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RESENHA - Organizing democracy: how international organizations assist new democracies. Chicago, London: University of Chicago Press.

POAST, Paul, URPELAINEN, Johannes. (2018). Organizing democracy: how international organizations assist new democracies. Chicago, London: University of Chicago Press

Resultado de extensa pesquisa, Organizing Democracy consiste em uma grande contribuição para o debate científico acerca da democratização e suas causas externas, nomeadamente organizações internacionais (OIs). Embora se tenha produzido uma volumosa literatura no curso das últimas duas décadas sobre o assunto, o vínculo entre instituições multilaterais e governança doméstica permanece pouco compreendido. Nesse sentido, os esforços da investigação de Johannes Urpelainen e Paul Poast se concentram na explicação da influência desses arranjos institucionais em nível internacional na determinação de transformações políticas substanciais em nível nacional.

Paul Poast é professor assistente do Departamento de Ciência Política da Universidade de Chicago, onde também é pesquisador associado ao Instituto Pearson para o Estudo de Conflitos Globais e membro do Conselho Consultivo do Centro de Pesquisa em Ciências Sociais Internacionais. Pela Universidade de Michigan, sua dissertação de PhD “Issue Linkage and International Cooperation: An Empirical Investigation” venceu o Prêmio Walter Isard da Peace Science Society em 2012.

Poast também escreveu The Economics of War (McGraw Hill-Irwin, 2006) e Arguing About Alliances (Cornell University Press, a ser publicado). É autor ou coautor de trabalhos acadêmicos em revistas como International Organization, World Politics, Political Analysis, American Journal of Political Science e Journal of Conflict Resolution. Sua pesquisa foi financiada pela National Science Foundation e apareceu em veículos de imprensa como The New York Times, Bloomberg e The Washington Post.

Johannes Urpelainen é professor da Cátedra Prince Sultan Bin Abdul Aziz na Escola Johns Hopkins de Estudos Internacionais Avançados, onde ministra aulas voltadas à ação sobre política energética e ambiental para a próxima geração de líderes globais. Como diretor fundador da Iniciativa de Política de Energia Sustentável, trabalha desenvolvendo soluções sustentáveis para o problema da falta de acesso à energia em economias emergentes. Possui PhD pela Universidade de Michigan e lecionou na Universidade de Columbia por oito anos.

Urpelainen também é autor ou coautor de Cutting the Gordian Knot of Economic Reform (Oxford University Press, 2014), Activism and the Fossil Fuel Industry (Greenleaf, 2018) Renewables (MIT Press, 2018) e Escaping the Energy Poverty Trap (MIT Press, a ser publicado). Produziu inúmeros artigos sobre política ambiental e governança global. Como um dos mais relevantes especialistas em política energética do mundo, assessora governos, organizações internacionais e empresas privadas em energia sustentável.

O livro é organizado em três seções. Na primeira seção, os autores se voltam à elucidação da teoria, expondo os motivos pelos quais “Estados Democratizantes” (termo adotado pelo autor) optam por formar novas OIs e por que a escolha é viável. Na segunda seção, apresenta-se o método quantitativo que confirma a suposição teórica. O conjunto de dados obtidos nas últimas décadas revela que OIs recém-formadas podem, de fato, atuar com vistas a facilitar o processo de consolidação democrática. Além disso, constrói-se uma análise sobre o escopo de influência das OIs e as pré-condições domésticas - o êxito das OIs na tarefa da consolidação democrática pode ser determinado por um passado de regime militar ou autoritarismo civil, por exemplo. A última seção do livro diz respeito à aplicação da análise quantitativa em casos concretos, com destaque à experiência dos Bálticos no caminho para a entrada na OTAN.

Poast e Urpelainen defendem que Estados em vias de democratização aderem a OIs para desenvolver a capacidade de prover bens públicos aos cidadãos visando à consolidação democrática. Nesse sentido, tendem a formar novas OIs ao invés de filiar-se às existentes porque estas têm como propósito a resolução de problemas que destoam das preocupações imediatas de países democratizantes. Com efeito, a criação de novas OIs está associada à preocupação com questões altamente técnicas e específicas. Países em democratização não se propõem a criar organizações proeminentes como a ONU e a OMC, que são mecanismos de governança global; isso não significa que as novas OIs são irrelevantes, mas que elas têm um objetivo particular que é atender às necessidades dos Estados fundadores.

Para os autores, aderir a OIs existentes é inviável porque as mais lucrativas exigem o consentimento unânime de todos os países-membros. Isso se torna problemático para as novas democracias porque o veto de apenas um Estado-membro é suficiente para impedir o seu acesso à OI. Considerando-se que são compostas majoritariamente por democracias estáveis, a entrada de países em democratização nessas organizações pode ser tida como inconveniente: os membros se beneficiam de um alto grau de cooperação produtiva, e é presumível que hesitem em admitir Estados que possam parecer menos comprometidos. Mesmo quando a entrada é permitida, há uma série de imposições a serem atendidas que demandam altos custos para os governos engajados em processos de democratização. Ainda é possível, aqui, suscitar uma reflexão acerca do caráter arbitrário dos critérios de adesão.

A teoria de Poast e Urpelainen também leva em consideração a possibilidade de que os Estados democratizantes podem escolher simplesmente não aderir a nenhum tipo de OI. Enfrentariam a situação sozinhos, delegando apenas às instituições domésticas a tarefa de consolidação da democracia; mas essa estratégica não parece trazer vantagens em um mundo onde há complexa interdependência econômica e política. Desse modo, a criação de uma nova OI é muito mais atrativa porque, na empreitada de resolver a problemática das necessidades específicas desses Estados, promovem o alinhamento de interesses e a eliminação de imposições severas para admissão - estas, perceptíveis em um cenário de adesão à OIs lucrativas, tornam-se inexistentes quando os Estados fundadores enfrentam problemas comuns associados à democratização.

Justamente por ser a formação de novas OIs o centro da discussão teórica, não se pode relegar a realidade concernente aos custos que o processo acarreta. A escolha da localização da sede e a elaboração de um orçamento, por exemplo, demandam múltiplos esforços iniciais. Além disso, Estados em transição democrática frequentemente devem escolher entre destinar recursos às suas próprias atividades domésticas ou dedicá-los ao projeto da nova OI, o que representa grandes sacrifícios econômicos. No entanto, ainda que os custos de criação de uma OI sejam altos, estes normalmente são menos dispendiosos do que aqueles que a adesão a uma organização existente implica.

Poast e Urpelainen vêem as OIs recém-criadas por Estados em democratização como instrumentos (stepping-stones) de ascensão a organizações proeminentes. Nesse contexto, governos democratizantes se beneficiam da adesão para desenvolver sua capacidade cooperativa, através da interação com outros Estados em transição e democracias consolidadas. No caso da Europa pós-comunista, por exemplo, o grupo de Visegrado estabeleceu o Acordo Centro-Europeu visando à entrada para a União Europeia. Além do mais, a adesão opera como um sinal de que as novas democracias estão dispostas a tornarem-se membros da comunidade democrática internacional e, portanto, a aprofundar a relação com outras democracias.

São duas as principais limitações que as novas OIs podem enfrentar na tarefa de impulsionar a consolidação democrática. Primeiro, sua baixa capacidade de instituir reformas. A imposição de políticas por parte das OIs exige o emprego de mecanismos coercitivos como sanções econômicas ou força militar, o que acarretaria uma ideia de enfraquecimento da soberania nacional. No entanto, algumas organizações como a União Europeia podem adotar uma política de “fiscalização” em que membros individuais e atores não-governamentais agem de modo a supervisionar o cumprimento de acordos. Segundo, a sua irrelevância quanto à legitimação das ações de grandes potências. OIs podem oferecer vantagens legitimando ações militares, como o faz a ONU; no caso das sanções, entretanto, sua necessidade é menos urgente.

No contexto de formação de uma nova organização, Poast e Urpelainen também destacam o papel contributivo das democracias estáveis para a consolidação democrática. No âmbito das OIs, auxiliam com recursos técnicos, financeiros e institucionais que as novas democracias num primeiro momento ainda não têm. O direcionamento de recursos através da organização recém-formada é atrativo para esses Estados porque amplia as suas vantagens econômicas e, sobretudo, porque esse tipo de auxílio acarreta menos gastos do que a concessão de entrada em OIs lucrativas. As democracias estáveis também podem demonstrar interesse em ser um membro fundador da nova OI, com vistas a orientar diretamente o processo de transição democrática: a abundância de recursos e a experiência com a administração de um governo democrático tornam a assistência desses Estados um meio para transpor os obstáculos que a criação de uma nova organização supõe.

Exposta toda a argumentação teórica, os autores se voltam à elucidação do método quantitativo que permite associar a adesão a OIs à democratização, bem como relacionar a criação de novas organizações a uma adesão futura a organizações proeminentes. Em uma investigação que envolve dados históricos de vários países ao longo das últimas décadas, Poast e Urpelainen confirmam suas expectativas acerca do vínculo entre transição democrática e formação de OIs. O estudo também leva em conta uma análise multivariada do assunto: a veracidade das afirmações exige a consideração de uma série de outros fatores que, se não fossem ponderados, minariam as conclusões obtidas, como o tipo de regime anteriormente vigente e o número de OIs ao qual o Estado democratizante já é filiado.

No que diz respeito à função das OIs recém-formadas como mecanismos de ascensão a organizações lucrativas, Poast e Urpelainen oferecem um argumento consistente ao abranger o espaço de tempo como variável causal dessa relação. Em suma, o fato de um país ter se democratizado eleva a probabilidade de participação em uma organização lucrativa em um determinado momento. Se criar uma nova OI for uma premissa para filiação a organizações existentes, o aumento do tempo desde que um Estado em transição criou uma nova OI irá maximizar a probabilidade de adesão em uma organização proeminente. Em outras palavras, a expectativa de associação a uma OI existente é irrisória no ano em que o país cria a nova OI, mas cresce à medida que os anos passam desde a criação. Certamente, essa probabilidade pode se tornar alta o suficiente para que não seja mais possível um aumento observável.

Como parte da análise quantitativa, considera-se o passado histórico da nova democracia como determinante no processo de democratização. As pré-condições domésticas moldam a perspectiva de consolidação democrática: se o Estado não cria e nem adere a uma OI lucrativa, espera-se que consolide suas instituições democráticas se não houver uma história recente de ditadura militar; por outro lado, quando o país cria uma nova OI ou filia-se a uma existente, estas podem atuar de modo mais eficaz se as condições domésticas já são propícias para a consolidação democrática - se não há uma história recente de domínio militar - ou podem diretamente substituir a ausência de condições domésticas satisfatórias, se o país tem um passado recente de ditadura militar.

Uma vez construídas as suposições teóricas, Poast e Urpelainen apresentam como objeto de análise aprofundada o caso dos Estados bálticos e o Baltic Batallion (BALTBAT). O quadro é pertinente por três motivos. Primeiro, a democratização do Leste Europeu e os esforços dos países da Europa Central e Oriental para aderir à OTAN e à UE são o objeto de estudo de grande parte dos pesquisadores de democratização e adesão a organizações internacionais. Segundo, as antigas repúblicas soviéticas, como novos Estados, iniciaram o processo de transição democrática sem a participação prévia em OIs. Os Bálticos puderam filiar-se a organizações imediatamente após a independência, mas a entrada em organizações como a UE e a OTAN, no entanto, não foi concedida. Por último, os novos Estados eram incapazes de prover bens públicos importantes como segurança sem auxílio externo.

Tendo em vista que a filiação à OTAN era até então impossível, os Bálticos criaram o BALTBAT com a assistência dos países nórdicos - estes temiam a instabilidade da região báltica porque isso colocaria em risco a sua própria segurança. No entanto, apesar de terem recebido apoio, os países bálticos enfrentaram alguns desafios na empreitada de tornar o BALTBAT uma efetiva unidade de manutenção de paz. Entre eles, os autores citam a recorrente divergência quanto a questões elementares como a localização de uma base de treinamento e o fato de que a organização nunca atuou em situações complexas, sendo capaz apenas de realizar tarefas simples de manutenção da paz num ambiente não conflituoso.

Confirmando a hipótese de Poast e Urpelainen, os Estados bálticos usaram o BALTBAT para ascender à OTAN, que os admitiu oficialmente em 2004. Antes disso, precisaram passar por uma série de reformas internas, bem como desenvolver habilidades diplomáticas e recursos militares com o apoio de democracias estáveis. A introdução do Plano de Ação para Adoção (treinamentos pelos quais foi oferecida assistência aos Estados pleiteantes) como política de assistência da OTAN concluiu a missão do BALTBAT. Além do mais, a relação dos próprios países bálticos se desgastou quando a entrada na OTAN foi permitida, tornando inviável a continuidade do acordo de cooperação.

É importante ressaltar que outros casos apresentados em Organizing Democracy permitem acreditar que a teoria dos autores pode se estender para além do olhar sobre os Estados pós-comunistas da Europa - foram considerados casos das Américas e da África Subsaariana. No caso específico da Uruguai, o regime democrático emergiu após anos de domínio militar, e a OEA não podia corresponder às necessidades específicas de um Estado em democratização. Nesse contexto, o país se aliou a outros governos democratizantes da região, como o Brasil e o Paraguai, e formou o MERCOSUL, além de outras organizações de menor destaque. A criação da nova organização foi um desdobramento da existência de acordos anteriores entre a Argentina e o Brasil: o Programa de Cooperação Econômica e Integração Argentina-Brasil e o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento.

Apesar de ser a formação de novas organizações a escolha recorrente dos governos em democratização, os autores ainda cogitam a possibilidade de haver “mudança” em uma organização existente. Esta pode ocorrer de duas formas: através de uma remodelagem ou de uma reforma. Quando os Estados remodelam uma organização existente, a modificação é tanta que faz emergir, de fato, uma nova organização. Foi o caso da transformação da Conferência de Coordenação do Desenvolvimento da África Austral na Comunidade de Desenvolvimento da África do Sul. Por outro lado, se os Estados optam por reformar uma organização anteriormente vigente, a mudança pode acarretar a formação de novas subinstituições que redirecionam o enfoque da organização, como o que ocorreu na OTAN com a instituição do Plano de Ação para Adoção.

As descobertas de Poast e Urpelainen acerca do vínculo entre países democratizantes e organizações internacionais têm efeitos significativos sobre a comunidade acadêmica das relações internacionais e da política comparada. O arcabouço teórico de Organizing Democracy diverge do que é proposto em trabalhos anteriores sobre o tema. Em Democratization and International Organizations (2006)MANSFIELD, Edward; PEVEHOUSE, Jon (2006). “Democratization and International Organizations”. International Organizations, v. 60, n. 1, p. 137-67., Mansfield e Pevehouse conferem ao credible commitment a tendência à associação - aqui, os Estados adeririam às organizações porque os líderes têm dificuldades em sustentar sozinhos compromissos com reformas liberais e com a consolidação democrática. No entanto, para Poast e Urpelainen, a relação entre democratização e organizações internacionais não exige credible commitment. Com efeito, os Estados são mais propensos a filiar-se porque as organizações podem auxiliar o fornecimento de bens públicos. A exemplo dos Bálticos, a entrada em organizações não se atribui à preocupação em adquirir credibilidade para impor reformas domésticas, mas à importância simbólica política e à serventia como um efetivo canal em que as democracias estáveis podiam assisti-los no processo de democratização.

Organizing Democracy dá continuidade a um corpus teórico produzido por estudiosos que analisaram a relação entre a mudança do regime doméstico e seus fatores externos quando o tema ainda não era suficientemente explorado. Mesmo defendendo a predominância das forças internas sobre as forças externas, Whitehead (1996)WHITEHEAD, Laurence (1996). “International Aspects of Democratization”, em O’DONNELL, G.; SCHMITTER, P.; WHITEHEAD, L. Transitions from Authoritarian Rule: Comparative Perspectives. Baltimore: Johns Hopkins University Press admitiu a influência da dimensão internacional no processo de transição democrática. Além dele, Huntington (1991)HUNTINGTON, Samuel (1991). The Third Wave: Democratization in the Late 20th Century. Norman, London: University of Oklahoma Press. também já havia considerado a contribuição do ambiente internacional e dos atores estrangeiros para as democracias da terceira onda de democratização. A adesão à Comunidade Econômica Europeia, que hoje dá lugar à UE, era extremamente desejável pelas vantagens econômicas que promovia, e a vigência de um regime democrático foi um pré-requisito para filiação que estimulou a Grécia, Portugal e Espanha a preservar suas instituições democráticas.

Referências Bibliográficas

  • HUNTINGTON, Samuel (1991). The Third Wave: Democratization in the Late 20th Century Norman, London: University of Oklahoma Press.
  • MANSFIELD, Edward; PEVEHOUSE, Jon (2006). “Democratization and International Organizations”. International Organizations, v. 60, n. 1, p. 137-67.
  • POAST, Paul; URPELAINEN, Johannes (2018). Organizing Democracy: How International Organizations Assist New Democracies. Chicago, London: University of Chicago Press.
  • WHITEHEAD, Laurence (1996). “International Aspects of Democratization”, em O’DONNELL, G.; SCHMITTER, P.; WHITEHEAD, L. Transitions from Authoritarian Rule: Comparative Perspectives Baltimore: Johns Hopkins University Press

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jun 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2019

Histórico

  • Recebido
    06 Jul 2018
  • Aceito
    28 Mar 2019
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