crescentes de alienação do sistema partidário8 8 Tradução livre de: “Our results indicate that dealignment does imply that electorates are becoming more ‘open’ to choose, as levels of indifference increase. This increased choosiness of voters, however, comes at a huge cost - a cost of growing levels of alienation from the party system”. (Dassonneville e Hooghe, 2016, p. 19DASSONNEVILLE, Ruth.; HOOGHE, Marc. (2016) “Indifference and alienation: diverging dimensions of electoral dealignment in Europe”. Acta Politica, V. 53, n. 51, pp. 1-23.).

Para além dessa análise, os autores também compararam os determinantes - socioeconômicos e atitudinais - dos perfis de indiferenciação e alienação e encontraram distinções importantes. A principal diferença entre os perfis reside no fato de que o eleitor alienado é explicado por atitudes de desconfiança e insatisfação com a democracia, enquanto o eleitor indiferente não tem qualquer relação significativa com essas variáveis. Os autores assumem que atitudes de desconfiança e insatisfação estão atreladas aos eleitores alienados, mas que o mesmo não acontece com os indiferentes. Nesse sentido, o partidarismo seria positivo ao fortalecimento do sistema partidário tanto por dificultar o desenvolvimento de atitudes relacionadas à indiferenciação dos partidos pelos eleitores quanto, e principalmente, por evitar que os eleitores se tornem alienados com relação às legendas.

Os resultados de Dassonneville e Hooghe (2016)DASSONNEVILLE, Ruth.; HOOGHE, Marc. (2016) “Indifference and alienation: diverging dimensions of electoral dealignment in Europe”. Acta Politica, V. 53, n. 51, pp. 1-23. parecem confirmar parcialmente a tese mais pessimista a respeito do desalinhamento partidário. O declínio dos laços partidários é acompanhado pela maior indiferenciação dos partidos políticos, mas também, e sobretudo, pela maior alienação política, isto é, pela atitude de indiferença a todos os partidos e, no limite, ao sistema representativo como um todo. Uma vez que os alienados, ao contrário dos indiferentes, não apresentam atitudes de engajamento e adesão à democracia, o desalinhamento partidário seria um potencial problema para as democracias ocidentais.

As consequências do desalinhamento partidário sobre as antigas democracias servem como ponto de partida para pensarmos a realidade das novas democracias, dentre as quais, a brasileira. Pode-se verificar no Brasil que, ao longo de todo seu processo de redemocratização, uma parcela minoritária, porém não inexpressiva da população manifesta identificação ou preferência por algum partido político, sendo que a maior parte é simpática ao PT. Desde 1989, a taxa de partidarismo oscilou próxima a 40% entre os brasileiros. A partir de 2013, no entanto, houve expressivo declínio da identificação partidária, sendo que em 2015 a medida atingiu o menor percentual na série histórica de dados do Datafolha: 28 pontos percentuais. Ainda que a identificação tenha retornado a 31% em 2016, permanece abaixo dos percentuais registrados nos anos anteriores, indicando, assim, um primeiro indício de desalinhamento partidário no país, que estaria associado a emergência do chamado antipetismo (Samuels e Zucco, 2014SAMUELS, David.; ZUCCO JUNIOR, Cesar. (2014) “The power of partisanship in Brazil: evidence from survey experiments”. American Journal of Political Science, v. 58, n. 1, pp. 212-225.; Ribeiro, Carreirão e Borba, 2016RIBEIRO, Ednaldo.; CARREIRÃO, Yan.; BORBA, Julian. (2016) “Sentimentos partidários e antipetismo: condicionantes e covariantes”. Opinião Pública, v. 22, n. 3, pp. 603-637.; Paiva, Krause e Lameirão, 2016PAIVA, Denise.; KRAUSE, Silvana.; LAMEIRÃO, Adriana (2016)“O eleitor antipetista: partidarismo e avaliação retrospectiva”. Opinião Pública, v. 22, n. 3, pp. 638-674.).

O recente desalinhamento verificado no Brasil nos últimos anos faz surgir aqui a mesma pergunta que instigou Dalton (2013)DALTON, Russell. (2013) The apartisan American: dealignment and changing electoral politics. Washington, DC: Sage., Dassonneville e Hooghe (2016)DASSONNEVILLE, Ruth.; HOOGHE, Marc. (2016) “Indifference and alienation: diverging dimensions of electoral dealignment in Europe”. Acta Politica, V. 53, n. 51, pp. 1-23. e demais autores no contexto das antigas democracias: que tipo de eleitor estaria no bojo do processo de desalinhamento? Um eleitor apartidário, mas crítico e conectado ao sistema partidário em busca daqueles que melhor atendam aos seus interesses, ou um eleitor apartidário e apático, distante do mundo político e cético quanto ao seu funcionamento?

Se os resultados de Dassonneville e Hooghe (2016)DASSONNEVILLE, Ruth.; HOOGHE, Marc. (2016) “Indifference and alienation: diverging dimensions of electoral dealignment in Europe”. Acta Politica, V. 53, n. 51, pp. 1-23. apontam para os efeitos deletérios do desalinhamento partidário sobre as democracias estáveis, esse efeito pode ser ainda mais nocivo às novas democracias, onde os sistemas partidários são pouco consolidados e mais suscetíveis às instabilidades políticas e econômicas (Mainwaring, 2001MAINWARING, Scott. (2001). Sistemas partidários em novas democracias: o caso do Brasil. Porto Alegre/Rio de Janeiro: Mercado Aberto/Fundação Getúlio Vargas.; Mainwaring e Torcal, 2005MAINWARING, Scott.; TORCAL, Mariano. (2005). “Teoria e Institucionalização dos Sistemas Partidários”. Opinião Pública, v. 11,n. 2, pp. 249-286.). Em outras palavras, se a emergência de um cidadão mais crítico, apartidário e aberto às diferentes opções partidárias do sistema político se mostrou questionável até mesmo no contexto europeu, nossa hipótese é que ele é ainda mais questionável no contexto latino-americano e, mais especificamente, brasileiro, onde as pesquisas sobre comportamento político têm demonstrado níveis crescentes de insatisfação com a democracia e desconfiança nas instituições (Booth e Seligson, 2009BOOTH, John.; SELIGSON, Mitchel (2009). The Legitimacy Puzzle in Latin America: Political Support and Democracy in Eight Nations. Cambridge, UK: Cambridge University Press; Salinas e Booth, 2011SALINAS, Eduardo; BOOTH, John (2011), Micro-social and Contextual Sources of Democratic Attitudes in Latin America. Journal of Politics in Latin America, 3, 1, 29-64. ; Moisés, 1995______. (1995). Os brasileiros e a democracia: bases sócio-políticas da legitimidade democrática. São Paulo: Ática.; Moisés, 2008MOISÉS, José Álvaro (2008). Cultura política, instituições e democracia: lições da experiência brasileira. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 23, n. 66. p. 11-43.; Moisés e Carneiro, 2008MOISÉS, J. A.; CARNEIRO, G. P. (2008). Democracia, desconfiança política e insatisfação com o regime - o caso do Brasil. Opinião Pública, v. 14, n. 1, p. 1-42.; Moisés e Meneguello, 2011MOISÉS, José A.; MENEGUELLO, Rachel (Org.) (2013). A desconfiança política e seus impactos na democracia. São Paulo: Edusp.; Baquero, 2000BAQUERO, Marcello (2000). A vulnerabilidade dos partidos políticos e a crise da democracia na América Latina. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2000.; Ribeiro, 2011RIBEIRO, Ednaldo Ribeiro (2011). Valores pós-materialistas e cultura política no Brasil. Maringá: Universidade Estadual de Maringá.) que não são necessariamente acompanhadas de maior adesão aos ideais democráticos e tampouco por características individuais de conhecimento e engajamento. Pelo contrário, o que se observa é uma fragilidade das atitudes de compromisso com o regime e apoio aos princípios democráticos (Fuks, Casalecchi, David e Gonçalves, 2016FUKS, Mário; CASALECCHI, Gabriel Ávila; GONÇALVES, Guilherme Quaresma; DAVID, Flávia Felizardo (2016). Qualificando a adesão à democracia no Brasil: quão democráticos são os democratas brasileiros? Revista Brasileira de Ciência Política, n. 19, p. 199-219.) e o próprio questionamento da emergência de “cidadãos críticos”9 9 Utilizamos aqui o conceito de “cidadão crítico” elaborado por Norris e colaboradores. Apoiada em estudos anteriores, especialmente Inglehart (1977), Norris (1999) argumenta que a desconfiança com as instituições democráticas pode estar ligada à emergência de um perfil de cidadão mais crítico em relação ao funcionamento das instituições representativas, mas com forte adesão aos princípios democráticos. Esse “cidadão crítico” não representa, necessariamente, uma ameaça à democracia. Pelo contrário, ele poderia pressioná-la a incorporar reformas no sentido de maior participação, deliberação, etc. No contexto da América Latina, existe um debate sobre a existência ou não de “cidadãos críticos” nas democracias mais recentes e pouco desenvolvidas. No caso brasileiro, Fuks, Casalechi & Araújo (2017) encontraram que a baixa escolaridade e o interesse por político tornavam a emergência de cidadãos críticos pouco, no sentido atribuído por Norris, mais fragilizada. Nesse sentido, as atitudes de desconfiança das instituições políticas poderiam sim representar um risco às democracias, na medida em que estariam associadas a atitudes de insatisfação com o regime e apoio a alternativas autoritárias. (Norris, 1999NORRIS, Pippa (1999). Critical citizens: global support for democratic governance. Oxford: Oxford University .) nos moldes daqueles encontrados nas democracias desenvolvidas (Fuks, Casalecchi e Araújo, 2017FUKS, Mario; CASALECCHI, Gabriel Avila & ARAUJO, Mateus Morais (2017). Are dissatisfied democrats critical? Reevaluating the concept of the critical citizen. Opin. Publica [online]. 2017, vol.23, n.2 [cited 2018-12-14], pp.316-333. Available from: <Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-62762017000200316&lng=en&nrm=iso >. ISSN 0104-6276. http://dx.doi.org/10.1590/1807-01912017232316.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
).

Em um cenário como esse, de maior incerteza e fragilidade das instituições sociais, econômicas e político-partidárias, nossa hipótese é que o enfraquecimento dos laços partidários esteja mais ligado à alienação política dos eleitores do que a uma atitude de indiferenciação cognitivamente orientada, própria de eleitores independentes e abertos às diferentes propostas partidárias, tal qual descrito por Dalton (2013)DALTON, Russell. (2013) The apartisan American: dealignment and changing electoral politics. Washington, DC: Sage.. Acreditamos ainda que, diferentemente do que foi encontrado por Dassonneville e Hooghe (2016)DASSONNEVILLE, Ruth.; HOOGHE, Marc. (2016) “Indifference and alienation: diverging dimensions of electoral dealignment in Europe”. Acta Politica, V. 53, n. 51, pp. 1-23. no contexto europeu, os eleitores indiferentes e alienados sejam muito semelhantes no que diz respeito aos seus determinantes atitudinais e socioeconômicos. Essa semelhança se deve justamente ao fato de que nas novas democracias os eleitores indiferentes e alienados tendem a se sobrepor e se confundir, uma vez que os partidos são “nivelados por baixo (indiferentemente “ruins”).

Para investigar essas questões, é importante compreender primeiramente a evolução recente do desalinhamento partidário no país, em suas expressões de “indiferença” e de “alienação”. Em um segundo momento, nosso foco passa à análise de quem são os eleitores indiferentes e alienados, ou seja, identificaremos quais são seus determinantes individuais e em que medida eles são convergentes ou divergente sem termos de perfis, ou seja, buscamos responder: quais são os condicionantes desses diferentes perfis? Estamos lidando com fenômenos semelhantes ou há padrões distintos de relacionamento/afastamento com relação aos partidos e à democracia?

Metodologia e hipóteses

Considerando que o problema da pesquisa se refere aos fenômenos da indiferença e alienação no eleitorado brasileiro, nosso primeiro esforço metodológico foi direcionado à operacionalização de ambas variáveis. A base de dados utilizada foi a série histórica de dados do Estudo Eleitoral Brasileiro (2002, 2006, 2010 e 2014).

Uma primeira medida de indiferença foi proposta por Johnston et al (2007)JOHNSTON, Richard. Et al (2007). Turnout and the party system in Canada, 1988-2004. Electoral Studies 26(4): 735-745., utilizando variável que indica em uma escala de dez pontos qual a probabilidade do eleitor votar em uma série de partidos, sendo 1 igual a pouco provável e 10 muito provável. Dassonneville e Hooghe (2016)DASSONNEVILLE, Ruth.; HOOGHE, Marc. (2016) “Indifference and alienation: diverging dimensions of electoral dealignment in Europe”. Acta Politica, V. 53, n. 51, pp. 1-23. adaptaram a medida utilizando uma pergunta sobre a preferência dos entrevistados por diferentes partidos políticos dispostos em uma lista. A indiferença foi então calculada como a diferença entre a “preferência” (em uma escala de 0 a 10) manifesta pelo entrevistado em relação ao seu partido preferido e o seu “menos” preferido. Ou seja:

Indiferença = ( 10 ( max ( Preferência i ) min ( Preferência ji ) ) ) / 10

Como o ESEB não apresenta uma escala de preferência semelhante, para produzirmos nossa própria medida usamos informações obtidas com a seguinte pergunta: “Agora gostaria de saber com mais detalhes o que o sr. pensa sobre alguns partidos políticos. Por favor, para cada partido que eu citar, gostaria que atribuísse uma nota de 0 a 10, sendo que zero significa que o sr. não gosta de jeito nenhum do partido e 10 que o sr. gosta muito. Se eu falar o nome de um partido que o sr. não conhece, apenas diga que não o conhece”.

Ainda que “gosto” não seja exatamente um sinônimo de “preferência”, acreditamos que essa variável possa servir como um bom proxy para nossa operacionalização da indiferença. A quantidade de partidos existentes em nosso país, entretanto, não permite que o ESEB produza uma lista exaustiva para que o entrevistado se posicione, de modo que essa medida diz respeito apenas a essas doze legendas: PT, PMDB, PDT, PTB, PSDB, PV, DEM, PSOL, PSB, PR, PSC e PSD. A partir das doze variáveis correspondendo a escala de “gosto” para cada um desses partidos, criamos duas medidas correspondendo à menor e à maior nota atribuída por cada componente da amostra e, na sequência, usamos a seguinte fórmula:

Indiferença = 10 ( Pontuação Máxima i Pontuação Mínima j )

Como ilustração, ao considerarmos um entrevistado que gosta muito do PT (pontuação 10 na escala de “gosto”) e nutre sentimento oposto pelo PSDB (pontuação 0 na escala de “gosto”), teríamos um valor de indiferença igual a 0, ou seja, o menor nível de indiferença possível. Em oposição, um entrevistado que gosta igualmente dos dois partidos, atribuindo nota 8 para ambos, teria pontuação igual 10 na escala de indiferença10 10 Também produzimos uma versão da medida de indiferenciação calculando o desvio-padrão das notas atribuídas pelos indivíduos aos diferentes partidos e os resultados foram semelhantes, tanto nas análises descritivas quanto nos modelos de regressão. .

Levando em conta a centralidade de PT e PSDB na estruturação do sistema partidário brasileiro recente, sugerimos também uma segunda medida de indiferenciação considerando apenas as pontuações atribuídas a essas duas legendas. O procedimento adotado foi, a partir das notas atribuídas à PT e PSDB, a subtração de uma pela outra. O resultado dessa subtração foi uma escala com diferenças que variam de -10 a 10, que foi recodificada posteriormente para uma medida de 10 pontos. Desta forma, quanto menor a diferença entre as notas atribuídas aos dois partidos, maior a pontuação dos indivíduos.

A alienação, por sua vez, foi operacionalizada por Dassonneville e Hooghe (2016)DASSONNEVILLE, Ruth.; HOOGHE, Marc. (2016) “Indifference and alienation: diverging dimensions of electoral dealignment in Europe”. Acta Politica, V. 53, n. 51, pp. 1-23. para representar a distância dos eleitores em relação ao seu partido de preferência, expressa por:

Alienação = ( 10 max ( Preferência i ) ) / 10

Utilizando a variável que registra para cada respondente a pontuação mais elevada na escala de “gosto”, considerando qualquer um dos doze partidos cobertos pela pesquisa, utilizamos o mesmo procedimento para criar a medida de alienação. Diferentemente da escala de indiferença, a alienação, tal como foi calculada, resultava em valores de 0 a 1, mas para padronizá-la fizemos a sua multiplicação por 10. A título de ilustração, se considerarmos um indivíduo que tem o PT como partido que mais gosta, atribuindo nota 8 na escala de “gosto”, sua pontuação na escala de alienação seria igual a 0,2.

Adicionalmente, também propomos uma segunda medida de alienação, que distingue, dicotomicamente, os entrevistados “alienados” e “não alienados”, a qual denominamos de “alienação radical”. Essa medida foi construída utilizando as seguintes perguntas presentes no ESEB: “Existe algum partido político que representa a maneira como o Sr. Pensa?”; e “Existe algum partido político que o Sr. goste mais que os outros?”. Foram considerados “alienados” os entrevistados que declararam “não” em ambas as questões.

A hipótese geral que orienta nossas análises afirma a semelhança entre os fenômenos da indiferença e da alienação no contexto nacional, o que contraria as expectativas mais otimistas que associam a indiferenciação a posturas cognitivamente orientadas para a política, atentas e abertas as alternativas no mercado eleitoral. Do ponto de vista agregado e longitudinal, acreditamos que os níveis de indiferenciação e de alienação devam oscilar na mesma direção e no sentido inverso das notas atribuídas aos partidos políticos. Isso ocorreria justamente porque no contexto brasileiro as atitudes de “indiferença” e “alienação” teriam uma mesma fonte, que é a descrença e o descrédito dos partidos políticos em geral, que levaria a uma visão negativa deles, percebidos como “ruins”, pouco representativos das vontades da população e desprovidos de maiores afinidades e simpatia com os eleitores. Ou seja, indiferenciação e alienação seriam sintomas distintos de uma mesma “doença”.

Do ponto de vista micro, nossa expectativa é que os determinantes dos perfis indiferente e alienado sejam muito semelhantes em razão da interconexão atitudinal dessas duas posturas nas novas democracias, particularmente no Brasil.

Para testar essa hipótese utilizamos modelos multivariados distintos para cada uma das quatro medidas. Para as duas variáveis de indiferenciação e para a primeira de alienação, em razão das suas escalas numéricas (0-10 e 0-1), utilizamos modelos lineares. Já para alienação radical, por ser uma variável binária, utilizamos um modelo logístico.

As variáveis independentes incluídas nas análises e nossas expectativas em relação a seus efeitos seguem essa mesma orientação geral da semelhança de atributos demográficos e atitudinais. O sexo foi incluído em razão de farta literatura que denuncia a existência de desigualdade de gênero em diferentes dimensões do comportamento e das atitudes políticas nas democracias contemporâneas (Pateman, 1993PATEMAN, Carole.(1993) O contrato Sexual. Rio de Janeiro, Paz e Terra.; Inglehart e Norris, 2003INGLEHART, Ronald; NORRIS, Pippa. (2003). Rising Tide: Gender, equality and cultural change around the word. New York, Cambrige University Press.). Mais especificamente em relação ao engajamento e identificação partidária no cenário internacional, vários estudos têm demonstrado uma sobre-representação masculina (Heidar, 2006HEIDAR, Knut. “Party membership and participation” (2006). In: KATZ, R.; CROTTY, W. (Ed.) Handbook of party politics. Londres: SAGE.; Norris, 2011NORRIS, Pippa (2011). Democratic deficit. New York: Cambridge University .; Whiteley, 2011WITHELEY, Paul (2011) “Is the party over? The decline of party activism and membership across the Democratic World”. Party Politics, v. 17, n. 1, pp. 21-44). Desta forma, nossa expectativa é que essa variável11 11 As codificações de todas as variáveis preditoras é apresentada na seção metodológica. apresente efeito positivo sobre as medidas de alienação e indiferença.

O segundo atributo individual considerado foi a idade dos entrevistados, com a intenção de avaliar se a clivagem geracional apontada por autores como Inglehart e Welzel (2009)INGLEHART, Ronald e WELZEL, Christian (2009). Modernização, mudança cultural e democracia: a sequência do desenvolvimento humano. São Paulo: Francis. e Dalton (2013)DALTON, Russell. (2013) The apartisan American: dealignment and changing electoral politics. Washington, DC: Sage. se manifesta em relação a nossas medidas dependentes no contexto nacional. Esperamos efeitos negativos, indicando que mais jovens tendem a ser mais indiferentes e alienados que mais os velhos.

A última variável demográfica é a escolaridade dos indivíduos, aqui dicotomizada para distinguir aqueles que possuem formação superior. A literatura especializada tem apontado essa medida, ao mesmo tempo cognitiva e econômica, como um importante preditor de uma ampla variedade de comportamentos politicamente engajados e também de atitudes atentas e orientadas para os objetos políticos (Almond e Verba, 1989ALMOND, Gabriel; VERBA, Sidney (1989). The civic culture. Newbury Park: Sage.[1963]; Verba et al, 1995VERBA, Sidney.; SCHLOZMAN, Kay.; BRADY, Henry (1995) Voice and equality civic voluntarism in American politics. Cambridge: Harvard University Press.; Dalton, 2013DALTON, Russell. (2013) The apartisan American: dealignment and changing electoral politics. Washington, DC: Sage.). Ainda que efeitos positivos dessa variável sejam plausíveis, nossa expectativa inicial é de impactos não estatisticamente significativos, já que a literatura nacional tem apontado a distribuição de sentimentos negativos em relação aos partidos políticos nos variados segmentos de escolaridade (Gimenes et al, 2016GIMENES, Eder.; FURRIEL, Wesley.; BORBA, Julian.; RIBEIRO, Ednaldo (2016) “Partidarismo no Brasil: Análise longitudinal dos condicionantes da identificação partidária (2002-2014)”. Revista Debates, v. 10, n. 2, pp. 121-148.).

No terreno das atitudes foram incluídas duas medidas relacionadas às disposições individuais sobre a democracia, sendo a primeira um indicador da preferência pela democracia (em relação a um regime autoritário) e a segunda da adesão a essa forma de governo. Os trabalhos ligados à tese da cidadania crítica (Norris, 1999NORRIS, Pippa (1999). Critical citizens: global support for democratic governance. Oxford: Oxford University .; Inglehart e Welzel, 2009INGLEHART, Ronald e WELZEL, Christian (2009). Modernização, mudança cultural e democracia: a sequência do desenvolvimento humano. São Paulo: Francis. ) têm identificado que posturas críticas em relação às instituições democráticas podem conviver perfeitamente com graus elevados de adesão a democracia, gerando um cidadão fortemente comprometido com essa forma de governo, porém descontente com o seu funcionamento e desejoso por maior participação e autodeterminação. Apesar de bem documentada no contexto de algumas democracias consolidadas, esse relacionamento não parece existir em situações como a nossa, com experiência democrática recente e com graves déficits institucionais em termos de satisfação das demandas dos cidadãos. Nossa expectativa é, na melhor das hipóteses, identificar que não existem efeitos estatisticamente significativos dessas duas medidas atitudinais sobre a indiferença e a alienação.

Finalmente, incluímos também uma medida do interesse por política manifestado pelos entrevistados. Ainda dialogando com a literatura sobre cidadania crítica, em contextos de longo histórico democrático é possível verificar a combinação entre sentimentos negativos (ou indiferentes) aos partidos políticos e forte interesse pelos assuntos públicos (Norris, 1999NORRIS, Pippa (1999). Critical citizens: global support for democratic governance. Oxford: Oxford University .; Inglehart e Welzel, 2009INGLEHART, Ronald e WELZEL, Christian (2009). Modernização, mudança cultural e democracia: a sequência do desenvolvimento humano. São Paulo: Francis. ; Dalton, 2013DALTON, Russell. (2013) The apartisan American: dealignment and changing electoral politics. Washington, DC: Sage.). Em nosso contexto, todavia, nossa expectativa é encontrar um relacionamento negativo entre posturas mais atentas e interessadas e os fenômenos da alienação e da indiferenciação, compondo um quadro em que os menos interessados são os mais afastados dessas instituições representativas.

Do ponto de vista operacional as variáveis foram construídas da seguinte forma: Sexo é binária (com 0 correspondendo ao feminino); Idade é uma variável contínua (mensurada em anos de vida); Educação é binária (com 1 = superior e os demais níveis = 0); Preferência pela Democracia é binária (com 1 = “A democracia é sempre melhor que qualquer outra forma de governo” e 0 = reunindo as opções “Em algumas situações é melhor uma ditadura do que uma democracia” e “Tanto faz/nenhuma as duas é melhor”; a medida de Adesão democracia binária (construída partir da seguinte pergunta: “A democracia tem alguns problemas, mas é melhor o que qualquer outra forma e governo. O(a) sr(a). concorda ou discorda dessa afirmação? Muito ou pouco? 1) Concorda muito; 2) Concorda um pouco; 3) Nem concorda nem discorda; 4) Discorda um pouco; 5). Discorda muito” - recodificada como dicotômica pela soma dos valores 3 a 5=0 e 1 e 2=1); Interesse por Política foi mensurado através de uma escala de 4 pontos(0-3) a partir da seguinte questão: “Quanto o(a) sr(a) se interessa por política? O(a) sr(a) diria que é ‘muito interessado’, ‘interessado’, ‘pouco interessado’ ou ‘nada interessado’?”.

Indiferenciação e alienação entre o eleitorado brasileiro

Começamos pela análise da evolução dos dois fenômenos no contexto brasileiro. O Gráfico 1 apresenta os resultados para a primeira medida de indiferenciação, que considera o conjunto total dos partidos cobertos pelas perguntas do ESEB. Para facilitar a visualização optamos por agrupar os valores em três linhas: de 0 a 3, de 4 a 6 e de 7 a 10. É possível perceber uma reversão de posições bastante significativa quando comparamos os dados de cada onda, de modo que em 2002 parcela majoritária do eleitorado brasileiro (56%) não era indiferente em relação aos partidos (intervalo de 0-3), contra pouco mais de 15% dos eleitores que se localizavam no intervalo superior (7-10). Esta configuração muda radicalmente em 2006 quando quase a metade (49,1%) dos eleitores se tornam fortemente indiferentes (intervalo de 7 a 10). Na rodada de 2010 novamente os eleitores que diferenciam os partidos são o maior grupo (45,9%), contra 25,1% daqueles localizados entre os pontos 7 e 10. O quadro se altera novamente em 2014 fazendo com que esses dois grupos terminem praticamente empatados. Verifica-se que os picos de maior indiferenciação entre os partidos acontecem nos anos de 2006 e 2014, quando ocorreram eleições em contextos políticos caracterizados por denúncias de corrupção, as quais atingiram de maneira mais expressiva membros do PT.

Gráfico 1.
Pontuações de indiferenciação Geral, Brasil, 2002-2014

O Gráfico 2 apresenta a evolução para a segunda medida de indiferença, limitada ao PT e PSDB. Analisando os dados primeiramente pelos que mais diferenciam os partidos (intervalo de o a 3), verifica-se trajetória semelhante a verificada no indicador que considera todos partidos: inicia com 24,3% em 2002, cai para 15,6% no ano seguinte, se recupera em 2010 atingindo 23,5% e termina o período com 20,9. No extremo oposto, a indiferenciação forte variou de 49,4% em 2002 para 63% em 2006, declinando para 50,8%% em 2010 e sofrendo nova elevação para 55% em 2014. Aqui também, os picos de maior indiferenciação entre os partidos acontecem nos anos de 2006 e 2014, com maior ênfase em 2006.

Gráfico 2.
Pontuações de indiferenciação PT/PSDB, Brasil, 2002-2014.

Para compreender melhor essas oscilações, comparamos os dados dessas duas medidas com as notas médias atribuídas ao PT e ao PSDB. A tendência (Gráfico 3) é a mesma verificada nas medidas anteriores, ou seja, a média de indiferenciação PT/PSDB aumentou nos anos de 2006 e 2014, sendo que o valor mais alto foi verificado no ano de 2006. O mesmo movimento é observado na média de indiferenciação geral, só que com valores relativamente mais baixos quando comparada com a indiferenciação PT/PSDB. A nota do PT também oscilou negativamente nesses dois períodos destacados, ao passo que a nota média do PSDB declinou apenas em 2006, permanecendo estável nos demais anos de realização da pesquisa.

Gráfico 3.
Médias de indiferenciação, nota do PT e nota do PSDB Brasil, 2002-2014.

Uma primeira interpretação quanto aos resultados dos Gráficos 1, 2 e 3, é que a indiferenciação parece ser um fenômeno influenciado por aspectos conjunturais, em especial pela dimensão de crises políticas nas quais os partidos adquirem centralidade. Mais especificamente, parece ser influenciada pelo declínio na nota atribuída ao PT. Contudo, nesse caso, o mais interessante é que o declínio da nota atribuída a este partido não veio acompanhado de aumento da nota do seu principal oponente no plano eleitoral, o PSDB. Em 2006, ao contrário, a própria nota do PSDB declinou juntamente com o PT12 12 As eleições de 2006 ocorreram em um cenário político caracterizado pelas denúncias de corrupção generalizada do mensalão, uma vez que a maioria dos partidos tiveram membros apontados como envolvidos no esquema ilícito. Neste período, declinou a identificação dos brasileiros de modo geral, ao passo que, posteriormente, quando da recuperação do partidarismo, o PT se sobressaiu como a legenda com a qual mais brasileiros estabeleceram laços. O PSDB obteve crescimento menor em termos de identificação, mas suficiente para superar o PMDB em termos de preferência partidária (Gimenes, 2015). e nos demais períodos permaneceu estável. Ou seja, o que os dados parecem demonstrar é que o aumento da indiferenciação está ligado ao declínio da avaliação dos partidos em geral, especialmente em 2006. As notas caem de forma mais ou menos homogêneas, nivelando os partidos “por baixo”, isto é, todos seriam ruins aos olhos do eleitor (portanto, indiferentes).

Passando agora aos dados sobre alienação, o Gráfico 4 apresenta a evolução da medida inspirada pelo trabalho de Dassonneville e Hooghe (2016)DASSONNEVILLE, Ruth.; HOOGHE, Marc. (2016) “Indifference and alienation: diverging dimensions of electoral dealignment in Europe”. Acta Politica, V. 53, n. 51, pp. 1-23.. Podemos observar inicialmente que as médias de alienação são baixas, especialmente quando as comparamos com o cenário desenhado pela variável mais radical de alienação cuja evolução apresentaremos a seguir. O movimento, todavia, é o mesmo descrito por todas as demais medidas utilizadas nesse artigo, com os anos de 2006 e 2014 apresentando elevações nos indicadores.

Gráfico 4.
Médias de alienação, Brasil, 2002-2014.

Considerando nossa medida mais radical de alienação (Gráfico 5) o cenário se torna mais preocupante, com percentuais entre 42% e 64%. A direção da oscilação, como já apontamos, é semelhante àquela verificada nos demais indicadores, com picos em 2006 e 2014. A diferença aqui é que o ponto mais alto está localizado em 2014, quando 64,45% dos entrevistados responderam não ter nenhum partido que gostem ou que os representem. Estes resultados, mais uma vez, parecem estar associados aos impactos de denúncias de corrupção e da agenda governativa sobre o Partido dos Trabalhadores.

Gráfico 5.
“Algum partido representa a forma de pensar”, “gosta de algum partido” e “alienação radical”, Brasil, 2002-2014 (%)

Conforme apontado por Ribeiro, Carreirão e Borba (2016)RIBEIRO, Ednaldo.; CARREIRÃO, Yan.; BORBA, Julian. (2016) “Sentimentos partidários e antipetismo: condicionantes e covariantes”. Opinião Pública, v. 22, n. 3, pp. 603-637., o PT experimentou em 2006 e 2014 duas grandes quedas em termos de preferência partidária. Em 2014, a queda foi ainda maior do que a ocorrida em 2006, tendo o partido atingido seu pior desempenho junto ao eleitorado, tomando as pesquisas do ESEB como referência. As denúncias de corrupção no âmbito da operação “Lava Jato” (ou o chamado “Petrolão”) parecem ter tido boa parte da responsabilidade por essa última queda. Em termos da pergunta sobre o partido que gosta, o PT declinou de 25,6% em 2002 para 18% em 2014. O interessante é que também em 2014 nenhum partido parece ter se beneficiado deste declínio do PT (Ribeiro; Carreirão; Borba,2016RIBEIRO, Ednaldo.; CARREIRÃO, Yan.; BORBA, Julian. (2016) “Sentimentos partidários e antipetismo: condicionantes e covariantes”. Opinião Pública, v. 22, n. 3, pp. 603-637.). Mesmo que não saibamos qual o destino dos eleitores que anteriormente eram partidários, os dados agregados indicam que estes optaram por uma decisão de “saída”, para usar uma expressão de Hirshmann (1992)HIRSHMANN, Albert (1992). Saída, voz e lealdade. São Paulo: Perspectiva., ou seja, aqueles que tinham preferência por algum partido, quando deixam de ter, optam por abandonar as ofertas partidárias existentes. Resta agora saber quem são os eleitores alienados e indiferentes e quais os correlatos destes perfis em termos de atitudes sobre a democracia.

Para responder a essas perguntas, construímos quatro modelos de regressão, tomando os indicadores de indiferenciação e de alienação como variáveis dependentes (Tabela 1, abaixo), conforme já devidamente detalhados na seção metodologia. No modelo 1, temos a variável indiferenciação geral como dependente, e como independentes duas variáveis sociodemográficas (sexo e idade) e três atitudinais (preferência pela democracia, adesão à democracia e interesse por política)13 13 Para indiferenciação utilizamos a escala de 0-10, para a qual construímos um modelo linear. Já para alienação, por ser uma variável binária, utilizamos um modelo logístico. . Os demais modelos seguem a mesma configuração, apenas substituindo a variável dependente (modelo 2 = indiferenciação PT/PSDB; modelo 3 = alienação; modelo 4 = alienação radical).

Tabela 1.
Preditores da indiferenciação e da alienação entre os brasileiros (2014)

Comecemos analisando os determinantes da indiferenciação. Para esta dimensão os resultados apontaram como estatisticamente significativas as variáveis idade e interesse por política. Verifica-se que, na medida em que aumenta a idade do eleitor, sua pontuação no índice de indiferenciação é reduzida, ou seja, os mais jovens tendem a ser mais indiferentes do que os mais velhos. Da mesma forma, na medida em que aumenta o nível de interesse por política diminui também a pontuação na medida dependente, de modo que os mais interessados são menos indiferentes em relação aos partidos. Em outras palavras, constatamos que conforme se elevam a idade dos eleitores e seu interesse por política, é maior a chance de que tais indivíduos sejam capazes de diferenciar os partidos políticos.14 14 Foram conduzidos testes para identificar a existência de colinearidade entre interesse por política e escolaridade e os resultados foram negativos. O Conditon index encontrado foi de 10,39, abaixo do que literatura recomenda (0,30) (Hair et al, 2009).

Os modelos que consideram como variável dependente a indiferenciação apenas entre PT e PSDB apresentam resultados semelhantes, com as mesmas variáveis relevantes, porém com efeitos significativamente menores para a escolaridade e interesse por política.

Passando a alienação, nos modelos que utilizam a variável numérica podemos perceber novamente efeitos apenas provocados pela idade e pelo interesse por política, também negativos. É importante notar que essa variável dependente teve médias entre 2 e 4 no período, logo, o efeito de redutor do interesse de mais de 1 ponto é algo muito relevante.

O último modelo considera a medida radical dicotômica de alienação e apresenta resultados um pouco diferentes, já que dessa vez o sexo e preferência pela democracia também aparecem como preditores relevantes. A alienação é menos provável entre os homens (probabilidade 20,5% quando comparados às mulheres) e entre aqueles de maior idade, com cada acréscimo em anos de vida reduzindo em 0,6% essa chance. Por outro lado, a preferência pela democracia reduz a probabilidade de alienação em quase 30%, da mesma forma que adesão à democracia, porém esta com um efeito menor (21%). Por fim, a escala de interesse por política reduz fortemente a alienação (60% a cada avanço na escala de 4 pontos). Nesse sentido, verificamos que mulheres tendem a se sentir mais alheias em relação aos partidos políticos15 15 Tal resultado coaduna com achados anteriores tanto de pesquisas nacionais quanto internacionais que apontam a desigualdade política entre homens e mulheres (como Inglehart; Norris, 2003; Norris, 2011; Heidar, 2006; Ribeiro, 2011; Whiteley, 2011; Van Biezen; Mair; Poguntke, 2012), situação que decorreria, em alguma medida, da distribuição desigual do recurso “tempo” entre os gêneros, uma vez que a inserção das mulheres no mercado de trabalho não foi acompanhada da redução de atribuições domésticas (como os cuidados com o lar e a prole). , assim como indivíduos mais jovens e que possuem menor preferência pela democracia, que apoiam menos o regime democrático e os menos interessados por política.

Comparando os modelos, chama a atenção o efeito das variáveis ligadas à teoria da mobilização cognitiva (interesse por política e a escolaridade) sobre a indiferenciação. Quanto maior o interesse por político, menor a escala de indiferenciação, ou seja, menor a chance de que um eleitor tenha o perfil do eleitor indiferente. A escolaridade, por sua vez, não exerce qualquer efeito significativo sobre o perfil. Não podemos falar, portanto, de uma indiferenciação “positiva” no sentido atribuído por Dassonneville e Hooghe (2016)DASSONNEVILLE, Ruth.; HOOGHE, Marc. (2016) “Indifference and alienation: diverging dimensions of electoral dealignment in Europe”. Acta Politica, V. 53, n. 51, pp. 1-23., pois esta não ocorre em paralelo à manifestação de interesse e escolaridade, sendo difícil considerarmos que tal fenômeno está relacionado a escolhas mais autônomas, como seria o esperado segundo a teoria. Dessa forma, ao contrário das expectativas teóricas derivadas dos modelos de Dalton (2013)DALTON, Russell. (2013) The apartisan American: dealignment and changing electoral politics. Washington, DC: Sage. e Dassonneville e Hooghe (2016)DASSONNEVILLE, Ruth.; HOOGHE, Marc. (2016) “Indifference and alienation: diverging dimensions of electoral dealignment in Europe”. Acta Politica, V. 53, n. 51, pp. 1-23., de que a indiferenciação seria resultante de um eleitor mais interessado e escolarizado e que, portanto, manifestaria efeitos positivos para a vida democrática, no caso brasileiro parece que a falta de ligação com os partidos e o desinteresse sejam sintomas de um mesmo problema com raízes mais profundas e assentadas sobre um crescente desencanto dos cidadãos em relação ao funcionamento concreto das instituições políticas, em uma verdadeira quebra de expectativas.

É importante destacar que esses resultados não se referem a subgrupos específicos de eleitores, como os explorados por Borba, Gimenes e Ribeiro (2015)______ (2015). A relação dos eleitores com partidos políticos em novas democracias: partidarismo na América Latina (2015). 240 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.. Nesse trabalho os autores distinguem três grupos, seguindo procedimentos semelhantes aos adotados por Dalton (2013)DALTON, Russell. (2013) The apartisan American: dealignment and changing electoral politics. Washington, DC: Sage.: independente apolítico, apartidário, partidário cognitivo e partidário ritual. Não pretendemos entrar em detalhes sobre essa classificação, mas é importante notar que, especificamente no que diz respeito aos apartidários (que combinam mobilização cognitiva com afastamento em relação as instituições), os resultados indicaram maior adesão à democracia e outras características que aproximavam esses indivíduos do cidadão crítico. Esse grupo, todavia, representa apenas 6,3% da amostra nacional do ESEB de 2012, ou seja, uma parcela que está muito longe de representar cidadão médio. Não se trata, portanto, de conflito entre os diagnósticos, mas de níveis diferentes de análise e, sobretudo, questões de pesquisa distintas.

Considerações finais

O fenômeno do desalinhamento partidário e suas consequências sobre a dinâmica dos regimes democráticos é fruto de um rico debate na Ciência Política. A maioria dos estudos tem concentrado seus esforços analíticos para contextos de sistemas partidários institucionalizados, de modo que continuamos sabendo muito pouco sobre sua manifestação e efeitos em contextos da baixa institucionalização, como é o caso brasileiro.

A presente pesquisa buscou compreender duas possíveis manifestações antagônicas do desalinhamento partidário: a indiferenciação e a alienação. Cada uma delas, como vimos, carrega expectativas normativas próprias sobre o eleitor apartidário. Enquanto a primeira identifica a manifestação de um ideal democrático onde o eleitor devidamente informado e interessado na política forma sua opinião livre das amarras partidárias, a segunda percebe neste movimento um risco para a própria democracia, pois não identifica outras instituições que possam desempenhar as funções dos partidos em termos de estruturação e agregação das opiniões, nem nas suas funções de representação.

Demonstramos que tanto a indiferença quanto a alienação no Brasil ampliam sua expressão em contextos de “conjunturas críticas”, ou seja, momentos de crise vivenciadas pelo sistema ou por atores centrais do sistema partidário. No caso específico, tais conjunturas críticas ocorreram em 2006 e 2014 e atingiram mais diretamente o PT. Nesses contextos, tanto a alienação quanto a indiferença aumentaram entre o eleitorado.

Uma segunda constatação é quanto a identificação dos perfis de ambos os eleitores. Vimos que existem diferenças entre esses eleitores. Entretanto, parece que são nas suas semelhanças que estão nossos achados mais importantes: tanto na alienação quanto na indiferenciação está expresso de forma negativa ou ausente o componente de mobilização cognitiva para a política, expresso pela educação e interesse por política. Se esta constatação era esperada para alienação, não o era para indiferenciação, cuja expectativa normativa, como vimos, era de que esta atitude estaria presente entre eleitores interessados e bem informados sobre a política. Isto é indicativo de que, no caso brasileiro, os partidos ainda desempenham um papel importante em termos de fornecer atalhos informacionais ao eleitor.

Resta saber, em futuros estudos, quais os efeitos que a grave crise vivenciada pelo sistema partidário brasileiro (que já manifestava sinais em 2014) nos acontecimentos que se seguiram no ano de 2015, 2016 e 2017 (denúncias, investigações, crise econômica, o impeachment, etc.) tiveram sobre o eleitorado, considerando as dimensões aqui analisadas

Referências

  • AARTS, Kees.; WESSELS, Bernhard. “Electoral turnout” (2005). In: THOMASSEN, J. (Ed.). The European voter: a comparative study of modern democracies Oxford: Oxford University.
  • ADAMS, James.; DOW, Jay.; MERRILL, Samuel (2006). “The political consequences of alienation-based and indifference-based voter abstention: applications to presidential elections”. Political Behavior, v. 28, n. 1, pp. 65-86.
  • ALBRIGHT, Jeremy (2009). “Does political knowledge erode party attachments? A review of the cognitive mobilization thesis”. Electoral Studies, n. 28, v. 2, pp. 248-260.
  • ALMOND, Gabriel; VERBA, Sidney (1989). The civic culture Newbury Park: Sage.
  • BAKER, Andy.; SOKHEY, Anand.; AMES, Barry.; RENNÓ, Lúcio (2015). “The dynamics of party identification when party brands change: the case of the Workers Party in Brazil”. The Journal of Politics, v. 78, n. 1, pp. 197-213.
  • BAQUERO, Marcello (2000). A vulnerabilidade dos partidos políticos e a crise da democracia na América Latina Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2000.
  • BATISTA-PEREIRA, Frederico (2014). “A estabilidade e efetividade da preferência partidária no Brasil”. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 13, pp. 213-244.
  • BOOTH, John.; SELIGSON, Mitchel (2009). The Legitimacy Puzzle in Latin America: Political Support and Democracy in Eight Nations. Cambridge, UK: Cambridge University Press
  • CARREIRÃO, Yan (2014). “O sistema partidário brasileiro: um debate com a literatura recente”. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 14, pp. 255-295.
  • CARRERAS, Miguel.; MORGENSTERN, Scott.; SU, Yen-Pin (2013) “Refining the theory of partisan alignments: evidence from Latin America”. Party Politics, v. 21, n. 5, pp. 1-15.
  • DALTON, Russell. (2013) The apartisan American: dealignment and changing electoral politics Washington, DC: Sage.
  • ______. (1999). Political support in advanced industrial democracies. In: NORRIS, P. (Ed.). Critical citizens: global support for democratic government. Oxford: Oxford University. p. 57-77.
  • DALTON, Russell; McALLISTER, Ian; WATTENBERG, Martin P. (2003)“Democracia e identificação partidária nas sociedades industriais avançadas”. Revista Análise Social, v. 38, n. 167, pp. 295-320.
  • DALTON, Russell.; WATTENBERG, Martin. (2001). Parties without partisans: Political change in advanced industrialized democracies. Oxford: Oxford University .
  • DASSONNEVILLE, Ruth.; HOOGHE, Marc. (2016) “Indifference and alienation: diverging dimensions of electoral dealignment in Europe”. Acta Politica, V. 53, n. 51, pp. 1-23.
  • DASSONNEVILLE, Ruth.; HOOGHE, Marc.; VANHOUTTE, Bram. (2012) “Age, period and cohort effects in the decline of party identification in Germany: an analysis of a two decade panel study in Germany (1992-2009)”. German Politics, v. 21, n. 1, pp. 209-227.
  • FUKS, Mário; CASALECCHI, Gabriel Ávila; GONÇALVES, Guilherme Quaresma; DAVID, Flávia Felizardo (2016). Qualificando a adesão à democracia no Brasil: quão democráticos são os democratas brasileiros? Revista Brasileira de Ciência Política, n. 19, p. 199-219.
  • FUKS, Mario; CASALECCHI, Gabriel Avila & ARAUJO, Mateus Morais (2017). Are dissatisfied democrats critical? Reevaluating the concept of the critical citizen. Opin. Publica [online]. 2017, vol.23, n.2 [cited 2018-12-14], pp.316-333. Available from: <Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-62762017000200316&lng=en&nrm=iso >. ISSN 0104-6276. http://dx.doi.org/10.1590/1807-01912017232316.
    » https://doi.org/10.1590/1807-01912017232316» http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-62762017000200316&lng=en&nrm=iso
  • GIMENES, Eder Rodrigo (2017). Eleitores e partidos políticos na América Latina Curitiba: Appris.
  • ______ (2015). A relação dos eleitores com partidos políticos em novas democracias: partidarismo na América Latina (2015). 240 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.
  • GIMENES, Eder.; FURRIEL, Wesley.; BORBA, Julian.; RIBEIRO, Ednaldo (2016) “Partidarismo no Brasil: Análise longitudinal dos condicionantes da identificação partidária (2002-2014)”. Revista Debates, v. 10, n. 2, pp. 121-148.
  • HAIR, Joseph et al (2009). Multivariate data analysis Essex: Pearson.
  • HEIDAR, Knut. “Party membership and participation” (2006). In: KATZ, R.; CROTTY, W. (Ed.) Handbook of party politics Londres: SAGE.
  • HIRSHMANN, Albert (1992). Saída, voz e lealdade São Paulo: Perspectiva.
  • INGLEHART, Ronald; NORRIS, Pippa. (2003). Rising Tide: Gender, equality and cultural change around the word New York, Cambrige University Press.
  • INGLEHART, Ronald e WELZEL, Christian (2009). Modernização, mudança cultural e democracia: a sequência do desenvolvimento humano São Paulo: Francis.
  • INGLEHART, Ronald (1999). Post modernization, authority, and democracy. In: NORRIS, P. (Org.). Democratic Phoenix: political activism worldwide. Cambridge: Cambridge University Press.
  • JOHNSTON, Richard. Et al (2007). Turnout and the party system in Canada, 1988-2004. Electoral Studies 26(4): 735-745.
  • KATZ, Richard.; MAIR, Peter (1995). “Changing models of party organization and party democracy. The emergency of the cartel party”. Party Politics, v. 1, n. 1, pp. 5-28.
  • LUPU, Noam. (2016). Party brands in crisis: partisanship, brand dilution, and the breakdown of political parties in Latin America New York: Cambridge University.
  • MAINWARING, Scott. (2001). Sistemas partidários em novas democracias: o caso do Brasil Porto Alegre/Rio de Janeiro: Mercado Aberto/Fundação Getúlio Vargas.
  • MAINWARING, Scott.; TORCAL, Mariano. (2005). “Teoria e Institucionalização dos Sistemas Partidários”. Opinião Pública, v. 11,n. 2, pp. 249-286.
  • MAIR, Peter. (2003)“Os partidos políticos e a democracia”. Revista Análise Social, v. 38, n. 167, p. 277-293.
  • MOISÉS, José Álvaro (2008). Cultura política, instituições e democracia: lições da experiência brasileira. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 23, n. 66. p. 11-43.
  • ______. (1995). Os brasileiros e a democracia: bases sócio-políticas da legitimidade democrática. São Paulo: Ática.
  • MOISÉS, J. A.; CARNEIRO, G. P. (2008). Democracia, desconfiança política e insatisfação com o regime - o caso do Brasil. Opinião Pública, v. 14, n. 1, p. 1-42.
  • MOISÉS, José A.; MENEGUELLO, Rachel (Org.) (2013). A desconfiança política e seus impactos na democracia São Paulo: Edusp.
  • NICOLAU, Jairo. (2017) “Os quatro fundamentos da competição política no Brasil (1994-2014)”. Journal of Democracy (em português), v. 6, n. 1, pp. 83-106.
  • NORRIS, Pippa (1999). Critical citizens: global support for democratic governance Oxford: Oxford University .
  • NORRIS, Pippa (2011). Democratic deficit New York: Cambridge University .
  • PAIVA, Denise.; KRAUSE, Silvana.; LAMEIRÃO, Adriana (2016)“O eleitor antipetista: partidarismo e avaliação retrospectiva”. Opinião Pública, v. 22, n. 3, pp. 638-674.
  • PATEMAN, Carole.(1993) O contrato Sexual Rio de Janeiro, Paz e Terra.
  • PUTNAM, Robert (2003) El declive del capital social Barcelona: Galaxia Gutenberg.
  • PUTNAM, Robert (2002) Solo en la bolera: colapso y resurgimiento de la comunidad norteamericana Barcelona: Galaxia Gutenberg .
  • RIBEIRO, Ednaldo Ribeiro (2011). Valores pós-materialistas e cultura política no Brasil Maringá: Universidade Estadual de Maringá.
  • RIBEIRO, Ednaldo.; CARREIRÃO, Yan.; BORBA, Julian. (2016) “Sentimentos partidários e antipetismo: condicionantes e covariantes”. Opinião Pública, v. 22, n. 3, pp. 603-637.
  • RIBEIRO, Ednaldo.; CARREIRÃO, Yan.; BORBA, Julian. (2011) “Sentimentos partidários e atitudes políticas entre os brasileiros” Opinião Pública, v. 17, n. 2, pp. 333-368.
  • ROSE, Richard.; McALLISTER, Ian. (1986) Voters begin to choose Beverly Hills, CA: Sage.
  • SAMUELS, David.; ZUCCO JUNIOR, Cesar. (2014) “The power of partisanship in Brazil: evidence from survey experiments”. American Journal of Political Science, v. 58, n. 1, pp. 212-225.
  • SCHMITT, H.; POPA, S. A.; HOBOLT, S. B.; TEPEROGLOU, E (2015) European Parliament Election Study 2014, Voter Study GESIS Data Archive, Cologne.
  • SALINAS, Eduardo; BOOTH, John (2011), Micro-social and Contextual Sources of Democratic Attitudes in Latin America. Journal of Politics in Latin America, 3, 1, 29-64.
  • SELIGSON, Mitchel. A.; BOOTH, John. A.; GÓMEZ, Miguel (2006) “Os contornos da cidadania crítica: explorando a legitimidade democrática”. Opinião Pública, v. 12, n. 1, p. 1-37.
  • SINGER, André (2000) Esquerda e direita no eleitorado brasileiro São Paulo: Universidade de São Paulo.
  • VAN BIEZEN, Ingrid.; MAIR, Peter.; POGUNTKE, Thomas (2012) “Going, going, gone? The decline of party membership in contemporary Europe”. European Journal of Political Research, v. 51, n. 1, pp. 24-56.
  • VAN EGMOND, M.; VAN DER BRUG, W.; HOBOLT, S.B.; FRANKLIN, M.N.; SAPIR, E. V. European Parliament Election Study 2009, Voter Study GESIS Data Archive, Cologne , 2013. ZA5055 Data file Version 1.1.0, doi: 10.4232/1.11760.
    » https://doi.org/10.4232/1.11760
  • VERBA, Sidney.; SCHLOZMAN, Kay.; BRADY, Henry (1995) Voice and equality civic voluntarism in American politics Cambridge: Harvard University Press.
  • WITHELEY, Paul (2011) “Is the party over? The decline of party activism and membership across the Democratic World”. Party Politics, v. 17, n. 1, pp. 21-44
  • 4
    Uma revisão da literatura sobre o sistema partidário brasileiro pode ser encontrada em Carreirão (2014)CARREIRÃO, Yan (2014). “O sistema partidário brasileiro: um debate com a literatura recente”. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 14, pp. 255-295..
  • 5
    O fato de o PT ser um partido com posicionamento ideológico claramente definido à esquerda do espectro ideológico e de perfil organizacional semelhante aos partidos de massa europeus acabou fazendo dele a “espinha dorsal” do sistema partidário brasileiro (SINGER, 2000SINGER, André (2000) Esquerda e direita no eleitorado brasileiro. São Paulo: Universidade de São Paulo.), ao qual conferiu coerência. A chegada do referido partido ao Governo Federal e os mais de três mandatos à frente da Presidência da República, se por um lado o fortaleceram eleitoral e organizacionalmente, por outro, provocaram profundos abalos na sua relação com o eleitorado. A implementação de uma agenda de governo contrária a bandeiras históricas do partido e as denúncias de corrupção alteraram profundamente as bases de identificação do petismo (BAKER et al, 2015BAKER, Andy.; SOKHEY, Anand.; AMES, Barry.; RENNÓ, Lúcio (2015). “The dynamics of party identification when party brands change: the case of the Workers Party in Brazil”. The Journal of Politics, v. 78, n. 1, pp. 197-213.). Mais do que isso, a polarização entre o PT e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) nas eleições presidenciais desde 1994, os grandes protestos de junho de 2013, majoritariamente direcionados contra o governo petista, e o processo de impeachment de 2016, consolidaram aquilo que se convencionou chamar de “antipetismo” no eleitorado (Ribeiro; Carreirão; Borba, 2011RIBEIRO, Ednaldo.; CARREIRÃO, Yan.; BORBA, Julian. (2011) “Sentimentos partidários e atitudes políticas entre os brasileiros” Opinião Pública, v. 17, n. 2, pp. 333-368.; 2016RIBEIRO, Ednaldo.; CARREIRÃO, Yan.; BORBA, Julian. (2016) “Sentimentos partidários e antipetismo: condicionantes e covariantes”. Opinião Pública, v. 22, n. 3, pp. 603-637.).
  • 6
    O balanço teórico acerca do conceito de partidarismo e suas manifestações encontra-se em Gimenes (2017)GIMENES, Eder Rodrigo (2017). Eleitores e partidos políticos na América Latina. Curitiba: Appris.. Neste artigo, entendemos partidarismo como qualquer manifestação positiva de sentimento por algum partido político, como identificação, simpatia ou percepção de ser representado ou ouvido, por exemplo.
  • 7
    Uma abordagem detalhada sobre o conceito de desalinhamento está contemplada em balanço da literatura elaborado por Gimenes (2017)GIMENES, Eder Rodrigo (2017). Eleitores e partidos políticos na América Latina. Curitiba: Appris., de modo que, neste artigo, tratamos deste fenômeno enquanto retração dos laços estabelecidos por eleitores com partidos políticos. Nesse sentido, o desalinhamento diferencia-se da ausência de identificação, uma vez que o primeiro conceito remete ao processo de desvinculação dos indivíduos com relação às legendas (seja em termos identitários, de sentimentos positivos de pertença ou representação, por exemplo), enquanto a ausência de identificação partidária está relacionada à não manifestação de enraizamento partidário junto ao eleitorado.
  • 8
    Tradução livre de: “Our results indicate that dealignment does imply that electorates are becoming more ‘open’ to choose, as levels of indifference increase. This increased choosiness of voters, however, comes at a huge cost - a cost of growing levels of alienation from the party system”.
  • 9
    Utilizamos aqui o conceito de “cidadão crítico” elaborado por Norris e colaboradores. Apoiada em estudos anteriores, especialmente Inglehart (1977), Norris (1999)NORRIS, Pippa (2011). Democratic deficit. New York: Cambridge University . argumenta que a desconfiança com as instituições democráticas pode estar ligada à emergência de um perfil de cidadão mais crítico em relação ao funcionamento das instituições representativas, mas com forte adesão aos princípios democráticos. Esse “cidadão crítico” não representa, necessariamente, uma ameaça à democracia. Pelo contrário, ele poderia pressioná-la a incorporar reformas no sentido de maior participação, deliberação, etc. No contexto da América Latina, existe um debate sobre a existência ou não de “cidadãos críticos” nas democracias mais recentes e pouco desenvolvidas. No caso brasileiro, Fuks, Casalechi & Araújo (2017)FUKS, Mario; CASALECCHI, Gabriel Avila & ARAUJO, Mateus Morais (2017). Are dissatisfied democrats critical? Reevaluating the concept of the critical citizen. Opin. Publica [online]. 2017, vol.23, n.2 [cited 2018-12-14], pp.316-333. Available from: <Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-62762017000200316&lng=en&nrm=iso >. ISSN 0104-6276. http://dx.doi.org/10.1590/1807-01912017232316.
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    encontraram que a baixa escolaridade e o interesse por político tornavam a emergência de cidadãos críticos pouco, no sentido atribuído por Norris, mais fragilizada. Nesse sentido, as atitudes de desconfiança das instituições políticas poderiam sim representar um risco às democracias, na medida em que estariam associadas a atitudes de insatisfação com o regime e apoio a alternativas autoritárias.
  • 10
    Também produzimos uma versão da medida de indiferenciação calculando o desvio-padrão das notas atribuídas pelos indivíduos aos diferentes partidos e os resultados foram semelhantes, tanto nas análises descritivas quanto nos modelos de regressão.
  • 11
    As codificações de todas as variáveis preditoras é apresentada na seção metodológica.
  • 12
    As eleições de 2006 ocorreram em um cenário político caracterizado pelas denúncias de corrupção generalizada do mensalão, uma vez que a maioria dos partidos tiveram membros apontados como envolvidos no esquema ilícito. Neste período, declinou a identificação dos brasileiros de modo geral, ao passo que, posteriormente, quando da recuperação do partidarismo, o PT se sobressaiu como a legenda com a qual mais brasileiros estabeleceram laços. O PSDB obteve crescimento menor em termos de identificação, mas suficiente para superar o PMDB em termos de preferência partidária (Gimenes, 2015______ (2015). A relação dos eleitores com partidos políticos em novas democracias: partidarismo na América Latina (2015). 240 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.).
  • 13
    Para indiferenciação utilizamos a escala de 0-10, para a qual construímos um modelo linear. Já para alienação, por ser uma variável binária, utilizamos um modelo logístico.
  • 14
    Foram conduzidos testes para identificar a existência de colinearidade entre interesse por política e escolaridade e os resultados foram negativos. O Conditon index encontrado foi de 10,39, abaixo do que literatura recomenda (0,30) (Hair et al, 2009HAIR, Joseph et al (2009). Multivariate data analysis. Essex: Pearson. ).
  • 15
    Tal resultado coaduna com achados anteriores tanto de pesquisas nacionais quanto internacionais que apontam a desigualdade política entre homens e mulheres (como Inglehart; Norris, 2003INGLEHART, Ronald; NORRIS, Pippa. (2003). Rising Tide: Gender, equality and cultural change around the word. New York, Cambrige University Press.; Norris, 2011NORRIS, Pippa (2011). Democratic deficit. New York: Cambridge University .; Heidar, 2006HEIDAR, Knut. “Party membership and participation” (2006). In: KATZ, R.; CROTTY, W. (Ed.) Handbook of party politics. Londres: SAGE.; Ribeiro, 2011RIBEIRO, Ednaldo Ribeiro (2011). Valores pós-materialistas e cultura política no Brasil. Maringá: Universidade Estadual de Maringá.; Whiteley, 2011WITHELEY, Paul (2011) “Is the party over? The decline of party activism and membership across the Democratic World”. Party Politics, v. 17, n. 1, pp. 21-44; Van Biezen; Mair; Poguntke, 2012VAN BIEZEN, Ingrid.; MAIR, Peter.; POGUNTKE, Thomas (2012) “Going, going, gone? The decline of party membership in contemporary Europe”. European Journal of Political Research, v. 51, n. 1, pp. 24-56.), situação que decorreria, em alguma medida, da distribuição desigual do recurso “tempo” entre os gêneros, uma vez que a inserção das mulheres no mercado de trabalho não foi acompanhada da redução de atribuições domésticas (como os cuidados com o lar e a prole).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    04 Abr 2018
  • Aceito
    29 Dez 2018
Universidade de Brasília. Instituto de Ciência Política Instituto de Ciência Política, Universidade de Brasília, Campus Universitário Darcy Ribeiro - Gleba A Asa Norte, 70904-970 Brasília - DF Brasil, Tel.: (55 61) 3107-0777 , Cel.: (55 61) 3107 0780 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: rbcp@unb.br