Acessibilidade / Reportar erro

Orçamento Impositivo e Relação entre Poderes no Brasil3 3 Os autores agradecem os comentários e sugestões feitos por dois pareceristas anônimos da Revista Brasileira de Ciência Política.

Mandatory Budget and Relations among Branches of Government in Brazil

RESUMO:

Este artigo analisa o modelo orçamentário brasileiro à luz das Emendas Constitucionais nº 86, de 2015 e nº 100, de 2019 - que tornam obrigatória a execução da programação orçamentária relativa a emendas parlamentares. A proposta do trabalho é associar a discussão acerca da natureza orçamentária à questão mais ampla das relações de poder presentes no orçamento. Foi utilizada pesquisa bibliográfica e documental, com análise exploratória qualitativa, mediante a verificação comparada e argumentativa do que dispõe o ordenamento jurídico nacional, a doutrina e a jurisprudência, além de especialistas nas áreas de orçamentação e ciência política. É possível concluir que o ordenamento jurídico orçamentário nacional optou por atribuir papéis específicos aos Poderes, num sistema com responsabilidades compartilhadas. Nesse sentido, a despeito de persistir divergência na doutrina, o orçamento pátrio não teve seu modus operandi radicalmente alterado pelas Emendas, visto que a impositividade introduzida possui diversos condicionantes. Constatou-se ainda que a polêmica é relevante no tocante às relações de poder, notadamente entre Executivo e Legislativo, na disputa por protagonismo orçamentário.

Palavras-chave:
orçamento autorizativo; orçamento impositivo; presidencialismo de coalizão; relação entre poderes; Emendas Constitucionais nº 86, de 2015 e nº 100, de 2019

ABSTRACT:

This article analyzes Brazilian budget model, considering Constitutional Amendments 86, of 2015 and 100, of 2019 - which makes it mandatory to execute budget programming included by parliamentary amendments. The paper's purpose is to link the discussion of nature of the budgetary system to the broader issue of power relations in the budget. Bibliographic and documentary research are used, with qualitative exploratory analysis, through comparative and argumentative verification of the national legal system, doctrine and jurisprudence, as well as specialists in the areas of budgeting and political science. It is possible to conclude that the Brazilian budgetary legal order has chosen to assign specific roles to each branch, in a system with shared responsibilities. In this sense, despite of persisting divergence in doctrine, the national budget has not had its modus operandi radically altered with the amendments, since the introduced mandatoryness has several conditions. It was also verified that the controversy is relevant in relation to power relations, notably between the Executive and Legislative branch, in the dispute for budgetary protagonism.

Keywords:
authorizing budget; mandatory budget; coalitional presidentialism; relations among government branches; Constitutional Amendment nº 86,2015 and nº 100, de 2019

Introdução

O orçamento público envolve necessariamente relações de poder. Nosso regramento constitucional assenta-se em um sistema de freios e contrapesos, no qual um poder controla a atuação do outro. O objetivo é gerar um equilíbrio de forças, em que nenhum deles se sobreponha. Para isso, a Carta Magna definiu instrumentos específicos, dos quais, do ponto de vista orçamentário, destacamos a prerrogativa de iniciativa e o poder de veto dados ao Executivo versus a aprovação e o controle pelo Legislativo. Outorgou, portanto, as decisões político-orçamentárias a esses poderes, responsáveis pela definição e realização de políticas públicas, sujeitando-as, porém, à tutela jurisdicional.

As atribuições orçamentárias específicas dos poderes Executivo e Legislativo, em essência, deveriam se complementar. Contudo, observa-se nessa relação um embate de forças que resulta na polêmica quanto ao caráter do orçamento: impositivo ou autorizativo. No modelo autorizativo, o Poder Executivo se destaca no que tange às decisões de gasto; no modelo impositivo, o Poder Legislativo ganha força. Não é possível, portanto, discutir a natureza do orçamento sem adentrar na relação entre os poderes.

No caso brasileiro, o tema tem gerado acirrado debate, visto que o ordenamento jurídico vigente combina elementos de ambos os padrões, impositivo e autorizativo. Não se pode deixar de lado, também, que o Brasil tem adotado uma configuração política que se convencionou chamar de presidencialismo de coalizão, em que o Presidente da República faz alianças com diversos partidos, a fim obter maioria no Congresso e aprovar suas propostas. Ao lado disso, tem-se discutido recentemente a possível existência de um “parlamentarismo branco” ou “informal” no País, em que, diante da recusa presidencial em formar coalizões, o Legislativo trabalharia agenda própria (SCHREIBER, 2019SCHREIBER, Mariana. ‘Parlamentarismo informal’: afinal, Bolsonaro está perdendo liderança do governo para Congresso? Brasília, 28 de maio de 2019. Disponível em: <Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-48429131 >. Acesso em: 25 jan. 2020.
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-48...
).

No sistema presidencialista de coalizão, por um lado, o Executivo viabiliza seu projeto de governo; por outro, os parlamentares atendem suas bases eleitorais, especialmente via execução de emendas. No entanto, esse sistema, ao mesmo tempo em que favorece a governabilidade, diante de uma estrutura partidária extremamente fragmentada, pode induzir ao excesso de barganhas, com a consequente perda de eficiência das ações públicas.

O uso desmedido dos mecanismos de gestão das coalizões, notadamente quanto à execução de emendas, reaqueceu o debate acerca da natureza do orçamento público brasileiro. Essa discussão resultou na promulgação das Emendas Constitucionais nº 86/2015 - EC nº 86/2015 e nº 100/2019 - EC nº 100/2019, conhecidas como emendas do orçamento impositivo e que preveem a execução obrigatória das emendas parlamentares individuais e de bancada, respectivamente.

O presente estudo busca analisar o que mudou no modelo orçamentário adotado no país, dado o amplo debate acerca do tema. A hipótese aventada é a de que as mudanças constitucionais implementadas não alteraram o modus operandi do nosso orçamento. A vasta discussão sobre a natureza do orçamento - se autorizativo, impositivo ou misto - não é a questão central, já que conceitos não definirão a forma de atuação dos poderes, mas os incentivos e as relações de poder presentes no processo orçamentário. Para atingir os objetivos traçados, o estudo adota a análise exploratória qualitativa, mediante a verificação comparada e argumentativa do que dispõe o ordenamento jurídico nacional, a doutrina e a jurisprudência, além da visão de especialistas nas áreas de orçamentação e ciência política. Como método, empregou-se a pesquisa bibliográfica e documental. As bases de dados consultadas foram as pertencentes a sítios oficiais.

O trabalho está estruturado em seis seções, incluindo esta introdução. A primeira traz a conceituação dos modelos autorizativo versus impositivo e retoma o contexto histórico e político berço do orçamento autorizativo, acolhido majoritariamente como modelo adotado pelo Brasil. A seção seguinte cuida especificamente do modelo orçamentário brasileiro. Adentra na discussão doutrinária acerca de ser o orçamento nacional autorizativo, impositivo ou misto, trazendo análise do arcabouço jurídico-orçamentário nacional e a argumentação de diversos estudiosos do tema. A quarta seção aborda a relação político-institucional entre os poderes Executivo e Legislativo no que tange à execução orçamentária, e o surgimento do Poder Judiciário como novo agente de escolhas públicas ao dirimir conflitos relacionados a matéria orçamentária. A quinta parte trata especificamente da EC nº 86/2015 e da EC nº 100/2019, suas características e implicações. Finalmente, a sexta e última seção resume as conclusões do trabalho.

Antecedentes doutrinários

Segundo Lima (2003, p. 10)LIMA, E. C. P. Algumas observações sobre o orçamento impositivo no Brasil. Planejamento e Políticas Públicas, n. 26, p. 5-15, jun./dez. 2003. Disponível em <http://www.ipea.gov.br/ppp/index.php/ppp/article/view/56>. Acesso em: 17 abr. 2017.
http://www.ipea.gov.br/ppp/index.php/ppp...
as características do orçamento autorizativo se traduzem em permissão para que determinada programação seja executada: o poder Executivo não pode implementar programação diversa da aprovada pelo Congresso, mas não é o parlamento quem estrutura em que e quanto gastar, ele apenas autoriza que a programação seja feita. Nesse desenho, portanto, inexiste a obrigatoriedade de execução dos créditos aprovados. “O Poder Executivo tem discricionariedade para avaliar a conveniência e a oportunidade do que deve ou não ser executado” (MENDES, 2015MENDES, Sérgio. Administração financeira e orçamentária. 5. ed. São Paulo: Método, 2015., p. 31). Com isso, o Executivo não precisa submeter ao Parlamento proposta para a não execução da programação aprovada. Trata-se de medida discricionária a ser avaliada e decidida por aquele poder. Assim, o orçamento autorizativo confere ao Executivo o poder de não agir, de manter-se inerte frente à decisão de gastos.

Os defensores do modelo argumentam que a flexibilidade é própria da natureza de todo programa de trabalho ou plano administrativo, que devem ser revistos sempre que necessário. Devem-se ponderar condições futuras e incertas. Afirmam que a execução do orçamento deve ter critérios de maleabilidade, pois é impossível prever com exatidão as futuras condições econômicas e circunstanciais do País, além de situações que impactam o prosseguimento e a conclusão de obras e serviços (GIACOMONI, 2012GIACOMONI, James. Orçamento público. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2012.).

De modo contrário, aqueles que criticam o modelo autorizativo argumentam que ele poderia resultar na atuação arbitrária e não republicana do governo. Pederiva (2008)PEDERIVA, João Henrique. A falácia do orçamento autorizativo. O Estado de São Paulo, São Paulo, 8 de maio de 2008. Espaço aberto, p. A2. Disponível em: <Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/95637/Fal%c3%a1cia%20or%c3%a7amento.pdf?sequence=1 >. Acesso em: 17 abr. 2017.
http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream...
sustenta que a não execução do orçamento fere o princípio republicano, visto que uma república se respaldaria no dever de o agente público prestar contas, não apenas sobre o que faz, mas também acerca do que deixa de fazer. Freire (2016, p. 44)FREIRE, André Medeiros. Orçamento impositivo e a possibilidade de aprimoramento da gestão do orçamento público. 2016. 65 f. Monografia (Bacharelado em Gestão de Políticas Públicas) - Departamento de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de Brasília. Universidade de Brasília, Brasília, 2016 . Disponível em: <Disponível em: http://bdm.unb.br/handle/10483/14742 >. Acesso em: 29 abr. 2017.
http://bdm.unb.br/handle/10483/14742...
pondera que o orçamento autorizativo “diminui a importância e a participação do Poder Legislativo na execução das políticas que a sociedade necessita”. Gontijo (2010)GONTIJO, Vander. Orçamento impositivo, contingenciamento e transparência. Cadernos Aslegis, Brasília, n. 39, p. 61-72, jan./abr. 2010. Disponível em: <http://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/11312>. Acesso em: 29 abr. 2017., por sua vez, defende que, no orçamento autorizativo, a discricionariedade dada ao Executivo provoca um indesejável “escondimento” da programação orçamentária após ajustes realizados por aquele Poder. Esta falta de transparência dificultaria o exercício de controle pelo Congresso Nacional. Segundo Figueiredo (2008, apudGREGGIANIN; SILVA, 2015GREGGIANIN, Eugênio; Silva, J. R. P. da. O orçamento impositivo das emendas individuais disposições da Emenda Constitucional nº 86, de 2015, e da LDO 2015: o regime de execução do orçamento impositivo. Revista Orçamento em Discussão, Brasília, n. 016, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://www12.senado.leg.br/revistaorcamento/detalherevista?id=o-orcamento-impositivo-das-emendas-individuais-disposicoes-da-emenda-constitucional-no-86-de-2015-e-da-ldo-2015 >. Acesso em: 17 abr. 2017.
https://www12.senado.leg.br/revistaorcam...
), o modelo autorizativo permitiria ainda o uso da execução orçamentária como meio de barganha e troca de apoio político. Isso ocorre porque a decisão de executar o orçamento fica a critério exclusivo do gestor, que pode condicioná-la à realização de acordos políticos.

O modelo impositivo, por seu turno, estabelece que a programação orçamentária aprovada deve ser executada. A realização dos gastos aprovados não é opcional, exceto por questões específicas definidas em lei. “Uma vez consignada uma despesa no orçamento, ela deve ser necessariamente executada. Nessa visão, o orçamento, por se tratar de uma lei, deve ser rigorosamente cumprido” (MENDES, 2015MENDES, Sérgio. Administração financeira e orçamentária. 5. ed. São Paulo: Método, 2015., p. 31).

Segundo Lima (2003)LIMA, E. C. P. Algumas observações sobre o orçamento impositivo no Brasil. Planejamento e Políticas Públicas, n. 26, p. 5-15, jun./dez. 2003. Disponível em <http://www.ipea.gov.br/ppp/index.php/ppp/article/view/56>. Acesso em: 17 abr. 2017.
http://www.ipea.gov.br/ppp/index.php/ppp...
, há três versões para o orçamento impositivo: a) versão extrema, na qual o governo é obrigado a executar integralmente a programação orçamentária definida pelo Congresso Nacional; b) versão intermediária, em que a não execução de parte da programação é possível, mas exige anuência do Congresso; e c) versão mais flexível, para a qual é obrigatória a implementação de apenas parte do orçamento, deixando alguma margem para o Executivo decidir sobre a execução ou não. No modelo impositivo, o Parlamento assume maior relevância e, por conseguinte, mais responsabilidade no processo orçamentário. O orçamento mandatário implica “a mudança sobre quem decide a programação, passando o eixo de decisão para o Parlamento” (LIMA, 2003LIMA, E. C. P. Algumas observações sobre o orçamento impositivo no Brasil. Planejamento e Políticas Públicas, n. 26, p. 5-15, jun./dez. 2003. Disponível em <http://www.ipea.gov.br/ppp/index.php/ppp/article/view/56>. Acesso em: 17 abr. 2017.
http://www.ipea.gov.br/ppp/index.php/ppp...
, p. 11).

A corrente doutrinária que advoga em favor do orçamento obrigatório dispõe que nesse modelo tem-se o fortalecimento das Casas Legislativas, resultando em restabelecimento do equilíbrio de forças. Isso se daria em virtude da diminuição da discricionariedade exacerbada atribuída ao Executivo no modelo autorizativo. A imperatividade orçamentária traria previsibilidade, conferindo maior segurança jurídica à administração pública e a seus administrados. Menezes e Pederiva (2015)PEDERIVA, João Henrique; PEDERIVA, P. L. M. Execução de emendas parlamentares individuais ao orçamento: mudanças em 2014. In: I ENCONTRO NACIONAL DE ENSINO DE ENSINO E PESQUISA DO CAMPO DE PÚBLICAS, Brasília, 2015. Anais Disponível em: <Disponível em: https://docplayer.com.br/59266768-Execucao-de-emendas-parlamentares-individuais-ao-orcamento-mudancas-em-2014.html >. Acesso em: 25 jun. 2019.
https://docplayer.com.br/59266768-Execuc...
acrescentam ainda que o modelo impositivo teria o poder de fortalecer e aperfeiçoar a boa governança pública, na medida em que a tornaria mais transparente e potencializaria a accountability.

A doutrina que critica o orçamento coercitivo alega que a flexibilidade é inerente ao processo de execução orçamentária e imprescindível à governabilidade. Como lembram ainda Menezes e Pederiva (2015, p. 185)PEDERIVA, João Henrique; PEDERIVA, P. L. M. Execução de emendas parlamentares individuais ao orçamento: mudanças em 2014. In: I ENCONTRO NACIONAL DE ENSINO DE ENSINO E PESQUISA DO CAMPO DE PÚBLICAS, Brasília, 2015. Anais Disponível em: <Disponível em: https://docplayer.com.br/59266768-Execucao-de-emendas-parlamentares-individuais-ao-orcamento-mudancas-em-2014.html >. Acesso em: 25 jun. 2019.
https://docplayer.com.br/59266768-Execuc...
, “o orçamento impositivo pode impedir a implementação de ajustes fiscais que se façam necessários em virtude de crises econômicas”. Nesse sentido, Gontijo (2010, p. 68)GONTIJO, Vander. Orçamento impositivo, contingenciamento e transparência. Cadernos Aslegis, Brasília, n. 39, p. 61-72, jan./abr. 2010. Disponível em: <http://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/11312>. Acesso em: 29 abr. 2017. pondera que “não há razões para impor obrigatoriedade de gasto quando a fonte de recurso para financiá-lo é incerta”. A total imperatividade da lei orçamentária poderia assim engessar a política econômica, impondo metas e programas inexequíveis, esvaziando o papel central do Poder Executivo na elaboração e execução do orçamento. Além disso, inviabilizaria a compatibilização das demandas estabelecidas na lei orçamentária com a atual conjuntura (ÁVILA, 2013ÁVILA, Daniel Pacheco. Informação CONJUR/MPOG. Brasília, 14 de mai. 2013. Assunto: Proposta de Emenda Constitucional que venha a alterar dispositivo do artigo 166 e parágrafos da Constituição para estabelecer natureza impositiva da lei orçamentária no que se refere as emendas parlamentares. Possíveis inconstitucionalidades e efeitos sistêmicos decorrentes do princípio Constitucional da Simetria.).

A análise do caráter da Lei Orçamentária Anual - se autorizativo ou impositivo - é importante não só em razão dos impactos políticos, econômicos e fiscais dele advindos, mas também de aspectos jurídicos, ao questionar se o orçamento público é lei em sentido formal4 4 Ato normativo emanado de órgão com competência legislativa, quer contenha ou não uma verdadeira norma jurídica (cujo comando é geral e abstrato), exigindo-se que se revista das formalidades relativas a essa competência. Ênfase na forma. ou material5 5 Ato normativo, emanado por órgão do Estado, mesmo que não incumbido da função legislativa, desde que contenha uma verdadeira regra jurídica. Ênfase no conteúdo. . Assim, discutir a “natureza” do orçamento é analisar seu status jurídico, interpretar o papel dos poderes Executivo e Legislativo na execução orçamentária e, como o presente trabalho pretende explorar, as relações de poder daí decorrentes. Torna-se, portanto, necessário conectar a literatura a respeito da natureza orçamentária com a discussão mais ampla da relação entre os poderes. Para entender o tema6 6 Lochagin (2016, p. 37) registra que para uns, o orçamento é uma lei propriamente dita (em sentido formal e material); para outros, ora é lei, ora é ato particular - um ato de administração (em sentido formal); e para um terceiro grupo o orçamento nunca é uma lei. , é relevante percorrer a história e o contexto político em que a questão surgiu.

Laband foi precursor na defesa do orçamento como lei apenas formal (autorizativo) e, devido à sua importância e influência, é citado por diversos estudiosos7 7 Neste trabalho, nos utilizaremos especialmente dos comentários de Lochagin (2016) acerca do autor. . Para essa corrente de pensamento, após a aprovação do orçamento pelo Poder Legislativo, a execução orçamentária é da competência exclusiva do Poder Executivo. Entende que a responsabilidade do governo perante o Parlamento é política e que o orçamento não tem efeitos vinculantes.

O argumento, embora tenha variações, concentra-se na separação constitucional dos Poderes Executivo e Legislativo. O primeiro detém autonomia e independência para exercer responsabilidades própria e especificamente governamentais, a exemplo da execução orçamentária, sem a participação do Congresso. Além disso, existe a justificativa de que não depende exclusivamente do governo efetuar a arrecadação nos montantes previstos no orçamento, o que o desobrigaria de realizar as despesas nos volumes especificados porque isso depende do comportamento da receita.

Lochagin (2016)______. A execução do orçamento público: flexibilidade e orçamento impositivo. Série Direito Financeiro. 1. ed. São Paulo: Blucher, 2016. Disponível em: <http://pdf.blucher.com.br.s3-sa-east-1.amazonaws.com/openaccess/9788580392074/completo.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2017.
http://pdf.blucher.com.br.s3-sa-east-1.a...
afirma que essa argumentação é a acolhida pela doutrina predominante acerca da natureza jurídica do orçamento, segundo a qual ele é lei em sentido formal e não material, ou seja, não possui conteúdo de lei. Por conter previsões e programas repletos de estimativas e não de fatos objetivos, o orçamento não estabeleceria deveres jurídicos, além de não constituir norma de caráter geral e abstrato. Seria, assim, ato concreto, de caráter materialmente administrativo, pertencente ao conjunto de atribuições do Poder Executivo.

Giacomoni (2012)GIACOMONI, James. Orçamento público. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2012. esclarece que a teoria alemã labandiana foi impregnada do clima produzido por conflito constitucional de 1861-66, criado com a recusa do Parlamento em aprovar os orçamentos propostos. Partindo desse cenário, Laband influenciou, notadamente, especialistas e doutrinadores alemães, franceses e italianos ao longo de todo o século XX.

Depreende-se da teoria de Laband o receio de o corpo legislativo travar a atuação do governo mediante o controle orçamentário: o Parlamento pode se recusar a votar o orçamento, negar-se a aprovar propostas específicas de criação de tributos ou de despesas, além de rejeitar itens específicos ou créditos adicionais. Lochagin (2016)______. A execução do orçamento público: flexibilidade e orçamento impositivo. Série Direito Financeiro. 1. ed. São Paulo: Blucher, 2016. Disponível em: <http://pdf.blucher.com.br.s3-sa-east-1.amazonaws.com/openaccess/9788580392074/completo.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2017.
http://pdf.blucher.com.br.s3-sa-east-1.a...
relata que o sistema orçamentário alemão não compreendeu como uma alternativa constitucionalmente reconhecida a possibilidade de o Parlamento recusar propostas e solicitações orçamentárias do governo. A distinção entre lei formal (com caráter de ato) e lei material (lei propriamente dita) “mostrou-se útil para tornar inócuo e inconstitucional o exercício, pelo Poder Legislativo, de alguma forma de participação nas modificações orçamentarias”. O autor também comenta Jellinek, que entende ser inconstitucional o Legislativo utilizar suas prerrogativas com finalidades políticas: a “rejeição do orçamento, o cancelamento de despesas fixadas por lei, o não reconhecimento de somas necessárias a cobertura das despesas, não são um meio legal para alcançar objetivos políticos”.

No entanto, as concepções das teorias formalistas, por mais que se tenham firmado, levam a alguns questionamentos. Como dispõe Lochagin (2016, p. 41-42)______. A execução do orçamento público: flexibilidade e orçamento impositivo. Série Direito Financeiro. 1. ed. São Paulo: Blucher, 2016. Disponível em: <http://pdf.blucher.com.br.s3-sa-east-1.amazonaws.com/openaccess/9788580392074/completo.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2017.
http://pdf.blucher.com.br.s3-sa-east-1.a...
, a teoria de Laband é considerada por seus próprios apoiadores “como uma tradição diretamente trazida do século XIX, como especialmente conservadora [...]”. Adjetivada por seus críticos como “anacrônica”, “antidemocrática” ou até um “fóssil constitucional”, por tender a enfraquecer os poderes parlamentares em regimes de governo democráticos. A doutrina que afirma ser a lei orçamentária autorizativa - meramente formal - ter-se-ia firmado em um contexto histórico-político em que se buscava diminuir o papel do Parlamento na execução orçamentária.

Como se pode perceber, a discussão acerca da lei orçamentária ser formal ou material surgiu como argumento para referendar o caráter autorizativo do orçamento, em um contexto histórico-político em que as prerrogativas parlamentares eram tidas como empecilho à governabilidade, ou como inconstitucionais por serem utilizadas com finalidades políticas. Com o passar do tempo, diante da expansão de governos democráticos, tal argumentação se tornou questionável, pois o que ora se preconiza é o equilíbrio entre os poderes mediante um sistema de freios e contrapesos.

Discussões acerca da natureza do orçamento brasileiro

Não menos polêmica, a natureza do orçamento nacional é também matéria controversa. A corrente majoritária defende que a Lei Orçamentária Anual - LOA é autorizativa, lei em sentido formal; no entanto, outras vozes advogam no sentido de que ela tem caráter impositivo ou, até mesmo, misto. A fim de verificar os argumentos expostos por ambas as doutrinas, analisaremos as disposições constitucionais e legais sobre o orçamento público. A ideia é constatar se a argumentação de uma ou outra corrente se confirma ou, ainda, se o nosso regramento orçamentário não teria optado por um processo misto, em que cada poder possui atribuições específicas, em um sistema de freios e contrapesos.

O caráter autorizativo, impositivo ou misto da LOA

Para Piscitelli (2006)PISCITELLI, Roberto B. Orçamento impositivo x orçamento autorizativo. Biblioteca Digital CD. 2006. Disponível em: <Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/1636/orcamento_autorizativo_piscitelli.pdf?sequence=2 >. Acesso em: 15 jun. 2017.
http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/han...
, a corrente majoritária - segundo ele representada na área econômica do governo - entende que o orçamento impositivo não é viável. Isso significa que o Poder Executivo dispõe livremente sobre o grau de execução das despesas constantes do orçamento. Nesses termos, “o orçamento - discutido, aprovado, sancionado e publicado - autoriza o Estado a arrecadar o necessário e suficiente para realizar, em nome do povo, as suas aspirações”. (PISCITELLI, 2006PISCITELLI, Roberto B. Orçamento impositivo x orçamento autorizativo. Biblioteca Digital CD. 2006. Disponível em: <Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/1636/orcamento_autorizativo_piscitelli.pdf?sequence=2 >. Acesso em: 15 jun. 2017.
http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/han...
, p. 4).

Seguindo esse entendimento, Pascoal (2008)PASCOAL, Valdecir Fernandes. Direito financeiro e controle externo: teoria, jurisprudência e 400 questões. 6. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. justifica que o governo não está obrigado a efetivar determinada despesa pelo fato de ela constar da lei orçamentária. Cabe ao governante, diante de situações imprevistas ou excepcionais, como escassez de recursos, priorizar determinadas despesas. A lei orçamentária constitui pré-requisito para a realização de despesas públicas, mas ninguém poderá exigir a efetiva realização do gasto.

Para Godoy (2014, p. 61-62)GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. O tema do orçamento impositivo no ordenamento jurídico brasileiro. Revista da AJURIS, Porto Alegre, v. 41, n. 134, jun. 2014. Disponível em: <Disponível em: http://www.ajuris.org.br/OJS2/index.php/REVAJURIS/article/view/195/131 >. Acesso em: 3 abr. 2017.
http://www.ajuris.org.br/OJS2/index.php/...
, o Executivo deve contar com certa discricionariedade ao longo do processo de execução orçamentária. “[...] a vida contemporânea exige do Estado intervenções pontuais, abstenções, realocações, que indicam plasticidade institucional que o modelo democrático radicalmente exige”. Conforme abordado por Lima (2003)LIMA, E. C. P. Algumas observações sobre o orçamento impositivo no Brasil. Planejamento e Políticas Públicas, n. 26, p. 5-15, jun./dez. 2003. Disponível em <http://www.ipea.gov.br/ppp/index.php/ppp/article/view/56>. Acesso em: 17 abr. 2017.
http://www.ipea.gov.br/ppp/index.php/ppp...
, o modelo brasileiro, definido na Constituição da República, arts. 165 a 169, não obriga a execução de tudo o que está no orçamento, pois não é preciso autorização do Congresso para não implementar determinada despesa.

Como se vê, esses autores se utilizam dos preceitos de Laband para argumentar que a LOA é autorizativa, tratando-se de lei meramente formal. Sendo assim, o Poder Executivo não estaria obrigado a executar as despesas fixadas, tendo em vista situações excepcionais não passíveis de previsão. No que tange à relação entre os Poderes, o Executivo teria autonomia para decidir sobre a efetiva realização dos gastos, ficando o Congresso adstrito de tais escolhas, sejam elas por questões políticas ou econômicas.

De forma diversa, outros doutrinadores atribuem à LOA natureza impositiva, lei em sentido formal e material. Santos (2016, p. 11-12)SANTOS, A. L. dos. Caráter da Lei Orçamentária Anual e suas implicações no equilíbrio de força entre os poderes executivo e legislativo. Revista Orçamento em Discussão, Brasília, n. 023, 2016. Disponível em: <Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518801/OED0023.pdf?sequence=5 >. Acesso em: 10 abr. 2017.
https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstrea...
expõe o entendimento de doutrinadores como Álvaro Bereijo e Giacomoni, no sentido de que a LOA teria caráter coativo, imperativo, de normatização de condutas, típico de toda norma jurídica. Nessa perspectiva, seria inaceitável que regras impostas em lei não tenham poder de império por serem compreendidas como “leis formais”. Classificações doutrinárias não poderiam minimizar a autoridade da lei, ou impugnar sua força normativa.

Há ainda doutrinadores que defendem a tese de que o orçamento público nacional possui características dos modelos autorizativo e impositivo, levando ao entendimento de que a LOA tem natureza mista. Por um lado, existe um processo árduo de planejamento, elaboração, aprovação, execução e controle dos dispêndios públicos, com instrumentos que indicam a coercibilidade do orçamento, como a aprovação de leis ordinárias, que, por serem leis, devem ser cumpridas. Por outro lado, há a previsão de instrumentos de flexibilidade, a exemplo do contingenciamento e da desvinculação de receitas, desnecessários, em tese, no modelo autorizativo.

Nesse cenário, Lima e Viana (2016LIMA, Eduardo Martins; VIANA, P. R. N. As relações entre o executivo e o legislativo na elaboração do orçamento brasileiro: considerações sobre a emenda constitucional 86/2015. Revista de Direito Tributário e Financeiro, v. 2, n. 2, p. 199-220, jul./dez., 2016. Disponível em: <Disponível em: http://www.indexlaw.org/index.php/direitotributario/article/view/1368/pdf> . Acesso em: 31 jul. 2017.
http://www.indexlaw.org/index.php/direit...
) entendem que a lei orçamentária possui natureza mista, pois a efetivação dos gastos não é obrigatória por constar do orçamento. Contudo, a maior parte das despesas, inclusive as emendas parlamentares individuais, é imposta por força constitucional ou legal, o que as torna essencialmente obrigatórias. Nos termos do Estudo Técnico nº 10/2013 - Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados (p. 7):

[...] nosso orçamento não é totalmente autorizativo, nem totalmente impositivo, pois existe dispositivo legal que permite contrariar esse modelo em intervalos de tempo dentro do exercício financeiro.

Por fim, Lima e Viana (2016, p. 204)LIMA, Eduardo Martins; VIANA, P. R. N. As relações entre o executivo e o legislativo na elaboração do orçamento brasileiro: considerações sobre a emenda constitucional 86/2015. Revista de Direito Tributário e Financeiro, v. 2, n. 2, p. 199-220, jul./dez., 2016. Disponível em: <Disponível em: http://www.indexlaw.org/index.php/direitotributario/article/view/1368/pdf> . Acesso em: 31 jul. 2017.
http://www.indexlaw.org/index.php/direit...
comentam que o Supremo Tribunal Federal8 8 ADI 4.663 MC-REF/RO - Supremo Tribunal Federal. “Posteriormente, tal entendimento foi corroborado pelo Ministro Marco Aurélio. A discussão foi interrompida por pedido de vista e acabou perdendo seu objeto, pelo exaurimento da eficácia da lei impugnada”. (LIMA; VIANA, 2016, p. 204). , na ADI 4663/RO, deixou evidenciado que a LOA não é apenas autorizativa:

[…] As normas orçamentárias ostentam, segundo a lição da moderna doutrina financista, a denominada força vinculante mínima, a ensejar a imposição de um dever prima facie de acatamento [...].

Constituição Federal de 1988

Para o aprofundamento das discussões a respeito da natureza do nosso orçamento, é importante trazer à baila o art. 66 da Constituição Federal de 1967______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, de 24 de janeiro de 1967, 1967.: “o montante da despesa autorizada em cada exercício financeiro não poderá ser superior ao total das receitas estimadas para o mesmo período”.

Se considerarmos o modelo adotado no período militar, não haveria dúvida quanto ao caráter autorizativo do orçamento vigente à época (MACEDO, 2014MACEDO, Rodrigo Roriz. Orçamento impositivo no Brasil: proposta para o futuro ou realidade constitucionalizada. 2014. 78 f. Monografia (Bacharelado em Direito). Coordenação de Direito da Universidade de Brasília - UNB. Universidade de Brasília, Brasília, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://bdm.unb.br/bitstream/10483/9005/1/2014_RodrigoRorizMacedo.pdf >. Acesso em: 25 abr. 2017.
http://bdm.unb.br/bitstream/10483/9005/1...
, grifo acrescido).

A Carta Política de 1988, em seu art. 165, § 8º, inovou quanto ao tema orçamentário ao dispor:

A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita (grifo nosso).

Comparando os dispositivos, Macedo (2014, p. 50)MACEDO, Rodrigo Roriz. Orçamento impositivo no Brasil: proposta para o futuro ou realidade constitucionalizada. 2014. 78 f. Monografia (Bacharelado em Direito). Coordenação de Direito da Universidade de Brasília - UNB. Universidade de Brasília, Brasília, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://bdm.unb.br/bitstream/10483/9005/1/2014_RodrigoRorizMacedo.pdf >. Acesso em: 25 abr. 2017.
http://bdm.unb.br/bitstream/10483/9005/1...
declara que “enquanto a Lei da ditadura autorizava o poder Executivo vigente a executar o orçamento, a Carta atual troca o termo empregado e fixa a despesa”. Oliveira (2007, p. 64)OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. O desvio de finalidade das contribuições e o seu controle tributário e orçamentário no direito brasileiro. Revista de Direito Internacional Econômico e Tributário, Brasília, v. 2, n. 2, p. 38-124, jul./dez., 2007. Disponível em: <Disponível em: https://portalrevistas.ucb.br/index.php/RDIET/article/view/4485/2794 >. Acesso em: 11 mai. 2017.
https://portalrevistas.ucb.br/index.php/...
sustenta que “o verbo fixar tem conotação semântica muito mais densa; implica em determinar, firmar, cravar, tornar firme”. Nesse sentido, acrescenta que, se houve uma alteração dos termos, é porque houve mudança no modelo escolhido pelo legislador.

No mesmo sentido, Gontijo (2014)______. Artigos: Um tiro no pé dos congressistas. Gazeta do Povo, 2014. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/um-tiro-no-pe-dos-congressistas-8wtej5q77itt4yt6xll2aqfke>. Acesso em: 11 mai. 2017.
http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/a...
dá por certo que a Constituição de 1988BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 5 de outubro de 1988. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm >. Acesso em: 9 abr. 2017.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
, ao determinar a fixação das despesas, despreza o texto da Carta de 1967 que somente a autorizava, abrindo-se a hipótese da coercibilidade da LOA.

Para Oliveira (2013, apudEstudo Técnico nº 10/2013 da Câmara dos DeputadosCÂMARA DOS DEPUTADOS. Estudo Técnico n. 10, de 2013. Brasília: Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, 2013. Disponível em: <Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/orcamentobrasil/estudos/2013/EST10.pdf > Acesso em: 11 mai. 2017.
http://www2.camara.leg.br/atividade-legi...
, p. 8), a possibilidade de execução discricionária pelo Poder Executivo contradiz a racionalidade e seriedade de planejamento, programação e orçamentação construído pela Constituição de 1988BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 5 de outubro de 1988. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm >. Acesso em: 9 abr. 2017.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
, ferindo o princípio da corresponsabilidade orçamentária entre Legislativo e Executivo. Acrescenta que

o planejamento é determinante para o setor público. Isto é: o setor público deve planejar suas políticas, programas e ações e executá-las na forma do planejamento realizado (art. 174 da Carta Política de 1988).

O art. 7º do Decreto-Lei 200/1967 determina que a ação governamental obedeça a planejamento, que terá como instrumentos básicos: plano de governo, programas gerais, setoriais e regionais, bem como programa de desembolso.

Nos termos do art. 165 da Constituição, leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: I - o plano plurianual, II - as diretrizes orçamentárias; III - os orçamentos anuais. Tais leis permitem o planejamento estrutural das ações governamentais, sendo esta última o orçamento propriamente dito.

“A Constituição de 1988BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 5 de outubro de 1988. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm >. Acesso em: 9 abr. 2017.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
estruturou o sistema orçamentário tendo como objetivo a efetivação do orçamento público como um instrumento de planejamento da ação estatal”. Nesse compasso, “o descumprimento dos ditames das leis orçamentárias nacionais [...] significa deixar de seguir o plano de ação governamental” e “se o orçamento como reflexo do plano estatal já é uma realidade, o governo não está autorizado a segui-lo, mas sim obrigado a cumpri-lo”. (MACEDO, 2014MACEDO, Rodrigo Roriz. Orçamento impositivo no Brasil: proposta para o futuro ou realidade constitucionalizada. 2014. 78 f. Monografia (Bacharelado em Direito). Coordenação de Direito da Universidade de Brasília - UNB. Universidade de Brasília, Brasília, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://bdm.unb.br/bitstream/10483/9005/1/2014_RodrigoRorizMacedo.pdf >. Acesso em: 25 abr. 2017.
http://bdm.unb.br/bitstream/10483/9005/1...
, p. 23, 37 e 66). “Nenhum sentido tem elaborar-se um texto programático e depois olvidá-lo”. (OLIVEIRA, 2010, apudMACEDO, 2014MACEDO, Rodrigo Roriz. Orçamento impositivo no Brasil: proposta para o futuro ou realidade constitucionalizada. 2014. 78 f. Monografia (Bacharelado em Direito). Coordenação de Direito da Universidade de Brasília - UNB. Universidade de Brasília, Brasília, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://bdm.unb.br/bitstream/10483/9005/1/2014_RodrigoRorizMacedo.pdf >. Acesso em: 25 abr. 2017.
http://bdm.unb.br/bitstream/10483/9005/1...
, p. 44). Dallari dispõe que não faz sentido delinear todo um sistema orçamentário calcado no planejamento e no direito à transparência da gestão fiscal, se as dotações não forem impositivas. De nada vale assegurar a participação popular na elaboração do orçamento, se o Executivo não tiver o dever de executar o que foi planejado mediante consulta pública e apreciação legislativa. (DALLARI, 2011, apudMACEDO, 2014MACEDO, Rodrigo Roriz. Orçamento impositivo no Brasil: proposta para o futuro ou realidade constitucionalizada. 2014. 78 f. Monografia (Bacharelado em Direito). Coordenação de Direito da Universidade de Brasília - UNB. Universidade de Brasília, Brasília, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://bdm.unb.br/bitstream/10483/9005/1/2014_RodrigoRorizMacedo.pdf >. Acesso em: 25 abr. 2017.
http://bdm.unb.br/bitstream/10483/9005/1...
).

Do exposto, esses doutrinadores entendem que a Constituição, ao definir o orçamento como instrumento de planejamento, ambos indissociáveis, impõe a execução obrigatória do plano aprovado, o que conferiria ao orçamento um caráter impositivo.

Além do planejamento governamental, a Carta de 1988 estabeleceu rito próprio para o processo legislativo orçamentário. Conferiu ao chefe do Poder Executivo a iniciativa das leis orçamentárias, sob pena de crime de responsabilidade. Definiu critérios especiais para aprovação: apreciação conjunta pelas Casas do Congresso, restrições às emendas parlamentares, limite temporal para deliberação, vigência limitada, dentre outras. (FERREIRA, 2012FERREIRA, F. G. B. de C. O Processo Legislativo Orçamentário e suas Peculiaridades. Conteúdo Jurídico, Brasília, jun. 2012. Disponível em: <Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29750/o-processo-legislativo-orcamentario-e-suas-peculiaridades >. Acesso em: 5 abr. 2017.
http://www.conteudojuridico.com.br/consu...
). Além disso, dispôs que a tramitação deve observar todas as fases - “discussão parlamentar, emendas, votação, aprovação, veto e sanção”. (MACEDO, 2014, p. 39)MACEDO, Rodrigo Roriz. Orçamento impositivo no Brasil: proposta para o futuro ou realidade constitucionalizada. 2014. 78 f. Monografia (Bacharelado em Direito). Coordenação de Direito da Universidade de Brasília - UNB. Universidade de Brasília, Brasília, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://bdm.unb.br/bitstream/10483/9005/1/2014_RodrigoRorizMacedo.pdf >. Acesso em: 25 abr. 2017.
http://bdm.unb.br/bitstream/10483/9005/1...
.

Um ponto importante do processo legislativo é a apresentação de emendas parlamentares. As emendas têm natureza revisional e propositiva e por meio delas o Congresso altera a proposta orçamentária inicialmente apresentada, observadas as vedações impostas pelo Texto Constitucional.

Emendas parlamentares

Como mencionado, a Carta Magna atribuiu competências específicas a cada poder para elaboração e aprovação das leis orçamentárias. O Executivo tem a prerrogativa de proposição, meio pelo qual formaliza seu plano de governo. O Legislativo tem a atribuição de apreciar os projetos apresentados, modificando-os por meio das emendas parlamentares. Tem-se, assim, uma coautoria nas escolhas orçamentárias.

É por intermédio da propositura de emendas que o Legislativo tem a faculdade de participar das grandes questões de governo, de reformular políticas e estabelecer novas diretrizes para realização de gastos.

Por meio do art. 166, a Constituição impõe regras para essas alterações: emendas à LDO só serão aprovadas se compatíveis com o PPA; e para se alterar o projeto da LOA, devem estar alinhadas tanto com a LDO quanto com o PPA vigente. Nesse compasso, é possível observar a busca pela sintonia das leis orçamentárias com o planejamento governamental (OLIVEIRA, 2010, apudMACEDO, 2014MACEDO, Rodrigo Roriz. Orçamento impositivo no Brasil: proposta para o futuro ou realidade constitucionalizada. 2014. 78 f. Monografia (Bacharelado em Direito). Coordenação de Direito da Universidade de Brasília - UNB. Universidade de Brasília, Brasília, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://bdm.unb.br/bitstream/10483/9005/1/2014_RodrigoRorizMacedo.pdf >. Acesso em: 25 abr. 2017.
http://bdm.unb.br/bitstream/10483/9005/1...
).

A Constituição de 1988BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 5 de outubro de 1988. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm >. Acesso em: 9 abr. 2017.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
estabelece ainda que emendas de despesa ao projeto da LOA precisam indicar a origem dos recursos, sendo admitidos apenas os advindos da anulação de despesas. Desse modo, as emendas não podem aumentar os gastos e, para serem válidas, devem informar o cancelamento correspondente9 9 O art. 166, § 3º, inciso III, alínea “a” da Constituição prevê entre as hipóteses para emendas ao projeto da LOA a correção de erros ou omissões. Sob o argumento de que o projeto de LOA estaria com receitas subestimadas, o Congresso tem adotado prática recorrente de aumentar as receitas mediante reestimativa, para o que alega erros devido às alterações em parâmetros macroeconômicos - como taxa de inflação, crescimento real do PIB e outros (MACEDO, 2014). Com as novas entradas, tem-se assim a possibilidade de financiamento de novos dispêndios (TOLLINI, 2008). .

As emendas parlamentares têm, portanto, o papel de alocar recursos do orçamento, de forma a não deixar o poder de decisão apenas com o Executivo. No entanto, ao estabelecer condições para propositura de emendas, a Constituição deixa assente que as intenções do Legislativo devem convergir com as ações de estado propostas pelo governo, vez que devem ser compatíveis com o PPA e com a LDO. Além disso, devem preservar o equilíbrio fiscal, pois não podem criar despesas, mas apenas realocá-las.

Vedações orçamentárias

O ciclo orçamentário (elaboração, apreciação legislativa, execução/acompanhamento, controle e avaliação) deve obedecer a um conjunto de regras previsto na Constituição e em outros normativos. Dada a importância do tema, analisaremos as vedações constitucionais a fim de examinar se elas influenciam a natureza da LOA, estabelecendo ou não a coercibilidade do orçamento. Além disso, verificaremos quais impactos acarretam na relação entre os Poderes Executivo e Legislativo na condução orçamentária.

Macedo (2014)MACEDO, Rodrigo Roriz. Orçamento impositivo no Brasil: proposta para o futuro ou realidade constitucionalizada. 2014. 78 f. Monografia (Bacharelado em Direito). Coordenação de Direito da Universidade de Brasília - UNB. Universidade de Brasília, Brasília, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://bdm.unb.br/bitstream/10483/9005/1/2014_RodrigoRorizMacedo.pdf >. Acesso em: 25 abr. 2017.
http://bdm.unb.br/bitstream/10483/9005/1...
registra que a primeira proibição diz respeito à vedação do início de programas ou projetos não incluídos na LOA. O propósito da norma é inibir a atuação do Estado em desconformidade com o orçamento aprovado. Outra vedação é a realização de despesas acima do limite legal e a proibição de créditos ilimitados. Caso sejam necessários mais recursos, o Executivo pode se valer de créditos adicionais10 10 Dividem-se em três modalidades: especial, quando necessárias novas dotações; suplementar, quando necessário o reforço de dotações existentes; e extraordinário, destinado a atender despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública. . Os especiais e suplementares devem ser submetidos previamente ao Congresso e somente após aprovados são incorporados. Os extraordinários podem ser abertos por medida provisória que, posteriormente, também passará pelo crivo do Legislativo.

Tem-se ainda a “regra de ouro”, que proíbe que operações de crédito excedam o montante das despesas de capital. A intenção dessa norma é evitar o endividamento excessivo, por meio do financiamento de despesas correntes - a exemplo de pessoal e custeio. No entanto, tal regra pode ser excepcionada mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta.

A Constituição também proibiu a vinculação de receitas (princípio da não afetação), porém especificou exceções. Ademais, estabeleceu várias outras proibições, entre as quais destacamos (art. 167): VI - a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa; VIII - a utilização, sem autorização legislativa específica, de recursos dos orçamentos fiscal e da seguridade social para suprir necessidade ou cobrir déficit de empresas, fundações e fundos; IX - a instituição de fundos de qualquer natureza, sem prévia autorização legislativa; e § 1º - Nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob pena de crime de responsabilidade.

Da análise das vedações impostas pelo Texto Constitucional, fica evidente a intenção do legislador em vincular a atuação dos poderes na definição do orçamento e na respectiva execução. As ações devem ser conjuntas, tanto na avaliação do conteúdo das leis orçamentárias quanto na decisão sobre possíveis modificações. Ambos são responsáveis pela definição dos gastos e, por consequência, das políticas públicas a serem implementadas.

Quanto à natureza do orçamento, parece-nos que a norma não a define claramente, havendo tanto elementos de discricionariedade como de impositividade. Ao delimitar os termos e as condições do processo de aprovação e execução orçamentária, evocando a participação do Legislativo, afasta a absoluta discricionariedade do Poder Executivo sobre a realização do gasto. Por outro lado, as vedações estabelecem o comando do que fazer ou não fazer, típico do orçamento impositivo.

Despesas discricionárias e obrigatórias, vinculações e desvinculações de receitas

Outra questão importante a ser abordada é a rigidez do orçamento brasileiro. Como visto na seção anterior, nossa orçamentação é regida por várias condicionantes relativas à sua elaboração, execução e alteração. Além deles, existem outras prescrições as quais, por um lado, enrijecem a realização do orçamento; mas, por outro, lhe permite maleabilidade para efetivar os gastos. Trata-se das despesas obrigatórias e discricionárias11 11 Despesas obrigatórias são aquelas nas quais o gestor público não possui discricionariedade quanto à determinação do seu montante, bem como ao momento de sua realização, por determinação legal ou constitucional. Essas despesas necessariamente têm prioridade em relação às demais, tanto no momento de elaboração do orçamento, quanto na sua execução. São gastos que o governo não pode deixar de cumprir, a exemplo de despesas com pessoal, transferências constitucionais e juros da dívida (MACEDO, 2014). Já as despesas discricionárias são aquelas que, por não terem amparo constitucional ou legal, dependem da disponibilidade adicional ou residual de recursos e permitem ao gestor público flexibilidade quanto ao estabelecimento de seu montante, assim como quanto à oportunidade de sua execução. e das vinculações12 12 Receitas vinculadas são aquelas arrecadadas com finalidade específica previamente determinada. Normalmente tem sua destinação vinculada a um órgão ou a um programa governamental, com base em disposição constitucional ou legal. Para Scaff (2016), as vinculações de receitas são exceções ao princípio da não afetação (art. 167, IV, CF/88), pois a regra é que o legislador tenha plena liberdade para dispor do orçamento. e desvinculações13 13 “A Desvinculação de Receitas da União - DRU é um mecanismo que permite ao governo federal usar livremente um percentual de todos os tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas. Sua principal fonte de recursos são as contribuições sociais, que respondem por cerca de 90% do montante desvinculado. Na prática, permite que o governo aplique os recursos destinados a áreas como educação, saúde e previdência social em qualquer despesa considerada prioritária e na formação de superávit primário. Também possibilita o manejo de recursos para o pagamento de juros da dívida pública”. Disponível em: http://www12.senado.leg.br/noticias/entenda-o-assunto/dru. Acesso em: 10 jun. 2017. de receitas.

Macedo (2014, p. 51-56)MACEDO, Rodrigo Roriz. Orçamento impositivo no Brasil: proposta para o futuro ou realidade constitucionalizada. 2014. 78 f. Monografia (Bacharelado em Direito). Coordenação de Direito da Universidade de Brasília - UNB. Universidade de Brasília, Brasília, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://bdm.unb.br/bitstream/10483/9005/1/2014_RodrigoRorizMacedo.pdf >. Acesso em: 25 abr. 2017.
http://bdm.unb.br/bitstream/10483/9005/1...
comenta que técnicos do governo afirmam que o orçamento federal já tem um caráter impositivo em virtude da grande parcela de vinculações e argumentam que “a adoção do orçamento impositivo lhes tiraria a pouca discricionariedade restante”. Sopesa que uma parcela muito pequena do orçamento é desvinculada. “Poucas receitas não têm destino especificado. [...], cerca de 20%”, referindo-se ao período de 2000 a 2007. Esse percentual subiu para 26,1%14 14 Ministério da Economia - Séries Estatísticas - Vinculação de Receitas_ Anual_ 2000 a 2016. Disponível em: http://www.planejamento.gov.br/servicos/series-estatisticas/series-estatisticas. Acesso em: 26 jun. 2019. , no período de 2001 a 2016, provavelmente em virtude da aprovação da Emenda Constitucional 93/2016, que ampliou o escopo e prorrogou a desvinculação de receitas da União - DRU.

Macedo considera que “em grau ainda maior que a vinculação das receitas há a figura das despesas obrigatórias”. Cita Giacomoni que “atesta que esses dispêndios mandatórios são os maiores responsáveis pela rigidez orçamentária”. Em seu estudo, Macedo também identifica que em torno de 55% das receitas de livre alocação são destinadas a custear despesas obrigatórias. Menciona que, no ano de 2013, 88,5% do orçamento definido na LOA tiveram seus gastos previstos de forma mandatária. Além disso, constata que mesmo a parcela discricionária sofre limitação pela vinculação de determinadas receitas e conclui que cerca de 90% do orçamento federal à época tinha caráter obrigatório. Diante desse resultado, pondera que “se a grande maioria da LOA é rígida, o restante estaria destinado a não-impositividade, associando as despesas discricionárias ao orçamento de caráter autorizativo”.

Ainda sobre o assunto, Lima (2003, p. 7-8)LIMA, E. C. P. Algumas observações sobre o orçamento impositivo no Brasil. Planejamento e Políticas Públicas, n. 26, p. 5-15, jun./dez. 2003. Disponível em <http://www.ipea.gov.br/ppp/index.php/ppp/article/view/56>. Acesso em: 17 abr. 2017.
http://www.ipea.gov.br/ppp/index.php/ppp...
afirma que o governo não pode deixar de fazer cerca de 90% das despesas totais. Além disso, há outras despesas que, em razão de suas características, devem ser realizadas, tais como custeio dos ministérios e continuação de obras iniciadas no passado, em que a interrupção causaria grandes prejuízos ao erário.

As consultorias da Câmara dos Deputados e do Senado Federal registram que a projeção das despesas primárias (ou não financeiras) para 2019, constante dos orçamentos fiscal e da seguridade social, indica que 92% são para as obrigatórias e 8% para as discricionárias, reafirmando a elevada rigidez orçamentária quanto à possibilidade de reorientação das ações governamentais. Ademais, informam que as despesas financeiras representam 47,8% do total dos orçamentos fiscal e da seguridade social15 15 Nota Técnica Conjunta nº 2/2018 - Subsídios à Apreciação do Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) 2019 - p. 7 e 36. Considerando ainda a rigidez orçamentária, Giacomoni (2012, p. 76)GIACOMONI, James. Orçamento público. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2012. defende que a Desvinculação de Receitas da União - DRU, prevista no Texto Constitucional, expressa o que o princípio da não afetação busca evitar. Com a desvinculação, o gestor dispõe de maior margem de manobra na utilização dos recursos.

À vista do exposto, fica clara a extrema rigidez orçamentária. Tamanho direcionamento poderia levar ao entendimento de que o caráter do orçamento brasileiro é impositivo, restando sob o “livre comando” do Poder Executivo fatia ínfima dos recursos. No entanto, a Carta da República, ao permitir, por exemplo, a desvinculação de receitas, conferiu ao governo, com a anuência do Congresso, maior autoridade sobre a alocação de recursos, relativizando a rigidez existente. Mais uma vez, não se pode concluir categoricamente a respeito da natureza orçamentária nacional.

Contingenciamento

Contingenciamento é um procedimento empregado pela administração para assegurar o cumprimento da meta de resultado fiscal, ou seja, assegurar o equilíbrio entre a execução das despesas, a disponibilidade efetiva de recursos e a meta fiscal estabelecida na LDO16 14 16 O contingenciamento está previsto no art. 9º da Lei nº 101/2000 (LRF) que dispõe que se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal, os poderes e o Ministério Público promoverão a limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela LDO. Caso restabelecidas as receitas, ainda que parcial, a recomposição das dotações cujos empenhos foram limitados se dará de forma proporcional (§ 1º). A lei ainda dispõe que não serão objeto de limitações as despesas obrigatórias, inclusive as destinadas ao pagamento do serviço da dívida, e as ressalvadas pela LDO (§ 2º) . Consiste no retardamento e, não raro, na inexecução de parte da programação de despesa prevista na lei orçamentária17 15 17 Apenas as despesas discricionárias são passíveis de contingenciamento. Todavia, não são totalmente contingenciáveis, pois grande parte delas é executada com as funções saúde e educação, sujeitas ao mínimo constitucional. Além disso, não é possível um contingenciamento muito grande, sob pena de atrasos de pagamentos ou problemas na qualidade de oferta dos serviços públicos. .

No sentido da coercibilidade da LOA, alguns intérpretes entendem que a Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF teria introduzido o orçamento impositivo no País. A partir dela, “a não execução de determinada despesa só poderia acontecer caso houvesse risco de não se alcançar a meta fiscal”. Somente a dificuldade de alcançar as metas fiscais justificaria a não implementação integral do orçamento. Nas demais situações, a execução seria obrigatória (LIMA, 2003, p. 8)LIMA, E. C. P. Algumas observações sobre o orçamento impositivo no Brasil. Planejamento e Políticas Públicas, n. 26, p. 5-15, jun./dez. 2003. Disponível em <http://www.ipea.gov.br/ppp/index.php/ppp/article/view/56>. Acesso em: 17 abr. 2017.
http://www.ipea.gov.br/ppp/index.php/ppp...
.

No entanto, para Gontijo (2010, p. 65)GONTIJO, Vander. Orçamento impositivo, contingenciamento e transparência. Cadernos Aslegis, Brasília, n. 39, p. 61-72, jan./abr. 2010. Disponível em: <http://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/11312>. Acesso em: 29 abr. 2017.,

a LRF [...] reforça o caráter discricionário de execução das despesas ‘não obrigatórias’, na medida em que permite ao Executivo limitar empenhos e movimentação financeira para compensar uma eventual frustração de receita no bimestre.

Afirma, ainda, que nem as despesas “obrigatórias” são de execução compulsória, pois o montante de despesas fixadas na LOA depende de variáveis cuja previsão envolve incertezas (GONTIJO, 2010, p. 67GONTIJO, Vander. Orçamento impositivo, contingenciamento e transparência. Cadernos Aslegis, Brasília, n. 39, p. 61-72, jan./abr. 2010. Disponível em: <http://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/11312>. Acesso em: 29 abr. 2017.). Esse ponto é importante e merece ser enfatizado: por serem obrigatórias, tais despesas serão necessariamente realizadas, mas não absolutamente nos montantes inscritos e aprovados na LOA, dado que envolvem estimativas feitas a priori.

Para ele, o contingenciamento, apesar de distorcer a matriz orçamentária aprovada pelo Congresso, proporciona a flexibilidade necessária para assegurar o cumprimento das metas fiscais. Entretanto, permite ampla redefinição das prioridades aprovadas, o que se dá de forma aleatória ou intencionalmente direcionada para certos tipos e modalidades de gasto. Segundo o autor, após o contingenciamento apenas algumas autoridades do Executivo teriam conhecimento do que “restou” da lei aprovada, não havendo qualquer informação sobre o novo “programa de trabalho”. Conclui que o critério adotado para contingenciamento concebe elevada discricionariedade aos ministros para a escolha das ações que serão realizadas ou paralisadas, o que reduz a transparência e desconsidera o processo legislativo de discussão e aprovação da Lei Orçamentária previsto na Constituição Federal.

Macedo (2014)MACEDO, Rodrigo Roriz. Orçamento impositivo no Brasil: proposta para o futuro ou realidade constitucionalizada. 2014. 78 f. Monografia (Bacharelado em Direito). Coordenação de Direito da Universidade de Brasília - UNB. Universidade de Brasília, Brasília, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://bdm.unb.br/bitstream/10483/9005/1/2014_RodrigoRorizMacedo.pdf >. Acesso em: 25 abr. 2017.
http://bdm.unb.br/bitstream/10483/9005/1...
destaca ainda que os decretos de contingenciamento não detalham as programações que serão limitadas, abrindo espaço para a discricionariedade e as negociações políticas.

Lochagin (2012, p. 5-9)LOCHAGIN, G. L. A flexibilidade da execução orçamentária. 2012. 169 p. Dissertação (Mestrado em Direito Econômico e Financeiro) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo 2012., Disponível em: <Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2133/tde-29082013-111525/pt-br.php >. Acesso em: 20 jul. 2017.
http://www.teses.usp.br/teses/disponivei...
sustenta que o uso indiscriminado do contingenciamento tem se firmado como um elemento das relações de poder entre Executivo e Legislativo. Nesse sentido, afirma que o

[...] contingenciamento de recursos adquiriu enorme importância para as negociações políticas entre governo e parlamento, e também para a gestão macroeconômica, ao se tornar um dos instrumentos por excelência do ajuste fiscal.

Conclui-se, do cenário apresentado, que o contingenciamento é um instrumento importante para se manter o equilíbrio fiscal, visto que as receitas ou despesas previstas na LOA podem não se confirmar. Parte da doutrina acredita que o contingenciamento é inerente ao modelo autorizativo, visto que, no Brasil, a decisão sobre a necessidade de bloqueios não é submetida ao Congresso. De outra parte, a doutrina “impositivista” defende que, se o governo precisa se valer desse tipo de ferramenta, é porque o orçamento é impositivo.

No que tange à relação entre os poderes, o contingenciamento é visto como um instrumento de negociações políticas, tendo em vista que o Executivo limitaria a execução de emendas parlamentares, condicionando os desbloqueios ao apoio do Congresso na aprovação de projetos de seu interesse. Tal entendimento retrata o uso político do orçamento, o que, em princípio, levou à aprovação das Emendas Constitucionais nº 86/2015 e nº 100/2019.

Relação político-institucional entre os poderes no ciclo orçamentário

Cheibub e Elkins (2009, apudRODRIGUES, 2019RODRIGUES, Taíla A. Emendas parlamentares individuais: a relação entre os poderes executivo e legislativo após a promulgação da Emenda Constitucional 86/2015. Revista Orçamento em Discussão, Brasília, n. 045, 2019. Disponível em: <Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/560152/OED0045.pdf?sequence=1&isAllowed=y >. Acesso em: 25 jan. 2020.
https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstrea...
) afirmam que na Constituição Brasileira de 1988BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 5 de outubro de 1988. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm >. Acesso em: 9 abr. 2017.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
coexistem características dos modelos presidencialistas18 18 Presidencialismo é um sistema de governo em que um chefe de governo também é o chefe de Estado e lidera o poder executivo, que é separado do poder legislativo e do poder judiciário. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Presidencialismo>. Acesso em: 25 jan. 2020. e parlamentaristas19 19 Parlamentarismo é um sistema de governo democrático, em que o poder executivo baseia a sua legitimidade democrática a partir do poder legislativo (representado pelo parlamento nacional); os poderes executivo e legislativo são, portanto, interligados neste sistema de governo. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Parlamentarismo>. Acesso em: 25 jan. 2020. .

A concentração de poder decisório no Executivo, característico do regime autoritário anterior a 1988, permaneceu ao mesmo tempo em que o multipartidarismo foi reinserido no arranjo institucional como mecanismo de freios e contrapesos. Houve a constituição de um desenho controverso, mas com pontos positivos, a exemplo do presidencialismo de coalizão (SANTOS, 2000SANTOS, A. L. dos. Caráter da Lei Orçamentária Anual e suas implicações no equilíbrio de força entre os poderes executivo e legislativo. Revista Orçamento em Discussão, Brasília, n. 023, 2016. Disponível em: <Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518801/OED0023.pdf?sequence=5 >. Acesso em: 10 abr. 2017.
https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstrea...
, apudRODRIGUES, 2019RODRIGUES, Taíla A. Emendas parlamentares individuais: a relação entre os poderes executivo e legislativo após a promulgação da Emenda Constitucional 86/2015. Revista Orçamento em Discussão, Brasília, n. 045, 2019. Disponível em: <Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/560152/OED0045.pdf?sequence=1&isAllowed=y >. Acesso em: 25 jan. 2020.
https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstrea...
, p.12-15). Para esse autor, o presidencialismo de coalizão maximiza a um só tempo a accountability, “pois as eleições presidenciais definem quem é o responsável pela administração do país”; e a representatividade, “porque a separação de poderes, combinada com o pluripartidarismo, estimulado pelo sistema proporcional, exige do chefe do Executivo negociação permanente com vistas à aprovação da agenda de governo”.

Assim, nosso ordenamento formal, embora tido por presidencialista, contém traços parlamentaristas, com a não separação plena entre Executivo e Legislativo. Temos um sistema híbrido, em que os constituintes “optaram por certas instituições concebidas para lubrificar o processo político” (POWER, 2015, apudRODRIGUES 2019RODRIGUES, Taíla A. Emendas parlamentares individuais: a relação entre os poderes executivo e legislativo após a promulgação da Emenda Constitucional 86/2015. Revista Orçamento em Discussão, Brasília, n. 045, 2019. Disponível em: <Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/560152/OED0045.pdf?sequence=1&isAllowed=y >. Acesso em: 25 jan. 2020.
https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstrea...
, p. 14). Há, por exemplo, a ausência de separação entre poderes explicitada por parlamentares que transitam pelo Executivo, sem perda do mandato eletivo ao assumirem cargos executivos. Ministros ou secretários que elaboram propostas orçamentárias de suas pastas podem, posteriormente, reassumir como congressistas e, nessa condição, alterar a agenda por eles elaborada, a qual não se sujeita às restrições das demais emendas parlamentares.

Fala-se também da existência de um “parlamentarismo informal” ou “branco”, assim nomeado pela grande mídia no Brasil. Nesse “modelo”, o Legislativo conduz agenda própria à revelia do Palácio do Planalto. Tem-se um esvaziamento do poder presidencial e um ganho de protagonismo do Congresso20 20 <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-48429131>; e <https://www.oantagonista.com/brasil/parlamentarismo-branco/>. Acesso em: 25 jan. 2020. .

Bertholini e Pereira (2016BERTHOLINI, Frederico; PEREIRA, Carlos. Pagando o preço de governar: custos de gerência de coalizão no presidencialismo brasileiro. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, dez., 2016. Disponível em: <Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/65979/63641 >. Acesso em: 2 jul. 2017.
http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/inde...
) argumentam que presidentes eleitos em sistemas multipartidários, com grande fragmentação no Legislativo - como é o caso brasileiro - dificilmente dispõem de maioria no Congresso. Diante disso, para governar, os presidentes, na montagem e sustentação de coalizões, precisam definir a quantidade de poder e recursos que serão compartilhados entre os parceiros. Nas negociações entre governo e Parlamento, o presidente brasileiro dispõe de um conjunto de “bens de troca” que fazem parte de seu portfólio de gerência. Esses bens são objeto de barganha para obtenção de apoio parlamentar e instrumento de bloqueio a ações da oposição que visem a constranger o Executivo.

Abranches (2016)ABRANCHES, Sérgio. 3º Ciclo de conferências - os papéis dos poderes: o atual presidencialismo de coalizão. Academia Brasileira de Letras. Coordenador: Acadêmico ejornalista Merval Pereira. Disponível em: <Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=OMqppAreWZg >. Acesso em: 15 abr. 2017.
https://www.youtube.com/watch?v=OMqppAre...
afirma que o presidencialismo de coalizão é um sistema interdependente entre Executivo e Legislativo, em que o presidente não consegue governar sem o Legislativo, e o Legislativo precisa do presidente para alocar recursos para seus estados e seus redutos eleitorais. Trata-se de um sistema que depende da formação de uma coalizão, essencial à governança e à governabilidade. Por meio de modelo teórico-conceitual de gerência de coalizões, Bertholini e Pereira (2016)BERTHOLINI, Frederico; PEREIRA, Carlos. Pagando o preço de governar: custos de gerência de coalizão no presidencialismo brasileiro. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, dez., 2016. Disponível em: <Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/65979/63641 >. Acesso em: 2 jul. 2017.
http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/inde...
atestam que o presidente tem como custo a entrega de ministérios, cargos no Executivo, emendas parlamentares e outros; e como benefícios a aprovação de iniciativas, o apoio nominal e o bloqueio de ações da oposição.

Abranches (2016)ABRANCHES, Sérgio. 3º Ciclo de conferências - os papéis dos poderes: o atual presidencialismo de coalizão. Academia Brasileira de Letras. Coordenador: Acadêmico ejornalista Merval Pereira. Disponível em: <Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=OMqppAreWZg >. Acesso em: 15 abr. 2017.
https://www.youtube.com/watch?v=OMqppAre...
deixa assente que, no Brasil, um presidente em minoria não tem condições de governança nem de governabilidade, pois depende do Congresso para tudo. Pondera, ainda, que coalizão não é “toma lá dá cá”, não é corrupção. É uma condição que implica compartilhar cargos ministeriais, mas por razões de políticas públicas, para fazer coisas ou deixar de fazê-las. Na coalizão, negociações de cargos e de posições são comuns. Fazem parte da vida dos sistemas multipartidários. O que não é normal, é que isso se faça como esquemas de corrupção, com troca de cargos para proveito de uma pequena facção partidária. Limongi e Figueiredo (2005, p. 737-738)LIMONGI, Fernando; FIGUEIREDO, Argelina. Processo orçamentário e comportamento legislativo: emendas individuais, apoio ao executivo e programas de governo. Dados: Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 48, n. 4, p. 737-776, 2005. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/dados/v48n4/28478.pdf >. Acesso em: 15 jul. 2017.
http://www.scielo.br/pdf/dados/v48n4/284...
, ao estudarem o modus operandi do sistema político brasileiro para a execução de emendas individuais, abarcam a discussão em torno de que votos seriam trocados por execução de emendas, em um “sistema que se alicerça no individualismo dos políticos, dando lugar a uma distribuição clientelística e localista dos recursos públicos”. As emendas seriam as engrenagens de um sistema de trocas de apoio que garantiria, na arena legislativa, o apoio da base do governo ao Executivo; e, na arena eleitoral, os recursos que os congressistas carreariam para suas bases eleitorais. A execução de emendas individuais seria a moeda de troca entre eleitores, legisladores e governo.

Pereira e Mueller (2002)PEREIRA, Carlos; MUELLER, Bernardo. Comportamento estratégico em presidencialismo de coalizão: as relações entre executivo e legislativo na elaboração do orçamento brasileiro. Dados: Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 45, n. 2, p. 265-301, 2002. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/dados/v45n2/10789.pdf >. Acesso em: 13 jul. 2017.
http://www.scielo.br/pdf/dados/v45n2/107...
afirmam que a execução das emendas individuais seria um dos mecanismos mais importantes de que o Executivo dispõe para negociar suas preferências com sua coalizão no Congresso. As regras vigentes dotariam o Executivo de instrumentos que o permitem criar uma moeda política de baixo custo e extremamente útil para ser trocada por apoio político da sua coalizão no Congresso.

Lima e Viana (2016)LIMA, Eduardo Martins; VIANA, P. R. N. As relações entre o executivo e o legislativo na elaboração do orçamento brasileiro: considerações sobre a emenda constitucional 86/2015. Revista de Direito Tributário e Financeiro, v. 2, n. 2, p. 199-220, jul./dez., 2016. Disponível em: <Disponível em: http://www.indexlaw.org/index.php/direitotributario/article/view/1368/pdf> . Acesso em: 31 jul. 2017.
http://www.indexlaw.org/index.php/direit...
afirmam ainda que as emendas não são elaboradas com o objetivo de aprimorar o cumprimento do planejamento governamental. A negociação de emendas individuais entre os poderes, como forma de assegurar apoio político para governabilidade e garantir a parlamentares um melhor desempenho eleitoral, estimularia práticas corruptas e ilegais.

Divergindo dessa temática, Limongi e Figueiredo (2005, p. 740)LIMONGI, Fernando; FIGUEIREDO, Argelina. Processo orçamentário e comportamento legislativo: emendas individuais, apoio ao executivo e programas de governo. Dados: Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 48, n. 4, p. 737-776, 2005. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/dados/v48n4/28478.pdf >. Acesso em: 15 jul. 2017.
http://www.scielo.br/pdf/dados/v48n4/284...
afirmam que “as emendas individuais estão longe de ser o meio mais importante de participação do Congresso no processo orçamentário”; ademais, “não é possível estabelecer uma relação causal de que votos seriam trocados por execução de emendas”. Ponderam que a destinação de recursos pelos poderes Executivo e Legislativo se coaduna, pois não haveria agendas conflitantes. A alocação de recursos feita pelos legisladores seria complementar, e não contrária, à do Executivo. Ao executar emendas de parlamentares da oposição ou da situação que não o apoiam, o governo também estaria executando sua agenda, pois os parlamentares não têm como propor emendas alternativas à proposta pelo governo.

Figueiredo e Limongi (1999, apudMASSONETTO, 2014MASSONETTO, Ana Paula. Presidencialismo estadual em São Paulo: o que une os partidos na coalizão. 296 f. Tese (Doutorado em Administração Pública e Governo). Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/12382/ANA%20PAULA%20MASSONETTO%20-%20TESE.pdf?sequence=1 >. Acesso em: 26 abr. 2017.
http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/b...
) expõem outros elementos à disposição do governo para induzir a cooperação do Parlamento e controlar a agenda legislativa do país, tais como: exclusividade de iniciativa em matérias orçamentárias e organização administrativa; prerrogativa de requerer urgência para apreciação de suas propostas; edição de medidas provisórias.

Segundo Tollini (2016)______. Repensando a gestão das finanças públicas no Brasil. In: SALTO, Felipe; ALMEIDA, Mansueto (Organizadores). Finanças públicas: da contabilidade criativa ao resgate da credibilidade. 1. ed. Rio de Janeiro: Record, 2016., há a aprovação, a cada ano, de aproximadamente 10 mil emendas ao projeto da LOA. Além disso, existe uma reserva orçamentária, cuja finalidade exclusiva é financiar as emendas introduzidas pelo Legislativo. Conti (2012)CONTI, José Maurício. Emendas ao Orçamento e o Desequilíbrio de Poderes. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, jul., 2012. Coluna Contas à Vista. Disponível em: <Disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-jul-03/contas-vista-emendas-orcamento-desequilibrio-poderes >. Acesso em: 30 jun. 2017.
http://www.conjur.com.br/2012-jul-03/con...
comenta que, mediante acordo entre os líderes de ambos os poderes, é estabelecido um montante fixo como fonte de recursos para atender a demanda das emendas parlamentares. Este montante ou cota reduziria a influência do Parlamento no orçamento público que, exceto quanto à cota das emendas, pouco ou nada influencia na elaboração do orçamento. Além disso, limitaria a ação dos parlamentares à inclusão de despesas de caráter paroquial e localizado, destinadas aos interesses de sua base de apoio eleitoral. Tal acordo inviabilizaria a participação do Congresso na definição de políticas públicas e na alocação de recursos, fazendo do Executivo o responsável por definir os programas a serem cumpridos.

O Novo Regime Fiscal21 21 Emenda Constitucional nº 95/2016 - Estabelece teto de gastos públicos. também influencia a relação entre os poderes. Como explicam as consultorias da Câmara e do Senado22 22 Nota Técnica Conjunta nº 2/2018, p. 39 - Subsídios à Apreciação do Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) 2019. ,

para fins de aprovação de emendas, o Congresso Nacional pode utilizar recursos primários oriundos de: (i) reestimativa positiva da receita, (ii) reserva de contingência e (iii) cancelamento de programações.

Contudo, havendo um teto para despesas primárias, torna-se inviável a aprovação de recursos oriundos da reestimativa de receitas para o atendimento de emendas, observadas as exceções. Para as consultorias, o teto de gastos evita a elaboração de orçamentos irrealistas, pois desestimula estimativas demasiadamente otimistas da receita com a finalidade de autorizar mais gastos. Além disso, informam que

a instituição de limites individualizados limita a utilização da reserva de contingência ou o cancelamento de programações do Poder Executivo para o atendimento de emendas em favor dos órgãos situados fora de sua abrangência.

Assim, a aprovação de emendas em favor de órgãos apartados do Executivo viabiliza-se somente por meio de cancelamentos compensatórios de programação do mesmo órgão; e para emendas direcionadas ao Poder Executivo, pode-se utilizar também reserva de contingência.

Fica assente, portanto, que o Novo Regime Fiscal, em certa medida, impactou o jogo político no que tange aos elementos de troca disponíveis aos Poderes Executivo e Legislativo.

Finalmente, o Poder Judiciário, na relação entre os poderes, surge como novo agente nas escolhas públicas ao tutelar expectativa de uso de recursos públicos ou direitos subjetivos individuais23 23 ADI 2.925 - Supremo Tribunal Federal: Trata do produto da arrecadação da CIDE; e Superior Tribunal de Justiça - Mandado de Segurança nº 21.879 - DF (2015/0153946-0): Trata da execução de emendas individuais de parlamentar não reeleito. . No que tange ao teto de gastos, o Supremo Tribunal Federal foi chamado a falar sobre a constitucionalidade da norma por meio de várias ADIs, a exemplo das 5658 e 568024 24 ADIs 5.658 e 5.680 - Supremo Tribunal Federal: Questionamento sobre a constitucionalidade da EC 95/2016, que estabeleceu o teto de gastos públicos da União. .

Modificações Constitucionais

Emenda Constitucional nº 86/2015

O primeiro ponto a ser analisado quanto ao texto da EC nº 86/2015 é a sua limitação financeira, nos termos do art. 166, § 9º. Segundo Greggianin e Silva (2015)GREGGIANIN, Eugênio; Silva, J. R. P. da. O orçamento impositivo das emendas individuais disposições da Emenda Constitucional nº 86, de 2015, e da LDO 2015: o regime de execução do orçamento impositivo. Revista Orçamento em Discussão, Brasília, n. 016, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://www12.senado.leg.br/revistaorcamento/detalherevista?id=o-orcamento-impositivo-das-emendas-individuais-disposicoes-da-emenda-constitucional-no-86-de-2015-e-da-ldo-2015 >. Acesso em: 17 abr. 2017.
https://www12.senado.leg.br/revistaorcam...
, esse parâmetro visou evitar o aumento descontrolado das programações aprovadas por emendas individuais, agora de execução obrigatória. Tal medida, por outro lado, resultaria em renúncia de prerrogativa política, pois inibe a ação individual de parlamentares de propor alterações estruturantes e de maior repercussão financeira na peça orçamentária.

O segundo ponto que merece destaque é a obrigatoriedade de execução das programações incluídas na LOA via emendas individuais, nos termos do § 11 do art. 166 da Constituição. Esse é o principal dispositivo da Emenda nº 86/2015, pois exterioriza a obrigatoriedade de execução de parte das programações referentes a emendas individuais. Os montantes obrigatórios25 25 Ao comentarem o §11, Greggianin e Silva (2015) esclarecem que a obrigatoriedade estabelecida se refere à obrigatoriedade de empenho (execução orçamentária) e de pagamento (execução financeira). têm como base de cálculo a Receita Corrente Líquida - RCL do ano anterior, o que tende a ser inferior à RCL do Projeto da LOA, limite para aprovação das emendas. Cumpre destacar, deste dispositivo, que não são as emendas individuais que se tornam obrigatórias, mas sim a execução orçamentária e financeira do percentual estipulado. A prova disso é que serão incluídas na LOA mais emendas (1,2 % da RCL do PLOA) do que serão executadas (1,2 % da RCL do ano anterior), salvo raríssimas exceções em que a RCL prevista no PLOA seja menor do que a RCL do exercício anterior.

O § 11 subsidia o entendimento de que foi instituído o orçamento impositivo no Brasil. No entanto, se analisarmos com atenção, fica claro que o legislador não adentrou no mérito da “natureza orçamentária” ao impor a obrigatoriedade de execução de parte das programações. Se assim pretendesse, poderíamos inferir que o total dessa despesa seria impositivo. Ao tornar obrigatória a execução do percentual referido, mostra que as emendas individuais, por natureza, não são cogentes. A Lei de Diretrizes Orçamentárias deixa assente essa questão, ao estabelecer que é discricionária a despesa decorrente de programações incluídas ou acrescidas por emendas individuais26 26 Lei 13.707/2018 - Dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e execução da Lei Orçamentária de 2019 e dá outras providências. .

A Emenda não alterou o papel do Congresso quanto à execução orçamentária, pois não revogou qualquer outro dispositivo constitucional. Permanece com ele a atribuição de apreciar as propostas de governo e de fiscalizar a execução, ou seja, de colaborar com a definição de políticas públicas estruturantes, de relevância nacional e local. No entanto, ao dar ênfase à execução financeira de parte das programações de seu interesse, nos termos dos §§ 9 e 11, o Congresso deixa a impressão de ter sua agenda voltada para questões locais, o que reforça a tese de um Parlamento clientelista. Além disso, admite ter uma visão míope quanto à sua participação no processo orçamentário que, nos termos da Constituição, excede a questões procedimentais. Abstém-se, ao que indica, de adentrar na ampla discussão de macropolíticas, que abarca toda a orçamentação, para focar em “necessidades” micro, de âmbito municipal ou estadual.

A Emenda também falece em exigir a eficácia e a efetividade dos gastos ora obrigatórios. Não exige a obtenção de resultados (alcance de metas), tampouco a demonstração dos impactos deles advindos. Ignora a necessidade e utilidade do bem ou serviço. Exige somente a efetiva utilização dos recursos, ou seja, a execução orçamentária e financeira, mesmo que de forma ineficiente.

O terceiro ponto que merece atenção são os §§ 12 a 15 da Emenda, que dispõem sobre as emendas individuais que não serão de execução obrigatória nos casos de impedimentos de ordem técnica. As consultorias de orçamento do Congresso Nacional, por meio da Nota Técnica Conjunta nº 1/2017, consideram ser de extrema relevância a normatização dos fundamentos e dos pressupostos que caracterizam os impedimentos, pois eles afastam a obrigatoriedade de execução. Caso não sejam adotados critérios objetivos e imparciais para defini-los, segundo sustentam, tem-se a possibilidade do uso discricionário dos recursos, fato característico do orçamento autorizativo27 27 Um ponto a ser comentado é que o § 13 da Emenda Constitucional estabelece que, quando a transferência obrigatória da União para execução de emendas individuais for destinada aos demais entes federados, independerá da adimplência do ente destinatário e não integrará a base de cálculo da RCL para fins de aplicação dos limites de despesa de pessoal. .

Os impedimentos de ordem técnica permitem afastar a obrigatoriedade de execução das emendas individuais em situações como28 28 Portaria Interministerial nº 78, de 26 de fevereiro de 2019. : falta de razoabilidade do valor proposto, incompatibilidade do valor proposto com o cronograma de execução do projeto ou proposta de valor que impeça a conclusão de uma etapa útil do projeto; falta de apresentação de proposta ou plano de trabalho ou apresentação fora dos prazos previstos; não realização de complementação ou ajustes solicitados em proposta ou plano de trabalho; bem como realização de complementação ou ajustes fora dos prazos previstos, entre outras.

Para Pederiva e Pederiva (2015, p. 3-5)PEDERIVA, João Henrique; PEDERIVA, P. L. M. Execução de emendas parlamentares individuais ao orçamento: mudanças em 2014. In: I ENCONTRO NACIONAL DE ENSINO DE ENSINO E PESQUISA DO CAMPO DE PÚBLICAS, Brasília, 2015. Anais Disponível em: <Disponível em: https://docplayer.com.br/59266768-Execucao-de-emendas-parlamentares-individuais-ao-orcamento-mudancas-em-2014.html >. Acesso em: 25 jun. 2019.
https://docplayer.com.br/59266768-Execuc...
, as respectivas regulamentações podem ser tão importantes para a efetividade do orçamento impositivo quanto as disposições legais e constitucionais, pois podem ser “capazes de impor barreiras e limites à execução orçamentária e financeira das emendas individuais”, a exemplo da Portaria Interministerial nº 221/2015. Citam análise empreendida pelas Consultorias da Câmara dos Deputados e Senado Federal que concluem que o referido dispositivo “não colabora com a necessidade de um programa dinâmico e ágil para desejada execução das programações decorrentes de emendas”, visto que criam obstáculos por impedir a execução imediata de programações desimpedidas e tomam tempo do parlamentar no cumprimento de formalidades que poderiam ter outro tipo de solução.

Assiste razão os comentários acima, visto que a Portaria Interministerial nº 221/2015 foi revogada pela Portaria Interministerial nº 311/2015, trazendo a perda do objeto dos mandados de segurança STJ - 21.948 e 22.915-DF, impetrados tendo em vista que procedimentos e cronogramas por ela estabelecidos impossibilitavam a execução de emendas de parlamentares não reeleitos.

O quarto ponto a ser elucidado é o § 16 da Emenda, que prescreve que os restos a pagar poderão ser considerados para fins de cumprimento da execução financeira das emendas individuais, até o limite de 0,6% da RCL realizada no exercício anterior. Greggianin e Silva (2015, p. 20-22)GREGGIANIN, Eugênio; Silva, J. R. P. da. O orçamento impositivo das emendas individuais disposições da Emenda Constitucional nº 86, de 2015, e da LDO 2015: o regime de execução do orçamento impositivo. Revista Orçamento em Discussão, Brasília, n. 016, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://www12.senado.leg.br/revistaorcamento/detalherevista?id=o-orcamento-impositivo-das-emendas-individuais-disposicoes-da-emenda-constitucional-no-86-de-2015-e-da-ldo-2015 >. Acesso em: 17 abr. 2017.
https://www12.senado.leg.br/revistaorcam...
informam que o limite de uso dos restos a pagar pode comprometer a meta de execução financeira de 1,2% da RCL e a eficácia das disposições do orçamento impositivo.

Podemos reconhecer, do exposto no § 16, que este aspecto da norma também corrobora a tese de que o novo regime não alterou a natureza da LOA. A possibilidade de utilização de restos a pagar para fins de cumprimento da execução financeira aumenta o montante de emendas individuais, constantes do orçamento, que não será executado, dado que o teto de 1,2% da RCL é um só para emendas novas e velhas (restos a pagar de anos anteriores).

Outro ponto importante da Emenda é a possibilidade de contingenciamento prevista no §17. Tal dispositivo afirma que, se houver contingenciamento, o montante de 1,2% da RCL poderá ser reduzido em até a mesma proporção da limitação incidente sobre o conjunto das despesas discricionárias. Conforme Greggianin e Silva (2015, p. 30-31)GREGGIANIN, Eugênio; Silva, J. R. P. da. O orçamento impositivo das emendas individuais disposições da Emenda Constitucional nº 86, de 2015, e da LDO 2015: o regime de execução do orçamento impositivo. Revista Orçamento em Discussão, Brasília, n. 016, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://www12.senado.leg.br/revistaorcamento/detalherevista?id=o-orcamento-impositivo-das-emendas-individuais-disposicoes-da-emenda-constitucional-no-86-de-2015-e-da-ldo-2015 >. Acesso em: 17 abr. 2017.
https://www12.senado.leg.br/revistaorcam...
, “a possibilidade de contingenciamento das programações incluídas por emendas implica uma redução equivalente dos valores obrigatórios [...]”. Para eles, “a regra harmoniza o regime de execução ‘obrigatória’ do orçamento impositivo das emendas com a situação do conjunto das demais despesas discricionárias”. Isto é, o critério de contingenciamento proporcional corrigiria a prática anterior de se contingenciar inicialmente todas as emendas, individuais ou coletivas.

Esse aspecto, mais uma vez, demonstra que não há nada impositivo que deva ser executado sob quaisquer circunstâncias, o que retrata uma obrigatoriedade relativa. Além disso, o Congresso não definiu critérios específicos para contingenciamentos, à exceção da proporcionalidade de limitação incidente sobre as despesas discricionárias. De forma deliberada, outorgou ao Executivo a competência para decidir sobre possíveis bloqueios, sem a necessidade de submetê-los ao crivo do Parlamento, contrariando os preceitos do orçamento impositivo.

O § 18 da Emenda estabelece ser equitativa a execução das programações de caráter obrigatório que atenda de forma igualitária e impessoal às emendas apresentadas, independentemente da autoria. O critério para execução equitativa deve ser estabelecido por lei complementar, nos termos do art. 165, § 9º, inciso III, da Constituição Federal (incluído pela EC nº 86/2015). Sobre o tema, pairavam questões: se a execução de emendas de novos parlamentares deveria ser equitativa; ou se parlamentares que perderam o mandato perderiam o direito de execução de suas emendas.

Greggianin e Silva (2015, p. 16-18)GREGGIANIN, Eugênio; Silva, J. R. P. da. O orçamento impositivo das emendas individuais disposições da Emenda Constitucional nº 86, de 2015, e da LDO 2015: o regime de execução do orçamento impositivo. Revista Orçamento em Discussão, Brasília, n. 016, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://www12.senado.leg.br/revistaorcamento/detalherevista?id=o-orcamento-impositivo-das-emendas-individuais-disposicoes-da-emenda-constitucional-no-86-de-2015-e-da-ldo-2015 >. Acesso em: 17 abr. 2017.
https://www12.senado.leg.br/revistaorcam...
explicam que há duas leituras para sanar tais questionamentos. A primeira entende que uma vez aprovada a LOA, todas as programações aprovadas se colocam em igualdade de condições, independentemente da sorte do autor da iniciativa ou da localização da programação, em obediência ao princípio da impessoalidade. A segunda leitura defende que a “execução equitativa” é um atributo do mandato parlamentar. A apresentação e a execução da emenda são direitos do congressista em exercício do mandato.

Essa última leitura foi adotada pelo governo federal até 201429 29 Por meio da Portaria Interministerial nº 40, “o governo reconheceu como sendo de parlamentares, enquanto no exercício do mandato, o direito individual de indicar entidades e municípios beneficiados, bem assim a ordem de prioridade, diante do contingenciamento, sob pena de impedimento técnico. Nesses termos, as programações incluídas na LOA por parlamentares não reeleitos podem ser consideradas impedidas e, portanto, sem o benefício da impositividade”. (GREGGIANIN; SILVA, 2015, p. 17-18). , período em que a obrigatoriedade de execução das emendas individuais foi estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO. A questão foi apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ, que, a exemplo do Mandado de Segurança nº 21.879 - DF (2015/0153946-0)STJ. Mandado de Segurança nº 21.879 - DF (2015/0153946-0). Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. DJ: 1º/7/2015. Jota.Info, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://www.jota.info/wp-content/uploads/2015/07/Decisao.pdf >. Acesso em: 23 jun. 2019.
https://www.jota.info/wp-content/uploads...
, decidiu, liminarmente, independer da autoria a execução das programações orçamentárias obrigatórias. Para ele, não se mostra republicana a decisão de impossibilitar o trâmite liberatório das emendas individuais apresentadas por parlamentares não reeleitos30 30 Superior Tribunal de Justiça - Mandado de Segurança nº 21.879 - DF (2015/0153946-0). . O Executivo firmou entendimento no mesmo sentido, considerando obrigatória a execução das emendas de ex-parlamentares31 31 Portaria Interministerial nº 78, de 26 de fevereiro de 2019. .

Nesse contexto, Pederiva e Pederiva (2015)PEDERIVA, João Henrique; PEDERIVA, P. L. M. Execução de emendas parlamentares individuais ao orçamento: mudanças em 2014. In: I ENCONTRO NACIONAL DE ENSINO DE ENSINO E PESQUISA DO CAMPO DE PÚBLICAS, Brasília, 2015. Anais Disponível em: <Disponível em: https://docplayer.com.br/59266768-Execucao-de-emendas-parlamentares-individuais-ao-orcamento-mudancas-em-2014.html >. Acesso em: 25 jun. 2019.
https://docplayer.com.br/59266768-Execuc...
falam dos efeitos inesperados da obrigatoriedade de execução das emendas individuais. Afirmam que a população potencialmente beneficiada passa a intervir como parte processual interessada. As mudanças normativas permitem que novos atores interfiram nas alocações de recursos públicos. Viabilizam, em tese, a intervenção judicial para a tutela dos interesses dos potenciais beneficiários dos gastos relacionados a emendas individuais. Ampliam o número de atores relevantes e fortalece a democracia. Segundo eles, a atuação dos interessados seria autônoma e independente da discricionariedade do Executivo ou dos autores das emendas.

A EC nº 86/2015 promoveu ainda alterações no art. 198 da Constituição acerca das ações e dos serviços públicos de saúde. Metade dos valores relativos às emendas individuais deve ser direcionada às ações e aos serviços púbicos de saúde. Esse montante será computado na constituição do piso mínimo de saúde (art. 166, §§ 9º e 10)32 32 A Emenda Constitucional impôs que a União aplique no mínimo 15% de sua RCL em saúde. O cumprimento progressivo desse dispositivo (art. 2º da EC nº 86/2015) foi revogado pela Emenda Constitucional nº 95/2016, que trata do teto de gastos. Por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5595/DF, o STF suspendeu liminarmente a eficácia dos arts. 2º e 3º da EC nº 86/2015: retirou a progressividade para cumprimento do percentual mínimo de 15% estabelecido; e reestabeleceu, em acréscimo ao piso constitucional, o cômputo dos recursos provenientes de royalties e da participação especial pela exploração de petróleo e gás natural. .

A esse respeito, Lahud (2016, p. 89)LAHUD, V. P. M. Financiamento federal da saúde: efeitos do orçamento impositivo. 2016. 104f. Dissertação (Mestrado em Administração Pública) - Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de Brasília (UNB), Brasília, Distrito Federal, 2016. Disponível em: <http://repositorio.unb.br/handle/10482/31135>. Acesso em: 5 jul. 2019. , ao analisar os efeitos do orçamento impositivo no financiamento federal da saúde no período de 2013 a 2015 - antes e posteriormente à impositividade orçamentária -, concluiu que a alocação dos recursos para saúde está sendo efetiva, com o devido repasse de 50%. No entanto, segundo o seu estudo, a EC nº 86/2015 não garante, necessariamente, mais recursos para saúde, visto que “as ações priorizadas pelo Ministério da Saúde estão sendo efetivas para a execução orçamentária, mas não para a execução financeira em escala e valores absolutos”. Esse quadro se inverte do ponto de vista do credit claiming33 33 Credit Claiming: “é um dos fatores da conexão eleitoral postulada por Mayhew (2004), em que o parlamentar reivindica créditos para benfeitorias em seu reduto eleitoral e é reconhecido e distinguido por isso” (LAHUD, 2016, p. 16). dos congressistas,

o que sugere uma gestão orçamentária mais restritiva, compensada, em alguma medida, pela gestão financeira que prestigia mais as indicações parlamentares do que antes da obrigatoriedade da execução das emendas individuais.

A EC nº 86/2015 começou a produzir efeitos a partir da execução orçamentária do exercício de 2014 (art. 4º), delegando à lei complementar a prerrogativa de dispor sobre critérios para a execução equitativa, além de procedimentos que serão adotados quando houver impedimentos legais e técnicos, cumprimento de restos a pagar e limitação das programações de caráter obrigatório, para a realização das emendas individuais.

No que tange à equitatividade, Lahud (2016, p. 88)LAHUD, V. P. M. Financiamento federal da saúde: efeitos do orçamento impositivo. 2016. 104f. Dissertação (Mestrado em Administração Pública) - Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de Brasília (UNB), Brasília, Distrito Federal, 2016. Disponível em: <http://repositorio.unb.br/handle/10482/31135>. Acesso em: 5 jul. 2019. aferiu em seu estudo que a execução equitativa das emendas parlamentares individuais em ações e serviços públicos de saúde não vem ocorrendo. Segundo ele, há diferenças pontuais quanto à executoriedade, observadas as variáveis utilizadas, evidenciando que ela não é feita de forma equânime. Ressalta, todavia, que ainda há muitas dúvidas sobre quais elementos são isonômicos e sobre o conceito de execução equitativa.

Para Tollini (2016)______. Repensando a gestão das finanças públicas no Brasil. In: SALTO, Felipe; ALMEIDA, Mansueto (Organizadores). Finanças públicas: da contabilidade criativa ao resgate da credibilidade. 1. ed. Rio de Janeiro: Record, 2016., a Carta Política não definiu a forma de financiamento das emendas impositivas. Nesse caso, o Congresso teria como opções: aumentar a estimativa de receitas orçamentárias; cortar outras despesas; ou utilizar reserva definida para o uso exclusivo do Legislativo. Segundo ele, há quinze anos tem-se incluído dispositivo na LDO determinando que conste da LOA uma reserva para alocação exclusiva do Poder Legislativo. O autor comenta que há questionamento quanto à constitucionalidade dessa reserva, por ferir prerrogativa do Poder Executivo, e por ferir a lógica da elaboração orçamentária, segundo a qual o Executivo elabora as propostas de políticas públicas e o Legislativo as revisa, alterando o que julgar impertinente. No entanto, essa regra tem sido aceita por razões de ordem política, as quais vinculam a governabilidade ao atendimento dos pleitos dos congressistas.

Afirma ainda que, do ponto de vista técnico, não faz sentido apenas as emendas parlamentares serem de execução obrigatória. Porém, para que as despesas orçadas sejam de execução obrigatória, requisitos de cunho fiscal devem ser atendidos, de forma a tornar a LOA realista. Entre esses requisitos está o financiamento das emendas que, nos termos da Constituição, deveria se restringir a cortes na programação constante do projeto de LOA, não sendo possível a reestimativa de receitas pelo Parlamento tampouco reservas para alocação exclusiva do Congresso.

Para Greggianin e Silva (2015, p. 32-34)GREGGIANIN, Eugênio; Silva, J. R. P. da. O orçamento impositivo das emendas individuais disposições da Emenda Constitucional nº 86, de 2015, e da LDO 2015: o regime de execução do orçamento impositivo. Revista Orçamento em Discussão, Brasília, n. 016, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://www12.senado.leg.br/revistaorcamento/detalherevista?id=o-orcamento-impositivo-das-emendas-individuais-disposicoes-da-emenda-constitucional-no-86-de-2015-e-da-ldo-2015 >. Acesso em: 17 abr. 2017.
https://www12.senado.leg.br/revistaorcam...
,

a adoção pelo Legislativo de um modelo reducionista e limitado às programações incluídas por emendas individuais representou o avanço político possível.

A EC nº 86/2015 teria alterado a correlação de forças quanto às prerrogativas sobre a definição de políticas públicas. Antes o Executivo era beneficiado com base na premissa da ampla discricionariedade de execução do orçamento.

Os autores afirmam que estabelecer o dever de execução da LOA e de justificar eventuais impedimentos poderia ser deduzido do próprio sistema legal. No entanto,

ao fazê-lo apenas para as programações decorrentes de emendas individuais, criou-se, na Constituição, um constrangimento para a aplicação do conceito de orçamento impositivo.

Porém, as novas regras teriam trazido um critério legal para o contingenciamento e a possibilidade de se exigir execução de programações não impedidas ou contingenciadas. Para eles, o novo regime favorece o maior acompanhamento, o aumento da eficiência e da transparência na execução orçamentária.

Reconhecem, no entanto, que a adoção do orçamento impositivo de forma ampla deve ser acompanhada do acolhimento de bases confiáveis e realistas nas projeções de receitas e despesas. Comentam, ainda, que o modelo aprovado pode ser um retrocesso no que tange à participação da sociedade no campo das finanças públicas, pois a ideia do Parlamento circunscrito apenas à fatia das emendas individuais reduz sua participação na definição das demais políticas públicas, o que reforça a tendência de perda de prerrogativas.

Para alguns autores, a obrigatoriedade

consolidaria um piso mínimo e ampliaria a dissipação de recursos públicos, devido aos rendimentos sociais marginais decrescentes das aplicações dos recursos dessas emendas em investimentos repetidos ao longo do tempo”. (PEDERIVA; PEDERIVA, 2015PEDERIVA, João Henrique; PEDERIVA, P. L. M. Execução de emendas parlamentares individuais ao orçamento: mudanças em 2014. In: I ENCONTRO NACIONAL DE ENSINO DE ENSINO E PESQUISA DO CAMPO DE PÚBLICAS, Brasília, 2015. Anais Disponível em: <Disponível em: https://docplayer.com.br/59266768-Execucao-de-emendas-parlamentares-individuais-ao-orcamento-mudancas-em-2014.html >. Acesso em: 25 jun. 2019.
https://docplayer.com.br/59266768-Execuc...
, p. 3).

Lahud (2016)LAHUD, V. P. M. Financiamento federal da saúde: efeitos do orçamento impositivo. 2016. 104f. Dissertação (Mestrado em Administração Pública) - Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de Brasília (UNB), Brasília, Distrito Federal, 2016. Disponível em: <http://repositorio.unb.br/handle/10482/31135>. Acesso em: 5 jul. 2019. comenta que as emendas parlamentares podem se tornar elementos de conflito e discriminação quando, no jogo político, interesses são frustrados. Assim, a obrigatoriedade das emendas poderia ser um teto - o encerramento das discussões - ou um piso mínimo - um novo patamar para novas discussões. Pereira (2014)PEREIRA, Carlos. Orçamento impositivo: fim da barganha? 2014. Disponível em: <Disponível em: https://ebape.fgv.br/noticias/professor-fala-sobre-o-orcamento-impositivo-no-valor-economico >. Acesso em: 10 jul. 2019.
https://ebape.fgv.br/noticias/professor-...
entende que “o orçamento impositivo vira ‘piso mínimo’ da barganha”. O preço para se ter apoio aumenta e dissipa mais recursos, pois os parlamentares internalizarão os ganhos eleitorais provenientes da execução impositiva, independentemente de apoio ao presidente. Com isso, “novos recursos tendem a ser demandados para a construção e manutenção de maiorias legislativas”.

É interessante comentar que a Emenda traz em si a impressão de que promoveu um equilíbrio de forças entre os poderes na definição de políticas públicas. Todavia, se considerarmos que a obrigatoriedade de execução se limita a valor diminuto do orçamento total (1,2% da RCL), e que, além disso, não será executado integralmente, não podemos afirmar que o Congresso ganhou força nesse sentido. Pelo contrário, podemos vislumbrar que, espontaneamente, o Parlamento se “autolimitou”, ou se afastou de suas prerrogativas constitucionais, que lhe conferem amplo poder de aprovação do orçamento.

Do conteúdo da norma, podemos inferir que pouco mudou. A Emenda trouxe frustração aos defensores do orçamento impositivo, modelo que essencialmente não abarca limitações e condições à execução orçamentária nos moldes aprovados.

A Emenda, ao delimitar a obrigatoriedade de execução de apenas 1,2% da RCL, passível ainda de impedimentos e contingenciamentos, não permite o impacto social desejável, tampouco a maior eficiência do gasto. A norma se ateve à execução financeira, sem exigir a demonstração dos resultados obtidos. Não importa a qualidade do gasto, mas a efetiva saída dos recursos, o que representa um retorno ao orçamento tradicional. Dito isso, é importante retomar a relação entre os Poderes Executivo e Legislativo. Ambos possuem mandatos eletivos e representam toda a sociedade. Não se pode atribuir apenas ao Congresso tal encargo, pois o Presidente da República é eleito com base em sua “proposta de governo”, a ser implementada por meio do orçamento. Os dois poderes devem, em um ambiente de recursos limitados, priorizar demandas de maior impacto e relevância social. Destarte, a EC nº 86/2015 não aumenta as competências do Congresso, apenas direciona parte dos recursos disponíveis para programações de seu interesse. A obrigatoriedade produzida muito pouco se aproxima do orçamento impositivo.

Mendonça (2015, p. 1-3)MENDONÇA, Eduardo. O falso orçamento impositivo: A institucionalização do patrimonialismo. Justiça se Escreve com JOTA, fev. 2015. Coluna Constituição e Sociedade. Disponível em: <Disponível em: https://jota.info/colunas/constituicao-e-sociedade/constituicao-e-sociedade-o-falso-orcamento-impositivo-18022015 >. Acesso em: 8 jul. 2017.
https://jota.info/colunas/constituicao-e...
esclarece que, para diversos parlamentares, o novo regime põe fim à subserviência do Legislativo em relação ao Executivo e limita o balcão de negócios em torno da execução orçamentária. Porém, afirma que a Emenda aprovada

confirma a pouca disposição do Congresso para intervir verdadeiramente na formatação das grandes políticas públicas, substituída por uma lógica paroquial e personalista que seria apropriada em pequenas prefeituras.

Segundo o autor, as emendas individuais seriam uma autêntica cota pessoal de orçamento:

Não interessa se determinada opção de investimento é melhor do que outra ou simplesmente boa. O importante é que cada agente possa dispor do seu quinhão de verbas públicas.

Tratar-se-ia de uma espécie de naturalização do patrimonialismo.

Para esse autor, tem-se a indução do clientelismo e o consequente desequilíbrio no processo eleitoral. Isso se dá tanto na reeleição dos parlamentares, como nos planos estadual e municipal, potencialmente influenciáveis pela alocação de verbas federais. Segundo o autor, no mundo real, de recursos escassos e necessidades infinitas, renuncia-se à principal função do orçamento: “permitir o cotejo amplo, racional e público entre todas as receitas disponíveis e todas as opções de despesa”. Afirma que

o dinheiro vertido para as emendas individuais automatizadas é retirado desse plano e deslocado para atender interesses pontuais, potencialmente limitados e [...] avaliados por um crivo pessoal, insuscetível de controle intersubjetivo.

Além do mais, entende que a Emenda aprovada, ao modificar um aspecto pontual da atual praxe orçamentária, parece referendar todo o restante, segundo o autor, marcado pelo menosprezo à contribuição institucional do Poder Legislativo.

Para Lima e Viana (2016, p. 215 e 216)LIMA, Eduardo Martins; VIANA, P. R. N. As relações entre o executivo e o legislativo na elaboração do orçamento brasileiro: considerações sobre a emenda constitucional 86/2015. Revista de Direito Tributário e Financeiro, v. 2, n. 2, p. 199-220, jul./dez., 2016. Disponível em: <Disponível em: http://www.indexlaw.org/index.php/direitotributario/article/view/1368/pdf> . Acesso em: 31 jul. 2017.
http://www.indexlaw.org/index.php/direit...
,

a constitucionalização da impositividade das emendas individuais é uma desvalorização da atuação do Poder Legislativo na definição do conteúdo orçamentário.

Como o restante do orçamento permanece autorizativo, mantém-se a discricionariedade do Executivo quanto à realização do gasto. Tem-se, nesses termos, o “desprestígio do Poder Legislativo com a sua própria anuência”. Os autores entendem que as emendas são inócuas na implementação de políticas públicas, pois são desconexas com o planejamento governamental e não têm a intenção de aprimorar ações de interesse público. Ademais, a EC nº 86/2015 fere a igualdade no processo eleitoral, em relação à participação de futuros candidatos que não possuem os mesmos recursos para o convencimento do eleitor; tira o poder de veto do Presidente da República, que se torna refém do Congresso Nacional; além de aprofundar os discutíveis mecanismos de governabilidade peculiares ao presidencialismo de coalizão.

Ponderam, ainda, que a margem de discricionariedade do Executivo na elaboração do orçamento já é pequena e as emendas obrigatórias a estrangulam ainda mais, aumentando a resistência em se cumprir as demais previsões constantes da LOA. Para os autores, a aprovação da EC nº 86/2015 aprofundou as mazelas do nosso sistema político. Ainda que tenha conferido ao Legislativo maior autonomia, a tendência é de que permaneçam práticas clientelistas, corruptas e patrimonialistas.

Scaff (2015)SCAFF, Fernando Facury. Surge o orçamento impositivo à brasileira pela Emenda Constitucional 86. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, mar. 2015. Coluna Contas à Vista. Disponível em: <Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-mar-24/contas-vista-surge-orcamento-impositivo-brasileira-ec-86 >. Acesso em: 18 jul. 2017.
http://www.conjur.com.br/2015-mar-24/con...
afirma que a EC nº 86/2015 criou o orçamento impositivo à brasileira, pois, ao invés de obrigar o Poder Executivo a cumprir as leis orçamentárias, impôs a ele o cumprimento de emendas individuais, que representam uma pequena parte do orçamento e estão vinculadas a interesses eleitorais dos parlamentares. Sustenta, porém, que a Emenda Constitucional tem o poder de modificar as associações político-partidárias existentes, pois as emendas individuais deixarão de ser uma espécie de moeda de troca nas relações entre o Congresso e o Planalto.

Conti (2015)______. Aprovação do orçamento impositivo não dá credibilidade à Lei Orçamentária. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, mar., 2015. Coluna Contas à Vista. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-mar-10/paradoxo-corte-aprovacao-orcamento-impositivo-nao-credibilidade-lei-orcamentaria>. Acesso em: 30 abr. 2017.
http://www.conjur.com.br/2015-mar-10/par...
sustenta que a Emenda tem pontos positivos e negativos. Argumenta que qualquer mecanismo que intensifique o caráter impositivo da LOA confere maior seriedade e gera mais confiança aos agentes quanto às previsões das ações governamentais e torna a gestão pública mais eficiente. Contudo, limitar a obrigatoriedade de cumprimento da LOA às emendas individuais reduz o alcance de uma medida que deveria compreender todo o orçamento público.

Para ele, reduzir a participação do Parlamento na elaboração do orçamento a um sistema de “cotas”, já institucionalizado, é uma distorção que mitiga a importância do Congresso. É deixá-lo de fora da definição de políticas públicas, limitando sua participação à inserção de despesas com pouca representatividade, se considerado todo o orçamento, ainda que envolvam altas somas de dinheiro público. Por consequência, isso deturpa a atuação parlamentar, que volta suas preocupações a demandas locais e específicas de setores e grupos de interesse.

Pederiva e Pederiva (2015, p. 15-17)PEDERIVA, João Henrique; PEDERIVA, P. L. M. Execução de emendas parlamentares individuais ao orçamento: mudanças em 2014. In: I ENCONTRO NACIONAL DE ENSINO DE ENSINO E PESQUISA DO CAMPO DE PÚBLICAS, Brasília, 2015. Anais Disponível em: <Disponível em: https://docplayer.com.br/59266768-Execucao-de-emendas-parlamentares-individuais-ao-orcamento-mudancas-em-2014.html >. Acesso em: 25 jun. 2019.
https://docplayer.com.br/59266768-Execuc...
constataram que a impositividade de execução das emendas individuais, em 2014, produziu mudanças no sentido contrário ao esperado, ressaltando, porém, se tratar de ano eleitoral. Sua pesquisa revelou a manutenção dos padrões de execução das emendas individuais que compartilham autoria com o Executivo ou outros parlamentares e a diminuição, em lugar de aumento, da execução das programações oriundas de uma única emenda individual.

Nas emendas com autor identificado da programação, a inexecução financeira de 2013 deu lugar à inexecução orçamentária, em 2014, com posterior impacto financeiro.

Como justificativa, entendem que

as normas pertinentes não estão sendo observadas ou não há visibilidade suficiente das eventuais reprogramações orçamentárias ou dos possíveis rearranjos acordados.

Os autores sugerem ainda que há uma espécie de seleção adversa que privilegia as emendas coletivas em relação às individuais personalizadas. Acrescentam que

esse novo padrão de política orçamentária e financeira do Poder Executivo parece afetar o credit claiming parlamentar de modo negativo, dados os desincentivos para a individualização das emendas parlamentares.

Diante do exposto, verificaremos que a EC nº 86/2015 não alterou a natureza da LOA. Seu conteúdo se ateve a direcionar uma fatia das receitas disponíveis ao Congresso Nacional, legalizando um sistema de reserva de recursos (ao Parlamento) já vigente no país. Ademais, de forma fática, o novo regime vinculou o percentual de 1,2% de receitas desimpedidas, tornando o orçamento brasileiro proporcionalmente mais rígido.

Se observarmos os conceitos já descritos de orçamento autorizativo e impositivo, não podemos afirmar que o orçamento cogente foi instituído no Brasil pela EC nº 86/2015. Isso porque a obrigatoriedade expressa na Constituição apresenta particularidades que descaracterizam a essência do modelo. Como afirmar que o orçamento é mandatário, se é possível contingenciar as emendas “obrigatórias” sem a anuência do Congresso? Como concluir assim, se as despesas inscritas em restos a pagar podem compor a execução financeira das emendas individuais no exercício em curso? Como atestar essa afirmativa, se estudos sugerem a diminuição da execução orçamentária ou financeira das emendas individuais após a instituição da obrigatoriedade?

Emenda Constitucional nº 100/2019

A EC nº 100/2019 inclui no art. 166 da CF o §12, que estendeu a obrigatoriedade de execução de até 1%34 34 O percentual de 1% só será atingido no segundo ano de vigência, sendo definido percentual de 0,8% para o exercício subsequente ao da promulgação. da receita corrente líquida realizada no exercício anterior para as programações orçamentárias provenientes de emendas de bancada de parlamentares de estado ou do Distrito Federal.

Ao lado dessa mudança, promoveu também pequenos aperfeiçoamentos de redação com objetivo de deixar mais claros alguns dispositivos, e definiu em 0,5% o percentual de restos a pagar que poderão ser considerados para fins de cumprimento da execução financeira das programações das emendas de iniciativa de bancada de parlamentares de estado ou do Distrito Federal. Além disso, definiu a possibilidade de contingenciamento dessas programações nos mesmos moldes já previstos para as emendas individuais. Nesse sentido, a EC nº 100/2019 acrescentou poucas novidades às discussões já realizadas até aqui.

No entanto, a medida traz ainda dispositivo inovador que merece ser enfatizado.

O § 10 acrescentado ao art. 165 da Constituição de 1988BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 5 de outubro de 1988. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm >. Acesso em: 9 abr. 2017.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
estabelece que “a administração tem o dever de executar as programações orçamentárias, adotando os meios e as medidas necessários, com o propósito de garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade”.

Esse mandamento tem o potencial de alterar o entendimento a respeito da natureza do orçamento brasileiro, estendendo a impositividade para a totalidade da programação. No entanto, diante da ainda recente promulgação da medida, não houve tempo para se firmar entendimento na literatura a respeito do assunto, que certamente precisará ser aprofundado.

De toda sorte, seja qual for o entendimento a ser firmado a esse respeito, a tese aqui defendida, de que o importante nessa seara não é a natureza orçamentária, mas a disputa de forças entre os poderes no tocante ao protagonismo orçamentário, precisa ser enfatizada. Entendemos que as emendas do orçamento impositivo não diminuíram o papel do Parlamento, visto que não obstam a sua participação na apreciação das macroescolhas orçamentárias. Elas buscam garantir a execução das emendas individuais e de bancada, mas não eximem o Poder Legislativo de cumprir suas funções estabelecidas na Constituição. No entanto, elas também não criam incentivos para que o Parlamento interfira nas decisões de maior vulto, pelo contrário, podem desviar o seu foco para parcela reduzida do orçamento.

Na seara da relação entre os poderes, o ideal seria a utilização do orçamento como mecanismo de desenvolvimento nacional, de modo a garantir que os recursos sejam direcionados aos interesses dos cidadãos. A discussão sobre qual modelo o país adota - se autorizativo ou impositivo, e, por consequência, quem comanda os recursos - perde o sentido quando cada poder desempenha o seu papel de forma adequada. Não importa se o orçamento é autorizativo, se o Congresso se predispõe a participar das grandes decisões orçamentárias, inclusive de modificações no decorrer do exercício fiscal; não importa se o orçamento é impositivo, se o Executivo propuser políticas realistas, sujeitas a correções pontuais diante da frustação de receitas ou imprevistos não administráveis.

Mesmo em um sistema de coalizões, em que o Executivo está aparelhado de instrumentos de flexibilidade - como contingenciamento e créditos adicionais num modelo extremamente rígido -, e da livre disponibilidade de receitas desvinculadas (DRU) e de tantas outras ferramentas - a exemplo da concessão de ministérios, nomeação de cargos e edição de medidas provisórias -, o Poder Legislativo pode atuar de igual para igual, visto que a Constituição da República já o imbuiu de autoridade quando o chama a deliberar sobre orçamento público e a se manifestar sobre a grande maioria dos instrumentos à disposição do governo.

As disposições da EC nº 86/2015 e da EC nº 100/2019 podem ser aplicadas em estados e municípios, desde que haja previsão em suas constituições e leis orgânicas. As assembleias legislativas e câmaras municipais podem definir despesas específicas a serem executadas pelo Executivo, observados os preceitos da Constituição Federal.

Por fim, importa comentar a aprovação da EC nº 105/201935 35 <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/12/12/promulgada-emenda-que-permite-transferencia-direta-de-recursos-por-palamentares>. Acesso em: 25 jan. 2020. , “autorizando a transferência direta a estados, municípios e ao Distrito Federal de recursos de emendas parlamentares individuais ao Orçamento”. Os repasses podem ser feitos sem necessidade de convênio ou de instrumento congênere via transferência especial (sem destinação específica, sendo 70% dos recursos destinados a despesas de capital), ou via transferência com finalidade definida (com uso determinado). É “proibida a utilização da transferência especial para o pagamento de despesas com pessoal (salários, aposentadorias e pensões) ou encargos referentes ao serviço da dívida pública.” Conti (2019______. EC 105: presente de Natal ou uma aposta na liberdade com responsabilidade? Justiça se Escreve com JOTA, dez. 2019. Coluna-Fiscal. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-fiscal/emenda-constitucional-105-presente-de-natal-ou-uma-aposta-na-liberdade-com-responsabilidade-26122019>. Acesso em: 25 jan. 2020.
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/...
) comenta que “As transferências passam a ser [...] da modalidade ‘incondicionada’, e a titularidade fica para o ente federado beneficiário, o que transfere o controle para o sistema de fiscalização financeira a que está sujeito [...]”.

Para Faria (2019FARIA, Tales. O Congresso deve decidir hoje pelo semiparlamentarismo informal. Notícias UOL, dez. 2019. Colunas. Disponível em: <Disponível em: https://noticias.uol.com.br/colunas/tales-faria/2019/12/11/o-congresso-pode-decidir-hoje-pelo-semiparlamentarismo-informal.htm >. Acesso em: 26 jan. 2020.
https://noticias.uol.com.br/colunas/tale...
), a EC 105/2019 instituiria, na prática, o sistema semiparlamentarista no Brasil, um semiparlamentarismo informal, “porque o Orçamento anual do governo vai ficar nas mãos do Congresso. E a gente sabe o poder que tem quem manda no dinheiro”.

Essa emenda reafirma o argumento de um Parlamento fortalecido, que não se sujeita à agenda governamental, atuante em questões orçamentárias, se assim desejar. No entanto, também corrobora a ideia de um Congresso interessado em pequena parcela carimbada de recursos que ele prefere enviar para suas bases eleitorais sem qualquer interferência do Executivo.

Considerações Finais

Este trabalho buscou analisar o modelo orçamentário adotado no Brasil diante da aprovação das Emendas Constitucionais nº 86/2015 e nº 100/2019, que teriam inaugurado o orçamento impositivo no país. A análise realizada permitiu verificar que existe no Brasil uma corresponsabilidade orçamentária inserida em um sistema de freios e contrapesos. O papel político-orçamentário de cada Poder é delimitado pelo texto constitucional, que especifica a função de cada um na sistemática da orçamentação. A ideia central é a de que o Presidente da República apresente o seu plano de governo, que motivou sua eleição, e o Congresso Nacional o aperfeiçoe no momento da apreciação (realocando dotações e apresentando emendas) ou da execução, caso haja a necessidade de algum ajuste durante o exercício financeiro, estando todo o processo sujeito ao controle jurisdicional.

O nosso regramento não parece permitir concluir categoricamente numa direção ou outra sobre a natureza do orçamento nacional (autorizativo versus impositivo), dado que existem elementos que corroboram tanto uma visão como outra. Impositivo versus autorizativo é uma tese dual, binária, em que um ou outro poder prevalece. Há elementos de ambos os modelos em nosso sistema. O caminho aparentemente trilhado em nosso regramento é o de que os poderes tenham papéis distintos, porém complementares, em um sistema de freios e contrapesos. Sendo assim, a discussão acerca da natureza do orçamento pode mostrar-se uma involução, não um aprimoramento, pois o que realmente importa é indagar se cada poder está exercendo bem o seu papel. Ademais, diante de alguns traços parlamentaristas, com a não separação plena entre Executivo e Legislativo, a lógica binária própria à questão do orçamento autorizativo versus impositivo perde capacidade explicativa.

A Constituição chama as Casas Legislativas a participarem do processo de decisão orçamentária, inclusive na fase de execução. Elas devem apreciar as leis orçamentarias (PPA, LDO e LOA), autorizar os créditos adicionais, deliberar sobre medidas provisórias, controlar e fiscalizar a atuação do governo. Além disso, é vedado ao Executivo atuar em diversas frentes sem a participação do Congresso, a exemplo do que dispõe o art. 167 da Carta de 1988. Somando-se a isso, conflitos a esse respeito estão sujeitos ao controle jurisdicional. Nesse desenho não existe, necessariamente, desequilíbrio de forças.

O principal argumento para se instituir o orçamento impositivo no Brasil foi a não execução de emendas parlamentares por meio do contingenciamento de despesas. No entanto, os textos das normas mantiveram a possiblidade de se bloquear recursos, sem a necessidade de apreciação do Congresso. Deliberadamente, o Legislativo outorgou ao governo competência para decidir sobre a realização de parte dos gastos relativos a emendas, em tese, de execução obrigatória.

Essas Emendas, a nosso ver, sugerem um possível desinteresse do Congresso Nacional em atuar de forma mais presente nas questões orçamentárias, ao buscar suprir interesses dos membros do Congresso, alimentando um sistema clientelista. Efetivamente, tornaram o orçamento mais rígido, vincularam parte dos recursos, legalizando um sistema de reserva de receitas para o Parlamento. Não instituíram exatamente o orçamento impositivo no país, visto que parte das programações aprovadas não será executada, seja em função da base de cálculo, seja por motivo de impedimento técnico ou pela utilização de restos a pagar para fins de cumprimento da execução financeira.

Não influenciaram de forma relevante as relações entre os poderes, pois não alteraram as demais disposições constitucionais acerca das competências da cada um. Continuam à disposição do Executivo os demais “mecanismos de troca” que podem ser utilizados para influenciar o Congresso quando da aprovação de projetos de interesse do governo, e a faculdade de o Legislativo usar suas prerrogativas em matéria orçamentária. No entanto, caso as Casas Legislativas se abstenham de participar da definição de políticas públicas relevantes, tendo em vista a garantia de percentual das receitas para emendas, pode-se entender que o Legislativo se autolimitou, por espontânea vontade.

Considerando que o orçamento brasileiro em grande parte já é legislado (receitas vinculadas, despesas obrigatórias e teto de gastos), a discussão sobre o caráter da LOA não é a questão principal. O que importa, neste cenário, é a relação político-institucional dos Poderes Executivo e Legislativo, verdadeira responsável por definir se o orçamento aprovado será ou não efetivo e respeitado.

A recente aprovação da EC 100/2019 pode ter posto fim ao debate sobre a natureza da LOA ao dispor que

a administração tem o dever de executar as programações orçamentárias, adotando os meios e as medidas necessários, com o propósito de garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade (grifo nosso).

No entanto, caso a obrigatoriedade tenha sido instituída no Brasil, entendemos que a adequação da proposta orçamentária, mais do que a execução ou inexecução das programações, assim como o protagonismo no planejamento e na realização dos gastos, sujeitam-se bem mais às relações políticas, evidenciadas tanto no presidencialismo de coalização como no “parlamentarismo branco”, do que à definição formal da natureza jurídica do orçamento.

Finalmente, considerando as recentes inovações constitucionais e a relevância da matéria abordada neste artigo, é importante, em pesquisas futuras, aprofundar alguns temas correlatos, como: o impacto da falta de articulação dos orçamentos com os demais instrumentos e sistemas de planejamento - a exemplo dos planos nacionais, setoriais e regionais de desenvolvimento; a questão da accountability vertical e horizontal e os custos sociais do orçamento como mais uma arena de disputas e fonte de ampliação de incertezas; e a realização de avaliação orçamentária que considere a existência de instituições formais e informais e seus custos transacionais.

Referências Bibliográficas

  • 3
    Os autores agradecem os comentários e sugestões feitos por dois pareceristas anônimos da Revista Brasileira de Ciência Política.
  • 4
    Ato normativo emanado de órgão com competência legislativa, quer contenha ou não uma verdadeira norma jurídica (cujo comando é geral e abstrato), exigindo-se que se revista das formalidades relativas a essa competência. Ênfase na forma.
  • 5
    Ato normativo, emanado por órgão do Estado, mesmo que não incumbido da função legislativa, desde que contenha uma verdadeira regra jurídica. Ênfase no conteúdo.
  • 6
    Lochagin (2016, p. 37) registra que para uns, o orçamento é uma lei propriamente dita (em sentido formal e material); para outros, ora é lei, ora é ato particular - um ato de administração (em sentido formal); e para um terceiro grupo o orçamento nunca é uma lei.
  • 7
    Neste trabalho, nos utilizaremos especialmente dos comentários de Lochagin (2016) acerca do autor.
  • 8
    ADI 4.663 MC-REF/RO - Supremo Tribunal Federal. “Posteriormente, tal entendimento foi corroborado pelo Ministro Marco Aurélio. A discussão foi interrompida por pedido de vista e acabou perdendo seu objeto, pelo exaurimento da eficácia da lei impugnada”. (LIMA; VIANA, 2016, p. 204).
  • 9
    O art. 166, § 3º, inciso III, alínea “a” da Constituição prevê entre as hipóteses para emendas ao projeto da LOA a correção de erros ou omissões. Sob o argumento de que o projeto de LOA estaria com receitas subestimadas, o Congresso tem adotado prática recorrente de aumentar as receitas mediante reestimativa, para o que alega erros devido às alterações em parâmetros macroeconômicos - como taxa de inflação, crescimento real do PIB e outros (MACEDO, 2014MACEDO, Rodrigo Roriz. Orçamento impositivo no Brasil: proposta para o futuro ou realidade constitucionalizada. 2014. 78 f. Monografia (Bacharelado em Direito). Coordenação de Direito da Universidade de Brasília - UNB. Universidade de Brasília, Brasília, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://bdm.unb.br/bitstream/10483/9005/1/2014_RodrigoRorizMacedo.pdf >. Acesso em: 25 abr. 2017.
    http://bdm.unb.br/bitstream/10483/9005/1...
    ). Com as novas entradas, tem-se assim a possibilidade de financiamento de novos dispêndios (TOLLINI, 2008).
  • 10
    Dividem-se em três modalidades: especial, quando necessárias novas dotações; suplementar, quando necessário o reforço de dotações existentes; e extraordinário, destinado a atender despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública.
  • 11
    Despesas obrigatórias são aquelas nas quais o gestor público não possui discricionariedade quanto à determinação do seu montante, bem como ao momento de sua realização, por determinação legal ou constitucional. Essas despesas necessariamente têm prioridade em relação às demais, tanto no momento de elaboração do orçamento, quanto na sua execução. São gastos que o governo não pode deixar de cumprir, a exemplo de despesas com pessoal, transferências constitucionais e juros da dívida (MACEDO, 2014MACEDO, Rodrigo Roriz. Orçamento impositivo no Brasil: proposta para o futuro ou realidade constitucionalizada. 2014. 78 f. Monografia (Bacharelado em Direito). Coordenação de Direito da Universidade de Brasília - UNB. Universidade de Brasília, Brasília, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://bdm.unb.br/bitstream/10483/9005/1/2014_RodrigoRorizMacedo.pdf >. Acesso em: 25 abr. 2017.
    http://bdm.unb.br/bitstream/10483/9005/1...
    ). Já as despesas discricionárias são aquelas que, por não terem amparo constitucional ou legal, dependem da disponibilidade adicional ou residual de recursos e permitem ao gestor público flexibilidade quanto ao estabelecimento de seu montante, assim como quanto à oportunidade de sua execução.
  • 12
    Receitas vinculadas são aquelas arrecadadas com finalidade específica previamente determinada. Normalmente tem sua destinação vinculada a um órgão ou a um programa governamental, com base em disposição constitucional ou legal. Para Scaff (2016), as vinculações de receitas são exceções ao princípio da não afetação (art. 167, IV, CF/88), pois a regra é que o legislador tenha plena liberdade para dispor do orçamento.
  • 13
    “A Desvinculação de Receitas da União - DRU é um mecanismo que permite ao governo federal usar livremente um percentual de todos os tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas. Sua principal fonte de recursos são as contribuições sociais, que respondem por cerca de 90% do montante desvinculado. Na prática, permite que o governo aplique os recursos destinados a áreas como educação, saúde e previdência social em qualquer despesa considerada prioritária e na formação de superávit primário. Também possibilita o manejo de recursos para o pagamento de juros da dívida pública”. Disponível em: http://www12.senado.leg.br/noticias/entenda-o-assunto/dru. Acesso em: 10 jun. 2017.
  • 14
    Ministério da Economia - Séries Estatísticas - Vinculação de Receitas_ Anual_ 2000 a 2016. Disponível em: http://www.planejamento.gov.br/servicos/series-estatisticas/series-estatisticas. Acesso em: 26 jun. 2019.
  • 15
    Nota Técnica Conjunta nº 2/2018 - Subsídios à Apreciação do Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) 2019 - p. 7 e 36.
  • 14
    16 O contingenciamento está previsto no art. 9º da Lei nº 101/2000 (LRF) que dispõe que se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal, os poderes e o Ministério Público promoverão a limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela LDO. Caso restabelecidas as receitas, ainda que parcial, a recomposição das dotações cujos empenhos foram limitados se dará de forma proporcional (§ 1º). A lei ainda dispõe que não serão objeto de limitações as despesas obrigatórias, inclusive as destinadas ao pagamento do serviço da dívida, e as ressalvadas pela LDO (§ 2º)
  • 15
    17 Apenas as despesas discricionárias são passíveis de contingenciamento. Todavia, não são totalmente contingenciáveis, pois grande parte delas é executada com as funções saúde e educação, sujeitas ao mínimo constitucional. Além disso, não é possível um contingenciamento muito grande, sob pena de atrasos de pagamentos ou problemas na qualidade de oferta dos serviços públicos.
  • 18
    Presidencialismo é um sistema de governo em que um chefe de governo também é o chefe de Estado e lidera o poder executivo, que é separado do poder legislativo e do poder judiciário. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Presidencialismo>. Acesso em: 25 jan. 2020.
  • 19
    Parlamentarismo é um sistema de governo democrático, em que o poder executivo baseia a sua legitimidade democrática a partir do poder legislativo (representado pelo parlamento nacional); os poderes executivo e legislativo são, portanto, interligados neste sistema de governo. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Parlamentarismo>. Acesso em: 25 jan. 2020.
  • 20
  • 21
    Emenda Constitucional nº 95/2016 - Estabelece teto de gastos públicos.
  • 22
    Nota Técnica Conjunta nº 2/2018, p. 39 - Subsídios à Apreciação do Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) 2019.
  • 23
    ADI 2.925 - Supremo Tribunal Federal: Trata do produto da arrecadação da CIDE; e Superior Tribunal de Justiça - Mandado de Segurança nº 21.879 - DF (2015/0153946-0)STJ. Mandado de Segurança nº 21.879 - DF (2015/0153946-0). Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. DJ: 1º/7/2015. Jota.Info, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://www.jota.info/wp-content/uploads/2015/07/Decisao.pdf >. Acesso em: 23 jun. 2019.
    https://www.jota.info/wp-content/uploads...
    : Trata da execução de emendas individuais de parlamentar não reeleito.
  • 24
    ADIs 5.658 e 5.680 - Supremo Tribunal Federal: Questionamento sobre a constitucionalidade da EC 95/2016, que estabeleceu o teto de gastos públicos da União.
  • 25
    Ao comentarem o §11, Greggianin e Silva (2015) esclarecem que a obrigatoriedade estabelecida se refere à obrigatoriedade de empenho (execução orçamentária) e de pagamento (execução financeira).
  • 26
    Lei 13.707/2018 - Dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e execução da Lei Orçamentária de 2019 e dá outras providências.
  • 27
    Um ponto a ser comentado é que o § 13 da Emenda Constitucional estabelece que, quando a transferência obrigatória da União para execução de emendas individuais for destinada aos demais entes federados, independerá da adimplência do ente destinatário e não integrará a base de cálculo da RCL para fins de aplicação dos limites de despesa de pessoal.
  • 28
    Portaria Interministerial nº 78, de 26 de fevereiro de 2019.
  • 29
    Por meio da Portaria Interministerial nº 40, “o governo reconheceu como sendo de parlamentares, enquanto no exercício do mandato, o direito individual de indicar entidades e municípios beneficiados, bem assim a ordem de prioridade, diante do contingenciamento, sob pena de impedimento técnico. Nesses termos, as programações incluídas na LOA por parlamentares não reeleitos podem ser consideradas impedidas e, portanto, sem o benefício da impositividade”. (GREGGIANIN; SILVA, 2015, p. 17-18).
  • 30
    Superior Tribunal de Justiça - Mandado de Segurança nº 21.879 - DF (2015/0153946-0)STJ. Mandado de Segurança nº 21.879 - DF (2015/0153946-0). Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. DJ: 1º/7/2015. Jota.Info, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://www.jota.info/wp-content/uploads/2015/07/Decisao.pdf >. Acesso em: 23 jun. 2019.
    https://www.jota.info/wp-content/uploads...
    .
  • 31
    Portaria Interministerial nº 78, de 26 de fevereiro de 2019.
  • 32
    A Emenda Constitucional impôs que a União aplique no mínimo 15% de sua RCL em saúde. O cumprimento progressivo desse dispositivo (art. 2º da EC nº 86/2015) foi revogado pela Emenda Constitucional nº 95/2016, que trata do teto de gastos. Por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5595/DF______.Plenário. Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5595/DF. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. DJ: 31/8/2017. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI5595MC003.pdf>. Acesso em: 5 jul. 2019.
    http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/notici...
    , o STF suspendeu liminarmente a eficácia dos arts. 2º e 3º da EC nº 86/2015: retirou a progressividade para cumprimento do percentual mínimo de 15% estabelecido; e reestabeleceu, em acréscimo ao piso constitucional, o cômputo dos recursos provenientes de royalties e da participação especial pela exploração de petróleo e gás natural.
  • 33
    Credit Claiming: “é um dos fatores da conexão eleitoral postulada por Mayhew (2004), em que o parlamentar reivindica créditos para benfeitorias em seu reduto eleitoral e é reconhecido e distinguido por isso” (LAHUD, 2016, p. 16).
  • 34
    O percentual de 1% só será atingido no segundo ano de vigência, sendo definido percentual de 0,8% para o exercício subsequente ao da promulgação.
  • 35

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2020

Histórico

  • Recebido
    28 Mar 2019
  • Aceito
    21 Jan 2020
Universidade de Brasília. Instituto de Ciência Política Instituto de Ciência Política, Universidade de Brasília, Campus Universitário Darcy Ribeiro - Gleba A Asa Norte, 70904-970 Brasília - DF Brasil, Tel.: (55 61) 3107-0777 , Cel.: (55 61) 3107 0780 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: rbcp@unb.br