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Ideologia e Discurso: o posicionamento do Partido dos Trabalhadores na oposição e no governo3 3 A pesquisa contou com apoio da FAPESP via bolsa de iniciação científica, processo 2015/22988-3. Os autores gostariam de agradecer os comentários dos pareceristas anônimos. Qualquer erro ou imprecisão é de inteira responsabilidade dos autores. .

Resumo

Pesquisas prévias argumentaram a mudança no posicionamento ideológico do Partido dos Trabalhadores nas últimas décadas, especialmente quando passou a assumir o governo federal. Os autores estendem essa agenda de pesquisa analisando os discursos de legisladores petistas que estiveram presentes no período em que o partido era oposição e governo em temáticas semelhantes nos mesmos períodos. Por meio do método wordscores, demonstramos a migração ideológica do PT para a direita, fortalecendo a evidência empírica do fenômeno. A análise do conteúdo substantivo dos discursos revelou a direção da mudança em assuntos como as reformas da previdência e trabalhista, educação e relações exteriores.

Palavras-chave:
Ideologia; Discursos; Partido dos Trabalhadores (PT); Wordscores; Brasil

Resumen

Investigaciones previas argumentaron el cambio en el posicionamiento ideológico del Partido de los Trabajadores en las últimas décadas, especialmente cuando pasó a asumir el gobierno federal. Los autores extienden esa agenda de investigación analizando los discursos de legisladores petistas que estuvieron presentes en el período en que el partido era oposición y gobierno en temáticas similares. Por medio del método wordscores, demostramos la migración ideológica del PT hacia la derecha, fortaleciendo la evidencia empírica del fenómeno. El análisis del contenido sustantivo de los discursos reveló la dirección del cambio en asuntos como las reformas de la previsión y el trabajo, la educación y las relaciones exteriores.

Palabras-Clave:
Ideología; Discursos; Partido de los Trabajadores (PT); Wordscores; Brasil

Abstract

Previous research has argued for the shift in the ideological position of the Workers’ Party in the last decades, especially when it came to presidency. The authors extend this research agenda by analysing the speeches of PT legislators who were present during the period in which the party was opposition and government on similar themes in the same periods. Through the wordscores method, we demonstrate the ideological migration of the PT to the right, strengthening the empirical evidence of the phenomenon. Analysis of the substantive content of the speeches revealed the direction of change in issues such as pension and labour reforms, education and foreign affairs.

Keywords:
Ideology; Discourses; Workers Party (PT); Wordscores; Brazil

O presente artigo avalia o grau de semelhança no posicionamento político de deputados e deputadas do Partido dos Trabalhadores (PT), por meio de discursos realizados em plenário, entre dois períodos: no momento em que o partido era oposição ao governo federal (1990-2002) e no momento em que o partido ocupava a presidência da república (2003-2014). Analisamos ao longo deste trabalho se houve mudança substantiva no posicionamento dos legisladores petistas em questões relevantes da agenda do Congresso Nacional.

Predomina na literatura a percepção de mudança no posicionamento ideológico do PT ao longo dos anos, marcada por uma aproximação ao centro do espectro ideológico na transição do partido da oposição ao governo (Campello, 2013CAMPELLO, Daniela. What is left of the Brazilian Left?. 2013.; Lacerda, 2002LACERDA, Alan Daniel Freire. O PT e a unidade partidária como problema. Dados, v. 45, n. 1, p. 39-76, 2002.; Power e Zucco, 2012POWER, Timothy J.; ZUCCO, Cesar. Elite Preferences in a Consolidating Democracy: The Brazilian Legislative Surveys, 1990-2009. Latin American Politics and Society, p.1-27, 2012.; Singer, 2010SINGER, André. A segunda alma do Partido dos Trabalhadores. Novos Estudos-CEBRAP 88, p. 89-111, 2010.; Tarouco e Madeira, 2013TAROUCO, Gabriela da Silva; MADEIRA, Rafael Machado. Partidos, Programas e o debate sobre esquerda e direita no Brasil. Revista de Sociologia e Política, p. 149-165, 2013.; Vieira, 2012VIEIRA, Rafaela. O transformismo petista: considerações acerca das transformações históricas do Partido dos Trabalhadores no Brasil. Memorias Revista digital de Historia y Arqueología desde el Caribe colombiano, p. 1-58, 2012.; Zucco e Lauderdale, 2011 ZUCCO, Cesar Jr; LAUDERDALE, Benjamin E.. Distinguishing between influences on Brazilian legislative behavior. Legislative Studies Quarterly, v. 36, n. 3, p. 363-396, 2011.). As posições políticas do partido teriam vivido um processo de moderação na vitoriosa trajetória eleitoral no âmbito federal. As mudanças nas posições partidárias podem estar vinculadas a fatores como modificações na organização partidária, alteração do eleitor mediano, derrotas eleitorais recentes e mudanças no eleitorado do partido (Adams et al. 2009ADAMS, James; HAUPT, Andrea B.; STOLL, Heather What moves parties? The role of public opinion and global economic conditions in Western Europe. Comparative Political Studies, v. 42, n. 5, p.611-639, 2009.; Ezrow et al. 2011EZROW, Lawrence; DE VRIES, Catherine; STEENBERGEN, Marco; EDWARDS, Erica. Mean voter representation and partisan constituency representation: Do parties respond to the mean voter position or to their supporters?. Party Politics, v. 17, n. 3, p. 275-301, 2011.; Schumacher et al. 2013SCHUMACHER, Gijs; DE VRIES, Catherine; VIS, Barbara. Why political parties change their position: environmental incentives and party organization. Journal of Politics, v. 75, n. 2, p. 464-477, 2013.). As mudanças sofridas pelo PT ao longo das últimas três décadas foram acompanhadas por parte desses elementos elencados, corroborando a narrativa da literatura especializada acerca da mudança ideológica do partido.

Por meio da análise quantitativa dos discursos dos deputados petistas que fizeram parte de ambos os períodos delimitados e em temáticas semelhantes nos mesmos períodos, testamos o argumento da mudança ideológica para um dado inédito na literatura, identificando substantivamente o conteúdo da mesma. Por meio da estimação do posicionamento ideológico do PT via wordscores em duas temáticas centrais, bem-estar social e relações exteriores, confirmamos a migração do partido em direção à direita do espectro ideológico. Predomina no posicionamento dos legisladores e das legisladoras petistas o apoio ao governo Lula, independentemente de a temática contrariar o posicionamento do partido na época em que era oposição.

Dentre os aspectos substantivos das temáticas analisadas, destacam-se enquanto mudanças significativas a posição acerca da contribuição de inativos e aposentados na reforma da previdência, a inclusão das universidades privadas no plano de ampliação do acesso ao ensino superior, o formato da reforma sindical e a oposição às negociações com os EUA (Estados Unidos da América) sobre a criação da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas). O artigo se divide da seguinte maneira: primeiro, apresentamos uma breve revisão da trajetória do PT, seguida por considerações acerca do método escolhido e o desenho de pesquisa adotado. Posteriormente, analisamos os resultados obtidos via wordscores e o conteúdo substantivo da mudança de posicionamento do PT em cada tema incluído na análise. Na última seção concluímos o estudo.

Trajetória Petista: a transformação do Partido

Em 1980, cinco partidos políticos foram criados no Brasil e obtiveram registro definitivo ainda em pleno regime militar: Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), Partido Democrático Social (PDS), Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Partido Democrático Trabalhista (PDT) e Partido dos Trabalhadores. Dentre os partidos mencionados, o Partido dos Trabalhadores carregava a percepção de novidade em relação aos seus pares, o primeiro partido brasileiro criado “de baixo para cima” por operários (Meneguello, 1989MENEGUELLO, Rachel. PT: a formação de um partido, 1979-1982. Paz e Terra, 1989.; Keck, 1991KECK, Margaret. A lógica da diferença: o Partido dos Trabalhadores na construção da democracia brasileira. São Paulo: Ática, 1991.; Nicolau, 1996). No momento em que a Ditadura se encontrava em fase de abrandamento gradual, o PT surgia como importante condutor dos movimentos sociais contrários ao governo (Vieira, 2012VIEIRA, Rafaela. O transformismo petista: considerações acerca das transformações históricas do Partido dos Trabalhadores no Brasil. Memorias Revista digital de Historia y Arqueología desde el Caribe colombiano, p. 1-58, 2012.).

O PT formou-se com base em três grupos principais: os setores progressistas da Igreja Católica, influenciados pela Teologia da Libertação, empenhavam-se no estabelecimento de uma sociedade democrática; os novos sindicatos, imbuídos de ideologia mais radical, contrapunham-se ao antigo sindicalismo pelego dos populistas, e a intelectualidade de esquerda, mobilizados em favor da democracia e do socialismo (Nicolau, 1996; Singer, 2010SINGER, André. A segunda alma do Partido dos Trabalhadores. Novos Estudos-CEBRAP 88, p. 89-111, 2010.). A literatura destaca a diversidade de atores que compunham a base do PT como um empecilho para o partido determinar uma agenda ideológica clara (Costa, 2013; Vieira, 2012VIEIRA, Rafaela. O transformismo petista: considerações acerca das transformações históricas do Partido dos Trabalhadores no Brasil. Memorias Revista digital de Historia y Arqueología desde el Caribe colombiano, p. 1-58, 2012.).

Durante a década de 1980, o PT reafirmou sua posição como defensor da classe trabalhadora e opositor do “fisiologismo” político (Singer, 2010SINGER, André. A segunda alma do Partido dos Trabalhadores. Novos Estudos-CEBRAP 88, p. 89-111, 2010.). Condizente com sua acentuada interação com os movimentos sociais, o PT teve participação direta na estruturação e fundação da Central Única dos Trabalhadores em 1983 e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terras em 1984. O PT prometia-se inovador, um partido comprometido com a classe trabalhadora e com a participação democrática (Costa, 2013; Lacerda, 2012LACERDA, Alan Daniel Freire. O PT e a unidade partidária como problema. Dados, v. 45, n. 1, p. 39-76, 2002.; Vieira, 2012VIEIRA, Rafaela. O transformismo petista: considerações acerca das transformações históricas do Partido dos Trabalhadores no Brasil. Memorias Revista digital de Historia y Arqueología desde el Caribe colombiano, p. 1-58, 2012.).

O Brasil iniciou os anos 1990 com a eleição de Fernando Collor de Mello à presidência da República pela coligação de direita, Movimento Brasil Novo. O segundo turno foi disputado com Lula, candidato da coligação esquerdista Frente Brasil Popular. Se, por um lado, o PT perdeu a eleição para presidência, por outro, apresentou bom desempenho nas eleições municipais de 1988. A inserção do PT nas instituições do Estado exacerbou conflitos no interior do partido (Lacerda, 2012LACERDA, Alan Daniel Freire. O PT e a unidade partidária como problema. Dados, v. 45, n. 1, p. 39-76, 2002.; Ribeiro, 2013RIBEIRO, Pedro Floriano. Organização e poder nos partidos brasileiros: uma análise dos estatutos. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 10, 2013.). A esquerda petista se fortaleceu como oposição ao que considerava um pragmatismo exagerado e um abandono da identidade ideológica do PT com as lutas sociais, conseguindo o controle da direção nacional do partido em 1993 (Ribeiro, 2013RIBEIRO, Pedro Floriano. Organização e poder nos partidos brasileiros: uma análise dos estatutos. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 10, 2013.).

A nova direção petista propunha uma política de alianças restrita aos partidos de esquerda e uma participação efetiva da base filiada (Lacerda, 2012LACERDA, Alan Daniel Freire. O PT e a unidade partidária como problema. Dados, v. 45, n. 1, p. 39-76, 2002.; Ribeiro, 2013RIBEIRO, Pedro Floriano. Organização e poder nos partidos brasileiros: uma análise dos estatutos. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 10, 2013.). A resistência em ampliar as alianças do PT gerou diversas críticas, principalmente entre aqueles empenhados na eleição de Lula (Ribeiro, 2013RIBEIRO, Pedro Floriano. Organização e poder nos partidos brasileiros: uma análise dos estatutos. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 10, 2013.). A polarização no PT atingiu seu ápice após a derrota do partido na eleição presidencial de 1994, que resultou na eleição de Fernando Henrique Cardoso (FHC) (Lacerda, 2012LACERDA, Alan Daniel Freire. O PT e a unidade partidária como problema. Dados, v. 45, n. 1, p. 39-76, 2002.). O posicionamento crítico da direção nacional do PT em relação ao Plano Real teria, para a direita do partido, isolado a candidatura de Lula, resultando em sua derrota (Ribeiro, 2013RIBEIRO, Pedro Floriano. Organização e poder nos partidos brasileiros: uma análise dos estatutos. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 10, 2013.).

Em 1995, numa tensa disputa, a ala da direita do PT conquistou a direção nacional. A partir de então, a estratégia da coalizão dominante era fortalecer o papel das lideranças e da direção nacional em relação à base de filiados, e isolar e enfraquecer a esquerda do partido (Lacerda, 2012LACERDA, Alan Daniel Freire. O PT e a unidade partidária como problema. Dados, v. 45, n. 1, p. 39-76, 2002.; Ribeiro, 2013RIBEIRO, Pedro Floriano. Organização e poder nos partidos brasileiros: uma análise dos estatutos. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 10, 2013.). Em 1999, os cargos do núcleo da Comissão Executiva Nacional eram praticamente todos controlados pela direita (Ribeiro, 2013RIBEIRO, Pedro Floriano. Organização e poder nos partidos brasileiros: uma análise dos estatutos. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 10, 2013.) e a direção nacional já havia mostrado sua força em 1998 quando fez prevalecer sua posição, de apoio a Anthony Garotinho, do PDT, sobre a do PT do Rio de Janeiro, de apoio à candidatura de Vladimir Palmeira para governador do estado (Lacerda, 2012, 68LACERDA, Alan Daniel Freire. O PT e a unidade partidária como problema. Dados, v. 45, n. 1, p. 39-76, 2002.).

Com a consolidação da direita petista e o enfraquecimento dos movimentos sociais, o PT procurou se inserir cada vez mais na competição eleitoral, e a eleição de Lula para presidência tornou-se um dos principais objetivos do partido (Singer, 2010SINGER, André. A segunda alma do Partido dos Trabalhadores. Novos Estudos-CEBRAP 88, p. 89-111, 2010.; Vieira, 2012VIEIRA, Rafaela. O transformismo petista: considerações acerca das transformações históricas do Partido dos Trabalhadores no Brasil. Memorias Revista digital de Historia y Arqueología desde el Caribe colombiano, p. 1-58, 2012.). Argumenta-se que, nesse momento, marcado por uma flexibilização ideológica e um acentuado processo de burocratização, o PT teria se distanciado de suas pautas mais radicais como a reforma agrária e a reestatização (Vieira, 2012). No final da década de 1990, houve uma crise do modelo neoliberal de organização do Estado, com aumento da desigualdade e desemprego estrutural (Coutinho, 2006COUTINHO, Marcelo. Movimentos de mudança política na América do Sul contemporânea. Revista de sociologia e política, n. 27, 2006.). Nesse contexto, em 2002, o Partido dos Trabalhadores liderou a oposição e, agora contando com o apoio de setores ligados ao grande capital, conseguiu a eleição de Lula como presidente da República e de José Alencar, do Partido Liberal, como vice-presidente.

Parte da literatura especializada no tema ressalta o seguimento que o governo do Partido dos Trabalhadores deu às medidas neoliberais de seus antecessores (Coutinho, 2006COUTINHO, Marcelo. Movimentos de mudança política na América do Sul contemporânea. Revista de sociologia e política, n. 27, 2006.). A principal continuidade estaria no tom em relação às variáveis macroeconômicas (Wiesehomeier, 2010WIESEHOMEIER, Nina. The meaning of left-right in Latin America: A comparative view. Working paper, p. 1-35, 2010.; Power e Zucco, 2012POWER, Timothy J.; ZUCCO, Cesar. Elite Preferences in a Consolidating Democracy: The Brazilian Legislative Surveys, 1990-2009. Latin American Politics and Society, p.1-27, 2012.). O argumento é o que se segue: 1) o governo petista honrou seus compromissos com o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e os outros credores da dívida pública do país, instituições que eram alvo de duras críticas do partido nos anos 1980, 2) prestou auxílio aos grandes latifundiários, em detrimento da reforma agrária defendida reiteradamente pelo PT durante seus primeiros anos de existência e 3) favoreceu as grandes empreiteiras e o setor privado com projetos de infraestrutura que capturaram a maior parte da receita do governo (Singer, 2010SINGER, André. A segunda alma do Partido dos Trabalhadores. Novos Estudos-CEBRAP 88, p. 89-111, 2010.).

O Partido dos Trabalhadores guarda resquícios do seu passado socialista, segundo a análise de Singer (2010)SINGER, André. A segunda alma do Partido dos Trabalhadores. Novos Estudos-CEBRAP 88, p. 89-111, 2010., mas sua conotação radical esvaziou-se e o partido cedeu a pressões do status quo. Em perspectiva comparada, o PT é considerado parte da esquerda sul-americana moderada. Para Kenneth Roberts (2007)ROBERTS, Kenneth. Conceptual and Historical Perspectives. In: Arnson, Cynthia J.; Perales, José Raúl (Eds.). The ‘new left’ and democratic governance in Latin America. Washington, DC: Woodrow Wilson International Center for Scholars, 2007., o partido compõe a “esquerda partidária institucionalizada”, essa vertente esquerdista teria passado por uma contínua moderação e transformação ideológica. Saiegh (2015)SAIEGH, Sebastián M. Using joint scaling methods to study ideology and representation: Evidence from Latin America. Political Analysis, v. 23, n. 3, p. 363-384, 2015. estimou o posicionamento ideológico de diversos partidos da América Latina em uma única escala. Na estimação do autor, o PT é localizado na centro-esquerda, próximo a partidos chilenos como o Partido pela Democracia e o Partido Democrata Cristão, distante de partidos mais à esquerda como a Frente Ampla no Uruguai e o Movimento ao Socialismo na Bolívia (Saiegh, 2015, 377SAIEGH, Sebastián M. Using joint scaling methods to study ideology and representation: Evidence from Latin America. Political Analysis, v. 23, n. 3, p. 363-384, 2015.).

As transformações ocorridas nas práticas internas do PT (Ribeiro, 2013RIBEIRO, Pedro Floriano. Organização e poder nos partidos brasileiros: uma análise dos estatutos. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 10, 2013.), as derrotas eleitorais em 1989, 1994 e 1998 para a presidência da República e o caráter centrista do eleitorado brasileiro (Saiegh, 2015SAIEGH, Sebastián M. Using joint scaling methods to study ideology and representation: Evidence from Latin America. Political Analysis, v. 23, n. 3, p. 363-384, 2015.) são elementos que suportam o argumento da mudança ideológica do partido da sua formação inicial à presidência da república. Assim, a contribuição da presente pesquisa é analisar a mudança do posicionamento ideológico do partido por meio de discursos parlamentares desagregados pela temática abordada, indicando o conteúdo substantivo da mudança. Na seção a seguir descrevemos o desenho da pesquisa, detalhando o objeto de estudo e método empregado na análise.

Método e Desenho de Pesquisa

Existem diversos métodos para se analisar a posição ideológica de partidos e atores políticos (Mair, 2001MAIR, Peter. Searching for the positions of political actors: a review of approaches and an evaluation of expert surveys in particular. In: Laver, Michael (Ed.). Estimating the Policy Positions of Political Actors. London, New York: Routledge, p. 10-30, 2001. ). Dentre os mais usuais na literatura estão as estimações por meio de survey de elite (Saiegh, 2009SAIEGH, Sebastian M. Recovering a basic space from elite surveys: Evidence from Latin America.”Legislative Studies Quarterly, v. 34, n. 1, p. 117-145, 2009.), votações nominais (Poole e Rosenthal, 1997POOLE, Keith T.; ROSENTHAL, Howard. Congress: a Political-Economic History of Roll Call Voting. New York, Oxford: Oxford University Press , 1997. ; Hix, 2002HIX, Simon. Parliamentary behavior with two principals: Preferences, parties, and voting in the European Parliament. American Journal of Political Science, p. 688-698, 2002.; Clinton et al. 2004CLINTON, Joshua; JACKMAN, Simon; RIVERS, Douglas. The statistical analysis of roll call data. American Political Science Review, v. 98, n. 2, p. 355-370, 2004.), documentos partidários (Laver e Benoit, 2002LAVER, Michael; BENOIT, Kenneth. Locating TDs in policy spaces: the computational text analysis of Dáil speeches. Irish Political Studies, v. 17, n. 1, p. 59-73, 2002.), survey de especialistas (Klingemann et al. 2007KLINGEMANN, H.D.; VOLKENS, A.; BARA, J.; BUDGE, I.; MCDONALD, M.D.. Mapping policy preferences II. Estimates for Parties, Electors, and Governments in Eastern Europe, European Union, and OECD 1990-2003. Oxford: Oxford University Press, 2007.) e discursos (Slapin e Proksch, 2008SLAPIN, Jonathan B.; PROKSCH, Sven Oliver. A scaling model for estimating time‐series party positions from texts. American Journal of Political Science, v. 52, n. 3, p. 705-722, 2008.). Para o caso do posicionamento ideológico do Partido dos Trabalhadores ao longo dos anos 1990 e 2000, objeto desta análise, há na literatura análises por meio de votações nominais (Zucco e Lauderdale, 2011 ZUCCO, Cesar Jr; LAUDERDALE, Benjamin E.. Distinguishing between influences on Brazilian legislative behavior. Legislative Studies Quarterly, v. 36, n. 3, p. 363-396, 2011.), programa partidário (Tarouco e Madeira, 2013TAROUCO, Gabriela da Silva; MADEIRA, Rafael Machado. Partidos, Programas e o debate sobre esquerda e direita no Brasil. Revista de Sociologia e Política, p. 149-165, 2013.) e survey de elite (Power e Zucco, 2012POWER, Timothy J.; ZUCCO, Cesar. Elite Preferences in a Consolidating Democracy: The Brazilian Legislative Surveys, 1990-2009. Latin American Politics and Society, p.1-27, 2012.). As estimações dos estudos citados convergem com a literatura exposta anteriormente, apontando uma migração do PT da esquerda ao centro do espectro ideológico. Uma alternativa ainda pouco explorada para estimar o posicionamento ideológico do PT em distintos momentos é a utilização de discursos legislativos.

Discursos são uma valiosa fonte para a estimação do posicionamento ideológico dos partidos por expressarem o conteúdo substantivo do conflito político. Além disso, as pessoas tendem a se relacionar com aqueles que compartilham as mesmas ideias e opiniões, em uma eleição, por exemplo, eleitores escolhem os candidatos cujas opiniões são similares às suas (Izumi, 2017IZUMI, Maurício. Medindo posições políticas a partir de textos. Working Paper, 2017.). Segundo Bräuninger (2013)BRÄUNINGER, Thomas; DEBUS, Marc; MÜLLER, Jochen. Estimating policy positions of political actors across countries and time. Working Paper, 2013., existem duas formas principais para estimar o posicionamento político por meio de textos. O primeiro envolve uma grande interpretação humana do significado substancial de um texto e usa codificação manual e automática (Laver e Garry, 2000LAVER, Michael; GARRY, John. Estimating policy positions from political texts. American Journal of Political Science, p. 619-634, 2000., por exemplo). O segundo engloba a transformação de textos totalmente automaticamente em matrizes de frequências de palavras ou frases que são consideradas dados não estruturados e analisados por meio de alguma técnica estatística (Grimmer, 2010GRIMMER, Justin. A bayesian hierarchical topic model for political texts: Measuring expressed agendas in senate press releases. Political Analysis, v. 18, n. 1, p. 1-35, 2009.; Hopkins e King, 2010HOPKINS, Daniel J.; KING, Gary. A method of automated nonparametric content analysis for social science. American Journal of Political Science, v. 54, n. 1, p. 229-247, 2010.).

Na presente análise optamos pela utilização do método wordscores, desenvolvido por Ken Benoit, Michael Laver e Will Lowe. O wordscores se enquadra na segunda categoria descrita anteriormente, procedendo a estimação do posicionamento político por meio da comparação entre dois conjuntos de textos. De um lado, um conjunto de textos de “referência” sobre os quais se tem definido a priori a posição política em determinada dimensão. De outro, textos “virgens” cujo posicionamento se pretende estimar a partir dos textos de referência (Laver, Benoit e Garry, 2003LAVER, Michael; BENOIT, Kenneth; GARRY, John. Extracting policy positions from political texts using words as data. The American Political Science Review, p. 311-331, 2003.; Martin e Vanberg, 2008MARTIN, Lanny W.; VANBERG, Georg. A Robust Transformation Procedure for Interpreting Political Texts. Political Analysis, p. 93-100, 2008.).

De maneira simplificada, o método consiste em utilizar a frequência relativa observada de cada palavra em cada texto de referência para calcular a probabilidade de se estar lendo determinado texto referência, dado apenas ao uso de uma palavra específica. A partir da posição política pré-estabelecida, gera-se uma pontuação para cada palavra. Com essa pontuação, pode-se estimar a posição política dos textos virgens, informando com qual dos textos de referência há maior semelhança (Laver, Benoit e Garry, 2003, 313-314LAVER, Michael; BENOIT, Kenneth; GARRY, John. Extracting policy positions from political texts using words as data. The American Political Science Review, p. 311-331, 2003.).

A pontuação do wordscores é gerada calculando a frequência relativa de cada palavra diferente w utilizada no texto referência r (Fwr). Após o cálculo da frequência relativa de cada palavra dos textos de referência, obtêm-se uma matriz de probabilidades condicionadas. Cada elemento desta matriz permite que seja calculada a probabilidade de se estar lendo o texto de referência r, quando se lê a palavra w (Laver, Benoit e Garry, 2003, 315- 316LAVER, Michael; BENOIT, Kenneth; GARRY, John. Extracting policy positions from political texts using words as data. The American Political Science Review, p. 311-331, 2003.). Dado um conjunto de textos de referência, a probabilidade da ocorrência da palavra w significar que estamos lendo o texto r é:

P w r = F w r Σ r F w r

Em seguida, a matriz Pwr é utilizada para produzir uma pontuação para cada palavra na dimensão d. A posição esperada de qualquer palavra w na dimensão d pode ser expressa da seguinte maneira:

S w d = S r ( P w r A r d )

Em que Swd é a média da pontuação estabelecida a priori dos textos de referência Ard, ponderada pela probabilidade Pwr (Laver, Benoit e Garry, 2003LAVER, Michael; BENOIT, Kenneth; GARRY, John. Extracting policy positions from political texts using words as data. The American Political Science Review, p. 311-331, 2003.). Por exemplo, se apenas o texto r contém a palavra w (Pwr = 1), então pode-se ter certeza de que está lendo o texto r. Logo, Swd = Ard. Se todos os textos apresentam a palavra w em quantidades idênticas, então esta palavra não oferece nenhuma informação sobre qual texto de referência se está lendo (Laver, Benoit e Garry, 2003LAVER, Michael; BENOIT, Kenneth; GARRY, John. Extracting policy positions from political texts using words as data. The American Political Science Review, p. 311-331, 2003.).

Para se obter a pontuação de qualquer texto virgem v na dimensão d, deve-se primeiro calcular a frequência relativa de cada palavra de cada texto virgem (Fwv). Assim, a pontuação média na dimensão d de todas as palavras pontuadas presentes neste texto virgem v pode ser expressa por:

S v d = Σ w ( F w v S w d )

As palavras encontradas em comum a todos ou à maioria dos textos de referência tendem a assumir a pontuação média dos textos de referência. Logo, para qualquer conjunto de textos virgens que contenham o mesmo conjunto de palavras não discriminatórias encontradas nos textos de referência, as pontuações brutas tendem a ser muito mais próximas do que as pontuações de texto de referência, tornando os resultados mais difíceis de serem comparados.

Para comparar as pontuações dos textos virgens diretamente com as pontuações dos textos de referência, é necessário transformar as pontuações dos textos virgens para que tenham a mesma métrica de dispersão dos de referência. Para cada texto virgem v em uma dimensão d (onde o número total de textos virgens 1> V), isto é feito da seguinte forma, em que S(vd) é a pontuação média dos textos virgens e SDrd e SDvd são o desvio padrão dos textos de referência e virgem respectivamente (Laver, Benoit e Garry, 2003, 315LAVER, Michael; BENOIT, Kenneth; GARRY, John. Extracting policy positions from political texts using words as data. The American Political Science Review, p. 311-331, 2003.).

S v d * = ( S v d S v ¯ d ) ( S D r d S D v d ) + S v ¯ d

Segundo Laver, Benoit e Garry (2003, 316)LAVER, Michael; BENOIT, Kenneth; GARRY, John. Extracting policy positions from political texts using words as data. The American Political Science Review, p. 311-331, 2003., o wordscores baseia-se no pressuposto de que as frequências relativas de uso de palavras nos textos virgens estão ligadas a posições política da mesma forma que as frequências relativas de uso de palavras nos textos de referência.

Como o objetivo central deste texto é comparar o posicionamento ideológico das legisladoras do PT em dois momentos distintos, na oposição e no governo, o wordscores é o método ideal. Como temos boas estimações do posicionamento ideológico dos legisladores dos principais partidos políticos brasileiros no período analisado por fontes independentes do discurso político (survey de elite e votações nominais), podemos utilizá-las como posicionamento a priori do partido. Por ser um método automatizado, isolamos possíveis vieses advindos da interpretação humana sobre a ideologia do PT, possibilitando uma estimação confiável.

Martin e Vanberg (2008)MARTIN, Lanny W.; VANBERG, Georg. A Robust Transformation Procedure for Interpreting Political Texts. Political Analysis, p. 93-100, 2008. apontam duas importantes limitações do método: a validade dos textos de referência e o impacto de distintos estilos linguísticos dos textos na estimação do posicionamento político. No desenho de pesquisa proposto neste estudo utilizamos os discursos de legisladores e legisladoras que estiveram presentes em ambos os períodos estudados, entre 1990 e 2002 e entre 2003 e 2014. Dessa forma, espera-se que haja baixa mudança nos termos linguísticos utilizados pelos mesmos legisladores em distintos momentos, minimizando essa potencial deficiência da estimação do posicionamento político via wordscores. Ademais, tornamos a comparação entre os textos referência e os textos virgens mais homogênea, isolando possíveis fatores de confusão que poderiam emergir da figura individual da legisladora. Como o objetivo é avaliar a evolução temporal do posicionamento ideológico do PT, escolhemos textos de referência cuja temática tenha sido abordada em ambos os períodos mencionados, buscando, novamente, resguardar ao máximo a comparabilidade entre os dois grupos de texto. Assim, a escolha dos discursos analisados obedece aos seguintes critérios: presença de discursos dos mesmos legisladores e legisladoras nos dois períodos de estudo e semelhança temática entre as propostas discutidas no período oposição e governo.

Laver, Benoit e Garry (2003)LAVER, Michael; BENOIT, Kenneth; GARRY, John. Extracting policy positions from political texts using words as data. The American Political Science Review, p. 311-331, 2003. recomendam que os textos de referência devam ser de mais de uma posição política na dimensão estudada (ideologia), idealmente posições extremas e de centro, para se estimar com qual o texto virgem se assemelha. Para atender a essa recomendação coletamos discursos de deputados e deputadas de três partidos, representando diferentes posições no espectro político: PT, PMDB e PFL/DEM. O posicionamento político desses partidos foi determinado a priori com base no trabalho de Zucco e Power (2012)POWER, Timothy J.; ZUCCO, Cesar. Elite Preferences in a Consolidating Democracy: The Brazilian Legislative Surveys, 1990-2009. Latin American Politics and Society, p.1-27, 2012.. Esses autores estimaram a posição ideológica dos partidos brasileiros por meio de surveys realizados com os legisladores desde 1990 até 2009. A escala utilizada varia de 0 a 10, sendo 0 mais à esquerda e 10 mais à direita. Como os textos de referência são de 1990 a 2002, foi calculada a média das posições estimadas desses três partidos considerando os anos de 1990, 1993, 1997 e 2001. Chegamos a uma estimativa de 1.6 para o PT, 5.3 para o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) e 8.2 para o PFL (Partido da Frente Liberal). Assim, temos o PT representando a esquerda, o PMDB o centro e o PFL/DEM (Democratas) à direita.

Para garantir maior confiança nos resultados, é preciso que os discursos sejam longos ou que haja a junção de mais de um discurso. Formatamos em um mesmo texto discursos de diferentes legisladores do mesmo partido sobre o mesmo tema. Isso porque o objetivo é analisar o posicionamento do Partido dos Trabalhadores e não analisar cada legislador individualmente. Optamos por recolher discursos realizados em plenário na Câmara dos Deputados, em que os legisladores discursam publicamente e com reação direta de seus pares. Para controlar de maneira mais satisfatória as diversas abordagens possíveis sobre um determinado tema, priorizamos discursos realizados em plenário sobre uma proposta legislativa específica. Abaixo segue a tabela 1 resumindo a amostra de temas discursados pelos legisladores. Para obter o número de palavras por partido e tema analisado, assim como outras informações da estimação via wordscores, checar o apêndice A.

Tabela 1.
Temática dos Discursos Analisados

Os temas analisados na tabela acima cobrem duas importantes dimensões da estrutura ideológica dos partidos latino-americanos: o nível de intervenção estatal e a atitude em relação aos Estados Unidos (Alcántara e Rivas, 2007ALCÁNTARA, Manuel; RIVAS, Cristina. Las dimensiones de la polarización partidista en América Latina. Política y gobierno, v. 14, no. 2, p. 349-390, 2007.). As esquerdas na América Latina frequentemente estão associadas a uma posição favorável ao aumento da capacidade de intervenção do Estado, principalmente em áreas sociais (Alcántara e Rivas, 2007ALCÁNTARA, Manuel; RIVAS, Cristina. Las dimensiones de la polarización partidista en América Latina. Política y gobierno, v. 14, no. 2, p. 349-390, 2007.). Nesse sentido, a dimensão bem-estar social foi formata para averiguar o posicionamento do PT em relação ao papel do Estado enquanto promotor de políticas públicas desse tipo. Para ambos os períodos analisados, de 1990 a 2002 e de 2003 a 2014, foram coletados discursos em propostas legislativas sobre previdência, reforma trabalhista e educação, como mostra a tabela 1. Nas relações exteriores, o grau de proximidade com os EUA também emerge como dimensão relevante do posicionamento dos partidos políticos no contínuo ideológico direita-esquerda na América Latina (Alcántara e Rivas, 2007ALCÁNTARA, Manuel; RIVAS, Cristina. Las dimensiones de la polarización partidista en América Latina. Política y gobierno, v. 14, no. 2, p. 349-390, 2007.). Embora não haja proposições legislativas específicas nestas temáticas, escolhemos discursos em plenário em ambos os momentos sobre as negociações de criação da Área de Livre Comércio das Américas, liderada pelos EUA, e do MERCOSUL, principal iniciativa de integração regional no Brasil. Os dois conjuntos de discursos representam duas opções distintas de inserção internacional: o alinhamento aos EUA e a intensificação das relações regionais e sul-sul. Assim, cobrimos importantes aspectos do posicionamento político do PT em dois relevantes âmbitos da estruturação ideológica do partido, possibilitando inferir a mudança de posicionamento ideológico e o conteúdo substantivo desta mudança.

Resultados

A presente seção resume os principais achados empíricos da pesquisa, divididos em duas partes principais. Na primeira, demonstramos, a partir das estimações realizadas por meio do wordscores, a migração à direita do PT nos temas de bem-estar social e relações exteriores. Corroborando os resultados da migração do PT à direita estimados por meio de votações nominais e survey de elite, os discursos confirmam o deslocamento ideológico, ofertando maior robustez empírica ao fenômeno. Na segunda parte, descrevemos o conteúdo substantivo da mudança do posicionamento do partido nas temáticas analisadas, exemplificando a distinção do comportamento dos legisladores quando pertencentes à oposição ou ao governo.

a) Discursos parlamentares e a migração ideológica do PT

Apresentamos os resultados do wordscores resumidos no gráfico 1, abaixo, contendo a estimativa advinda dos textos virgens referentes ao período em que o PT foi governo e o intervalo de confiança de 95% da respectiva estimativa nas temáticas analisadas.

Gráfico 1.
Posicionamento estimado do PT no governo por meio dos discursos legislativos

Considerando todos os discursos agrupados, contamos com um total de 13140 palavras para o PT; 7293 para o PMDB e 4390 para o PFL/DEM de 1990 a 2014 (ver apêndice A Apêndice A. Tabela 2. Resultados Wordscore Textos de Referência (1990-2002) PT PMDB PFL/DEM Survey Power e Zucco (média) 1.6 5.3 8.2 Bem-estar social Total de Palavras 9505 1215 1894 Palavras únicas 2444 569 633 Relações Exteriores Total de Palavras 3593 6074 2490 Palavras únicas 1192 1902 875 Geral Total de Palavras 13104 7293 4390 Palavras únicas 3125 2226 1332 Textos Virgens (2003-2014) PT PMDB PFL/DEM Bem-estar social Raw score 3.8 3.62 3.19 Desvio padrão 0.032 0.035 0.026 Transformed Score 6.31 4.43 -0.11 Desvio padrão 0.35 0.38 0.32 Intervalo de Confiança (95%) 5.60; 7.02 3.66; 5.19 -0.77; 0.53 Total de palavras 2859 2494 4384 % total de palavras pontuadas 82.1 79.3 70.8 Relações Exteriores Raw score 4.09 3.72 3.90 Desvio padrão 0.032 0.037 0.023 Transformed Score 7.23 0.61 3.86 Desvio padrão 0.58 0.67 0.42 Intervalo de Confiança (95%) 6.07; 8.39 -0.73; 1.97 3.02; 4.7 Total de palavras 1734 2128 4689 % total de palavras pontuadas 84.9 74.5 78.5 Geral Raw score 4.19 3.9 4.08 Desvio padrão 0.02 0.02 0.01 Transformed Score 7.49 0.89 3.87 Desvio padrão 0.63 0.67 0.47 Intervalo de Confiança (95%) 6.22; 8.77 -0.46; 2.24 2.92; 4.81 Total de palavras 4599 4626 9027 % total de palavras pontuadas 87.7 82.8 85.3 Fonte: elaboração própria ). Quando consideramos todos os textos dos dois temas juntos, o resultado confirma migração à direita do PT. Power e Zucco (2012)POWER, Timothy J.; ZUCCO, Cesar. Elite Preferences in a Consolidating Democracy: The Brazilian Legislative Surveys, 1990-2009. Latin American Politics and Society, p.1-27, 2012. indicam uma mudança em direção à direita do PT, passando de uma posição estimada média de 1.6 entre 1990 e 2002 para uma média de 3.08 no período posterior. A estimativa para os dois temas agregados (geral) é 7.49, ou seja, considerando a posição a priori do partido de 1.6, o PT se posicionou sensivelmente mais à direita no espectro ideológico. É importante considerar, nesta comparação das estimativas via wordscores e survey, a distinção nos temas utilizados e a natureza do dado. Na estimação via survey, há um número maior de temas utilizados (liberdades civis, apoio a democracia, entre outros) e o legislador responde em função de suas preferências, com poucos incentivos para um comportamento estratégico. Já na estimação via discursos, utilizamos duas temáticas centrais e, diferentemente da opinião das legisladoras, os discursos têm uma elevada carga de comportamento estratégico em função do apoio ou oposição ao governo.

Em outras palavras, a magnitude da migração do PT à direita estimada via wordscores deve ser interpretada com cautela. Os discursos proferidos pelo PT na oposição possuíam conteúdo substantivo contra as propostas do governo, mobilizando bandeiras tradicionais do partido. Já os discursos legislativos no período em que o PT é governo centram-se em apoiar as iniciativas do presidente e da presidenta, mesmo quando a proposta altera o conteúdo substantivo do posicionamento anterior do partido, como ficará claro na análise das reformas da previdência, por exemplo. Zucco e Lauderdale (2011) ZUCCO, Cesar Jr; LAUDERDALE, Benjamin E.. Distinguishing between influences on Brazilian legislative behavior. Legislative Studies Quarterly, v. 36, n. 3, p. 363-396, 2011. argumentam que na administração do presidente Cardoso (1995-2002) a dimensão ideológica dos partidos políticos brasileiros estava altamente correlacionada com o pertencimento ou não à coalizão de governo. Já na administração do presidente Lula (2003 -2010), essa correlação desaparece, revelando a dicotomia entre governo e oposição a dimensão dominante do conflito legislativo (Zucco e Lauderdale, 2011, 395 ZUCCO, Cesar Jr; LAUDERDALE, Benjamin E.. Distinguishing between influences on Brazilian legislative behavior. Legislative Studies Quarterly, v. 36, n. 3, p. 363-396, 2011.).

A formação de coalizões no presidencialismo multipartidário incentiva o comportamento legislativo descrito acima, já que o partido do presidente dificilmente conquista a maioria dos assentos no Congresso Nacional (Chasquetti, 2001CHASQUETTI, Daniel. Democracia, multipartidismo y coaliciones en América Latina: evaluando la difícil combinación. In: Lanzaro, Jorge (Ed.). Tipos de presidencialismo y coaliciones políticas en América Latina. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales/CLACSO, p. 319-359, 2001.; Cheibub et al. 2004CHEIBUB, José Antonio; PRZEWORSKI, Adam; SAIEGH, Sebastián M. Government Coalitions and Legislative Success under Presidentialism and Parliamentarism. British Journal of Political Science, v. 34, n. 4, p. 565-87, 2004.). O presidencialismo multipartidário no Brasil é caracterizado como um presidencialismo de coalizão (Abranches, 1988ABRANCHES, Sérgio. Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro. Dados, v. 31, n. 1, p. 5-38, 1988.), dotado de um presidente capaz de incentivar a formação de uma coalizão partidária majoritária no Congresso Nacional por meio de seus elevados poderes legislativos, administrativos e orçamentários (Chaisty et al. 2014CHAISTY, Paul; CHEESEMAN, Nic; POWER, Timothy. Rethinking the ‘presidentialism debate’: conceptualizing coalitional politics in cross-regional perspective. Democratization, v. 21, n. 1, p. 72-94, 2014.). O presidencialismo de coalizão tem sido descrito como um sistema eficaz no que diz respeito à capacidade de governar do presidente, geralmente produzindo elevado nível de sucesso legislativo do Executivo (Figueiredo e Limongi, 1999FIGUEIREDO, Argelina; LIMONGI, Fernando. Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999.; Freitas, 2016FREITAS, Andréa.O presidencialismo da coalizão. Fundação Konrad Adenauer, 2016.).

Ao formarem coalizões grandes e ideologicamente heterogêneas, os governos petistas precisaram construir compromissos complexos, acomodando seus objetivos e interesses aos dos demais partidos da coalizão (Bertholini e Pereira, 2017BERTHOLINI, Frederico; PEREIRA, Carlos. Pagando o preço de governar: custos de gerência de coalizão no presidencialismo brasileiro. Revista de Administração Pública, p. 528-550, 2017.; Zucco e Lauderdale, 2011 ZUCCO, Cesar Jr; LAUDERDALE, Benjamin E.. Distinguishing between influences on Brazilian legislative behavior. Legislative Studies Quarterly, v. 36, n. 3, p. 363-396, 2011.). Concessões feitas pelo PT que afastassem o partido de sua agenda política para atender as demandas da coalizão teriam efeitos negativos sobre a coesão do partido. Para controlar esses riscos, os presidentes Lula e Dilma destinaram aos próprios petistas a maioria dos ministérios e outros cargos da burocracia federal (Bertholini e Pereira, 2017, 538BERTHOLINI, Frederico; PEREIRA, Carlos. Pagando o preço de governar: custos de gerência de coalizão no presidencialismo brasileiro. Revista de Administração Pública, p. 528-550, 2017.). A distribuição desses recursos entre membros do PT associada ao fortalecimento das alas moderadas dentro partido aproximaram o Executivo e o Legislativo petistas, tornando o comportamento estratégico, de apoio ao governo, a dimensão mais relevante. Assim, como algumas propostas do governo aqui analisadas entre 2003 e 2014 propunham algo combatido pelo PT nos tempos de oposição e os discursos do período conferiam apoio ao governo, a estimação do posicionamento do PT via wordscores revela uma significativa migração à direita do espectro ideológico.

As estimativas para os temas de bem-estar social e relações exteriores são, respectivamente, 6.31 e 7.23, valores bem próximos da estimação agregada, não tendo diferença estatística relevante. Nas seções a seguir exploramos o conteúdo substantivo dos discursos legislativos, apontando a mudança ideológica do PT estimada pelo wordscores nos temas de bem-estar social e relações exteriores.

b) O conteúdo substantivo da mudança: Bem-estar Social

A reforma da previdência proposta pelo ex-presidente FHC, a PEC 33 de 1995, demorou mais de três anos para ser aprovada, num processo longo e com muitas derrotas em votações no plenário. A peça legislativa previa reforma nos fundos de pensão, no regime dos servidores públicos e, principalmente, no regime geral, propondo entre outras medidas o aumento no tempo de contribuição dos benificiários do sistema e a cobrança de contribuição de inativos (Melo e Anastasia, 2005MELO, Carlos Ranulfo; ANASTASIA, Fátima. A Reforma da Previdência em Dois Tempos. DADOS - Revista de Ciências Sociais, p. 301-332, 2005.; Nakahodo e Savoia, 2008NAKAHODO, Sidney Nakao; SAVOIA, José Roberto. A reforma da previdência no Brasil: Estudo comparativo dos governos Fernando Henrique Cardoso e Lula. Revista Brasileira de Ciências Sociais, p. 45-58, 2008.). A abrangência dessa reforma favoreceu a formação de uma oposição civil organizada, além da oposição disciplinada dos partidos de esquerda no Congresso Nacional como o PT, o PCdoB (Partido Comunista do Brasil) e o PDT. Os deputados da oposição frequentemente recorriam a Destaques para Votação em Separado para que o Executivo justificasse o texto em mais uma votação. No período em que era oposição, o Partido dos Trabalhadores defendia medidas como a manutenção dos limites de idade para aposentadoria por velhice e reintrodução da aposentadoria por tempo de serviço, a reintrodução da aposentadoria proporcional e a possibilidade de aposentadoria com tempo de serviço inferior, desde que condicionada a fatores como idade mínima, renda e tempo de contribuição. O partido também foi contrário à contribuição dos inativos, como ficou evidente em janeiro de 1999, quando juntamente com o PCdoB, PDT e PSB (Partido Socialista Brasileiro), o partido entrou no Supremo Tribunal Federal com Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a Lei Ordinária n.º 9.783, que estabelecia a taxação de inativos do Brasil.

A situação se modifica quando o partido se torna governo com a eleição de Lula (Melo e Anastasia, 2005MELO, Carlos Ranulfo; ANASTASIA, Fátima. A Reforma da Previdência em Dois Tempos. DADOS - Revista de Ciências Sociais, p. 301-332, 2005.). Em pouco mais de quatro anos desde a aprovação da PEC 33, o recém-eleito presidente Lula encaminhou para o Congresso uma nova proposta de reforma da previdência, a PEC 40. A aprovação da PEC proposta por Lula enfrentou menos resistência no Congresso, não sofrendo significativas alterações (Melo e Anastasia, 2005; Nakahodo e Savoia, 2008NAKAHODO, Sidney Nakao; SAVOIA, José Roberto. A reforma da previdência no Brasil: Estudo comparativo dos governos Fernando Henrique Cardoso e Lula. Revista Brasileira de Ciências Sociais, p. 45-58, 2008.). O fato de o PT, que anos antes havia endossado forte oposição à reforma na previdência, ser o partido propondo uma reforma de redução de direitos, já sinalizaria uma mudança no partido.

Lula foi eleito para seu primeiro mandato comprometendo-se com a estabilidade macroeconômica do país e, nesse sentido, reproduziu o discurso de FHC da necessidade da reforma para aliviar a pressão no déficit fiscal, sendo condizente com seu programa de governo. A proposta objetivou fundamentalmente modificar o regime dos servidores públicos. Assim, Lula diminui os setores afetados pela modificação do sistema e a possível pressão de uma oposição organizada. A CUT (Central Única dos Trabalhadores), por exemplo, permaneceu alinhada ao governo com a perspectiva de uma reforma tributária. Os servidores públicos, por outro lado, permaneceram em greve por meses (Melo e Anastasia, 2005MELO, Carlos Ranulfo; ANASTASIA, Fátima. A Reforma da Previdência em Dois Tempos. DADOS - Revista de Ciências Sociais, p. 301-332, 2005.; Nakahodo e Savoia, 2008NAKAHODO, Sidney Nakao; SAVOIA, José Roberto. A reforma da previdência no Brasil: Estudo comparativo dos governos Fernando Henrique Cardoso e Lula. Revista Brasileira de Ciências Sociais, p. 45-58, 2008.; Vieira, 2012VIEIRA, Rafaela. O transformismo petista: considerações acerca das transformações históricas do Partido dos Trabalhadores no Brasil. Memorias Revista digital de Historia y Arqueología desde el Caribe colombiano, p. 1-58, 2012.).

Durante a tramitação da PEC 40, a base governativa de Lula era menor do que a de FHC, possuindo 48,5 % das cadeiras da Câmara dos Deputados (Freitas, 2016FREITAS, Andréa.O presidencialismo da coalizão. Fundação Konrad Adenauer, 2016.). No entanto, neste momento, a oposição era menos disciplinada e possuía menos incentivos para se opor à reforma da previdência quando comparada aos partidos de esquerda na época de FHC. A base da oposição ao governo do PT era o PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) e o PFL. Enquanto o PFL e PSDB apresentaram índice de fidelidade de 82,4% e 80,4%, respectivamente, por ocasião das votações da PEC 33, na PEC 40, durante o governo Lula, os partidos obtiveram fidelidade bem menor nas votações, 44,9% e 51,6%, respectivamente (Melo e Anastasia, 2005, 318MELO, Carlos Ranulfo; ANASTASIA, Fátima. A Reforma da Previdência em Dois Tempos. DADOS - Revista de Ciências Sociais, p. 301-332, 2005.).

No PSDB, prevaleceu a orientação programática. Os apoiadores e os militantes do partido eram favoráveis à reforma, portanto a oposição estratégica ao governo do PT confrontava-se com o posicionamento substantivo da base do partido, arrefecendo a oposição à proposta de reforma da previdência. Quanto ao PFL, a articulação de Lula com os governadores modificou os incentivos dos legisladores do partido se oporem ao governo do PT. Com a aprovação em 2001 da lei de responsabilidade fiscal, os governadores se sentiram mais pressionados a diminuírem os gastos públicos e a reforma na previdência seria uma saída. Portanto, vemos que Lula contou com uma oposição menos coesa e contou com o apoio de governadores, aprovando seu projeto de reforma em meses (Melo e Anastasia, 2005MELO, Carlos Ranulfo; ANASTASIA, Fátima. A Reforma da Previdência em Dois Tempos. DADOS - Revista de Ciências Sociais, p. 301-332, 2005.).

Embora o governo de Lula tenha enfrentado uma oposição menos coesa, os legisladores do PT apresentaram disciplina nas votações menor do que na proposta de reforma de FHC. No momento em que o governo Lula propõe um projeto ao qual fez oposição durante muito tempo, grupos internos ao partido se confrontam, diminuindo a coesão partidária e forçando o partido a adotar novas maneiras de garantir a disciplina, inclusive expulsando membros que se opuseram a reforma da previdência (Singer, 2010SINGER, André. A segunda alma do Partido dos Trabalhadores. Novos Estudos-CEBRAP 88, p. 89-111, 2010.; Vieira, 2012VIEIRA, Rafaela. O transformismo petista: considerações acerca das transformações históricas do Partido dos Trabalhadores no Brasil. Memorias Revista digital de Historia y Arqueología desde el Caribe colombiano, p. 1-58, 2012.). A aprovação da PEC 40 no início do governo Lula representou uma relevante ruptura entre o que o partido defendia nas décadas de 1980 e 1990 e passou a defender e aplicar na década de 2000. O exemplo substantivo mais evidente desta mudança de rumo do PT é o posicionamento em relação à taxação dos aposentados e inativos. O argumento do PT, quando da votação da PEC 33, fundamentava-se na participação solidária, ou seja, o sistema previdenciário não deve ser puramente contributivo. Na tramitação da PEC 40, parte significativa do partido votou a favor da taxação dos inativos e pensionistas, contrariando a tese anterior da participação solidária.

Os discursos dos legisladores do PT sobre a reforma da previdência de 2003 enaltecem o governo e a responsabilidade do mesmo, contrastando com os discursos da reforma de 1995 apoiados em elementos substantivos de oposição. Na ocasião da PEC 40, o discurso de Henrique Fontana (PT-RS) revela certo pragmatismo com o qual o tema foi tratado, “não é a reforma que sonho ser perfeita ou ideal. É difícil, talvez, julgar qual a melhor reforma previdenciária para este país (...)”. Em seguida, Fontana ressalta a missão do governo petista “Foi, sim, muito duro, ao longo dos últimos anos, assistir ao desmonte progressivo do estado brasileiro (...) Assumimos a responsabilidade de reestruturar o Estado”. O mesmo se observa no discurso de Tarcisio Zimmermann (PT- RS): “Todos nós sabemos que este país não tem o suficiente para atender a todo o nosso povo. Todos sabemos que a equação de um governo é a equação de uma disputa pelos recursos públicos. Todos sabemos que esta reforma é necessária, que impõe, sim, restrições aos servidores, mas nenhuma perda imposta aos servidores lhes retira a dignidade e as condições de vida com cidadania.” Quando o partido se opunha a reforma da previdência de 1995, Arlindo Chinaglia questionava o argumento de que a previdência social seria inviável no Brasil, pois não haveria recursos suficientes “Até hoje não foram apresentados cálculos atuariais nem justificativas que comprovem a referida falência (...) o governo pautou o debate da previdência pelas despesas, mas não pela receita”. A relevância da dinâmica oposição-governo torna-se evidente no discurso de João Magno (PT-MG), em 2003, quando o deputado afirma que “esta mesma oposição, que não sabe o que fazer hoje, outrora teve a oportunidade de promover a reforma da previdência, mas não teve competência para fazê-lo. (...) E agora tentam, com medidas meio levianas, obstruir o legítimo debate que se trava para a votação da matéria ainda hoje”.

Outra proposta legislativa enquadrada no tema de bem-estar social, também fundamental ao PT, é a reforma trabalhista. Os discursos coletados foram realizados durante discussões sobre duas Propostas de Leis de autoria do Executivo nos governos Cardoso e Lula, respectivamente: PL 5483 de 2001 e PL 1990 de 2007. A reforma proposta pelo presidente FHC, em 2001, visava estabelecer a prevalência de convenção ou acordo coletivo de trabalho sobre a legislação infraconstitucional. Basicamente, acordos entre patrões e empregados valeriam mais do que a CLT, favorecendo categorias fortes com elevada capacidade de barganha. O projeto teve tramitação rápida na Câmara dos Deputados, aprovado em dois meses, em uma votação apertada (264 a 213) que rachou a base aliada de FHC. A tramitação no Senado não conduziu o projeto adiante, não transformando o projeto em lei.

Os discursos dos legisladores do PT na tramitação da matéria alegavam a importância de garantir aos cidadãos direitos elementares, principalmente as categorias que carecem de organização, mantendo o papel preponderante do Estado enquanto regulador das relações entre o capital e o trabalho. Os legisladores e as legisladoras associaram a aprovação da lei com a tentativa de acabar com o seguro-desemprego, extinguir o piso salarial, reduzir o 13º salário, alterar a remuneração do trabalho noturno e das horas extras e afetar profundamente os direitos dos trabalhadores rurais. Alguns legisladores também defenderam que o PT e a CUT não estavam mudando de posição em relação à reforma sindical, sendo contrário ao projeto pela forma e conteúdo apresentados. Os fracassos na geração de empregos de reformas trabalhistas passadas no governo FHC também foram enfatizados, assim como a falta de debate em torno da questão e a prioridade da reforma tributária e financeira.

Com a reeleição de Lula em 2006, as reformas trabalhistas e sindicais retornam ao debate principal. Isso porque durante a crise política de 2005 o governo apoiou-se na sua base sindical, em especial a CUT, e outros movimentos sociais que demandariam maior comprometimento do PT com as suas demandas. No entanto, as discussões envolvem projetos menores e não uma transformação radical nas relações de trabalho (Rodrigues, Ramalho e Conceição, 2008RODRIGUES, Iram Jácome; RAMALHO, José Ricardo; CONCEIÇÃO, Jefferson José da. Relações de trabalho e sindicato no primeiro governo Lula (2003-2006). Ciência e Cultura, p. 54-57, 2008.). A própria CUT teria abandonado uma posição mais assertiva de defesa dos direitos trabalhistas, assemelhando-se a posição do próprio PT no Executivo (Almeida, 2007ALMEIDA, Gelsom Rosentino de. O governo Lula, o Fórum Nacional do Trabalho e a reforma sindical. Katál, p. 54-64, 2007.). Nesse cenário que se desenvolve o projeto de lei 1990 aqui considerado. O projeto fundamentalmente versou sobre as prerrogativas das centrais sindicais, critérios para legalização sindical, indicação de centrais para a participação em fóruns tripartites e, o principal, repartição dos recursos das entidades sindicais representantes dos trabalhadores (60% aos sindicatos, 15% para as federações, 5% para as confederações, 10% para as centrais sindicais e 10% para o Ministério do Trabalho e Emprego).

Os legisladores do PT discursaram favoravelmente a aprovação deste projeto de lei saudando o governo e as conquistas dos trabalhadores sobre a administração do partido. Os discursos basicamente se referiram ao reconhecimento legal das centrais de trabalhadores, como parte importante da democratização do país. Os discursos são bem mais genéricos quando comparados aos discursos efetuados sobre a reforma analisada no governo FHC. Embora a CUT e a Força Sindical tenham apoiado a proposta, dissidências mais à esquerda dentro da CUT e outros movimentos sindicais mais à esquerda do espectro ideológico temiam que a centralização de poder na cúpula sindical resultasse um sistema de negociação em diferentes níveis, atribuindo ao acordo coletivo de maior abrangência a capacidade de indicar as cláusulas não passíveis de negociação nos níveis inferiores. O temor das correntes de esquerda da CUT era que as entidades de cúpula celebrassem acordos lesivos ao trabalhador, que não poderiam ser alterados pelas entidades de base, fazendo da aprovação da reforma sindical um mecanismo para facilitar a reforma trabalhista (Galvão, 2009GALVÃO, Andréia. A reconfiguração do movimento sindical nos governos Lula.Política e classes sociais no Brasil dos anos, p. 187-221, 2000.). Nesse sentido, o posicionamento dos legisladores do partido se afasta do posicionamento de setores da esquerda, aproximando-se de posições mais centristas. Enquanto oposição, os legisladores petistas entraram em pontos específicos da proposta legislativa do governo, repetidamente reverberando princípios programáticos tradicionais do PT. Já no governo, os discursos legislativos são genéricos, ressaltando o apoio da CUT e Força Sindical ao projeto. Nesse quesito, é interessante notar como a aproximação do PT em relação à Força Sindical, uma vez que na tramitação do PL 5483 ambos os atores estavam em lados opostos, revela a migração à direita do partido na passagem da oposição ao governo. O próprio apoio da CUT às reformas do governo Lula gerou movimentos separatistas, demonstrando a afastamento do partido às antigas bandeiras sindicais.

No que diz respeito à educação, consideramos o Projeto de Lei 4155 de 1998 e a Medida Provisória 213 de 2004. O Plano Nacional de Educação, tramitado no governo de FHC, é uma peça legislativa bastante ampla. Três foram os objetivos principais do plano: garantia de oferta de Ensino Fundamental obrigatório de oito séries, assegurando o ingresso e a permanência de todas as crianças de 7 a 14 anos na escola; resgate da dívida social acumulada, garantindo a educação fundamental a todos que não tiveram acesso a ela na idade adequada ou que não lograram concluí-la e ampliação do acesso aos níveis educacionais anteriores e posteriores ao Ensino Fundamental, envolvendo, desta forma, a Educação Infantil, o Ensino Médio e a Educação Superior (Durham, 1999DURHAM, Eunice Ribeiro. A educação no governo de Fernando Henrique Cardoso. Tempo Social, p. 231-254, 1999. https://dx.doi.org/10.1590/S0103-20701999000200013
https://doi.org/10.1590/S0103-2070199900...
). Os discursos dos legisladores petistas foram amplamente favoráveis, ressaltando a necessidade de se aprovar, em matéria de educação, um plano nacional acima do governo, ou seja, uma política de Estado. Até a figura do professor Florestan Fernandes foi convocada no discurso do deputado Pedro Wilson (PT-GO) para argumentar a adequação do plano nacional de educação com as propostas originais do partido.

O PROUNI, por sua vez, é um programa de oferecimento de bolsas de estudo governamentais em instituições privadas de ensino superior. As bolsas concedidas - integrais (100%) ou parciais (50%) - são destinadas a estudantes brasileiros de baixa renda e sem diploma de nível superior. Os discursos dos legisladores do PT para apoiar o PROUNI defendiam a transparência que o projeto daria às concessões fiscais destinadas a Instituições de Ensino Superior filantrópicas, ressaltando as ações afirmativas presentes no mecanismo legal como forma de promoção da ascensão social.

A comparação das políticas educacionais adotadas nos governos FHC e Lula são marcadas muito mais por continuidades do que ruptura (Oliveira, 2009, 198OLIVEIRA, Dalila Andrade. As políticas educacionais no governo Lula: rupturas e permanências. RBPAE, p. 197-209, 2009.). Desde o governo de FHC foi-se investindo na educação superior a partir da Lei de Diretrizes de base. Os governos posteriores do PT deram continuidade a essa política, expandindo as possibilidades de acesso da população ao ensino superior. Uma das pautas iniciais do PT era a educação universal gratuita, entretanto, quando o partido chega ao poder, os esforços são feitos para ampliar o acesso da população pobre às universidades públicas e particulares, flexibilizando a sua posição inicial na matéria (Vieira, 2012VIEIRA, Rafaela. O transformismo petista: considerações acerca das transformações históricas do Partido dos Trabalhadores no Brasil. Memorias Revista digital de Historia y Arqueología desde el Caribe colombiano, p. 1-58, 2012.).

c) O conteúdo substantivo da mudança: Relações Exteriores

Neste tema, preocupamo-nos em analisar a posição dos legisladores petistas em relação aos projetos de integração regional no âmbito da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) e do MERCOSUL (Mercado Comum do Sul). Isso devido a centralidade dessas iniciativas na agenda da política externa brasileira das décadas de 1990 e 2000 (Vizentini, 2005VIZENTINI, Paulo Fagundes. De FHC a Lula: uma década de política externa. Civitas, p. 381-397, 2005.). Cason e Power (2009, 126CASON, Jeffrey W.; POWER, Timothy J.. Presidentialization, Pluralization, and the Rollback of Itamaraty: Explaning change in brazilian foreign policy making in the Cardoso-Lula era. International Political Science Review, p. 117-140, 2009.) argumentam que, de Collor a Lula, a integração regional constituía um objetivo central da agenda externa dos presidentes brasileiros. Com o fortalecimento da diplomacia presidencial, a integração via MERCOSUL torna-se elemento fundamental da política externa do país. A perspectiva era de que, com a consolidação do MERCOSUL, a posição do Brasil no novo cenário internacional pós-Guerra Fria seria fortalecida (Vigevani e Oliveira, 2007VIGEVANI, Tullo; OLIVEIRA, Marcelo Fernandes de. Brazilian Foreign Policy in the Cardoso Era: the Search for Autonomy through Integration. Latin American Perspectives, p. 58-80, 2007.).

No entanto, devido a distúrbios internos e externos aos países do bloco durante a década de 1990, houve dificuldade de se criar uma estrutura institucional significante, capaz de fornecer um ambiente estável para processos decisórios e solução de controvérsias (Malamud, 2003MALAMUD, Andrés. Presidentialism and Mercosur: A Hidden Cause for A Successful Experience. Comparative Regional Integration: Theoretical Perspectives, p. 53-73, 2003.). Além disso, como ressalta Vizentini (2005)VIZENTINI, Paulo Fagundes. De FHC a Lula: uma década de política externa. Civitas, p. 381-397, 2005., a proposta da criação de uma Área de Livre Comércio das Américas e a postura política da Argentina na era Menem/Cavallo, que buscava um alinhamento com os EUA, dificultaram ainda mais o fortalecimento do MERCOSUL, principalmente após a fase inicial de “ganhos fáceis” da integração.

Ainda com reservas, o Brasil aceita iniciar sua participação nas negociações para criação da ALCA em 1994 (Vizentini, 2005VIZENTINI, Paulo Fagundes. De FHC a Lula: uma década de política externa. Civitas, p. 381-397, 2005.). A principal preocupação brasileira era como a assimetria entre os Estados Unidos e os demais países da América poderia ser refletida durante as negociações em procedimentos que favorecessem os norte-americanos (Oliveira, 2003OLIVEIRA, Amâncio Jorge de. O governo do PT e a Alca: política externa e pragmatismo. Estudos Avançados, p. 311-329, 2003.; Vizentini, 2005VIZENTINI, Paulo Fagundes. De FHC a Lula: uma década de política externa. Civitas, p. 381-397, 2005.). No entanto, obstruir o processo colocaria o país numa posição isolada no continente em oposição direta aos Estados Unidos (Vizentini, 2005VIZENTINI, Paulo Fagundes. De FHC a Lula: uma década de política externa. Civitas, p. 381-397, 2005.). Por isso, o Brasil adota ao máximo uma “estratégia de contenção” nas negociações (Oliveira, 2003, 312OLIVEIRA, Amâncio Jorge de. O governo do PT e a Alca: política externa e pragmatismo. Estudos Avançados, p. 311-329, 2003.).

Como uma alternativa à ALCA, a posição brasileira foi de favorecer e priorizar a integração com outros países e organizações via MERCOSUL. No final da década de 1990, quando essas opções não se mostraram viáveis e o MERCOSUL perdia força, o Brasil assume uma posição mais propositiva nas negociações da ALCA (Oliveira, 2003OLIVEIRA, Amâncio Jorge de. O governo do PT e a Alca: política externa e pragmatismo. Estudos Avançados, p. 311-329, 2003.; Vizentini, 2005VIZENTINI, Paulo Fagundes. De FHC a Lula: uma década de política externa. Civitas, p. 381-397, 2005.). Quando Lula assume a presidência em 2003, não se sabia ao certo qual posição o novo governo assumiria nas negociações da ALCA. Durante a campanha eleitoral, o futuro presidente havia vocalizado sua posição contrária ao acordo hemisférico e manifestado sua preferência por reforçar acordos contra hegemônicos (Oliveira, 2003OLIVEIRA, Amâncio Jorge de. O governo do PT e a Alca: política externa e pragmatismo. Estudos Avançados, p. 311-329, 2003.).

Entretanto, o governo petista adotou uma postura pragmática em relação as negociações e amenizou o discurso contrário aos Estados Unidos (Almeida, 2003ALMEIDA, Paulo Roberto de. A política internacional do Partido dos Trabalhadores: da fundação à diplomacia do governo Lula. Revista de Sociologia e Política, p. 87-102, 2003.; Oliveira, 2003OLIVEIRA, Amâncio Jorge de. O governo do PT e a Alca: política externa e pragmatismo. Estudos Avançados, p. 311-329, 2003.). Ressalta-se a continuidade à política externa do governo anterior, priorizando a consolidação do MERCOSUL, e da própria tradição diplomática brasileira, defendendo uma postura multilateralista (Almeida, 2003ALMEIDA, Paulo Roberto de. A política internacional do Partido dos Trabalhadores: da fundação à diplomacia do governo Lula. Revista de Sociologia e Política, p. 87-102, 2003.).

Cason e Power (2009)CASON, Jeffrey W.; POWER, Timothy J.. Presidentialization, Pluralization, and the Rollback of Itamaraty: Explaning change in brazilian foreign policy making in the Cardoso-Lula era. International Political Science Review, p. 117-140, 2009., por outro lado, consideram que o engajamento de FHC e Lula divergiu de maneira substantiva. Os autores afirmam que FHC priorizou as relações com países desenvolvidos, principalmente os Estados Unidos e a Europa, afastando-se de uma orientação terceiro-mundista. Lula, por sua vez, teria aproveitado seu relacionamento anterior com países da América Latina e empreendido uma política mais Sul-Sul. Tanto Paulo de Almeida (2003)ALMEIDA, Paulo Roberto de. A política internacional do Partido dos Trabalhadores: da fundação à diplomacia do governo Lula. Revista de Sociologia e Política, p. 87-102, 2003. como Cason e Power (2009)CASON, Jeffrey W.; POWER, Timothy J.. Presidentialization, Pluralization, and the Rollback of Itamaraty: Explaning change in brazilian foreign policy making in the Cardoso-Lula era. International Political Science Review, p. 117-140, 2009. indicam que a mudança do PT em política externa foi menor do que argumentado por parte da literatura.

A mudança de posicionamento do PT em relação a um acordo com os EUA via ALCA pode ser percebida numa comparação entre os discursos. Quando o PT era oposição, constantemente são feitas críticas ao modo pelo qual as negociações da ALCA estavam sendo feitas, como expresso pelo deputado José Genoino (PT-SP): “a necessidade de o Brasil posicionar-se em relação à ALCA vem colocando em xeque um importante aspecto da nossa tradição histórica: enquanto nação, nunca definimos um projeto ambicioso no contexto internacional e nunca pensamos nosso lugar no mundo. Em relação à ALCA, o atual Governo não fugiu desse figurino histórico”. O discurso muda quando o PT assume as negociações e, neste caso, a direção de Lula é elogiada pelo deputado Dr. Rosinha (PT-PR) quando afirma “que a política do Presidente Lula está correta na esfera internacional. Não podemos ter política externa para ficar de joelhos perante os impérios, mas que ela seja de construção de aliados”.

O enfoque nos discursos, quando o governo FHC negociava a ALCA, era nos riscos que a integração poderia representar como afirmava José Genoino (PT-SP): “para o Brasil, nas atuais condições, a ALCA representa mais riscos do que oportunidades”. Num segundo momento, ainda de precaução em relação aos Estados Unidos, ressaltava-se muito mais a possibilidade de ganhos, como afirmava o deputado Nilson Mourão (PT-AC): “temos de nos contrapor à lógica tradicional, segundo a qual o que é bom para os Estados Unidos é ruim para o Brasil e o que é bom para o Brasil é ruim para os Estados Unidos”.

No caso do MERCOSUL, os discursos são marcados pelo apoio à iniciativa regional, tendo baixa diferenciação em relação aos demais partidos. Assim como no caso do Plano Nacional de Educação, a integração regional não sofre abruptas mudanças de comportamento como tão pouco gera profundas polarizações entre a elite parlamentar. Tanto FHC quanto Lula apresentaram cautela nas negociações da ALCA e incentivaram o fortalecimento do MERCOSUL.

Conclusão

Ao longo deste estudo mostramos como a literatura converge em afirmar que o PT enfrentou um processo de abrandamento ideológico e testamos esta hipótese para os temas de bem-estar social e relações exteriores por meio de discursos parlamentares. Os resultados da pesquisa indicam uma expressiva migração dos deputados do PT para a direita do espectro ideológico, corroborando a percepção da literatura especializada com dados inéditos. Além disso, considerando esses dois temas, podemos concluir que o posicionamento dos legisladores no período em que o partido ocupava o Executivo federal se assemelha mais ao comportamento do PMDB de 1990 a 2002 do que do próprio PT neste mesmo período.

A análise qualitativa dos discursos e posicionamentos do PT acerca das temáticas analisadas pelo wordscores revela o conteúdo substantivo da migração ideológica do partido. Em relação à proposta de reforma da previdência feita pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, os legisladores petistas são enfáticos em ressaltar o que consideram um discurso falacioso de que a previdência está falida e de que os custos com o direito trabalhista oneram o país. Acusam a base governista de atender apenas os interesses de grupos já privilegiados. Quando a proposta da previdência é proveniente do governo Lula, há um notório alinhamento entre a posição dos legisladores e do governo do PT. A mudança substantiva mais ilustrativa acerca da questão diz respeito à contribuição de aposentados e inativos, rechaçada em tempos de oposição e apoiada quando situação.

Em relação às legislações trabalhista e sindical, os deputados petistas afirmam sua discordância com diversos aspectos do direito sindical como, por exemplo, o imposto sindical, a unicidade sindical e o sindicato por categoria profissional, mostrando disposição a reformulá-lo. No entanto, a oposição ao projeto do governo peessedebista baseia-se no argumento de que a reforma proposta acentua as assimetrias entre empregador e empregado por prever uma flexibilização do regime trabalhista garantido por leis. No momento em que o governo Lula propõe uma reforma sindical que confere força às centrais sindicais, rachando o movimento sindical, os legisladores apoiam o governo e pouca mobilização é feita no sentido de aprovar pontos relevantes da agenda tradicional do partido. Nos temas analisados sobre educação, a mudança substantiva mais relevante entre o PT na oposição e o PT no governo é a inserção das instituições de ensino superior privadas no projeto de universalização do acesso ao ensino superior.

Em política externa, de uma posição contrária à forma pragmática do governo conduzir as negociações com os EUA na ALCA e à própria assinatura do acordo, os legisladores petistas durante o governo Lula elogiam justamente a conduta pragmática do Brasil com os EUA. Se na campanha eleitoral o presidente Lula havia afirmado sua plena contrariedade ao acordo, durante o seu governo o discurso muda radicalmente, tanto no Executivo quanto no Legislativo. Assim, o presente estudo oferta contribuição empírica relevante para o entendimento do comportamento legislativo e partidário nas democracias representativas. As análises sobre a mudança ideológica dos partidos políticos e a distinção entre o comportamento do partido enquanto governo e enquanto oposição permitem compreender melhor a influência das estruturas governamentais e representativas no funcionamento da democracia.

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  • 3
    A pesquisa contou com apoio da FAPESP via bolsa de iniciação científica, processo 2015/22988-3. Os autores gostariam de agradecer os comentários dos pareceristas anônimos. Qualquer erro ou imprecisão é de inteira responsabilidade dos autores.

Apêndice A.

Tabela 2.
Resultados Wordscore

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jun 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2019

Histórico

  • Recebido
    19 Dez 2017
  • Aceito
    05 Jul 2018
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