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30 anos da Carta Cidadã: um resgate do discurso constituinte social de Ulysses Guimarães a partir da filosofia da linguagem bakhtiniana2 2 O autor agradece aos pareceristas da RBCP pelas valiosas sugestões, as quais ofertaram ao texto mais clareza, rigor cientifico e objetividade.

30 years of the citizen constitution: a recuperation of the constituent social speech of Ulysses Guimarães based on the Bakhtinian philosophy of language

Resumo

Neste artigo, por meio da filosofia da linguagem do Círculo de Bakhtin, analisa-se a fala do Deputado Federal Ulysses Guimarães no dia da promulgação da Constituição de 1988, 5 de outubro daquele ano. Enquanto presidente da Assembleia responsável por fazer a norma, coube a Ulysses, no final, a tarefa de dizer que ela estava promulgada, o que o parlamentar fez em uma histórica fala, no sentido filosófico aqui empreendido, ou “discurso”, no sentido linguístico clássico. Analisa-se essa fala, chamada aqui de “fala Ulyssiana” ou “fala promulgadora”, porque se entende que a essência da Constituição, que completou 30 anos de existência em 2018 - desde quando têm havido muitas crises políticas, instabilidades econômicas, ilegalidades e redução de direitos sociais na América Latina, necessita ser resgatada no Brasil e servir como inspiração para se prosseguir com lutas pela efetivação dos direitos. O trabalho é primordialmente filosófico, mas, valorizando a interdisciplinaridade do tema, não deixa de ser sócio-histórico, jurídico e linguístico. Os resultados evidenciam que a fala Ulyssiana é um signo ideológico que reflete os principais fatos havidos antes da feitura da Carta Cidadã, bem como demonstra parte dos entraves sociais e políticos ocorridos para que fosse erigida essa lei fundamental e, nesse sentido, seu resgate 30 anos depois é salutar para o objetivo social de alargar cada vez mais a democracia e garantir direitos sociais básicos a todos os brasileiros.

Palavras-chave:
Constituição de 1988; fala promulgadora; Ulysses Guimarães; análise; teorias do Círculo de Bakhtin

Abstract

In this article, we analyze the speech of Federal Deputy Ulysses Guimarães on the day of the promulgation of Constitution 1988 Brazil using the language philosophy of the Bakhtin Circle. As chairman of the Commission responsible for formulating the document, it fell to Ulysses, in the end, the task of declaring it promulgated. T the parliamentarian did this in a historic speech. This speech is called “Ulyssian speech” or “promulgating speech”, because it is understood that the essence of the Constitution, which had its 30 year anniversary in 2018 - a period characterized by crises, instabilities, illegalities and reduction of social rights -- needs to be recuperated in the Brazilian social sphere and serve as inspiration to continue struggles for the fulfillment of rights. The work is primarily philosophical, but, valuing the interdisciplinarity of the theme, it is also socio-historical, legal and linguistic. The results show that the object is an ideological sign that reflects the main facts that occurred prior to the constitution, as well as demonstrates part of the social and political conflicts that occurred to make this important law and, in this sense, its recuperation 30 years later promotes the social goal of expanding democracy and guaranteeing basic social rights for all Brazilians.

Keywords:
Constitution of 1988 (Brazil); speech of promulgation; Ulysses Guimarães; analysis; theories of the Bakhtin Circle

Introdução

Aos cinco de outubro de 1988, uma quarta-feira, por volta das 15h20min da tarde, na sede do Congresso Nacional brasileiro - Câmara dos Deputados, Ulysses Silveira Guimarães promulgou a atual lei maior desta nação, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (doravante CRFB/88). Ao promulgar esta lex, na condição de Deputado Federal Constituinte presidente da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-88 (doravante ANC), Ulysses discursou por pouco mais de trinta minutos3 3 O Congresso Nacional, por meio da Câmara dos Deputados, criou, em 2017, site especial para comemorar os trinta anos da CRFB/88. Neste, o áudio integral da promulgação da Constituição pode ser auscultado. Link: <http://www.camara.gov.br/internet/agencia/infograficos-html5/constituinte/index.html>. Acesso em: 01 abr. 2020. .

Em uma fala histórica, o parlamentar descreveu as principais querelas, lutas, os entraves, as discussões, os dissensos, os “consensos”, os acordos e as “harmonias” ocorridos durante a feitura da CRFB/88 e em momentos anteriores. Verificar algumas relações entre a fala de Ulysses, cognominada aqui de “fala Ulyssiana” ou “fala promulgadora”, e o contexto histórico de produção da CRFB/88: esse é o objetivo/problema do artigo. Objetivo confundível com o objeto da empreitada, na medida em que este, a fala Ulyssiana, em si mesmo, é um escorço conteudístico do contexto temporal, social, econômico e político-ideológico de sua própria produção, bem como de produção da Carta Política de 1988.

As razões para a escolha do tema articulado são várias, entre as quais se realça: o Brasil, desde 1988, tem sido afligido por incontáveis mudanças, crises, conflitos, instabilidades e incertezas políticas, econômicas e sociais que, aparentemente, a partir da atual elevada incredulidade no sistema político nacional, podem tender a extirpar da memória dos brasileiros o “espírito” presente na CRFB/88 e nas várias lutas sofríveis levadas a efeito para produzir essa norma e, principalmente, seus direitos sociais, muitos dos quais já foram trivializados e/ou tidos como naturais e óbvios, mas que antes de 1988 sequer existiam no ordenamento jurídico do país.

A fala de Ulysses Guimarães, ao promulgar a Carta Política vigente, demonstra esse espírito de forma burilada. Não é uma fala perfeita - nada o é. Cada leitor/ouvinte dela pode retirar suas apreensões particulares, formular seus elogios e/ou enxergar equívocos. Cada pessoa que se deparar com esse objeto terá uma visão única4 4 Afinal, “o significado não é fixo [...], ele é sempre multireferencial [sic]”. (HALL, 2003, p. 354) . A despeito disso, entende-se ser imprescindível, com efeito, valorizar tal fala, regatá-la para o presente, compreender sua perene atualidade e analisá-la. Discursiva e historicamente, ela endossa a percepção da importância da CRFB/88, malgrado alguns pontos controversos de tal regramento jurídico, como se sabe haver.

Acredita-se ser necessário rechaçar quaisquer atuais e vindouras tentativas de retrocessos sociais, com modificações bruscas do/no hodierno texto constitucional. O momento é de valorizar/retomar as lutas do passado, ganhar força para o presente e fôlego esperançoso para o futuro. O Brasil mudou muito desde 1988 e bastantes das mudanças somente foram factíveis pelas garantias da Constituição ora vigorante. Conforme a Câmara Federal dos Deputados (BRASIL, 2017BRASIL. Câmara dos Deputados. 30 anos da Constituinte. Brasília: Câmara dos Deputados, 2017. Disponível em: <Disponível em: http://www.camara.gov.br/internet/agencia/infograficos-html5/constituinte/index.html >. Acesso em: 01 abr. 2020.
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), em citação a dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), do Banco Mundial e do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a título de exemplo, o Brasil, em 1988, possuía 146 milhões de habitantes e hoje tem 210 milhões; tinha Produto Interno Bruto (PIB) de 330 bilhões de dólares e hoje tem de 1,7 trilhão de dólares; possuía 75,5% de população urbana e hoje tem 86%; tinha expectativa média de vida de 65,7 anos e hoje possui de 75,1 anos; tinha taxa média de analfabetismo de 17,2% e atualmente possui de 8%; e tinha salário mínimo (Cruzado transformado no real em valor ponderado atual) de 384,10 reais em face dos atuais 1.045,00.

A CRFB/88 inovou muito ao trazer à nação brasileira, por exemplo, educação e saúde como direitos universais e gratuitos; defesa da mulher, do trabalhador e do consumidor; proteção aos direitos indígenas e à biodiversidade; garantias da seguridade social; igualdade jurídica formal entre todos, em atenuação do patrimonialismo/coronelismo nacional5 5 Vale lembrar que “o direito à igualdade surgiu como oposição aos privilégios reais absolutistas, ocasião em que a burguesia reivindicou a vez à igual dignidade de que gozavam os clérigos, os reis, os políticos etc. As pressões [das] revoluções [burguesas] impuseram ao Estado o dever de editar regras gerais e impessoais, não individualizadas ou específicas, a fim de distribuírem-se os bens e as vantagens da sociedade de forma equânime, com base nas potencialidades humanas e não em privilégios de classe”. (TELES, 2015, p. 237-238) , entre outros elementos jurídicos antes praticamente inexistentes no Brasil. Caso seja feita outra Constituição, dada a conjuntura contemporânea, por certo ela não será tão social como a Carta de 1988. Nessa direção, a fala de promulgação dessa norma revela, sinteticamente, a importância social do Códex máximo de 1988 e analisá-la pode ajudar no processo de a sociedade brasileira cada dia lutar mais para que a Constituição seja cumprida integralmente - pelo menos com a máxima efetividade possível, parando de ser alterada negativamente por várias emendas, como tem ocorrido desde 1994.

Estruturalmente, este artigo é integrado por cinco seções temáticas e as considerações finais. Nos meandros do texto, primeiramente explica-se por que se usa a teoria bakhtiniana para desenvolver o processo analítico do objeto. Ao seguinte, desenvolve-se o referencial teórico metodológico, comentando algumas ideias pilares do bakhtinianismo. Em seguida, fala-se, a partir de referenciais históricos, sobre o processo de elaboração da CRFB/88. Na penúltima seção, procede-se à análise do objeto nos moldes metodológicos propostos. Nesta derradeira seção, identificam-se cinco pontos temáticos centrais que se crê haver na fala de promulgação da Constituição e, na última seção, enquadra-se categorialmente/associa-se o objeto em/a conceitos da filosofia da linguagem bakhtiniana.

O itinerário metodológico

Para se discorrer sobre o tema, recorre-se a pensamentos do Círculo de Bakhtin, o grupo de estudos multidisciplinares do século XX liderado por Mikhail Bakhtin6 6 “Mikhail Bakhtin nasceu em 1895, em Oriol, Rússia, e morreu em 1975, em Moscou. [...] esse autor marcou época como uma das figuras mais importantes do universo intelectual do século XX, sendo considerado por seus pares um grande pensador e teórico da língua. Articulador original, inaugurou uma renovação no campo dos estudos linguísticos e literários do Ocidente, depois que suas ideias ultrapassaram as fronteiras da Rússia, a partir da década de 1970. Bakhtin foi um linguista na atualmente extinta União Soviética, onde viveu e desenvolveu sua obra em um contexto histórico marcado por intensas transformações sociopolíticas. No contexto e circunstância em que viveu, o marxismo exerceu acentuada influência em seu pensamento. Compartilhou com os teóricos marxistas um interesse pelo mundo histórico e social, especialmente pelo modo como os seres humanos pensam e agem sob condições concretas e objetivas de existência. Ou seja, seu interesse centrava-se na língua como forma por meio da qual as ideologias se articulam e mascaram a percepção da realidade. Para este autor, a língua é portadora de ideologias e uma prática material”. (SCORSOLINI-COMIN; SANTOS, 2010, p. 746) , filósofo7 7 “Quem se aproxima de Bakhtin logo percebe que ele foi um pensador de múltiplos interesses. Estiveram em seu espaço de reflexão temas de ética e estética, de estética geral e literária, de psicologia e antropologia, de semiótica e linguística. No entanto, Bakhtin começou filósofo e assim permaneceu durante o período mais produtivo de sua atividade intelectual” (FARACO, 2017, p. 46). De fato, Bakhtin foi um filósofo-analista de vários assuntos da vida humana. Já no fim de sua vida, conta Ponzio (2012) que, ao ser entrevistado por Duvakin, erigiu o seguinte diálogo: “[...] Sr. Era mais filósofo que filólogo? Filósofo, mais que filólogo. Filósofo. E assim permaneci até hoje. Sou um filósofo”. (PONZIO, 2012, p. 11) , historiador e filólogo8 8 Aquele que estuda a Filologia, a qual é, basicamente, o estudo da linguagem por meio de fontes históricas, literárias e linguísticas. Tendo Bakhtin se dedicado percucientemente a estudar romances antigos e medievais. russo vivo entre 1895 e 1975. Nesse Círculo, Bakhtin produziu estudos vários sobre filosofia e linguagem, por vezes ajudado por seus amigos e alunos também russos, Valentin Volóshinov (1895-1936), linguista e crítico literário, e Pavel Medvedev (1892-1938), filósofo.

O posicionamento desse grupo de intelectuais:

[...] contrapõe-se à forma autoritária assumida pela revolução de 1917, cujo procedimento é indiretamente questionado9 9 “Todas as críticas feitas por Bakhtin e pelo Círculo às teorias daquele momento tinham por objetivo despertar o sentido ético e responsável do sujeito em sociedade”. (PUZZO, 2017, p. 135) . A língua unificada pelo sistema foi uma das questões discutidas por esse grupo, conhecido como Círculo. [...] a linguagem, em oposição à língua, torna-se o tema central desse debate com o intuito de escapar da camisa de força de uma língua imposta a todos os grupos sociais, bastante heterogêneos naquele contexto. [...]. Assim, Bakhtin e os integrantes do Círculo discutem os limites que as teorias científicas da época impunham para a vida vivida, de modo a esquematizar os dados, analisando os atos humanos por uma perspectiva científica e abstrata, entre elas a linguística de Saussure, a psicologia determinista, o marxismo estrutural e mesmo o reducionismo da estilística por isolar o sujeito enunciador de todo o contexto social. (PUZZO, 2017PUZZO, Miriam Bauab. Dialogismo bakhtiniano e a estitlística vossleriana. Bakhtiniana-Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v. 12, n. 1, abr., p. 131-149, 2017. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-45732017000100131&lng=en&nrm=iso&tlng=pt >. Acesso em: 01 abr. 2020.
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, p. 132-133)

Neste artigo, serviu de subsídio principal a obra bakhtiniana “Marxismo e Filosofia da Linguagem” (doravante MFL). MFL, publicada na Rússia em 1929, é relevada por muitos estudiosos como sendo a mais importante obra bakhtiniana. Na obra, Bakhtin trata de uma espécie de “dialética do signo”10 10 MFL “não se trata de uma proposta marxista estrita, seja partidária ou acadêmica, mas uma proposta materialista dialética de cunho filosófico mais amplo, uma visão totalizante (e não totalitária) dos fenômenos”. (SOBRAL; GIACOMELLI, 2016, p. 161) . Nesse texto, “Bakhtin valoriza [...] a fala, a enunciação, e afirma sua natureza social, não individual: a fala está indissoluvelmente ligada às condições da comunicação, que, por sua vez, estão sempre ligadas às estruturas sociais” (YAGUELLO, 2014YAGUELLO, Marina. Introdução: Bakhtin, o homem e seu duplo. In: BAKHTIN, Mikhail; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014. p. 11-19., p. 14). Recentemente, em 2017, foi publicada uma edição da obra que atribui a autoria do texto exclusivamente a Valentin Volóshinov. Contudo, utiliza-se aqui, por opção, uma edição de 2014 na qual Volóshinov aparece apenas como coautor de Bakhtin11 11 No plasma dos complexos dilemas sobre a autoria de vários textos de Bakhtin, a autoria deste artigo crê que Bakhtin era o líder o Círculo de Bakhtin e, por isso, defende que todos os textos lá erigidos têm no mínimo alguma influência de seu pensamento. Dessa maneira, reputam-se como desnecessárias/desrespeitosas obras como o compêndio “Bakhtin desmascarado: a história de um mentiroso, de uma fraude, de um delírio coletivo”, de Jean-Paul Bronckart e Cristian Bota (2012), na qual Bakhtin é hostilizadamente tido como um furtador de textos de alunos e colaboradores seus. Bakhtin é um grande filósofo da linguagem do século XX e, por certo, no âmbito dos escritos tidos como de membros do Círculo de Bakhtin, os textos que não escreveu ajudou a pensar e formular as ideias expostas. Ele estava lá, leu, ouviu, participou! .

Escolheu-se Bakhtin para analisar a fala Ulyssiana, à evidência uma fala política, pois o filósofo russo foi um dos primeiros estudiosos, se não o primeiro12 12 Sobre Bakhtin, vendo a vida como arte, “seu foco de atenção é [...] declaradamente o estético-formal, mas com a particularidade de incluir o histórico, o social, o cultural no específico da arte, o que é, sem dúvida, uma solução profundamente inovadora, considerando que o máximo que se havia conseguido até então no enfrentamento desse complexo tema eram propostas dicotômicas - de um lado o estético-formal (sob o pressuposto de uma especificidade absoluta, um em-si estético livre de qualquer interferência do social, do cultural e do histórico) e de outro o estudo da história e da inserção sociocultural da arte”. (FARACO, 2017, p. 47) (Grifos nossos) , a dizer que no campo político é necessário saber que o social e o contexto são determinantes, ou seja, influem diretamente na enunciação. Disseram o autor e seu parceiro Volóshinov:

As formas das declarações políticas, atos políticos, leis, decretos, manifestos, etc.; e as formas [...] [de] tratados científicos, etc. todas elas foram objeto de pesquisas especializadas em retórica e poética. Mas, [...] essas pesquisas estiveram completamente divorciadas, de um lado, do problema da linguagem, e, de outro, do problema da comunicação social. Uma análise fecunda das formas do conjunto de enunciações como unidades reais na cadeia verbal só é possível de uma perspectiva que encare a enunciação individual como um fenômeno puramente sociológico13 13 Escolheu-se aqui Bakhtin como caminho analítico também porque a concepção da linguagem para o Círculo de Bakhtin, “caracterizada por uma apropriação específica da noção de ideologia, representa um profícuo suporte teórico no qual se pode apoiar uma abordagem interessada na compreensão dos modos pelos quais, na sociedade contemporânea [do século XXI], as formas de pensamento (assim como as referências éticas, estéticas e cognitivas) materializadas nas práticas enunciativas relacionam-se com os processos políticos e econômicos e com os mecanismos de dominação inscritos na produção e circulação dos discursos”. (COSTA, 2016, p. 34) . (BAKHTIN; VOLÓSHINOV, 2014______; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014., p. 130-131)

Vê-se que Bakhtin e Volóshinov são quem podem ajudar na condução de um estudo amplo e correto sobre a fala Ulyssiana, posto que direcionam a incutir-se neste trabalho uma análise do social, do contexto social, histórico, político, econômico e cultural em que estava Ulysses Guimarães quando proferiu a fala de promulgação da Constituição de 1988GUIMARÃES, Ulysses. Fala de promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Congresso Nacional/ANC, 1988. Disponível em: <Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividadeegislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/25anosdaconstituicaode1988/constituinte19871988/pdf/Ulysses%20Guimaraes%20%20DISCURSO%20%20REVISADO.pdf >. Acesso em: 01 abr. 2020.
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, bem como em que estavam também seus interlocutores, seu “auditório social”. Somente com imersão nesse contexto, percebendo que “a estrutura da enunciação é uma estrutura puramente social” (BAKHTIN; VOLÓSHINOV, 2014______; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014., p. 132), é que se pode erigir visão aclarada sobre a essência dessa histórica fala. A teoria bakhtiniana é, portanto, o referencial de análise do objeto14 14 Convém expender que se utiliza neste texto, como viga mestra metodológica, a seguinte indicação bakhtiniana de prudência a tomar-se no estudo do signo e seu aspecto ideológico: “[...] é indispensável observar as seguintes regras metodológicas: 1. Não separar a ideologia da realidade material do signo (colocando-a no campo da ‘consciência’ ou em qualquer outra esfera fugidia e indefinível). 2. Não dissociar o signo das formas concretas da comunicação social (entendendo-se que o signo faz parte de um sistema de comunicação social organizada e que não tem existência fora deste sistema, a não ser como objeto físico). 3. Não dissociar a comunicação e suas formas de sua base material (infra-estrutura) [sic]”. (BAKHTIN; VOLÓSHINOV, 2014, p. 45) (Itálicos originais dos autores) , a partir da básica metodologia da exploração bibliográfica qualitativa-descritiva.

Ademais, impende um adendo inicial sobre a razão de se chamar a fala de promulgação da CRFB/88 de fala e não de “discurso”. Sabe-se, a bem ver, que fala é um elemento/ato material/físico de manifestação da língua, geralmente realizado face a face e, nesse sentido, os estudos sobre a fala cabem às teorias linguísticas da “análise da conversação” e os estudos sobre discurso, um empreendimento de enunciação coletiva, cabem à “análise da enunciação” ou “teoria da enunciação”, onde são alocados Bakhtin e seus amigos do Círculo por grande parte dos estudiosos da linguagem.

Nesse pensar, em primeiro olhar, já que se utilizam pensamentos bakhtinianos, provenientes de teóricos da enunciação, poderia ser mais prudente, tecnicamente, chamar-se a fala de Ulysses em 5 de outubro de 1988 de discurso. Ocorre que se faz sim uso neste texto da teoria da enunciação, com enfoque em Bakhtin, porém se defende aqui que a fala de Ulysses “representa” um “discurso social” (coletivo) vigente no período de feitura da Constituição de 1988. Assim, filosoficamente, crê-se que tal discurso social para ser revelado teve de vir ao mundo pela boca de Ulysses e o foi por meio de uma fala, a sua fala.

Por isso, entende-se que a fala de Ulysses foi o meio/substrato para a dissipação de um discurso coletivo. Noutro modo de dizer: todo discurso é coletivo e, então, não há como existir um discurso de promulgação “de” Ulysses. O discurso promulgador foi social/coletivo, sendo emanado pela fala física de Ulysses. Para ficar mais claro, Flores (2009______. Dicionário de linguística da enunciaçãoSão Paulo: Contexto, 2009. , p. 109), comentando Bakhtin, diz que “o autor concebe a enunciação como a realização de diversos atos de fala”. Logo, a enunciação de Ulysses em 5 de outubro de 1988 é um conjunto de várias falas, de diversas pessoas, entre elas o próprio Ulysses, que no caso é o principal falante15 15 Tem-se, portanto, um discurso promulgador ou uma enunciação (coletiva) promulgadora e a fala de Ulysses, a fala Ulyssiana, que, então, é o meio, o fluido por onde ecoam as várias vozes que integram tal discurso (social). Nessa perspectiva, Flores (2009, p. 188), comentando Ducrot, esclarece que “o autor de um enunciado (sujeito empírico) não se expressa diretamente, mas o faz por meio da figura de um locutor (sujeito discursivo), que apresenta diferente vozes, diferentes pontos de vista, cujas origens são enunciadores”. É, assim, como se a pessoa física de Ulysses Guimarães fosse um sujeito empírico e o Ulysses-presidente da ANC fosse o locutor da fala promulgadora. Isso, pois “o locutor, nem sempre linguisticamente marcado, é o ser do discurso, distinto do sujeito falante (ser empírico) ”. (FLORES, 2009, p. 158) , porquanto representa/rege todos os outros.

Por fim, necessário se faz comentar, ainda, sobre outra questão metodológica importante: a autoria da fala de promulgação da CRFB/88. Quando se nomeia o objeto de “fala Ulyssiana”, se está apenas ressaltando o fato de que foi Ulysses o orador (principal) do objeto. Temporal e espacialmente, o texto lido por Ulysses, por ter sido lido por ele, possui relação semiótica forte com o Deputado. A fala foi realizada a partir da performance pessoal de Ulysses. Ele falou de seu modo, com sua respiração, suas pausas, seus gestos, sua voz. Toda ação humana é única e irrepetível e aquele ato promulgador não foi diferente. Quem discursou foi Ulysses e não outro. Era ele o presidente da ANC16 16 Ulysses disse palavras que são ditas todo o tempo, mas “a enunciação é sempre única e irrepetível, porque a cada vez que a língua é enunciada têm-se condições de tempo (agora), espaço (aqui) e pessoa (eu/tu) singulares” (FLORES, 2008, p. 100). Por isso, naquele momento, era ele o sujeito promulgador oficial da CRFB/88. .

Contudo, embora se nomeie o objeto de fala Ulyssiana, nas percucientes pesquisas para este artigo não se encontrou nenhuma prova de que Ulysses tenha sido o autor de sua fala - do texto. De revés, também não se encontrou nenhuma evidência documental de que ele não tenha escrito sua fala. Para simplificar a questão - sem considerá-la despicienda, adota-se aqui o posicionamento de que foi Ulysses quem escreveu sua fala. Pensa-se que por Ulysses, na época, ser um homem muito culto, escritor de poemas, Deputado Federal por mais de 35 anos seguidamente, advogado, professor universitário e amante da leitura (MORENO, 2013MORENO, Jorge Bastos. A história de Mora: a saga de Ulysses Guimarães (Biografia). Rio de Janeiro: Rocco, 2013.; MELHEM; RUSSO, 2004MELHEM, Célia Soibelmann; RUSSO, Sônia Morgenstern. Dr. Ulysses - o homem que pensou o Brasil (Biografia). São Paulo: Prêmio, 2004. ), por certo, o presidente da ANC, quando recebeu a responsabilidade de promulgar a lei maior de seu país, norma pela qual ele tanto lutou, quis escrever sua fala, sem a ajuda direta de qualquer assessor17 17 Um argumento passível de ser usado para defender-se essa ideia é dito por Luiz Gutemberg, um jornalista alagoano nascido em 1937, que conviveu muito com Ulysses e lançou, em 1994, a biografia chamada “Moisés, codinome Ulysses Guimarães”. Gutemberg organizou, pela Câmara dos Deputados, em 2012, um compêndio de discursos de Ulysses chamado “Ulysses Guimarães”, elaborado em 563 páginas. Nesse compêndio, Gutemberg analisa a maioria dos discursos proferidos por Ulysses durante seus 11 mandatos (mais de 40 anos) como Deputado Federal. Gutemberg diz que Ulysses gostava de fazer anotações e a todo o momento usava “[...] papeluchos em que garatujava o que lhe viesse à cabeça. Eram ideias e lembranças que lhe ocorriam durante o dia e a noite. Providências prosaicas, como comprar um animal para o sítio, telefonar a alguém, marcar um jantar, organizar uma viagem. Ou ideias para frases. Até minutas de discursos e cartas. Tudo de tal forma misturado, já que concebido e registrado sem disciplina, que ajuda a revelar o estado de espírito que o dominava quando tomou determinada decisão. Essas anotações cumpriam longo processo. Ele as escrevia onde estivesse, bastava que lhe ocorresse inspiração. Guardava no bolso do paletó e viajava com elas o dia inteiro, ‘de ceca em meca’, como dizia, até que se defrontava com um dos seus secretários e a safra de ‘tripas’ era recolhida. Antes que tais textos se transformassem em documentos para receberem sua assinatura, ou que ele subisse a alguma tribuna para lê-los, ou utilizá-los como roteiro para improvisações, iria corrigi-los uma, duas, três vezes, tantas eram as tentativas frustradas dos seus colaboradores para decifrar os hieróglifos” (GUTEMBERG, 2012, p. 29-30). Ulysses tinha, portanto, o dom da boa escrita e da criatividade. Gutemberg evidencia, ainda, que “entre seus contemporâneos, ninguém mais que Ulysses teve responsabilidade sobre o que disse e escreveu. [...] quando foi presidente da Câmara, em 1985, tinha à sua disposição máquina numerosa e competente de assessores da Mesa. Esses funcionários não esperavam por sua iniciativa. Adiantavam-se a quaisquer efemérides ou pretextos que exigissem uma manifestação do presidente da Casa e redigiam notas, declarações, discursos. Examinei uma pasta graúda contendo esses textos, tão gramaticalmente corretos quanto assépticos em matéria de estilo, conforme o modelo dos ghostwriters burocráticos. Conferi que Ulysses quase sempre os desprezou. Não os leu nem os assinou. Ou improvisou - se eram declarações feitas ao Plenário -, abandonando inteiramente a leitura, ou recobriu-os de tantas garatujas que os originais propostos resultaram irreconhecíveis na versão final. Ulysses Guimarães desenhou seu próprio perfil”. (GUTEMBERG, 2012, p. 37-38) (Grifos nossos) .

Ao lado disso, nesse quesito autoria, para se compreender Ulysses como autor de sua fala, se pode contar também com a ajuda de Bakhtin. Conforme o russo, autor é quem pratica concretamente o ato em sua finalidade completa. Em Bakhtin, o “enunciado seria o acontecimento único e irrepetível na vida do texto, isto é, aquilo que o converte em objeto de estudo propriamente dito e, portanto - pensamos, o aspecto [...] no qual se defende a questão da autoria” (ARÁ, 2014ARÁ, Pampa Olga. A questão do autor em Bakhtin. Bakhtiniana-Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v. 9, n. spe., jul., p. 4-25, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-45732014000300002&lng=en&nrm=iso&tlng=pt > Acesso em: 01 abr. 2020.
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, p. 19). Assim, se não escrita pelo parlamentar, a fala de Ulysses foi feita para ele, a pedido dele, para que ele a lesse: ela somente teria seu acabamento caso ele a lesse, como feito. Portanto, no evento-ato-teatro promulgação, ele foi o autor daquele enunciado. Se, no exato momento em que fosse ler, Ulysses falecesse e outro lesse a fala, ela não teria mais sentido: a fala era dele!

Diz-se, porém, autor somente para delimitar o espaço enunciativo de Ulysses, ou seja, situá-lo enquanto orador central. Em verdade, em Bakhtin, como ratifica Marchezan (2015MARCHEZAN, Renata Coelho. A noção de autor na obra de M. Bakhtin e a partir dela. Bakhtiniana-Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v. 10, n. 3, dez., p. 186-204, 2015. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-45732015000300186&lng=en&nrm=iso&tlng=pt >. Acesso em: 01 abr. 2020.
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), nenhuma criação pode ser creditada a um único indivíduo, pois todos dialogam e se influenciam, a partir da alteridade cultural perene. Dessa maneira, a fortiori, bakhtinianamente, o autor da fala/discurso promulgador(a) é Ulysses e também todo o restante de brasileiros existentes naquele dia e em datas anteriores. Isso, porquanto todo este foi fonte inspiradora para Ulysses durante o processo de produção de sua fala. “A atividade formativa do autor-criador e do contemplador domina todos os aspectos da palavra: com a ajuda de todos, o autor pode realizar a forma completamente orientada para o conteúdo; por outro lado, todos eles servem também para exprimir o conteúdo” (BAKHTIN, 2014______. Questões de literatura e estética: a teoria do romance. Tradução de Aurora Fornoni...[Et al]. 7. ed. São Paulo: Hucitec, 2014. , p. 62).

Filosofia e linguagem no Bakhtinianismo

Bakhtin e seus amigos do Círculo de Bakhtin posicionaram-se opostos às ideias do século XX que consideravam a língua como uma superestrutura - do ponto de vista da teoria marxista estruturalista. Bakhtin e Volóshinov (2014)______; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014. afirmaram que, em verdade, não é a língua uma superestrutura, mas a ideologia por ela dissipada. Como aduz a comentadora bakhtiniana Yaguello (2014YAGUELLO, Marina. Introdução: Bakhtin, o homem e seu duplo. In: BAKHTIN, Mikhail; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014. p. 11-19., p. 17), em Bakhtin “a palavra veicula, de maneira privilegiada, a ideologia; a ideologia é uma superestrutura [e] as transformações sociais da base [da sociedade] refletem-se na ideologia e, portanto, na língua que as veicula”18 18 “Bakhtin define a língua como expressão das relações e lutas sociais, veiculando e sofrendo o efeito desta luta, servindo, ao mesmo tempo, de instrumento e de material”. (YAGUELLO, 2014, p. 17) .

Bakhtin e Volóshinov (2014)______; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014. verificaram que a palavra “cria a realidade”. A partir desse ponto, a contribuição deles é incomparável para se perceber que pode o homem mudar sua realidade, (re)interpretar, (re)significar, mudar a história. A realidade é ideológica, mas ela não é unidirecional: os sujeitos sociais são múltiplos. No bakhtinianismo, assim, a ideologia não é o mero ocultamento da realidade, como na visão marxista clássica. Para o Círculo de Bakhtin:

A ideologia é compreendida como uma malha de significados e sentidos materializados em objetos-signo[s] e em enunciados nos quais se refletem e se refratam (sob a ação de diversas mediações, entre as quais as das esferas ideológicas e dos gêneros discursivos) as determinações emanadas das estruturas econômicas e políticas e as relações travadas pelas forças em contradição e luta na sociedade. (COSTA, 2016COSTA, Luiz Rosalvo. Ideologia e divulgação científica: uma análise bakhtiniana do discurso da revista Ciência Hoje Bakhtiniana-Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v.11, n. 2, ago., p. 33-51, 2016. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-45732016000200033&lng=en&nrm=iso&tlng=pt >. Acesso em: 01 abr. 2020.
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, p. 36)

Ou seja, não há uma ideologia superdominante ou somente uma dupla social formada por uma ideologia/classe forte e uma fraca. Há várias classes sociais, inúmeras pessoas e, por isso, incontáveis ideologias. Em Bakhtin, ideologias são apreensões sobre a vida e seus acontecimentos, as quais influem nas escolhas éticas dos agentes diversos da vida social/cultural. Nessa perspectiva, dado que a) a ideologia não é o real, ela apenas é um elemento usado pelas classes para representar o real à sua maneira (pondo em elevado relevo seus interesses), e b) que o plexo de signos ideológicos existentes é produzido pelas palavras individuais de todos, que se somam e se alteram/influenciam a todo o momento, mudar a realidade tem a ver com mudar as formas de sua representação, por ideologias, e tal mudança deve ser o mais social (coletiva) possível, a fim de ter a máxima legitimidade (BAKHTIN, 2011______. Estética da criação verbal. 6. ed. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2011. ). Isto é, aos grupos que queiram alastrar sua versão sobre o real, basta que a divulguem com esforço na trama discursiva chamada vida, participando das interações sociais diversas de modo efetivo/concreto. Disputas e dissensos há e sempre haverá19 19 Não se pode negar a existência de classes sociais, bem como de lutas simbólicas entre elas. “Difícil imaginar, talvez impossível, alguma forma de convivência humana isenta de disputas entre os conviventes, seja por qual motivo for, econômico, político, cultural ou outro. Para não falar do ‘conflito interior’ [...], mais bem explicado pela psicologia, certo é que todas as formações sociais conhecidas são atravessadas por oposições, desde as menos numerosas, como as famílias, até as mais abrangentes, como as nações. Crises conjugais e separações litigiosas, bem comuns hoje em dia, ilustram a realidade daquele núcleo social reduzido. Disputas regionais e guerras persistentes, a realidade do último, recordando, ainda, o estranhamento entre vizinhos, brigas na escola e em ambientes de trabalho, ‘guerras fiscais’ entre Estados da mesma Federação” (PARDO; NASCIMENTO, 2015, p. 117-118) etc. Todavia, malgrado isso, no ciclo vital todos possuem força para atuar nas disputas sociais várias. Forças sempre únicas e irrepetíveis, conforme a determinação de inúmeros elementos sociais, como quantidade de recursos, influência política etc. , mas, em Bakhtin, todos os sujeitos sociais têm vozes, não havendo simplória dominação maniqueísta de classe A sobre classe B. A vida bakhtiniana é um diálogo e não um jogo de submissão/dominação.

A percepção da perene construção social, perfectibilizada por lutas, acordos, debates, consentimentos e resistências, do mundo em que se situam os homens é a chave para compreender-se tal mundo (BAKHTIN; VOLÓSHINOV, 2014______; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014.). Bakhtin (2011______. Estética da criação verbal. 6. ed. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2011. ) conclama o homem a ser mais fraterno, a perceber que a vida e a cultura (lato sensu) são produções coletivas, portanto somente passíveis de modificações grupais. O filósofo enaltece o grupo, a vida humana, os reputando como a matéria do mundo20 20 “O amor, o nascimento, a morte, o casamento, o trabalho, a comida e a bebida, as idades - esses são os fatos reais básicos da vida”. (BAKHTIN, 2014, p. 334) . Chega a dizer ser impossível o amor próprio, pois somente o Outro pode nos amar. O Outro é imprescindível em (para) nossas existências; somente somos quem somos por haver o Outro, a quem constantemente nos comparamos (BAKHTIN, 2011______. Estética da criação verbal. 6. ed. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2011. ).

Vemos o Outro e, percebendo que nós e ele somos diferentes, nos enxergamos como existentes. Se houvesse apenas um ser humano, ele não saberia o que era/é. Olhamo-nos no espelho e nos arrumamos para um terceiro, um Outro (BAKHTIN, 2012______. Para uma filosofia do ato responsável. 2. ed. Tradução de Valdemir Miotello e Carlos Faraco. São Carlos: Pedro e João, 2012.). Dessa forma, “a justificativa não pode ser a autojustificativa, o reconhecimento não pode ser o autorreconhecimento. Do Outro eu recebo meu nome, e este existe para os Outros [pela] autonomeação. Nenhum nirvana é possível para uma só consciência [...], a consciência é essencialmente plural” (BAKHTIN, 2011______. Estética da criação verbal. 6. ed. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2011. , p. 342, grifos do autor). Em Bakhtin, logo, a vida é um Eu e um Outro21 21 “Bakhtin propõe um agente que vê seu ponto de vista exotopicamente [por fora de si], a partir desse mesmo ponto de vista, composto com base em suas relações com outros sujeitos que lhe conferem o necessário, e sempre fluido, acabamento”. (SOBRAL, 2014, p. 18) . Um diálogo interacional/social constante.

Para o filósofo e Volóshinov, “todo signo é social por natureza, tanto o exterior quanto o interior” (BAKHTIN; VOLÓSHINOV, 2014______; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014., p. 59), bem como “inclusive o da individualidade é social” (BAKHTIN; VOLÓSHINOV, 2014______; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014., p. 60). Desse modo, até mesmo pensamentos individuais - signos interiores, realizáveis por meio de palavras internas, sempre terão um(a) caráter/relação com o mundo social que envolve os homens, e que geralmente os encobre, posto que é mais forte que eles - a ideologia está no mundo e não nos homens e suas consciências.

Em Bakhtin, relevância premente tem a palavra. Ela é o produto da interação entre locutor e ouvinte, mas, ao mesmo tempo, é o insumo para iniciar e sustentar tal interação. “A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os Outros22 22 “A palavra como signo reflete e refrata os significados, ela não é mera repetição do sentido que circula no contexto social, mas transforma-se em sentidos outros em função das relações dialógicas que o enunciador mantém com o outro internalizado ao qual reage em função de posicionamentos valorativo e ideológico frente a esse outro”. (PUZZO, 2017, p. 144) ” (BAKHTIN; VOLÓSHINOV, 2014______; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014., p. 117). Para o autor, esta é líquida, se amolda a qualquer contexto, possui verdadeira “ubiquidade social”. A função precípua da palavra é servir de instrumento à materialização da ideologia no interior das consciências. Isto é, a ideologia está na vida, na materialidade das relações sociais diversas, e para penetrar nas mentes ela se faz da palavra. Bakhtin e Volóshinov são claros: “na realidade, não são as palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis, etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial” (BAKHTIN; VOLÓSHINOV, 2014______; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014., p. 99).

A filosofia da linguagem bakhtiniana possui inúmeros conceitos forjados por Bakhtin e seus companheiros de estudos. No foco do tema deste artigo, reputa-se por bem comentar-se brevemente sobre seis conceitos clássicos, os quais podem ajudar a, nas páginas sucedentes, entender melhor a fala de promulgação da CRFB/88. O primeiro conceito crucial é o de “Ato responsável”. Para Bakhtin (2012)______. Para uma filosofia do ato responsável. 2. ed. Tradução de Valdemir Miotello e Carlos Faraco. São Carlos: Pedro e João, 2012., este é o ato fundamental do ser humano. Conforme o russo, toda ação/ato humano deve ser realizado(a) de forma responsável, porquanto somente assim o homem estará fazendo jus à sua condição de homem único, pensante e irrepetível.

Tal ato, diz o comentador bakhtiniano Adail Sobral:

Trata-se da ação concreta (ou seja, inserida no mundo vivido) intencional (isto é, não voluntária) praticada por alguém situado, não transcendente. Destaca-se, assim, o caráter da “responsibilidade” e da “participabilidade” do agente. “Responsibilidade” [...], responder pelos próprios atos, a responsividade, o responder a alguém ou a alguma coisa23 23 “Toda compreensão de um texto, [...] implica, segundo Bakhtin, uma responsividade e, por conseguinte, um juízo de valor”. (FIORIN, 2011, p. 7) [...] um responder responsável que envolve necessariamente um compromisso ético do agente. (SOBRAL, 2014SOBRAL, Adail. Ato/atividade e evento. In: BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2014. p. 11-36., p. 20)

Esclarece Bakhtin (2012______. Para uma filosofia do ato responsável. 2. ed. Tradução de Valdemir Miotello e Carlos Faraco. São Carlos: Pedro e João, 2012.) que agir responsavelmente é agir no substrato de escolhas éticas. Pode-se agir contra a moral de seu local ou a favor dela, mas efetivamente precisa-se/deve-se (e sempre se faz isso) agir de algum modo: não há terceiras opções. Aduz Bakhtin que viver não tem álibi: ou se vive ou se vive, e vivendo ou se age responsavelmente ou não (BAKHTIN, 2012______. Para uma filosofia do ato responsável. 2. ed. Tradução de Valdemir Miotello e Carlos Faraco. São Carlos: Pedro e João, 2012.). A Bakhtin, “interessa-lhe a vida vivida na perspectiva de uma consciência que age responsável e participativamente. E não na perspectiva dos transbordamentos ilimitados de instintos, emoções, desejos” (FARACO, 2017_______. Bakhtin e filosofias. Bakhtiniana-Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v. 12, n. 2, maio, p. 45-57, 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-45732017000200045>. Acesso em: 01 abr. 2020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 52). “Ser responsavelmente participante é realizar sua singularidade não para si, mas na relação com o outro” (FARACO, 2017_______. Bakhtin e filosofias. Bakhtiniana-Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v. 12, n. 2, maio, p. 45-57, 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-45732017000200045>. Acesso em: 01 abr. 2020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 52).

Expende o filósofo:

Somente o ato responsável supera toda a hipótese, porque ele é - de um jeito inevitável, irremediável e irrevogável - a realização de uma decisão; o ato é o resultado final, uma consumada conclusão definitiva; concentra, correlaciona e resolve em um contexto único e singular e já final o sentido e o fato, o universal e o individual, o real e o ideal, porque tudo entra na composição de sua motivação responsável24 24 “Para Bakhtin é impossível separar, em termos absolutos e abstratos, juízos factuais de juízos valorativos. A saída para o eventual impasse epistemológico quanto à validade de juízos cognitivos que inevitavelmente refratam o mundo se dá pelo confronto, pelo embate das diferentes posições axiológicas que atuam no recorte e no dizer sobre o objeto”. (FARACO, 2017, p. 50-51) . (BAKHTIN, 2012______. Para uma filosofia do ato responsável. 2. ed. Tradução de Valdemir Miotello e Carlos Faraco. São Carlos: Pedro e João, 2012., p. 80) (Itálicos originais do autor)

Outro conceito bakhtiniano fundamental é o de “enunciado concreto”. Falar é falar, diccionar palavras, e isso é um ato individual, físico, material, fisiológico. De revés, o comentador Carlos Faraco assevera que, segundo Bakhtin, o enunciado “[...] emerge sempre e necessariamente num contexto cultural saturado de significados e valores e é sempre um ato responsivo, isto é, uma tomada de posição” (FARACO, 2009FARACO, Carlos Alberto. Linguagem e diálogo: As ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola, 2009., p. 24). Além disso, verifica-se que “[...] o enunciado somente surge do encontro entre Eu e o Outro, da comunicação, a qual jamais será neutra, estará sempre impregnada de valores e condicionada por um contexto” (CABETTE, 2014CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Bakhtin e o direito: uma visão transdisciplinar. Porto Alegre: Núria Fabris, 2014., p. 22). Portanto, enunciado concreto é um dizer que valoriza a realidade material (concreta) e contextual sobre a qual é realizado.

Outro conceito bakhtiniano primordial é o de “dialogismo”. Bakhtin (2015)______. Problemas na poética de Dostoiévski 5. ed. Tradução de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense, 2015. diz que a autoconsciência do homem é totalmente dialogada e “em todos os seus momentos está voltada para fora, dirige-se intensamente a si, a um Outro, a um terceiro” (BAKHTIN, 2015______. Problemas na poética de Dostoiévski 5. ed. Tradução de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense, 2015., p. 292). Para o filósofo, o homem é o “sujeito do apelo”, pois não se pode falar sobre ele (o homem é inexplicável), mas apenas dirigir-se a ele, dialogar com ele. Não se fala do homem, mas sim com o homem. O esquema básico do diálogo em Bakhtin é “a contraposição do homem ao homem como contraposição do ‘Eu’ ao ‘Outro’” (BAKHTIN, 2015______. Problemas na poética de Dostoiévski 5. ed. Tradução de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense, 2015., p. 293).

Nessa direção, para Bakhtin (2015______. Problemas na poética de Dostoiévski 5. ed. Tradução de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense, 2015.), dialogismo é o ato/fato inescapável de o homem dialogar com seus semelhantes a todo o momento. Noutras palavras:

Tal conceito pode ser definido como o princípio constitutivo da linguagem, o que significa que toda linguagem, em qualquer campo, está impregnada por relações dialógicas25 25 Em Bakhtin, “o enunciado é a réplica de um diálogo, pois cada vez que se produz um enunciado o que se está fazendo é participar de um diálogo com outros discursos. [...] é constitutivo do enunciado que ele não existe fora das relações dialógicas. Nele estão sempre presentes ecos e lembranças de outros enunciados, com que ele conta, que ele refuta, confirma, completa, pressupõe e assim por diante”. (FIORIN, 2011, p. 19) . A concepção dialógica contém a ideia da relatividade da autoria individual e, por conseguinte, o destaque do caráter coletivo e social da produção de discursos. (SCORSOLINI-COMIN; SANTOS, 2010SCORSOLINI-COMIN, Fábio; SANTOS, Manoel Antônio dos. Bakhtin e os processos de desenvolvimento humano: um diálogo de, no mínimo, duas vozes. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, São Paulo, v. 20, n. 3, p. 745-756, 2010. Disponível em: <Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12822010000300009 >. Acesso em: 01 abr. 2020.
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, p. 748)

Outro conceito bakhtiniano fulcral é o de “polifonia”. Esta é totalmente coadunada à ideia de dialogismo. Se todos se relacionam a todo o momento, dialogando, Bakhtin (2015______. Problemas na poética de Dostoiévski 5. ed. Tradução de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense, 2015.) conclui que todos têm vozes - não apenas físicas, mas também sociais. Nem todas as vozes têm espaço para ecoar ou são ouvidas, mas todos têm vozes na sociedade, logo, existe a polifonia ou plurivocalidade social26 26 “As concepções de Bakhtin exigem do leitor um olhar múltiplo sobre o mundo e sobre o outro. Trata-se de um olhar que vê o mundo a partir de ruídos, vozes, sentidos, sons e linguagens que se misturam, (re)constroem-se, modificam-se e transformam-se continuamente” (SCORSOLINI-COMIN; SANTOS, 2010, p. 751). Além disso, “para a perspectiva bakhtiniana, não temos nunca acesso ‘direto’ ao mundo: o objeto que percebemos está sempre já impregnado de ideologias, que lhe aplicamos; com outras palavras, o objeto dos nossos enunciados comporta refrações de diferentes vozes, que resultam das forças sociais atuantes em uma dada época”. (MARCHEZAN, 2015, p. 198) (Grifos nossos) . Com esse conceito, Bakhtin (2015)______. Problemas na poética de Dostoiévski 5. ed. Tradução de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense, 2015. insta o homem a crer em seu valor, em sua capacidade de participar do complexo ideológico sistemático que lhe é imposto, da vida e suas relações várias, o que, diz ele, se deve fazer sempre com acoplamento a escolhas responsáveis e concretas, portanto, éticas.

Nesse contexto, no âmago de suas categorias dialogismo e polifonia, inspirado no romancista Dostoievski, Bakhtin recusa:

Tanto um sujeito infenso à sua inserção social, sobreposto ao social, como um sujeito fonte de sentido submetido ao ambiente sócio-histórico, tanto um sujeito fonte do sentido como um sujeito assujeitado. A proposta [bakhtiniana] é a de conceber um sujeito que, sendo um eu-para-si, condição de formação da identidade subjetiva, é também um eu-para-o-outro, condição de inserção dessa identidade no plano relacional responsável/responsivo, que lhe dá sentido. (SOBRAL, 2014SOBRAL, Adail. Ato/atividade e evento. In: BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2014. p. 11-36., p. 22)

Ou seja, no seio da comunicação social, Bakhtin rechaça a possibilidade de expressões/enunciações unilaterais. Só existimos por haver um Outro, que nos determina, nos ensina a língua(gem).

“Resumidamente, podemos afirmar que, em Bakhtin, o sujeito é uma autoconsciência que se constitui reflexivamente pelo reconhecimento do Outro no discurso. [...]. A palavra é sempre também palavra do Outro” (FLORES, 2008FLORES, Valdir do Nascimento. Introdução à linguística da enunciação. São Paulo: Contexto, 2008., p. 59).

Outro conceito basilar da teoria bakhtiniana é o de “intertextualidade”. Assim como a polifonia decorre do dialogismo, a intertextualidade também se relaciona tanto com a ideia de diálogos perenes como com a noção da existência de múltiplas vozes sociais.

“O enunciado, para o pensador russo [Bakhtin], é a unidade mínima da comunicação discursiva e um elo entre vários enunciados; por isso, preserva ressonâncias de diferentes dizeres ao mesmo tempo em que antecipa outros” (FLORES, 2009______. Dicionário de linguística da enunciaçãoSão Paulo: Contexto, 2009. , p. 99).

Disso decorre, conforme Bakhtin (2011______. Estética da criação verbal. 6. ed. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2011. ), que todo texto possui ligação com outros textos já escritos antes, pois essa relação é inarredável. Nem que um texto nada tenha a ver tematicamente com outros já existentes, somente por utilizar a linguagem tal texto estará citando outras perspectivas já forjadas, outros vocábulos, encadeamentos linguísticos etc. Portanto,

“todo enunciado somente tem vida contatando com outro enunciado, outro texto27 27 Consoante do filósofo, além do enunciado sempre ser intertextual, também “o ser humano seria considerado um intertexto, na medida que não existe isoladamente, já que a sua vida se tece, entrecruza-se e interpenetra-se com a experiência do outro. Os enunciados de um falante estão, sempre e inevitavelmente, atravessados pelas palavras do outro: o discurso elaborado pelo falante constitui e se constitui também do discurso do outro que o atravessa, condicionando o discurso do ‘eu’”. (SCORSOLINI-COMIN; SANTOS, 2010, p. 748) . Não é, pois, um contato mecânico entre elementos abstratos, mas sim um contato entre variadas vozes sociais provenientes de diferentes sujeitos do discurso [...]” (FLORES, 2009______. Dicionário de linguística da enunciaçãoSão Paulo: Contexto, 2009. , p. 202).

O último conceito bakhtiniano relevante é o de “gêneros do discurso”. Bakhtin (2011______. Estética da criação verbal. 6. ed. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2011. ) consubstancia que os gêneros do discurso são tipos de enunciados relativamente estáveis, os quais são integrados por três elementos, quais sejam: conteúdo temático, estilo e construção composicional. Esses elementos, para o autor, fundem-se indissoluvelmente na formação dos enunciados. O conteúdo é o próprio enunciado em si, o estilo é o modo de fazê-lo e a construção composicional é o plexo de relações sociais diversas sobre as quais tal enunciado é realizado (BAKHTIN, 2011______. Estética da criação verbal. 6. ed. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2011. ).

Os gêneros seriam padrões discursais estáveis relativamente, pois não são possuidores de fixidez totalizante. Bakhtin (2011______. Estética da criação verbal. 6. ed. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2011. ) cita exemplos de gêneros: ditado, romance, ordem militar, carta etc. O autor e Volóshinov dizem que o enunciado é individual, mas nem todos os gêneros são aptos a refletirem a individualidade por meio da linguagem do enunciado, afinal na maioria dos gêneros do discurso o estilo individual não entra na composição do enunciado, porque este é marcado e determinado pelo social (BAKHTIN; VOLÓSHINOV, 2014______; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014.). Bakhtin (2011)______. Estética da criação verbal. 6. ed. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2011. não erigiu tipologias detalhadas de gêneros discursivos, apenas disse que existem, basicamente, dois tipos de gêneros: os primários, que integram a comunicação discursiva imediata, ideológica, cotidiana e não formalizada e os gêneros secundários, que integram a comunicação cultural complexa, formal e rodeiam as interações sociais. Para o autor, os enunciados e o tipo a que pertencem, ou seja, os gêneros do discurso, são as correias de transmissão entre a história da sociedade e a história da língua(gem) (BAKHTIN, 2011______. Estética da criação verbal. 6. ed. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2011. ).

Ademais, sintetizando a filosofia da linguagem bakhtinianista, para Bakhtin e Volóshinov (2014______; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014.), as classes sociais utilizam a linguagem para (re)forçar seu poder - afinal, por exemplo, até hoje perdura a máxima colonialista de que quem domina a língua estrangeira tem mais poder. Além disso, conforme o filósofo russo todo signo é ideológico, porquanto a ideologia é um reflexo das estruturas sociais. Portanto, sendo a enunciação um plexo de signos (BAKHTIN, 2011______. Estética da criação verbal. 6. ed. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2011. ), chega-se à ideia central bakhtiniana: toda enunciação é ideológica (BAKHTIN; VOLÓSHINOV, 2014______; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014.).

De Bakhtin vem, então, a lição sobre ser preciso que se problematize a(s) língua(gens) no dia a dia, na rua, nas escolas, universidades, institutos de educação profissional, igrejas, bares, hospitais, em todo o lugar28 28 “Em suma, Bakhtin pode ser lido como um pensador que dialogou com os problemas filosóficos de seu tempo e, conjugando uma filosofia de valores, uma filosofia da vida e uma filosofia da interação, deu forma concreta e heuristicamente poderosa a projetos apenas visualizados em termos gerais pelos filósofos com quem dialogou, em especial na estética geral e literária e na filosofia da linguagem”. (FARACO, 2017, p. 55) . A compreensão de que vencer ou modificar as ideologias maléficas que oprimem a maioria é factível, reside na percepção da linguagem como o motor da sociedade. Nossas vidas, pequenas e curtas vidas, singelas vidas comuns, são importantes. Somos todos únicos e irrepetíveis (BAKHTIN, 2012______. Para uma filosofia do ato responsável. 2. ed. Tradução de Valdemir Miotello e Carlos Faraco. São Carlos: Pedro e João, 2012.). “A ‘ideologia do cotidiano’ [em Bakhtin], que se exprime na vida corrente, é o cadinho onde se formam e se renovam as ideologias constituídas” (YAGUELLO, 2014YAGUELLO, Marina. Introdução: Bakhtin, o homem e seu duplo. In: BAKHTIN, Mikhail; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014. p. 11-19., p. 16). De cadinho em cadinho podemos muito.

Constituição Federal de 1988: das “Diretas já” à promulgação

Tudo o que há, no contexto humano-terreno, ocorre sempre neste mundo e sua materialidade, repleta de contextos, relações e enlaces sociais diversos. Para Bakhtin, o contexto é fulcral. A realidade contextual chega a explicar o motivo do ato (BAKHTIN, 2011______. Estética da criação verbal. 6. ed. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2011. ). É imprescindível “saber como a realidade (a infraestrutura) determina o signo, como o signo reflete e refrata a realidade em transformação” (BAKHTIN; VOLÓSHINOV, 2014______; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014., p. 42). “O contexto social imediato determina quais serão os ouvintes possíveis, amigos ou inimigos para os quais serão orientadas as consciências” (BAKHTIN; VOLÓSHINOV, 2014______; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014., p. 118), ou seja, “a situação social determina que modelo, que metáfora, que forma de enunciação servirá para exprimir” (BAKHTIN; VOLÓSHINOV, 2014______; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014., p. 121) aquilo que se queira externar.

“O centro organizador de toda enunciação, de toda expressão, não é interior, mas exterior: está situado no meio social que envolve o indivíduo. Só o grito inarticulado de um animal procede do interior do aparelho fisiológico do indivíduo isolado” (BAKHTIN; VOLÓSHINOV, 2014______; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014., p. 125).

O contexto sócio-histórico é sempre fundamental. “O signo e a situação social em que se insere estão indissoluvelmente ligados” (BAKHTIN; VOLÓSHINOV, 2014______; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014., p. 63). “O sentido da palavra é totalmente determinado por seu contexto” (BAKHTIN; VOLÓSHINOV, 2014______; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014., p. 109). Por fim, “a situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam completamente e, por assim dizer, a partir do seu próprio interior, a estrutura da enunciação” (BAKHTIN; VOLÓSHINOV, 2014______; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014., p. 117).

Nessa vertente expositiva, percebendo ser importante o contexto de sua produção para a análise de qualquer objeto, nesta seção do artigo discorre-se sobre aspectos contextuais históricos que contribuíram direta e indiretamente para a elaboração da Constituição Federal de 1988 e da fala de sua promulgação, mormente o movimento das “Diretas Já”, em 1984, e o que se chama de fim do regime militar, em 1985, com o governo de transição de Sarney.

Começa-se recordando o movimento das “Diretas Já”. Alguns pesquisadores criticam a “romantização” de tal movimento, como Nery (2010NERY, Vanderlei Elias. Diretas já: a busca pela democracia e seus limites. Simpósio Lutas Sociais Na América Latina: Imperialismo, Nacionalismo E Militarismo No Século XXI, 4, 2010, Londrina. Anais...Londrina: UEL, 2010, p. 113-121. Disponível em: <Disponível em: http://www.uel.br/grupopesquisa/gepal/anais_ivsimp/gt8/12_vanderleinery.pdf >. Acesso em: 01 abr. 2020.
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), dizendo que ele não foi um “movimento” social, mas uma “campanha”, pois organizado pelos parlamentares integrantes dos partidos burgueses, excetuando-se o Partido dos Trabalhadores (PT) - naquela época (década de 1980) “não burguês”, os quais estavam, por variados motivos, notadamente pela crise econômica que assolava o país, cansados do regime militar que apoiaram no seu começo. Este autor proclama:

A campanha “Diretas Já” foi interpretada a partir de uma visão romântica da política e da democracia. Revelador desse viés é a identificação [...] de que o objetivo central da campanha era conquistar a democracia, que aparece como um valor em si mesmo, como um valor universal, sem que houvesse [...] questionamentos quanto às formas de organização da campanha, à participação das classes sociais no processo, e os diferentes objetivos dos diferentes participantes. [...] À exceção do PT, de base predominantemente operária [...] os outros partidos [participantes] (PMDB29 29 Partido do Movimento Democrático Brasileiro. , PDT30 30 Partido Democrático Trabalhista. e PTB31 31 Partido Trabalhista Brasileiro. ) são de origem burguesa e [...] dirigiram a campanha “Diretas Já”. (NERY, 2010NERY, Vanderlei Elias. Diretas já: a busca pela democracia e seus limites. Simpósio Lutas Sociais Na América Latina: Imperialismo, Nacionalismo E Militarismo No Século XXI, 4, 2010, Londrina. Anais...Londrina: UEL, 2010, p. 113-121. Disponível em: <Disponível em: http://www.uel.br/grupopesquisa/gepal/anais_ivsimp/gt8/12_vanderleinery.pdf >. Acesso em: 01 abr. 2020.
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, p. 114-115)

Em sentido diferente, é dimanado por outros autores que as “Diretas Já” foram sim um enorme movimento social/popular, da população brasileira. Eugênio (1995EUGÊNIO, Marcos Francisco Napolitano de. Representações políticas no movimento Diretas-Já. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 15, n. 29, p. 207-219, 1995. Disponível em: <Disponível em: http://www.anpuh.org/revistabrasileira/view?ID_REVISTA_BRASILEIRA=14 >. Acesso em: 01 abr. 2020.
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), a título exemplificativo, crê que, embora já tivesse havido manifestações em oposição ao regime antes de 1983/84, o movimento das “Diretas Já” “era percebido como algo novo e especial, devido principalmente à sua amplitude. Nas representações veiculadas pela imprensa, a categoria ‘povo’ parecia adquirir uma dimensão real, corpórea e expressiva. Na praça estava o ‘povo’ brasileiro, uno e múltiplo ao mesmo tempo” (EUGÊNIO, 1995EUGÊNIO, Marcos Francisco Napolitano de. Representações políticas no movimento Diretas-Já. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 15, n. 29, p. 207-219, 1995. Disponível em: <Disponível em: http://www.anpuh.org/revistabrasileira/view?ID_REVISTA_BRASILEIRA=14 >. Acesso em: 01 abr. 2020.
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, p. 208).

Eugênio diz que “em pouco mais de quatro meses milhões de brasileiros ocuparam as praças públicas num conjunto de gigantescas manifestações de repúdio ao regime militar, exigindo a volta das eleições diretas para presidente da República” (EUGÊNIO, 1995EUGÊNIO, Marcos Francisco Napolitano de. Representações políticas no movimento Diretas-Já. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 15, n. 29, p. 207-219, 1995. Disponível em: <Disponível em: http://www.anpuh.org/revistabrasileira/view?ID_REVISTA_BRASILEIRA=14 >. Acesso em: 01 abr. 2020.
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, p. 207). O estudioso rememora que os comícios das “Diretas Já” foram realizados em dezenas de cidades do país e, a partir disso, adquiriram um “caráter nacional”. O autor defende que o povo teve voz e vez, não sendo apenas massa de manobra. Prova disso, aduz, é que houve também algumas representações sociais “não oficiais”, ou seja, não iniciadas pelos líderes do movimento.

Com efeito, lembrando que nada é absoluto e que em política, diferentemente de como ocorre no Direito, não há regras do “dever ser” e sim do “ser” - na política as coisas são o que são, a autoria deste artigo queda-se seguidora de um “meio termo” em relação à organização e à caracterização das “Diretas Já”. Aquiesce-se com Oliveira e Marinho (2012OLIVEIRA, Sonale Diane; MARINHO, Maria Gabriela Martins. Diretas Já, um movimento social híbrido. Revista Debates, Porto Alegre, v. 6, n. 3, set.- dez., p. 129-143, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://seer.ufrgs.br/debates/article/view/31344 >. Acesso em: 01 abr. 2020.
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), para quem as “Diretas Já” foram não só um movimento social, mas um “movimento social híbrido”. As autoras afirmam ser preciso assumir que “o processo brasileiro de transição rumo à democracia é visto como particular na América Latina, pois resultou de uma negociação entre elites e não de um choque político via deposição” (OLIVEIRA; MARINHO, 2012OLIVEIRA, Sonale Diane; MARINHO, Maria Gabriela Martins. Diretas Já, um movimento social híbrido. Revista Debates, Porto Alegre, v. 6, n. 3, set.- dez., p. 129-143, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://seer.ufrgs.br/debates/article/view/31344 >. Acesso em: 01 abr. 2020.
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, p. 132), mas, mesmo assim, o povo participou muito, integrando e tomando a frente de vários movimentos e manifestações, cujo ápice foram as “Diretas Já”.

As pesquisadoras creem ter havido, a partir do final dos anos 70, um verdadeiro “surto associativista” na nação. “Diversos setores sociais autônomos organizaram-se, pressionando o núcleo de poder e obrigando-o a maior sensibilidade frente às demandas da sociedade” (OLIVEIRA; MARINHO, 2012OLIVEIRA, Sonale Diane; MARINHO, Maria Gabriela Martins. Diretas Já, um movimento social híbrido. Revista Debates, Porto Alegre, v. 6, n. 3, set.- dez., p. 129-143, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://seer.ufrgs.br/debates/article/view/31344 >. Acesso em: 01 abr. 2020.
http://seer.ufrgs.br/debates/article/vie...
, p. 131), já fatigada após 20 anos de tanto sofrimento físico e mental eliciado pelo caótico regime militar. As autoras esclarecem que o hibridismo das “Diretas Já” tem, pois, o seguinte sentido (duplo): houve uma nova forma de mobilização social, nunca vista antes, com um caráter coletivo e identitário, mas houve também uma espécie de tentativa de algumas camadas elitistas de permanecer no poder, com seus privilégios, seus cargos, suas prerrogativas - crê-se estarem as pesquisadoras exatamente se referindo ao que Nery (2010NERY, Vanderlei Elias. Diretas já: a busca pela democracia e seus limites. Simpósio Lutas Sociais Na América Latina: Imperialismo, Nacionalismo E Militarismo No Século XXI, 4, 2010, Londrina. Anais...Londrina: UEL, 2010, p. 113-121. Disponível em: <Disponível em: http://www.uel.br/grupopesquisa/gepal/anais_ivsimp/gt8/12_vanderleinery.pdf >. Acesso em: 01 abr. 2020.
http://www.uel.br/grupopesquisa/gepal/an...
), já citado, asseverou sobre quem foram os organizadores do movimento: parlamentares e governadores de partidos burgueses.

As autoras ressaltam, entretanto, que nesse fluxo de desígnios se sobressaiu a força associativa do povo. “Ninguém previa a explosão tão intensa e enérgica das massas. [...]. As ruas tornaram-se espaços [...] político[s] [...] e o entusiasmo da ação contagiava os cidadãos” (OLIVEIRA; MARINHO, 2012OLIVEIRA, Sonale Diane; MARINHO, Maria Gabriela Martins. Diretas Já, um movimento social híbrido. Revista Debates, Porto Alegre, v. 6, n. 3, set.- dez., p. 129-143, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://seer.ufrgs.br/debates/article/view/31344 >. Acesso em: 01 abr. 2020.
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, p. 136). Todavia, “a mobilização e a força da campanha ‘Diretas Já’ não garantiram a aprovação da Emenda Dante de Oliveira, derrotada por 22 votos. Prevaleceu a opção pela transição negociada, o que demonstra a enorme distância entre a voz das ruas e o Congresso” (OLIVEIRA; MARINHO, 2012OLIVEIRA, Sonale Diane; MARINHO, Maria Gabriela Martins. Diretas Já, um movimento social híbrido. Revista Debates, Porto Alegre, v. 6, n. 3, set.- dez., p. 129-143, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://seer.ufrgs.br/debates/article/view/31344 >. Acesso em: 01 abr. 2020.
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, p. 139).

Com a não aprovação de eleições diretas para 1985, a eleição presidencial seria, então, por um Colégio Eleitoral, onde os governistas (militares) detinham a maioria. “A oposição [PMDB] sentia que o governo estava fraco, sem apoio popular e entendia que poderia derrotar o regime dentro das regras criadas por ele mesmo. Escolheram o governador de Minas Gerais, Tancredo Neves, como candidato a presidente para a disputa” (MENEZES, 2006MENEZES, Alfredo da Mota. Momento brasileiro: do fim do regime militar à eleição de Lula. Rio de Janeiro: Gryphus, 2006., p. 19). Para seu Vice fora escolhido José Sarney. Alegavam os oposicionistas que Tancredo, ex-líder das “Diretas Já”, tinha sido uma excelente escolha porque seu estilo não amedrontava parte da elite militar32 32 Usa-se aqui o conceito de elite de Inês Minardi, para quem o termo não tem a ver com ter ou não dinheiro, mas sim influência e poder. Para a autora, “o poder da classe política, em qualquer sistema político, está sempre nas mãos de uma minoria organizada, inspirada em um ou mais princípios abstratos, com a faculdade de impor à maioria desorganizada o próprio domínio” (MINARDI, 2007, p. 31). Além disso, “em qualquer sociedade existem duas classes: a que dirige e a que é dirigida. A classe que dirige será sempre menos numerosa, detentora do poder e das vantagens. A forma dessa direção pode ser mais ou menos legal, contraditória e, por vezes, violenta”. (MINARDI, 2007, p. 32) . Ele não era um incendiário, mas um bombeiro, comentavam (MENEZES, 2006MENEZES, Alfredo da Mota. Momento brasileiro: do fim do regime militar à eleição de Lula. Rio de Janeiro: Gryphus, 2006.).

Em 15 de janeiro de 1985, Tancredo e Sarney foram eleitos no Colégio Eleitoral, angariando cerca de 480 votos em face dos 180 dados a Paulo Maluf, o candidato dos militares. Os militares tinham “perdido” o comando governamental do Estado brasileiro, pois o civil eleito era da oposição (MENEZES, 2006MENEZES, Alfredo da Mota. Momento brasileiro: do fim do regime militar à eleição de Lula. Rio de Janeiro: Gryphus, 2006.). Tancredo Neves tomaria posse em 15 de março de 1985. No dia anterior, após frequentar uma missa em Brasília, dela saiu desfalecendo e com dores. Foi internado às pressas. Propagandeava a mídia que ele estava com diverticulite, uma inflamação no intestino grosso. Permaneceu internado, passou por sete cirurgias e foi considerado clinicamente morto em 21 de abril. Após sua morte, o Vice Sarney assumiu a presidência, nela ficando até 15 de março de 1990 (MENEZES, 2006MENEZES, Alfredo da Mota. Momento brasileiro: do fim do regime militar à eleição de Lula. Rio de Janeiro: Gryphus, 2006.).

Sarney não era quisto pelo povo nem por seus colegas políticos. Estava na oposição, junto ao PMDB que tanto lutara pelas “Diretas Já”, porém era um ex-presidente do PDS33 33 Partido Democrático Social. dos militares. “Quem fizera a resistência ao regime [...], fora as ruas pressionar o governo [...] tinha sido o PMDB e, agora, com a morte inesperada de Tancredo Neves, entregaram o governo de volta a um representante do antigo regime” (MENEZES, 2006MENEZES, Alfredo da Mota. Momento brasileiro: do fim do regime militar à eleição de Lula. Rio de Janeiro: Gryphus, 2006., p. 24). Sarney inicialmente governou em meio a uma enorme crise econômica. O PMDB conseguira eleger Tancredo e ele com as críticas que fazia à situação econômica caótica do país provocada pelos militares já no final de suas gestões34 34 Talvez o regime militar “[...] tenha sido vítima do seu sucesso econômico” (MENEZES, 2006, p. 8), tendo em vista que nos anos finais do regime o Brasil, em vez de prosseguir crescendo, passou a decrescer. . O mal que afligia boa parte da população era a inflação em constante ascensão “e a elite política nacional não se entendia” (MENEZES, 2006MENEZES, Alfredo da Mota. Momento brasileiro: do fim do regime militar à eleição de Lula. Rio de Janeiro: Gryphus, 2006., p. 28). Havia, então, crise econômica e política.

No plasma dessas crises, para “apagar de vez” o passado ditatorial pátrio, (re)surgiram debates por uma nova Constituição. A Assembleia Nacional Constituinte - ANC foi convocada por meio de uma Emenda à Constituição militar de 1967. A Emenda n.º 26, de 27 de novembro de 198535 35 A instalação de uma Constituinte foi uma das promessas da aliança que elegeu Tancredo e Sarney. (MENEZES, 2006) , estampava, em seu Art. 1.º, que os membros do Congresso Nacional iriam se reunir em uma comissão unicameral na data de 1.º de fevereiro de 198736 36 Reputa-se interessante observar que a data para início dos trabalhos da ANC foi marcada com mais de um ano de antecedência, o que demonstra certa organização. , momento em que o presidente do STF37 37 Supremo Tribunal Federal. iria declarar instalada a ANC, bem como presidiria o processo de escolha do presidente daquele conclave político (MENEZES, 2006MENEZES, Alfredo da Mota. Momento brasileiro: do fim do regime militar à eleição de Lula. Rio de Janeiro: Gryphus, 2006.).

Ulysses Guimarães, um advogado liberal-democrata naquele momento Deputado Federal por mais de 35 anos pelo estado de São Paulo, presidente do PMDB, foi eleito o presidente da ANC. Em seguida, passou-se a debater a organização e o procedimento daquela Assembleia. A ANC foi dividida inicialmente em 24 subcomissões temáticas, 8 comissões e uma comissão de sistematização (PILATTI, 2008PILATTI, Adriano. A Constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econômica e regras do jogo. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2008. ). Em cada comissão e subcomissão se tratava de um tema/assunto (educação, saúde, transporte, previdência, segurança etc.)38 38 O problema é que nem todos os parlamentares participavam de cada comissão. Dessa forma, não se pode ter como verdade a afirmação de que a Constituição foi feita pelos 559 parlamentares participantes literalmente. Certamente, parlamentares que trabalharam no texto sobre a cultura e o esporte, por exemplo, não chegaram nem a entrar nas salas onde se debatia saúde (PILATTI, 2008). No final, em verdade, todos votaram tudo sem conhecer algumas coisas do texto legislativo. . Nesse processo de fazer uma nova Constituição, na verdade seus anteprojetos que seriam votados depois, o povo decidiu participar. Começava nesse momento no país incomparável movimentação popular, pois o Regimento Interno da ANC já havia firmado, após vasta pressão de vários segmentos sociais, a possibilidade e “emendas populares” ao texto constitucional nascituro (PILATTI, 2008PILATTI, Adriano. A Constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econômica e regras do jogo. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2008. ).

Nessa direção:

Entidades suprapartidárias da sociedade civil procuravam organizar congressos e debates públicos, envolvendo os parlamentares. A perspectiva era selar compromissos entre os constituintes, a sociedade e os partidos políticos, em relação às diferentes demandas sociais e, ao mesmo tempo, acompanhar as discussões e decisões da Assembleia. A participação na Constituinte surgia como um valor maior. Os cidadãos eram conclamados os baluartes da luta democrática, a partir de farta produção de cartilhas e artigos que ofereciam reflexões sobre o quão fundamental é o exercício da cidadania em processos constituintes. Esses trabalhos buscavam, sobretudo, esclarecer sobre a importância de o cidadão participar na elaboração da nova Constituição e na definição dos rumos que o país tomaria a partir de sua promulgação. (VERSIANI, 2010VERSIANI, Maria Helena. Uma República na constituinte (1985-1988). Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 30, n. 60, p. 233-252, 2010. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbh/v30n60/a13v3060.pdf >. Acesso em: 01 abr. 2020.
http://www.scielo.br/pdf/rbh/v30n60/a13v...
, p. 243-244)

Versiani (2010VERSIANI, Maria Helena. Uma República na constituinte (1985-1988). Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 30, n. 60, p. 233-252, 2010. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbh/v30n60/a13v3060.pdf >. Acesso em: 01 abr. 2020.
http://www.scielo.br/pdf/rbh/v30n60/a13v...
) conta que para a proposição de uma emenda popular, dizia o Regimento da ANC, eram necessárias 30 mil assinaturas de cidadãos, bem como o referendo de três entidades da sociedade civil. A pesquisadora lembra que o povo usou bem esse direito de participação, pois as proposições populares versavam sobre temas diversos e algumas foram protocoladas com mais de 1 milhão de assinaturas. Entidades de classe profissional, agremiações associativas, organizações não governamentais, sindicatos, universidades, comunidades/associações indígenas, congregações religiosas, várias organizações incentivavam o povo a participar assinando e propondo emendas. Caravanas de milhares de pessoas viajavam para Brasília e acampavam no gramado do Congresso Nacional. Todos os dias incontáveis pessoas circulavam dentro da sede da ANC, buscavam os parlamentares em seus gabinetes, assistiam a sessões (VERSIANI, 2010VERSIANI, Maria Helena. Uma República na constituinte (1985-1988). Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 30, n. 60, p. 233-252, 2010. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbh/v30n60/a13v3060.pdf >. Acesso em: 01 abr. 2020.
http://www.scielo.br/pdf/rbh/v30n60/a13v...
).

Naquele momento:

Diferentes cartazes espalhados nas ruas recorriam a frases como “Constituinte sem povo não cria nada de novo”, “Participe da Constituinte”, “Fale por nós agora, ou cale-se para sempre”, ou ainda: “De olho neles!”. Entidades e grupos distintos, envolvidos com temáticas as mais variadas, em comum adotavam discursos participativos, associando intrinsecamente a ideia de participação da sociedade na Constituinte com a possibilidade de construção de uma República verdadeiramente cidadã no Brasil. Entre as palavras de ordem, viam-se: “Participe: exija de seu candidato um programa em defesa da criança”; “Meio ambiente na Constituinte: direito de todos, dever de cada um. Participe!”; “Direitos iguais: nessa Constituinte a gente tem que chegar juntos!”; ou “Vamos fazer as novas regras do jogo!”. (VERSIANI, 2010VERSIANI, Maria Helena. Uma República na constituinte (1985-1988). Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 30, n. 60, p. 233-252, 2010. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbh/v30n60/a13v3060.pdf >. Acesso em: 01 abr. 2020.
http://www.scielo.br/pdf/rbh/v30n60/a13v...
, p. 244)

“Uma ideia-valor presente e largamente disseminada era, pois, a de que a participação da sociedade permitiria que o processo Constituinte representasse um avanço na luta pela construção da cidadania do povo brasileiro em bases democráticas” (VERSIANI, 2010VERSIANI, Maria Helena. Uma República na constituinte (1985-1988). Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 30, n. 60, p. 233-252, 2010. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbh/v30n60/a13v3060.pdf >. Acesso em: 01 abr. 2020.
http://www.scielo.br/pdf/rbh/v30n60/a13v...
, p. 244). Havia, portanto, um enorme sopro, uma corpulenta chama de participatividade.

Posto isso, após os vários debates públicos e reuniões dos Deputados e Senadores membros da ANC, entre 24 de novembro de 1987 e 27 de janeiro de 1988, o primeiro Projeto de Constituição, após ser votado 509 vezes, foi entregue à presidência da ANC pela Comissão de Sistematização. Ali Ulysses Guimarães passava efetivamente a conduzir as discussões finais (PILATTI, 2008PILATTI, Adriano. A Constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econômica e regras do jogo. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2008. ). Em 22 de setembro de 1988 o texto final da Constituição foi votado pela última vez e aprovado. Entre aquela data e 5 de outubro de 1988 os Constituintes gozaram de um recesso, a fim de descansar, e finalmente em 5 de outubro a Constituição, depois de quase dois anos de trabalhos, foi promulgada pela boca de Ulysses, passando a valer.

A fala de promulgação da Constituição de 1988: uma análise Bakhtiniana

Nesta seção, chega-se ao epicentro da análise proposta. Perlustra-se a fala de promulgação da Carta Política de 1988 a partir das teorias de Mikhail Bakhtin e seus amigos do Círculo de Bakhtin. Do filósofo russo e seus companheiros se busca a ideia da inseparabilidade entre a ideologia e a realidade material do signo que a cria/representa, pensando sempre nas formas concretas que oportunizam a realização da comunicação social, a qual não ocorre fora do sistema humano e suas lutas, tensões, acordos e contradições.

Este artigo segue uma sequência de subsunção lógica: no começo, falou-se sobre as principais ideias bakhtinianas, notadamente as relativas a valorizar-se o contexto dos atos humanos. Ao seguinte, relembrou-se do contexto de produção da Constituição de 1988, o qual também é o contexto de elaboração da fala promulgadora. Agora, jungindo as duas coisas, analisa-se a fala Ulyssiana com supedâneo em seu contexto.

Em Bakhtin, entende-se que Ulysses, ao promulgar a CRFB/88, não foi um orador individual, singular, interno, exclusivo, mas social, em contato com seu Outro e com seu ambiente contextual. Prova de que a fala promulgadora é social/coletiva é o fato de que Ulysses faz parte dessa enunciação, do conteúdo dela, mas também, em certos momentos, se desvia dela e a refrata, chamando um “nós” e, às vezes, até um “eles”, ao referir-se aos constituintes e ao povo brasileiro. Isso ocorre considerando que “o ser, refletido no signo, não apenas nele se reflete, mas também se refrata. O que determina esta refração do ser no signo ideológico? O confronto de interesses sociais nos limites de uma só e mesma comunidade semiótica, ou seja: a luta de classes” (BAKHTIN; VOLÓSHINOV, 2014______; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014., p. 47).

Dessa maneira, observando a luta de classes ocorrida no engendro da CRFB/8839 39 Expõe Pilatti (2008), em trabalho específico sobre a ANC, que, genericamente, havia no processo de elaboração da Constituição Federal de 1988 conservadores/capitalistas/ricos/direitistas versus progressistas/socialistas/esquerdistas. Entretanto, valorizando a perspectiva ideológica plural de Bakhtin, acredita-se ser melhor pensar que havia incontáveis classes sociais disputando interesses naquele momento, ao invés de apenas dois grupos. Por certo, os destaques não representam o todo de qualquer meio social. , busca-se nesta seção interpretar o “discurso social” da fala Ulyssiana, o qual não deixa de ser também o “discurso social” da própria Constituição. Pontua-se, a partir de agora, cinco elementos temáticos contextuais gerais que se crê haver na fala promulgadora, com relação ao contexto de sua produção, bem como com o de elaboração da CRFB/88 e com o conteúdo dessa lei fundamental. Os cinco pontos identificados não estão presentes sequencialmente na fala original de Ulysses, nem também estão reunidos em mesmos locais da/na fala. Os trechos a seguir citados foram agrupados, pois estão localizados em diferentes passagens do objeto.

O primeiro tema central da fala, na visão da autoria deste artigo, é a questão da “democracia”. Ulysses Guimarães pontuou o caráter democrático da CRFB/88 e de muitas conquistas democráticas dessa norma na fala promulgadora. Sobre democracia disse o Deputado:

[...] a persistência da Constituição é a sobrevivência da democracia. Quando, após tantos anos de lutas e sacrifícios, promulgamos o estatuto do homem, da liberdade e da democracia, bradamos por imposição de sua honra: temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela desgrace homens e nações, principalmente na América Latina. [...]. Democracia é a vontade da lei, que é plural e igual para todos, e não a do príncipe, que é unipessoal e desigual para os favorecimentos e os privilégios. Se a democracia é o governo da lei, não só ao elaborá-la, mas também para cumpri-la, são governo o Executivo e o Legislativo. [...]. Tem significado de diagnóstico a Constituição ter alargado o exercício da democracia, em participativa além de representativa. É o clarim da soberania popular e direta, tocando no umbral da Constituição, para ordenar o avanço no campo das necessidades sociais [...]. (GUIMARÃES, 1988GUIMARÃES, Ulysses. Fala de promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Congresso Nacional/ANC, 1988. Disponível em: <Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividadeegislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/25anosdaconstituicaode1988/constituinte19871988/pdf/Ulysses%20Guimaraes%20%20DISCURSO%20%20REVISADO.pdf >. Acesso em: 01 abr. 2020.
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Ulysses comentou sobre a democracia trazida pela CRFB/88, bem como sobre a “onda democrática” que levou à produção dessa norma. Não se poderia esperar outros vocábulos do presidente da ANC tendo o Brasil passado pelo que passou entre 1964 e 1985, com a vigência de um regime militar. Ulysses, obedecendo à máxima bakhtiniana da forte relação enunciação-contexto, se inclinou para o contexto sócio-histórico em que estava. Além disso, Ulysses dialoga com um “outro coletivo”, o povo brasileiro - dialogismo bakhtiniano, comenta ações deste povo, que ele também integra, em prol da democracia; implicitamente, rememora lutas sociais diversas - uma intertextualidade histórica bakhtiniana. Consequência evidente é que o tema e o protagonismo da fala findam por pertencer não apenas ao parlamentar, mas a várias pessoas, a todo o povo brasileiro que o ouvia, emergindo a polifonia bakhtiniana - vozes ativas entrecruzadas.

O segundo tema central imanente à fala Ulyssiana, crê-se, é a “liberdade”. Não seria também surpresa alusão à tal temática na fala de promulgação de uma Constituição forjada após mais de duas décadas de um regime governamental nacional de caráter militar/opressor, que matou, torturou, reprimiu e censurou tantas pessoas, como consabido pela maioria dos brasileiros. A respeito desse tema, consubstanciou Ulysses:

[...] conhecemos o caminho maldito: rasgar a Constituição, trancar as portas do parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio, o cemitério. [...]. Nosso desejo é o da Nação: que este plenário não abrigue outra Assembleia Nacional Constituinte. Porque, antes da Constituinte, a ditadura já teria trancado as portas desta Casa. (GUIMARÃES, 1988GUIMARÃES, Ulysses. Fala de promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Congresso Nacional/ANC, 1988. Disponível em: <Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividadeegislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/25anosdaconstituicaode1988/constituinte19871988/pdf/Ulysses%20Guimaraes%20%20DISCURSO%20%20REVISADO.pdf >. Acesso em: 01 abr. 2020.
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Nesse trecho, afigura-se claro que Ulysses clamou a Constituinte como sendo um local de liberdade, uma comissão onde os Constituintes foram livres e, em tese, desprendidos de pressões negativas, medos, amedrontamentos e sentimentos análogos. Ulysses rememorou o passado do parlamento pátrio, lembrando que, por vezes, durante o regime militar, e mesmo em momentos políticos instáveis anteriores, ele foi fechado e o país teve sua Constituição “rasgada”.

O terceiro assunto central na fala promulgadora é, acredita-se, a “participação popular”. Disse o parlamentar sobre a participação popular na construção da Constituição:

O enorme esforço é dimensionado pelas 61.020 emendas, além de 122 emendas populares, algumas com mais de 1 milhão de assinaturas, que foram apresentadas, publicadas, distribuídas, relatadas e votadas40 40 Merece grifo a atitude de Ulysses em dizer apenas que as 122 proposições populares foram “votadas” e não que foram “aprovadas”, pois destas 122 apreciadas apenas 19 foram aprovadas e outras 11 mil sequer foram recepcionadas (PILATTI, 2008). Crê-se ter Ulysses optado por encobrir essa informação para não sujar o brilho da participação social no engendro da Carta Política. Afinal, mesmo sem ter muitas emendas aprovadas, o povo participou pressionando os constituintes. [...]. A participação foi também pela presença, pois diariamente cerca de 10 mil postulantes franquearam, livremente, as 11 entradas do enorme complexo arquitetônico do Parlamento, na procura dos gabinetes, comissões, galeria e salões. Há, portanto, representativo e oxigenado sopro de gente, de rua, de praça, de favela, de fábrica, de trabalhadores, de cozinheiros, de menores carentes, de índios, de posseiros, de empresários, de estudantes, de aposentados, de servidores civis e militares, atestando a contemporaneidade e autenticidade social do texto que ora passa a vigorar. Como o caramujo, guardará para sempre o bramido das ondas de sofrimento, esperança e reivindicações de onde proveio. [...]. Tem substância popular e cristã o título que a consagra: “a Constituição cidadã”. (GUIMARÃES, 1988GUIMARÃES, Ulysses. Fala de promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Congresso Nacional/ANC, 1988. Disponível em: <Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividadeegislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/25anosdaconstituicaode1988/constituinte19871988/pdf/Ulysses%20Guimaraes%20%20DISCURSO%20%20REVISADO.pdf >. Acesso em: 01 abr. 2020.
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O tema participação popular, ou seja, “o povo no poder” - o povo mesmo, os pobres, é complexo, porquanto, como bem se sabe, no caso do Brasil e o vigor de seu sistema representativo, vige a ideia de que o povo já participa do poder e da gestão do Estado por meio de seus representantes, devidamente eleitos. Na ANC, por exemplo, e não poderia ser diferente41 41 Não havia como cada brasileiro trabalhar na elaboração do texto da norma. , foram os brasileiros representados por parlamentares. Contudo, mesmo com a representatividade parlamentar, houve na ANC grande participação efetivamente do povo.

A CRFB/88 foi “o resultado de um conjunto de forças existentes no país, representadas pela classe média da sociedade. Refletiu o somatório da hegemonia ideológica da classe média tecnoburocrática, com a influência dos trabalhadores organizados em partidos e sindicatos” (MINARDI, 2007MINARDI, Inês. A elite possível: congresso constituinte de 1988. São Paulo: Expressão e Arte, 2007. , p. 109), e Ulysses Guimarães, em sua fala, pontuou isso ao dizer que havia na ANC e na Constituição “representativo e oxigenado sopro de gente, de rua, de praça, de favela, de fábrica, de trabalhadores, de cozinheiros, de menores carentes, de índios, de posseiros, de empresários, de estudantes, de aposentados, de servidores civis e militares” (GUIMARÃES, 1988GUIMARÃES, Ulysses. Fala de promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Congresso Nacional/ANC, 1988. Disponível em: <Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividadeegislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/25anosdaconstituicaode1988/constituinte19871988/pdf/Ulysses%20Guimaraes%20%20DISCURSO%20%20REVISADO.pdf >. Acesso em: 01 abr. 2020.
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Nada obstante isso, Ulysses também assinalou ponderações sobre a “participação popular durante a história do Brasil” até à feitura da Carta de 1988. Avaliou o presidente da ANC:

A sociedade sempre acaba vencendo, mesmo ante a inércia ou antagonismo do Estado. O Estado era Tordesilhas. Rebelada, a sociedade empurrou as fronteiras do Brasil, criando uma das maiores geografias do Universo. O Estado, encarnado na metrópole, resignara-se ante a invasão holandesa no Nordeste. A sociedade restaurou nossa integridade territorial com a insurreição nativa de Tabocas e Guararapes, sob a liderança de André Vidal de Negreiros, Felipe Camarão e João Fernandes Vieira, que cunhou a frase da preeminência da sociedade sobre o Estado: “Desobedecer a El-Rei, para servir a El-Rei”. O Estado capitulou na entrega do Acre, a sociedade retomou-o com as foices, os machados e os punhos de Plácido de Castro e dos seus seringueiros. O Estado autoritário prendeu e exilou. A sociedade, com Teotônio Vilela, pela anistia, libertou e repatriou. A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram. Foi a sociedade, mobilizada nos colossais comícios das Diretas-já, que, pela transição e pela mudança, derrotou o Estado usurpador. (GUIMARÃES, 1988GUIMARÃES, Ulysses. Fala de promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Congresso Nacional/ANC, 1988. Disponível em: <Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividadeegislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/25anosdaconstituicaode1988/constituinte19871988/pdf/Ulysses%20Guimaraes%20%20DISCURSO%20%20REVISADO.pdf >. Acesso em: 01 abr. 2020.
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Nessa passagem, o líder da ANC rememora várias lutas/revoluções ocorridas no Brasil desde a Colônia, em momentos de diversas movimentações sociais a favor e/ou contra o Estado que vigorava na respectiva época. Para lembrar das batalhas, Ulysses usou exemplos de personagens históricos do contexto sociopolítico pátrio, os quais muitas vezes são tidos pela historiografia oficial como “heróis”. Falou de André Vidal de Negreiros (líder na insurreição Pernambucana, que retirou o Nordeste brasileiro do domínio holandês e reintegrou-o a Portugal), Felipe Camarão (indígena potiguar que lutou na insurreição Pernambucana a favor da Coroa lusa), João Fernandes Vieira (Senhor de Engenho que também participou da insurreição Pernambucana), Plácido de Castro (líder na “Revolução Acreana”, por meio da qual o hoje estado do Acre deixou de pertencer à Bolívia), Teotônio Vilela (empresário alagoano que, como Senador na década de 1970, atuou em prol da redemocratização) e Rubens Paiva (Deputado Federal assassinado pelo regime militar).

Ulysses rememorou “heróis” nesse fragmento e “heróis” são representantes nostálgicos do passado sofrido de qualquer povo. Ulysses, crê-se, refletiu, na menção a esses homens, o tom representativo presente da ANC. Ao citar os “heróis” mencionados conseguiu não apenas saudar a esses homens do passado nacional, mas fazer, implicitamente, uma comparação com os membros do Congresso Constituinte, bem como com todo o povo brasileiro daquele momento (1988). Assevera-se isso, pois os “heróis” citados por Ulysses representam as várias classes sociais existentes na nação e, como lembrado em linhas anteriores do artigo, a ANC foi integrada por vários segmentos ideológicos, tendo se sobressaído, na fricção de interesses, as volições da classe média. Diz-se que esses “heróis” lembrados pelo Deputado representam “simbolicamente” a sociedade brasileira, pois, André Vidal foi um governador português; Felipe Camarão, um indígena; José Vieira, um Senhor de Engenho (elite econômica); Plácido de Castro, um militar; Vilela, um empresário e Rubens Paiva um político.

Sobre a utilização de “heróis” para fundamentar narrativas, como é a fala Ulyssiana, veja-se o que diz Bakhtin:

[...] o autor fica sob o domínio do herói cuja orientação emotivo-volutiva material, cuja postura cognitivo-ética no mundo possuem tanto prestígio para o autor que este não pode ver o mundo e as coisas a não ser pelos olhos do herói e não pode viver sua própria vida a não ser no interior do herói; o autor não encontra, entre seus próprios valores, um ponto de apoio estável e convincente fora do herói (BAKHTIN, 1997BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 2. ed. Tradução de Maria Emsantina Galvão G. Pereira e Marina Appenzellert. São Paulo: Martins Fontes, 1997., p. 38).

Da observação desse pensamento bakhtiniano, percebe-se que Ulysses utilizou “heróis” como ponto de apoio estável, uma espécie de elemento legitimador de sua fala. Fica clarividente, crê-se, a volição do presidente da ANC de “popularizar” a conquista da nova Constituição, tentando realçar que efetivamente ela surgiu pelas mãos do povo, dos pobres, da sociedade de fato, que lutou, como os “heróis” do passado, no engendro de muitas ações e pressões aos constituintes para que fossem grafados no texto constitucional vários dos direitos (principalmente sociais) que lá estão até os dias atuais. Nesse direcionamento, acredita-se ter sido positiva a intenção do presidente da ANC, afinal, de fato, as pessoas do passado brasileiro, mulheres e homens, que lutaram para que se obtivessem as conquistas jurídicas e sociais que hoje se tem - aquelas que morreram, que foram torturadas, perseguidas, exiladas - não podem ser vistas como outra coisa senão “heróis”, heróis de carne e ossos. Sujeitos ativos no rio ideológico onde (o)corre a vida.

Sobreleva notar, ainda, que Ulysses falou também sobre a participação popular que passou a garantir a Constituição na política nacional. Disse o parlamentar:

Pela Constituição, os cidadãos são poderosos e vigilantes agentes da fiscalização, através do mandado de segurança coletivo; do direito de receber informações dos órgãos públicos, da prerrogativa de petição aos poderes públicos, em defesa de direitos contra ilegalidade ou abuso de poder; da obtenção de certidões para defesa de direitos; da ação popular, que pode ser proposta por qualquer cidadão, para anular ato lesivo ao patrimônio público, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico, isento de custas judiciais; da fiscalização das contas dos Municípios por parte do contribuinte; podem peticionar, reclamar, representar ou apresentar queixas junto às comissões das Casas do Congresso Nacional; qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato são partes legítimas e poderão denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União [TCU], do Estado ou do Município. A gratuidade facilita a efetividade dessa fiscalização [...]. Não esqueçamos que, na ausência de lei complementar, os cidadãos poderão ter o provimento suplementar pelo mandado de injunção. O povo passou a ter a iniciativa de leis. Mais do que isso, o povo é o superlegislador, habilitado a rejeitar, pelo referendo, projetos aprovados pelo Parlamento. A vida pública brasileira será também fiscalizada pelos cidadãos. Do Presidente da República ao Prefeito, do Senador ao Vereador. (GUIMARÃES, 1988GUIMARÃES, Ulysses. Fala de promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Congresso Nacional/ANC, 1988. Disponível em: <Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividadeegislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/25anosdaconstituicaode1988/constituinte19871988/pdf/Ulysses%20Guimaraes%20%20DISCURSO%20%20REVISADO.pdf >. Acesso em: 01 abr. 2020.
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Percebe-se que quanto à essa participação hoje garantida pela CRFB/88, Ulysses foi claro ao resumi-la. Como assevera Lustoza (2015LUSTOZA, Helton Kramer. Eficiência administrativa e ativismo judicial: escolhas orçamentárias, políticas públicas e o mínimo existencial. Curitiba: Íthala, 2015., p. 155), “com a promulgação da CRFB/88, representando a redemocratização do país, houve o estabelecimento de um plano de competências até então não outorgado por nenhuma Carta [...], criando [...] mecanismos pelos quais o Judiciário poderia [...] atender aos interesses dos cidadãos”. Mecanismos estes como o Mandado de Segurança, individual e coletivo, o direito de petição a órgãos públicos, o direito de certidão, a ação popular, reclamações ao TCU, o Mandado de Injunção, as ações de inconstitucionalidade, o referendo, entre outros.

O quarto tema central da fala promulgadora, crê-se, é o tema “República”. Ao falar sobre esse assunto Ulysses Guimarães diccionou vocábulos relativos a federalismo, Estado, governo e várias outras temáticas. Disse o Congressista-presidente da ANC:

[...] Vivenciados e originários dos Estados e Municípios, os Constituintes haveriam de ser fiéis à Federação. Exemplarmente o foram. No Brasil, desde o Império, o Estado ultraja a geografia. Espantoso despautério: o Estado contra o País, quando o País é a geografia, a base física da Nação, portanto, do Estado. É elementar: não existe Estado sem país, nem país sem geografia. Esta antinomia é fator de nosso atraso e de muitos de nossos problemas, pois somos um arquipélago social, econômico, ambiental e de costumes, não uma ilha. A civilização e a grandeza do Brasil percorreram rotas centrífugas e não centrípetas. Os bandeirantes não ficaram arranhando o litoral como caranguejos, na imagem pitoresca mais exata de Frei Vicente do Salvador. Cavalgaram os rios e marcharam para o oeste e para a História, na conquista de um continente. A Federação é a unidade na desigualdade, é a coesão pela autonomia das províncias. [...]. As necessidades básicas do homem estão nos Estados e nos Municípios. Neles deve estar o dinheiro para atendê-las. A Federação é a governabilidade. A governabilidade da Nação passa pela governabilidade dos Estados e dos Municípios. O desgoverno, filho da penúria de recursos, acende a ira popular, que invade primeiro os paços municipais, arranca as grades dos palácios e acabará chegando à rampa do Palácio do Planalto. A Constituição reabilitou a Federação ao alocar recursos ponderáveis às unidades regionais e locais, bem como ao arbitrar competência tributária para lastrear-lhes a independência financeira. [...]. Eis outro imperativo de governabilidade: a co-participação e a co-responsabilidade. A moral é o cerne da Pátria. [...]. A corrupção é o cupim da República. República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos, que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam. Não roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pública. (GUIMARÃES, 1988GUIMARÃES, Ulysses. Fala de promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Congresso Nacional/ANC, 1988. Disponível em: <Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividadeegislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/25anosdaconstituicaode1988/constituinte19871988/pdf/Ulysses%20Guimaraes%20%20DISCURSO%20%20REVISADO.pdf >. Acesso em: 01 abr. 2020.
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Lembra Versiani (2010VERSIANI, Maria Helena. Uma República na constituinte (1985-1988). Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 30, n. 60, p. 233-252, 2010. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbh/v30n60/a13v3060.pdf >. Acesso em: 01 abr. 2020.
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, p. 234) que “o terreno da República supõe alguma renúncia à lógica privada em favor da coisa pública. Rebaixa o interesse privado em nome do interesse público, de modo que todos devem orientar as suas ações sem perder de vista a supremacia do bem comum”, o que, portanto, implica reconhecer que o Estado e toda a sua estrutura devem servir a todos, indistintamente. Nesse prisma, a Constituição de 1988 trouxe muitas modificações importantes na estrutura do Estado brasileiro, no sentido de sua publicização, e Ulysses, em sua fala, conseguiu mostrar resumidamente tais inovações. Ao esclarecer que a nova Carta Política passava a destinar mais recursos para os estados e municípios, tornando descentralizada a administração da res pública em terrae brasilis, bem como a feitura de políticas públicas, lembrou Ulysses que mesmo os viajantes, missionários, bandeirantes e demais colonizadores que se sucederam no curso da história pátria não se felicitaram em permanecer localizados apenas nas margens litorâneas do leste do país, ingressando para o oeste, formando comunidades e cidades várias e, nesse caminhar, não poderia o Estado daquele final do século XX (1988) também se furtar a ingressar nos “sertões” do país, prosseguindo em não enviar recursos para os locais mais longínquos.

Em arremate, o quinto e último assunto medular da fala Ulyssiana, acredita-se, é o tema “caráter social da Constituição de 1988”. Sobre isso, perpetrou Ulysses:

A Constituição é caracteristicamente o estatuto do homem. É sua marca de fábrica. O inimigo mortal do homem é a miséria. O estado de direito, consectário da igualdade, não pode conviver com estado de miséria. Mais miserável do que os miseráveis é a sociedade que não acaba com a miséria. Não lhe bastou, porém, defendê-lo contra os abusos originários do Estado e de outras procedências. Introduziu o homem no Estado, fazendo-o credor de direitos e serviços, cobráveis inclusive com o mandado de injunção. [...]. Não é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira, desbravadora. Será luz, ainda que de lamparina, na noite dos desgraçados. É caminhando que se abrem os caminhos. Ela vai caminhar e abri-los. Será redentor o caminho que penetrar nos bolsões sujos, escuros e ignorados da miséria. Recorde-se, alvissareiramente, que o Brasil é o quinto país a implantar o instituto moderno da seguridade, com a integração de ações relativas à saúde, à previdência e à assistência social, assim como a universalidade dos benefícios para os que contribuam ou não, além de beneficiar 11 milhões de aposentados, espoliados em seus proventos [...]. (GUIMARÃES, 1988GUIMARÃES, Ulysses. Fala de promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Congresso Nacional/ANC, 1988. Disponível em: <Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividadeegislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/25anosdaconstituicaode1988/constituinte19871988/pdf/Ulysses%20Guimaraes%20%20DISCURSO%20%20REVISADO.pdf >. Acesso em: 01 abr. 2020.
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, n.p.)

Nesses trechos, basicamente, o líder da ANC ponderou sobre os vários direitos sociais insculpidos na Constituição com o fito de promover o bem de todos, notadamente dos mais pobres. Tais direitos sociais “são direitos básicos, fundamentais do homem, visando promover a justiça social, exigindo do Estado atuação positiva como forma de atenuar as desigualdades existentes e proporcionar vida digna aos indivíduos, assegurando necessidades fundamentais de sobrevivência” (SALES; PACHÚ, 2015SALES, Juliana Maria Araújo de; PACHÚ, Clésia Oliveira. Direitos sociais e as políticas públicas como mecanismo de efetivação. In: PACHÚ, Clésia Oliveira (Org.). Direitos sociais - o artigo 6º da Constituição Federal e sua efetividade. Campina Grande: EDUEPB, 2015. p. 27-46. , p. 28). “São os direitos que, consagrados na Constituição, representam as bases éticas do sistema jurídico nacional” (COMPARATO, 2003COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. , p. 176). A maioria desses direitos são de indescritível importância, pois antes de 1988 praticamente inexistentes no arcabouço jurídico nacional.

Categorizando a fala Ulyssiana a partir da teoria Bakhtiniana

Após abordar esses cinco temas principais que se identificou na fala Ulyssiana, com supedâneo na ideia de Bakhtin e Volóshinov (2014______; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014.) sobre ser a enunciação sempre determinada por seu contexto sócio-histórico - ou seja, tudo o que Ulysses Guimarães disse o fez por seu contexto, pois tal contexto dizia que ele deveria falar sobre democracia, liberdade, república etc., afinal saía o Brasil de um regime militar, ingressa-se agora em aspectos mais teóricos/técnicos da fala promulgadora em relação à teoria bakhtiniana sobre a linguagem.

Busca-se nesta seção categorizar a fala promulgadora em relação a alguns conceitos bakhtinianos, notadamente os seis conceitos especificados anteriormente no artigo. Categorizar é complicado frente ao perigo da totalização estanque ou da relativização interminável, como muito se faz na pós-verdade contemporânea. O próprio Bakhtin não gostava de categorizar. “Para Bakhtin, a realidade é [...] contraditória e em permanente transformação. [...] [o autor propõe que se viva] colocando pessoas e textos em um permanente processo dialógico. Seu pensamento coloca-se de modo sempre aberto, resistindo à ideia de acabamento e perfeição” (SCORSOLINI-COMIN; SANTOS, 2010SCORSOLINI-COMIN, Fábio; SANTOS, Manoel Antônio dos. Bakhtin e os processos de desenvolvimento humano: um diálogo de, no mínimo, duas vozes. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, São Paulo, v. 20, n. 3, p. 745-756, 2010. Disponível em: <Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12822010000300009 >. Acesso em: 01 abr. 2020.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
, p. 755). Entretanto, de algumas categorizações não se pode fugir. Os conceitos, por exemplo, embora às vezes abertos, não deixam de ser categorias pretendentes à certa estabilidade. Nesse olhar, Bakhtin também categorizou: “Bakhtin e o Círculo [agem] abrindo novas frentes de investigação, conceituando categorias de análise de enunciados no âmbito da comunicação em geral” (PUZZO, 2017PUZZO, Miriam Bauab. Dialogismo bakhtiniano e a estitlística vossleriana. Bakhtiniana-Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v. 12, n. 1, abr., p. 131-149, 2017. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-45732017000100131&lng=en&nrm=iso&tlng=pt >. Acesso em: 01 abr. 2020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 134) (Grifos nossos).

Pensando nisso, se promove aqui categorizações da fala de promulgação da CRFB/88 a partir de alguns conceitos bakhtinianos. As categorizações não pretendem ser fechadas ou anseiam por serem alçadas a patamar de infalibilidade, sendo somente a apreensão particular da autoria do artigo. Nessa linha, in primo loco, crê-se ser indagação inescapável: o que seria a fala de Ulysses para o bakhtinianismo? Bem, por sem dúvidas, assim como Bakhtin (2011______. Estética da criação verbal. 6. ed. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2011. ) critica a noção linguística de corpus42 42 De modo simples, o conjunto de textos/dados fechados que servem como objeto de algum estudo. , sob a alegação de que procedimentalizar a escrita ou a fala, que sempre são dialógicas, é monologizá-las, quase reificá-las, acredita-se que enxergar a fala promulgadora da CRFB/88 como sendo apenas um texto lido, caracteres gráficos fechados e acabados, é um ato de desmedido equívoco.

A fala de Ulysses, propaladora de um “discurso social” vigente no momento político, histórico e socioeconômico de sua dimanação, não é algo inerte, estanque ou com significação automática. É uma enunciação concretamente viva, dialógica, produzida nos embates sociais de seu tempo. Nesse raciocínio, forçando-se a dizer que tal enunciação é apenas um texto, com escora em Bakhtin e seus amigos, tal perspectiva é morta, pois para o autor até mesmo um monumento com alguma inscrição é um elemento de comunicação verbal (BAKHTIN; VOLÓSHINOV, 2014______; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014.).

Nesse viés, acredita-se, ainda, como adiantado na introdução, não ser a fala Ulyssiana um “discurso” de per si, pois, na verdade, Ulysses Guimarães dissipou um “discurso social” por meio de sua fala, ou seja, o discurso-fala promulgador(a) em si foi (apenas) um ato de fala, enunciação física. A fala foi a dimanação de um “discurso” que estava “na ordem do dia” da história brasileira. Pensa-se, então, que, em Bakhtin, a fala promulgadora da Constituição de 1988 foi um signo linguístico. Sim, apesar de ser constituída por várias letras, palavras, conceitos e expressões, portanto vários símbolos e signos “independentes” de seu contexto (da fala), crê-se que em toda a sua conjuntura foi a fala Ulyssiana um signo43 43 A mais importante característica da fala Ulyssiana que a torna um signo é o fato de ela significar algo, pois “a significação só pertence ao signo. A significação constitui a expressão da relação do signo, como realidade isolada, com uma outra realidade, por ela substituível”. (BAKHTIN; VOLÓSHINOV, 2014, p. 52) , portanto, um signo ideológico. Disseram Bakhtin e Volóshinov, em MFL, que:

Um signo não existe apenas como parte de uma realidade; ele também reflete e refrata uma outra. Ele pode distorcer essa realidade, ser-lhe fiel, ou apreendê-la de um ponto de vista específico, etc. Todo signo está sujeito aos critérios de avaliação ideológica (isto é, se é verdadeiro, falso, correto, justificado, bom, etc.). O domínio ideológico coincide com o domínio dos signos: são mutuamente correspondentes. Ali onde o signo se encontra, encontra-se também o ideológico. Tudo que é ideológico possui um valor semiótico. (BAKHTIN; VOLÓSHINOV, 2014______; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014., p. 32-33)

Nessa esteira expositiva, acredita-se que além de a fala Ulyssiana integrar uma realidade material, qual seja: o evento de promulgação da CRFB/88; ela também refletiu e refratou outra realidade: o contexto histórico que levou à instalação da Constituinte de 1987-88 e à produção da Constituição. Sendo que, com efeito, entre distorcer tal realidade, ser-lhe fiel ou interpretá-la de modo específico, pensa-se ter Ulysses Guimarães se inclinado para a última possibilidade. Acredita-se ter Ulysses conseguido erigir sua fala de um modo peculiar. Uma especificidade tal que lhe permitiu dizer coisas importantes e esconder outras, que naquele momento não poderiam ou não precisavam ser ditas. Não se consegue apreender a fala Ulyssiana como “verdadeira”, “falsa”, “correta” ou “incorreta”, mas crê-se ter sido efetivamente uma fala justa e responsável (um “ato responsável” bakhtiniano). Uma fala justa, pois justificável/justificada por seu contexto.

Bakhtin vê o sujeito “não como fantoche das relações sociais, mas como um agente, um organizador de discursos, responsável por seus atos e responsivo ao outro” (SOBRAL, 2014SOBRAL, Adail. Ato/atividade e evento. In: BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2014. p. 11-36., p. 24), características nas quais crê-se que Ulysses se enquadrou ao dizer sua fala, o que fez de forma ética, responsável (sob a forma de um enunciado concreto bakhtiniano), dialógica, respeitando a influência das vozes das ruas brasileiras naquele momento (polifonia) e interagindo com elas ao comentar sobre os mais importantes pontos positivos da CRFB/88, os quais constituíam o anseio de tais vozes.

É a fala Ulyssiana um ingrediente material44 44 “Todo fenômeno que funciona como um signo possui uma encarnação material, como um som, uma massa física, uma cor, um movimento do corpo”. (SCORSOLINI-COMIN; SANTOS, 2010, p. 754) vivo da dialética do contexto de produção da CRFB/88, do evento físico (dia) de promulgação dessa norma e (por que não?) da história do Brasil. As ideias expendidas na fala de Ulysses, ou por meio dela, não eram ideias de propriedade privada do presidente da ANC. Enquanto locutor daquele enredo-narrativa, Ulysses somente serviu de meio para a oralização de um signo coletivo que já estava se irradiando por praticamente todo o corpo social brasileiro naquela época, desde o movimento das “Diretas Já”, qual seja: o signo da democracia, do republicanismo, da liberdade, dos direitos sociais etc.

Para Bakhtin e Volóshinov (2014______; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014.), não há signos “imateriais” pré-dados ou surgidos do nada, por geração espontânea. Assim, tudo o que Ulysses Guimarães disse, o fez por causa do contexto econômico, político e social em que estava. As circunstâncias do Deputado ditaram o que poderia sair de seu aparelho fonador. Ele fez escolhas, mas as opções não foram criadas por ele e sim pelo contexto em que estava, pelo grupo social em que vivia/se situava: a ANC e suas várias classes sociais. Não se esperava que ele dissesse outras coisas. Havia um script de signos para aquela ocasião. Como aduziram Bakhtin e Volóshinov (2014, p. 34), “a própria consciência só pode surgir e se afirmar como realidade mediante a encarnação material de signos”45 45 Vale lembrar: quando se pensa, pensa-se usando palavras. A linguagem é inescapável. .

O erro dos precedentes teóricos de Bakhtin, notadamente os estruturalistas clássicos, foi enxergar a ideologia como nascitura da mente humana46 46 A ideologia não tem origem na consciência, mas no campo de batalha social entre as forças diversas que integram a vida humana. “A ideologia [...] se situa entre indivíduos organizados [...]. Os signos só podem aparecer em um terreno interindividual” (BAKHTIN; VOLÓSHINOV, 2014, p. 35). “Os signos são o alimento da consciência individual, a matéria de seu desenvolvimento, e ela reflete sua lógica e suas leis”. (BAKHTIN; VOLÓSHINOV, 2014, p. 36) A ideologia, dizem o filósofo russo e Volóshinov, é um “ato material e social” que é introduzido na consciência individual à força, e não por ela produzido (BAKHTIN; VOLÓSHINOV, 2014______; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014.). Para os amigos russos, uma consciência individual sem ideologia(s) é uma consciência sem qualquer suporte na realidade. E, jusante a isso, tem a fala Ulyssiana, ao refletir as diversas ideologias existentes no seio da ANC e nas lutas ocorridas no tecer da Carta de 1988, capacidade de servir de exemplo à máxima bakhtiniana de que a ideologia é o produto das relações materiais levadas a efeito no corpo social e também o insumo para o iniciar de tais lutas.

A fala promulgadora é um signo ideológico somente porque proveio do material da vida pátria de 1987-88 e não do psiquismo de Ulysses exclusivamente. Caso Ulysses Guimarães fosse um enunciador valorizador apenas de seu psiquismo interno, teria falado somente de si, o que seria inconcebível, pois, pelo contexto, ele estava no Congresso naquela tarde de 5 de outubro de 1988 para falar sobre a Constituição. Desse modo, para dizer o que disse no signo ideológico promulgador, Ulysses se apropriou desse seu todo, de outros signos, alimentou-se da(s) ideologia(s) das ruas, do contexto em que estava; sua fala foi condicionada à sua vida, ao que o circundava.

As circunstâncias materiais em que estava o Deputado refleti(r)am a lógica de sua fala. Ele não poderia dizer outras coisas, elogiar o regime militar, por exemplo, - dizendo, seria recriminado. Disse o que era permitido ser dito - o que estava programado. A política tem a sua lógica, que é uma lógica sempre ideológica. Ulysses jamais poderia escolher não ser influenciado pelo seu contexto. Sua fala era sobre a Constituição que estava sendo promulgada ali no país onde ele morava, depois de 21 anos de um regime militar, e ele havia sido o presidente do órgão responsável por fazer aquela norma. Isso, por si só, era inescapavelmente o contexto dele.

Ulysses aglomerou em sua fala a maioria das representações sociais existentes naquele momento na nação. Falou de pontos bons da CRFB/88, de algumas omissões, sobre o que não deu tempo de fazer. Agradou ricos e pobres com sua fala. Sua fala representou o “discurso coletivo” que a maioria dos brasileiros queria dizer. Cada parcela/classe da sociedade, praticamente, teve algo positivo que ansiava posto na Constituição. Logo, por isso, foi uma norma amada pelo povo pobre, pelos políticos e pelos empresários. Por certo, a fala promulgadora é uma prova de que é possível a convivência das classes sociais diversas, não sem lutas, mas com perenes acordos, concessões e pressões/reivindicações que garantam vidas dignas para todos. A vida pode não ser justa, mas se pode fazer falas sinceras e justas sobre ela, ainda que utópicas por vezes.

Ulysses foi sincero, não apondo a CRFB/88 no status de solução final para os inúmeros problemas nacionais, muitos dos quais subsistem ainda hoje - alguns até se agravaram, como a corrupção, a violência, a pobreza. Frisou que a Constituição “não é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira, desbravadora. Será luz, ainda que de lamparina, na noite dos desgraçados. É caminhando que se abrem os caminhos. Ela vai caminhar e abri-los. Será redentor o caminho que penetrar nos bolsões sujos, escuros e ignorados da miséria. [...]” (GUIMARÃES, 1988GUIMARÃES, Ulysses. Fala de promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Congresso Nacional/ANC, 1988. Disponível em: <Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividadeegislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/25anosdaconstituicaode1988/constituinte19871988/pdf/Ulysses%20Guimaraes%20%20DISCURSO%20%20REVISADO.pdf >. Acesso em: 01 abr. 2020.
http://www2.camara.leg.br/atividadeegisl...
, n.p.). De Ulysses vem, pois, um conselho atemporal para que não se deixe de lutar pela continuação da existência da CRFB/88 e seu cumprimento sempre em benefício do povo mais pobre: “Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais”.

Retomando os conceitos bakhtinianos que se trouxe na segunda seção do artigo, acredita-se ser possível categorizar, esquematicamente, a fala Ulyssiana da seguinte forma:

Figura 1.
A fala Ulyssiana nas teorias Bakhtinianas

É a fala Ulyssiana um discurso formal, técnico e não cotidiano, ou seja, do gênero secundário, mas com alguns elementos primários, quando Ulysses tenta se aproximar do povo e seu coloquialismo. Possui intertextualidade, notabilizada pela referência implícita de Ulysses a textos históricos, notadamente as declarações de direitos provindas das revoluções burguesas; é social e contextual, ou seja, datada; foi realizada como um ato responsável, porque se apresenta valorizando a concretude enunciativa signológica de seu contexto de produção; foi realizada (produzida e externada) de forma dialógica, enaltecendo a polifonia; e, por fim, é um signo ideológico, uma enunciação repleta de ideologias várias, de diversificadas classes. Uma fala democrática para um momento democrático como aquele. Exemplo de interação democrática, que bem poderia servir de inspiração para se obliterar os atuais discursos moralistas falsos, preconceituosos, machistas, xenófobos, conservadores e neoliberais enaltecidos no Brasil e em grande parcela do resto do mundo.

Finalizando a presente seção, cita-se que Costa (2016COSTA, Luiz Rosalvo. Ideologia e divulgação científica: uma análise bakhtiniana do discurso da revista Ciência Hoje Bakhtiniana-Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v.11, n. 2, ago., p. 33-51, 2016. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-45732016000200033&lng=en&nrm=iso&tlng=pt >. Acesso em: 01 abr. 2020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
) analisando, a partir da teoria bakhtiniana, um editorial da revista Ciência Hoje, de abril de 1984 - ainda em pleno regime militar, no qual os editores do periódico se manifestavam a favor das eleições diretas para presidente em 1985, diz:

Publicado em um momento histórico marcado por uma intensa movimentação política e social (em pleno calor da campanha pelo restabelecimento das eleições diretas para presidente da República no Brasil), esse editorial se constitui, então, como um evento discursivo que simultaneamente produz e é produzido pelo contexto. Na qualidade de enunciado, ele se compõe como um território em que vozes ideológicas da sociedade ao mesmo tempo se constroem, manifestam-se e dialogam. Por isso, nele se vê, incorporado aos elementos da sua arquitetura e às imagens de sujeito e de destinatário que daí emergem, um modo específico de interação entre a vontade discursiva do enunciador e alguns dos traços fundamentais da configuração ideológico-discursiva do momento. Entre esses traços, cujos influxos concorrem para dar ao enunciado uma face que se poderia chamar de modernista, podem ser destacados: a politização, a retorização, a valorização do futuro e a perspectiva da totalidade. [...] no editorial em foco (produzido no interior de um fluxo discursivo no qual predomina uma atmosfera de intensa politização e debate), os seus componentes arquitetônicos são mobilizados para, em interação e diálogo com as linhas mestras do contexto, compor um enunciado que se estrutura em um todo retórico cujo propósito [...] é levar o destinatário a adquirir uma “consciência” e aderir a uma determinada tese quanto à melhor maneira de prover as relações entre o Estado e a sociedade [...]. (COSTA, 2016COSTA, Luiz Rosalvo. Ideologia e divulgação científica: uma análise bakhtiniana do discurso da revista Ciência Hoje Bakhtiniana-Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v.11, n. 2, ago., p. 33-51, 2016. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-45732016000200033&lng=en&nrm=iso&tlng=pt >. Acesso em: 01 abr. 2020.
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, p. 42-43) (Grifos nossos)

Curioso se faz perceber que todo o dito por este pesquisador, sobre outro objeto de estudo - o editorial, possui grande relação com a fala Ulyssiana. Isso se dá pelo suporte teórico do autor: a teoria bakhtiniana. Assim como o editorial em questão reflete um “discurso nacional” pelas “Diretas Já”, a fala promulgadora é um diálogo com e em resposta ao clima de debate político vigorante desde o início dos trabalhos da ANC, a qual foi um produto (in)direto das “Diretas Já”. Igualmente ao editorial, a fala promulgadora foi feita no substrato de um intenso fluxo discursivo entre os políticos brasileiros e o povo brasileiro, quando aqueles, retoricamente, liderados por Ulysses Guimarães, quiseram levar ao Brasil uma consciência do caráter positivo e social da CRFB/88. Além disso, como feito no editorial - pelos editores, na fala promulgadora Ulysses enaltece um tom de modernidade da norma criada e valoriza o futuro, apregoando a esperança de dias melhores. Entende-se que a descoberta deste trabalho de Costa (2016COSTA, Luiz Rosalvo. Ideologia e divulgação científica: uma análise bakhtiniana do discurso da revista Ciência Hoje Bakhtiniana-Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v.11, n. 2, ago., p. 33-51, 2016. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-45732016000200033&lng=en&nrm=iso&tlng=pt >. Acesso em: 01 abr. 2020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
) consolida o acerto na escolha do bakhtinianismo, no fazer deste artigo, como instrumento da análise aqui configurada.

Considerações Finais

O desiderato deste artigo foi produzir uma análise da fala do Deputado Federal Constituinte Ulysses Guimarães quando da solenidade de promulgação da Carta Política de 1988GUIMARÃES, Ulysses. Fala de promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Congresso Nacional/ANC, 1988. Disponível em: <Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividadeegislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/25anosdaconstituicaode1988/constituinte19871988/pdf/Ulysses%20Guimaraes%20%20DISCURSO%20%20REVISADO.pdf >. Acesso em: 01 abr. 2020.
http://www2.camara.leg.br/atividadeegisl...
, apelidada por ele próprio de “Constituição Cidadã”, realizada aos cinco de outubro daquele ano. Naquele dia houve várias falas no Congresso Nacional. Essa fala de Ulysses, nominada aqui de “fala Ulyssiana” ou “fala promulgadora”, porém, dado o rito de promulgação, bem como dada a condição (cargo) de Ulysses, que foi o presidente da Assembleia Nacional Constituinte, não foi uma fala comum, sendo considerada historicamente a fala de promulgação da Constituição de 1988.

O querer do texto foi analisar essa fala verificando algumas relações existentes entre tal enunciado e o contexto (histórico) de sua produção. Todo ato humano, na teoria bakhtiniana - aqui o referencial da autoria, amalgama-se inquebrantavelmente a seu contexto. É o contexto em Bakhtin, inclusive, como se viu, o próprio motivo para a consecução do ato. Nessa senda, buscando significados para o signo ideológico da fala Ulyssiana e seus vários significantes, após o percurso analítico nas páginas precedentes, o estudo demonstra que o contexto histórico, sociopolítico e econômico de produção da atual Constituição brasileira faz concluir que a fala promulgadora dessa norma não foi um ato discursivo particular, individual ou interior de seu enunciador, Ulysses Guimarães, e sim um meio para divulgação de variadas perspectivas sociais/coletivas existentes no final da década de 80 do século passado, no Brasil.

Não foi a fala Ulyssiana um “discurso” em si mesmo, mas um instrumento discursivo irradiante de uma espécie de “discurso social” sobre democracia, república e necessidade de direitos sociais (e humanos - principalmente liberdade), discurso tal que germinava com enorme força no Brasil desde o movimento das “Diretas Já” (1984), quando milhares de brasileiros foram às ruas com o intuito de extirpar definitivamente o regime militar do Brasil. Todas as palavras e expressões ditas por Ulysses na fala promulgadora possuem relação direta com esse contexto do Brasil anterior a 1988. Ulysses não é fonte do sentido de sua fala; seu contexto sócio-histórico é a fonte para se entender seu discurso, ou melhor o “discurso social” que proclamou por meio de sua fala.

A CRFB/88 é, historicamente, ainda muito recente. Desde 1988, muitos filmes/documentários, artigos e livros foram feitos sobre a ANC e as lutas pela Constituição Cidadã. Em 2009, no ano seguinte à comemoração de 20 anos da norma, a fundação pública Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) publicou texto chamado “Constituição brasileira de 1988 revisitada: recuperação histórica e desafios atuais das políticas públicas nas áreas econômica e social”, em que avaliava o estádio de cumprimento da Constituição. Em 2013, em comemoração aos 25 anos da norma, o Senado Federal elaborou texto de mais de 500 laudas chamado “A gênese do texto da Constituição de 1988”, onde explica cada passo dado durante a ANC. Por certo, “o debate sobre o presente e o futuro do ordenamento jurídico do país não está encerrado. Nunca estará. Novas análises e proposições de alternativas são necessárias e salutares à democracia” (VERSIANI, 2010VERSIANI, Maria Helena. Uma República na constituinte (1985-1988). Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 30, n. 60, p. 233-252, 2010. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbh/v30n60/a13v3060.pdf >. Acesso em: 01 abr. 2020.
http://www.scielo.br/pdf/rbh/v30n60/a13v...
, p. 250). O tema não se findará tão cedo e, nesse rumo, espera-se que este artigo, no ensejo dos 30 anos da Constituição comemorados em 2018, tenha força para servir de fonte divulgadora do objeto histórico aqui analisado: a fala promulgadora da CRFB/88. É comum estudiosos do campo jurídico estudarem a Constituição sem, porém, analisarem sua história. Estudar a fala promulgadora é também estudar a história da CRFB/88 e o conteúdo desta, o que sempre será importante.

Por final, então, deixa-se o convite para sua leitura de forma integral. A fala Ulyssiana é um texto de apenas 9 páginas e pode ser encontrada no site do Congresso Nacional, com endereço nas referências a seguir expostas.

Referências

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  • __________; GIACOMELLI, Karina. MFL em contexto: algumas questões. Bakhtiniana-Revista de Estudos do Discurso,São Paulo, v. 11, n. 3, dez., p. 154-173, 2016. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-45732016000300154>. Acesso em: 01 abr. 2020.
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  • TELES, Tayson Ribeiro. Política de cotas do ensino superior brasileiro: uma análise percuciente in faciem do princípio constitucional da igualdade. Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Curitiba, v. 7, n. 12, jan-jun, p. 233-255, 2015. Disponível em: <Disponível em: http://br44.teste.website/~abdco790/index.php/ABDConts1/article/view/90 >. Acesso em: 01 abr. 2020.
    » http://br44.teste.website/~abdco790/index.php/ABDConts1/article/view/90
  • VERSIANI, Maria Helena. Uma República na constituinte (1985-1988). Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 30, n. 60, p. 233-252, 2010. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbh/v30n60/a13v3060.pdf >. Acesso em: 01 abr. 2020.
    » http://www.scielo.br/pdf/rbh/v30n60/a13v3060.pdf
  • YAGUELLO, Marina. Introdução: Bakhtin, o homem e seu duplo. In: BAKHTIN, Mikhail; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014. p. 11-19.
  • 2
    O autor agradece aos pareceristas da RBCP pelas valiosas sugestões, as quais ofertaram ao texto mais clareza, rigor cientifico e objetividade.
  • 3
    O Congresso Nacional, por meio da Câmara dos Deputados, criou, em 2017, site especial para comemorar os trinta anos da CRFB/88. Neste, o áudio integral da promulgação da Constituição pode ser auscultado. Link: <http://www.camara.gov.br/internet/agencia/infograficos-html5/constituinte/index.html>. Acesso em: 01 abr. 2020.
  • 4
    Afinal, “o significado não é fixo [...], ele é sempre multireferencial [sic]”. (HALL, 2003HALL, Stuart. Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2003., p. 354)
  • 5
    Vale lembrar que “o direito à igualdade surgiu como oposição aos privilégios reais absolutistas, ocasião em que a burguesia reivindicou a vez à igual dignidade de que gozavam os clérigos, os reis, os políticos etc. As pressões [das] revoluções [burguesas] impuseram ao Estado o dever de editar regras gerais e impessoais, não individualizadas ou específicas, a fim de distribuírem-se os bens e as vantagens da sociedade de forma equânime, com base nas potencialidades humanas e não em privilégios de classe”. (TELES, 2015TELES, Tayson Ribeiro. Política de cotas do ensino superior brasileiro: uma análise percuciente in faciem do princípio constitucional da igualdade. Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Curitiba, v. 7, n. 12, jan-jun, p. 233-255, 2015. Disponível em: <Disponível em: http://br44.teste.website/~abdco790/index.php/ABDConts1/article/view/90 >. Acesso em: 01 abr. 2020.
    http://br44.teste.website/~abdco790/inde...
    , p. 237-238)
  • 6
    “Mikhail Bakhtin nasceu em 1895, em Oriol, Rússia, e morreu em 1975, em Moscou. [...] esse autor marcou época como uma das figuras mais importantes do universo intelectual do século XX, sendo considerado por seus pares um grande pensador e teórico da língua. Articulador original, inaugurou uma renovação no campo dos estudos linguísticos e literários do Ocidente, depois que suas ideias ultrapassaram as fronteiras da Rússia, a partir da década de 1970. Bakhtin foi um linguista na atualmente extinta União Soviética, onde viveu e desenvolveu sua obra em um contexto histórico marcado por intensas transformações sociopolíticas. No contexto e circunstância em que viveu, o marxismo exerceu acentuada influência em seu pensamento. Compartilhou com os teóricos marxistas um interesse pelo mundo histórico e social, especialmente pelo modo como os seres humanos pensam e agem sob condições concretas e objetivas de existência. Ou seja, seu interesse centrava-se na língua como forma por meio da qual as ideologias se articulam e mascaram a percepção da realidade. Para este autor, a língua é portadora de ideologias e uma prática material”. (SCORSOLINI-COMIN; SANTOS, 2010SCORSOLINI-COMIN, Fábio; SANTOS, Manoel Antônio dos. Bakhtin e os processos de desenvolvimento humano: um diálogo de, no mínimo, duas vozes. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, São Paulo, v. 20, n. 3, p. 745-756, 2010. Disponível em: <Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12822010000300009 >. Acesso em: 01 abr. 2020.
    http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
    , p. 746)
  • 7
    “Quem se aproxima de Bakhtin logo percebe que ele foi um pensador de múltiplos interesses. Estiveram em seu espaço de reflexão temas de ética e estética, de estética geral e literária, de psicologia e antropologia, de semiótica e linguística. No entanto, Bakhtin começou filósofo e assim permaneceu durante o período mais produtivo de sua atividade intelectual” (FARACO, 2017_______. Bakhtin e filosofias. Bakhtiniana-Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v. 12, n. 2, maio, p. 45-57, 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-45732017000200045>. Acesso em: 01 abr. 2020.
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    , p. 46). De fato, Bakhtin foi um filósofo-analista de vários assuntos da vida humana. Já no fim de sua vida, conta Ponzio (2012) PONZIO, Augusto. Prefacio: A concepção bakhtiniana do ato como dar um passo. In: BAKHTIN, Mikhail. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro e João, 2012. p. 9-38.que, ao ser entrevistado por Duvakin, erigiu o seguinte diálogo: “[...] Sr. Era mais filósofo que filólogo? Filósofo, mais que filólogo. Filósofo. E assim permaneci até hoje. Sou um filósofo”. (PONZIO, 2012PONZIO, Augusto. Prefacio: A concepção bakhtiniana do ato como dar um passo. In: BAKHTIN, Mikhail. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro e João, 2012. p. 9-38., p. 11)
  • 8
    Aquele que estuda a Filologia, a qual é, basicamente, o estudo da linguagem por meio de fontes históricas, literárias e linguísticas. Tendo Bakhtin se dedicado percucientemente a estudar romances antigos e medievais.
  • 9
    “Todas as críticas feitas por Bakhtin e pelo Círculo às teorias daquele momento tinham por objetivo despertar o sentido ético e responsável do sujeito em sociedade”. (PUZZO, 2017PUZZO, Miriam Bauab. Dialogismo bakhtiniano e a estitlística vossleriana. Bakhtiniana-Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v. 12, n. 1, abr., p. 131-149, 2017. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-45732017000100131&lng=en&nrm=iso&tlng=pt >. Acesso em: 01 abr. 2020.
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    , p. 135)
  • 10
    MFL “não se trata de uma proposta marxista estrita, seja partidária ou acadêmica, mas uma proposta materialista dialética de cunho filosófico mais amplo, uma visão totalizante (e não totalitária) dos fenômenos”. (SOBRAL; GIACOMELLI, 2016__________; GIACOMELLI, Karina. MFL em contexto: algumas questões. Bakhtiniana-Revista de Estudos do Discurso,São Paulo, v. 11, n. 3, dez., p. 154-173, 2016. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-45732016000300154>. Acesso em: 01 abr. 2020.
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    , p. 161)
  • 11
    No plasma dos complexos dilemas sobre a autoria de vários textos de Bakhtin, a autoria deste artigo crê que Bakhtin era o líder o Círculo de Bakhtin e, por isso, defende que todos os textos lá erigidos têm no mínimo alguma influência de seu pensamento. Dessa maneira, reputam-se como desnecessárias/desrespeitosas obras como o compêndio “Bakhtin desmascarado: a história de um mentiroso, de uma fraude, de um delírio coletivo”, de Jean-Paul Bronckart e Cristian Bota (2012)BRONCKART, Jean-Paul; BOTA, Cristian. Bakhtin desmascarado: a história de um mentiroso, de uma fraude, de um delírio coletivo. Tradução de Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola, 2012., na qual Bakhtin é hostilizadamente tido como um furtador de textos de alunos e colaboradores seus. Bakhtin é um grande filósofo da linguagem do século XX e, por certo, no âmbito dos escritos tidos como de membros do Círculo de Bakhtin, os textos que não escreveu ajudou a pensar e formular as ideias expostas. Ele estava lá, leu, ouviu, participou!
  • 12
    Sobre Bakhtin, vendo a vida como arte, “seu foco de atenção é [...] declaradamente o estético-formal, mas com a particularidade de incluir o histórico, o social, o cultural no específico da arte, o que é, sem dúvida, uma solução profundamente inovadora, considerando que o máximo que se havia conseguido até então no enfrentamento desse complexo tema eram propostas dicotômicas - de um lado o estético-formal (sob o pressuposto de uma especificidade absoluta, um em-si estético livre de qualquer interferência do social, do cultural e do histórico) e de outro o estudo da história e da inserção sociocultural da arte”. (FARACO, 2017_______. Bakhtin e filosofias. Bakhtiniana-Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v. 12, n. 2, maio, p. 45-57, 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-45732017000200045>. Acesso em: 01 abr. 2020.
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    , p. 47) (Grifos nossos)
  • 13
    Escolheu-se aqui Bakhtin como caminho analítico também porque a concepção da linguagem para o Círculo de Bakhtin, “caracterizada por uma apropriação específica da noção de ideologia, representa um profícuo suporte teórico no qual se pode apoiar uma abordagem interessada na compreensão dos modos pelos quais, na sociedade contemporânea [do século XXI], as formas de pensamento (assim como as referências éticas, estéticas e cognitivas) materializadas nas práticas enunciativas relacionam-se com os processos políticos e econômicos e com os mecanismos de dominação inscritos na produção e circulação dos discursos”. (COSTA, 2016COSTA, Luiz Rosalvo. Ideologia e divulgação científica: uma análise bakhtiniana do discurso da revista Ciência Hoje Bakhtiniana-Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v.11, n. 2, ago., p. 33-51, 2016. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-45732016000200033&lng=en&nrm=iso&tlng=pt >. Acesso em: 01 abr. 2020.
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    , p. 34)
  • 14
    Convém expender que se utiliza neste texto, como viga mestra metodológica, a seguinte indicação bakhtiniana de prudência a tomar-se no estudo do signo e seu aspecto ideológico: “[...] é indispensável observar as seguintes regras metodológicas: 1. Não separar a ideologia da realidade material do signo (colocando-a no campo da ‘consciência’ ou em qualquer outra esfera fugidia e indefinível). 2. Não dissociar o signo das formas concretas da comunicação social (entendendo-se que o signo faz parte de um sistema de comunicação social organizada e que não tem existência fora deste sistema, a não ser como objeto físico). 3. Não dissociar a comunicação e suas formas de sua base material (infra-estrutura) [sic]”. (BAKHTIN; VOLÓSHINOV, 2014______; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014., p. 45) (Itálicos originais dos autores)
  • 15
    Tem-se, portanto, um discurso promulgador ou uma enunciação (coletiva) promulgadora e a fala de Ulysses, a fala Ulyssiana, que, então, é o meio, o fluido por onde ecoam as várias vozes que integram tal discurso (social). Nessa perspectiva, Flores (2009______. Dicionário de linguística da enunciaçãoSão Paulo: Contexto, 2009. , p. 188), comentando Ducrot, esclarece que “o autor de um enunciado (sujeito empírico) não se expressa diretamente, mas o faz por meio da figura de um locutor (sujeito discursivo), que apresenta diferente vozes, diferentes pontos de vista, cujas origens são enunciadores”. É, assim, como se a pessoa física de Ulysses Guimarães fosse um sujeito empírico e o Ulysses-presidente da ANC fosse o locutor da fala promulgadora. Isso, pois “o locutor, nem sempre linguisticamente marcado, é o ser do discurso, distinto do sujeito falante (ser empírico) ”. (FLORES, 2009______. Dicionário de linguística da enunciaçãoSão Paulo: Contexto, 2009. , p. 158)
  • 16
    Ulysses disse palavras que são ditas todo o tempo, mas “a enunciação é sempre única e irrepetível, porque a cada vez que a língua é enunciada têm-se condições de tempo (agora), espaço (aqui) e pessoa (eu/tu) singulares” (FLORES, 2008FLORES, Valdir do Nascimento. Introdução à linguística da enunciação. São Paulo: Contexto, 2008., p. 100). Por isso, naquele momento, era ele o sujeito promulgador oficial da CRFB/88.
  • 17
    Um argumento passível de ser usado para defender-se essa ideia é dito por Luiz Gutemberg, um jornalista alagoano nascido em 1937, que conviveu muito com Ulysses e lançou, em 1994, a biografia chamada “Moisés, codinome Ulysses Guimarães”. Gutemberg organizou, pela Câmara dos Deputados, em 2012, um compêndio de discursos de Ulysses chamado “Ulysses Guimarães”, elaborado em 563 páginas. Nesse compêndio, Gutemberg analisa a maioria dos discursos proferidos por Ulysses durante seus 11 mandatos (mais de 40 anos) como Deputado Federal. Gutemberg diz que Ulysses gostava de fazer anotações e a todo o momento usava “[...] papeluchos em que garatujava o que lhe viesse à cabeça. Eram ideias e lembranças que lhe ocorriam durante o dia e a noite. Providências prosaicas, como comprar um animal para o sítio, telefonar a alguém, marcar um jantar, organizar uma viagem. Ou ideias para frases. Até minutas de discursos e cartas. Tudo de tal forma misturado, já que concebido e registrado sem disciplina, que ajuda a revelar o estado de espírito que o dominava quando tomou determinada decisão. Essas anotações cumpriam longo processo. Ele as escrevia onde estivesse, bastava que lhe ocorresse inspiração. Guardava no bolso do paletó e viajava com elas o dia inteiro, ‘de ceca em meca’, como dizia, até que se defrontava com um dos seus secretários e a safra de ‘tripas’ era recolhida. Antes que tais textos se transformassem em documentos para receberem sua assinatura, ou que ele subisse a alguma tribuna para lê-los, ou utilizá-los como roteiro para improvisações, iria corrigi-los uma, duas, três vezes, tantas eram as tentativas frustradas dos seus colaboradores para decifrar os hieróglifos” (GUTEMBERG, 2012GUTEMBERG, Luiz. Ulysses Guimarães. 2. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/10331?show=ful l>. Acesso em: 01 abr. 2020.
    http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcama...
    , p. 29-30). Ulysses tinha, portanto, o dom da boa escrita e da criatividade. Gutemberg evidencia, ainda, que “entre seus contemporâneos, ninguém mais que Ulysses teve responsabilidade sobre o que disse e escreveu. [...] quando foi presidente da Câmara, em 1985, tinha à sua disposição máquina numerosa e competente de assessores da Mesa. Esses funcionários não esperavam por sua iniciativa. Adiantavam-se a quaisquer efemérides ou pretextos que exigissem uma manifestação do presidente da Casa e redigiam notas, declarações, discursos. Examinei uma pasta graúda contendo esses textos, tão gramaticalmente corretos quanto assépticos em matéria de estilo, conforme o modelo dos ghostwriters burocráticos. Conferi que Ulysses quase sempre os desprezou. Não os leu nem os assinou. Ou improvisou - se eram declarações feitas ao Plenário -, abandonando inteiramente a leitura, ou recobriu-os de tantas garatujas que os originais propostos resultaram irreconhecíveis na versão final. Ulysses Guimarães desenhou seu próprio perfil”. (GUTEMBERG, 2012GUTEMBERG, Luiz. Ulysses Guimarães. 2. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/10331?show=ful l>. Acesso em: 01 abr. 2020.
    http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcama...
    , p. 37-38) (Grifos nossos)
  • 18
    “Bakhtin define a língua como expressão das relações e lutas sociais, veiculando e sofrendo o efeito desta luta, servindo, ao mesmo tempo, de instrumento e de material”. (YAGUELLO, 2014YAGUELLO, Marina. Introdução: Bakhtin, o homem e seu duplo. In: BAKHTIN, Mikhail; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014. p. 11-19., p. 17)
  • 19
    Não se pode negar a existência de classes sociais, bem como de lutas simbólicas entre elas. “Difícil imaginar, talvez impossível, alguma forma de convivência humana isenta de disputas entre os conviventes, seja por qual motivo for, econômico, político, cultural ou outro. Para não falar do ‘conflito interior’ [...], mais bem explicado pela psicologia, certo é que todas as formações sociais conhecidas são atravessadas por oposições, desde as menos numerosas, como as famílias, até as mais abrangentes, como as nações. Crises conjugais e separações litigiosas, bem comuns hoje em dia, ilustram a realidade daquele núcleo social reduzido. Disputas regionais e guerras persistentes, a realidade do último, recordando, ainda, o estranhamento entre vizinhos, brigas na escola e em ambientes de trabalho, ‘guerras fiscais’ entre Estados da mesma Federação” (PARDO; NASCIMENTO, 2015PARDO, David Wilson de Abreu; NASCIMENTO, Elimar Pinheiro do. A moralidade do conflito na teoria social: elementos para uma abordagem normativa na investigação sociológica. Revista Direito GV, São Paulo, v. 11, n. 1, jun., p. 117-139, 2015. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S180824322015000100117&lng=en&nrm=iso >. Acesso em: 01 abr. 2020.
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    , p. 117-118) etc. Todavia, malgrado isso, no ciclo vital todos possuem força para atuar nas disputas sociais várias. Forças sempre únicas e irrepetíveis, conforme a determinação de inúmeros elementos sociais, como quantidade de recursos, influência política etc.
  • 20
    “O amor, o nascimento, a morte, o casamento, o trabalho, a comida e a bebida, as idades - esses são os fatos reais básicos da vida”. (BAKHTIN, 2014______. Questões de literatura e estética: a teoria do romance. Tradução de Aurora Fornoni...[Et al]. 7. ed. São Paulo: Hucitec, 2014. , p. 334)
  • 21
    “Bakhtin propõe um agente que vê seu ponto de vista exotopicamente [por fora de si], a partir desse mesmo ponto de vista, composto com base em suas relações com outros sujeitos que lhe conferem o necessário, e sempre fluido, acabamento”. (SOBRAL, 2014SOBRAL, Adail. Ato/atividade e evento. In: BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2014. p. 11-36., p. 18)
  • 22
    “A palavra como signo reflete e refrata os significados, ela não é mera repetição do sentido que circula no contexto social, mas transforma-se em sentidos outros em função das relações dialógicas que o enunciador mantém com o outro internalizado ao qual reage em função de posicionamentos valorativo e ideológico frente a esse outro”. (PUZZO, 2017PUZZO, Miriam Bauab. Dialogismo bakhtiniano e a estitlística vossleriana. Bakhtiniana-Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v. 12, n. 1, abr., p. 131-149, 2017. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-45732017000100131&lng=en&nrm=iso&tlng=pt >. Acesso em: 01 abr. 2020.
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    , p. 144)
  • 23
    “Toda compreensão de um texto, [...] implica, segundo Bakhtin, uma responsividade e, por conseguinte, um juízo de valor”. (FIORIN, 2011FIORIN, José Luiz. Introdução ao pensamento de Bakhtin. Versão ePUB 2.0. São Paulo: Ática, 2011., p. 7)
  • 24
    “Para Bakhtin é impossível separar, em termos absolutos e abstratos, juízos factuais de juízos valorativos. A saída para o eventual impasse epistemológico quanto à validade de juízos cognitivos que inevitavelmente refratam o mundo se dá pelo confronto, pelo embate das diferentes posições axiológicas que atuam no recorte e no dizer sobre o objeto”. (FARACO, 2017_______. Bakhtin e filosofias. Bakhtiniana-Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v. 12, n. 2, maio, p. 45-57, 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-45732017000200045>. Acesso em: 01 abr. 2020.
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    , p. 50-51)
  • 25
    Em Bakhtin, “o enunciado é a réplica de um diálogo, pois cada vez que se produz um enunciado o que se está fazendo é participar de um diálogo com outros discursos. [...] é constitutivo do enunciado que ele não existe fora das relações dialógicas. Nele estão sempre presentes ecos e lembranças de outros enunciados, com que ele conta, que ele refuta, confirma, completa, pressupõe e assim por diante”. (FIORIN, 2011FIORIN, José Luiz. Introdução ao pensamento de Bakhtin. Versão ePUB 2.0. São Paulo: Ática, 2011., p. 19)
  • 26
    “As concepções de Bakhtin exigem do leitor um olhar múltiplo sobre o mundo e sobre o outro. Trata-se de um olhar que vê o mundo a partir de ruídos, vozes, sentidos, sons e linguagens que se misturam, (re)constroem-se, modificam-se e transformam-se continuamente” (SCORSOLINI-COMIN; SANTOS, 2010SCORSOLINI-COMIN, Fábio; SANTOS, Manoel Antônio dos. Bakhtin e os processos de desenvolvimento humano: um diálogo de, no mínimo, duas vozes. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, São Paulo, v. 20, n. 3, p. 745-756, 2010. Disponível em: <Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12822010000300009 >. Acesso em: 01 abr. 2020.
    http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
    , p. 751). Além disso, “para a perspectiva bakhtiniana, não temos nunca acesso ‘direto’ ao mundo: o objeto que percebemos está sempre já impregnado de ideologias, que lhe aplicamos; com outras palavras, o objeto dos nossos enunciados comporta refrações de diferentes vozes, que resultam das forças sociais atuantes em uma dada época”. (MARCHEZAN, 2015MARCHEZAN, Renata Coelho. A noção de autor na obra de M. Bakhtin e a partir dela. Bakhtiniana-Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v. 10, n. 3, dez., p. 186-204, 2015. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-45732015000300186&lng=en&nrm=iso&tlng=pt >. Acesso em: 01 abr. 2020.
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    , p. 198) (Grifos nossos)
  • 27
    Consoante do filósofo, além do enunciado sempre ser intertextual, também “o ser humano seria considerado um intertexto, na medida que não existe isoladamente, já que a sua vida se tece, entrecruza-se e interpenetra-se com a experiência do outro. Os enunciados de um falante estão, sempre e inevitavelmente, atravessados pelas palavras do outro: o discurso elaborado pelo falante constitui e se constitui também do discurso do outro que o atravessa, condicionando o discurso do ‘eu’”. (SCORSOLINI-COMIN; SANTOS, 2010SCORSOLINI-COMIN, Fábio; SANTOS, Manoel Antônio dos. Bakhtin e os processos de desenvolvimento humano: um diálogo de, no mínimo, duas vozes. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, São Paulo, v. 20, n. 3, p. 745-756, 2010. Disponível em: <Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12822010000300009 >. Acesso em: 01 abr. 2020.
    http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
    , p. 748)
  • 28
    “Em suma, Bakhtin pode ser lido como um pensador que dialogou com os problemas filosóficos de seu tempo e, conjugando uma filosofia de valores, uma filosofia da vida e uma filosofia da interação, deu forma concreta e heuristicamente poderosa a projetos apenas visualizados em termos gerais pelos filósofos com quem dialogou, em especial na estética geral e literária e na filosofia da linguagem”. (FARACO, 2017_______. Bakhtin e filosofias. Bakhtiniana-Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v. 12, n. 2, maio, p. 45-57, 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-45732017000200045>. Acesso em: 01 abr. 2020.
    http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
    , p. 55)
  • 29
    Partido do Movimento Democrático Brasileiro.
  • 30
    Partido Democrático Trabalhista.
  • 31
    Partido Trabalhista Brasileiro.
  • 32
    Usa-se aqui o conceito de elite de Inês Minardi, para quem o termo não tem a ver com ter ou não dinheiro, mas sim influência e poder. Para a autora, “o poder da classe política, em qualquer sistema político, está sempre nas mãos de uma minoria organizada, inspirada em um ou mais princípios abstratos, com a faculdade de impor à maioria desorganizada o próprio domínio” (MINARDI, 2007MINARDI, Inês. A elite possível: congresso constituinte de 1988. São Paulo: Expressão e Arte, 2007. , p. 31). Além disso, “em qualquer sociedade existem duas classes: a que dirige e a que é dirigida. A classe que dirige será sempre menos numerosa, detentora do poder e das vantagens. A forma dessa direção pode ser mais ou menos legal, contraditória e, por vezes, violenta”. (MINARDI, 2007MINARDI, Inês. A elite possível: congresso constituinte de 1988. São Paulo: Expressão e Arte, 2007. , p. 32)
  • 33
    Partido Democrático Social.
  • 34
    Talvez o regime militar “[...] tenha sido vítima do seu sucesso econômico” (MENEZES, 2006MENEZES, Alfredo da Mota. Momento brasileiro: do fim do regime militar à eleição de Lula. Rio de Janeiro: Gryphus, 2006., p. 8), tendo em vista que nos anos finais do regime o Brasil, em vez de prosseguir crescendo, passou a decrescer.
  • 35
    A instalação de uma Constituinte foi uma das promessas da aliança que elegeu Tancredo e Sarney. (MENEZES, 2006MENEZES, Alfredo da Mota. Momento brasileiro: do fim do regime militar à eleição de Lula. Rio de Janeiro: Gryphus, 2006.)
  • 36
    Reputa-se interessante observar que a data para início dos trabalhos da ANC foi marcada com mais de um ano de antecedência, o que demonstra certa organização.
  • 37
    Supremo Tribunal Federal.
  • 38
    O problema é que nem todos os parlamentares participavam de cada comissão. Dessa forma, não se pode ter como verdade a afirmação de que a Constituição foi feita pelos 559 parlamentares participantes literalmente. Certamente, parlamentares que trabalharam no texto sobre a cultura e o esporte, por exemplo, não chegaram nem a entrar nas salas onde se debatia saúde (PILATTI, 2008PILATTI, Adriano. A Constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econômica e regras do jogo. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2008. ). No final, em verdade, todos votaram tudo sem conhecer algumas coisas do texto legislativo.
  • 39
    Expõe Pilatti (2008)PILATTI, Adriano. A Constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econômica e regras do jogo. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2008. , em trabalho específico sobre a ANC, que, genericamente, havia no processo de elaboração da Constituição Federal de 1988 conservadores/capitalistas/ricos/direitistas versus progressistas/socialistas/esquerdistas. Entretanto, valorizando a perspectiva ideológica plural de Bakhtin, acredita-se ser melhor pensar que havia incontáveis classes sociais disputando interesses naquele momento, ao invés de apenas dois grupos. Por certo, os destaques não representam o todo de qualquer meio social.
  • 40
    Merece grifo a atitude de Ulysses em dizer apenas que as 122 proposições populares foram “votadas” e não que foram “aprovadas”, pois destas 122 apreciadas apenas 19 foram aprovadas e outras 11 mil sequer foram recepcionadas (PILATTI, 2008PILATTI, Adriano. A Constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econômica e regras do jogo. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2008. ). Crê-se ter Ulysses optado por encobrir essa informação para não sujar o brilho da participação social no engendro da Carta Política. Afinal, mesmo sem ter muitas emendas aprovadas, o povo participou pressionando os constituintes.
  • 41
    Não havia como cada brasileiro trabalhar na elaboração do texto da norma.
  • 42
    De modo simples, o conjunto de textos/dados fechados que servem como objeto de algum estudo.
  • 43
    A mais importante característica da fala Ulyssiana que a torna um signo é o fato de ela significar algo, pois “a significação só pertence ao signo. A significação constitui a expressão da relação do signo, como realidade isolada, com uma outra realidade, por ela substituível”. (BAKHTIN; VOLÓSHINOV, 2014______; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014., p. 52)
  • 44
    “Todo fenômeno que funciona como um signo possui uma encarnação material, como um som, uma massa física, uma cor, um movimento do corpo”. (SCORSOLINI-COMIN; SANTOS, 2010SCORSOLINI-COMIN, Fábio; SANTOS, Manoel Antônio dos. Bakhtin e os processos de desenvolvimento humano: um diálogo de, no mínimo, duas vozes. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, São Paulo, v. 20, n. 3, p. 745-756, 2010. Disponível em: <Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12822010000300009 >. Acesso em: 01 abr. 2020.
    http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
    , p. 754)
  • 45
    Vale lembrar: quando se pensa, pensa-se usando palavras. A linguagem é inescapável.
  • 46
    A ideologia não tem origem na consciência, mas no campo de batalha social entre as forças diversas que integram a vida humana. “A ideologia [...] se situa entre indivíduos organizados [...]. Os signos só podem aparecer em um terreno interindividual” (BAKHTIN; VOLÓSHINOV, 2014______; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014., p. 35). “Os signos são o alimento da consciência individual, a matéria de seu desenvolvimento, e ela reflete sua lógica e suas leis”. (BAKHTIN; VOLÓSHINOV,______; VOLÓSHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 16. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2014. 2014, p. 36)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2020

Histórico

  • Recebido
    01 Abr 2019
  • Aceito
    30 Mar 2020
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