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A institucionalização da participação frente à dimensão informal da influência: um olhar sobre a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados (2003-2015)

The institutionalization of participation in a context of informal influence: a look at the Participatory Legislation Committee of the Chamber of Deputies (2003-2015)

Resumo:

O artigo coteja dados referentes à Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados (CLP-CD) com as principais contribuições da literatura que aborda a influência de grupos de interesse no processo decisório de políticas públicas, em especial aquela que se volta para a arena parlamentar. A partir das sugestões legislativas apresentadas nas 52ª, 53ª e 54ª legislaturas (2003-2015) e com base em uma estratégia descritiva de análise, procura-se verificar: (i) quais grupos de interesse encontram na CLP-CD um espaço para o exercício de sua influência; (ii) as temáticas que, tendo em vista as sugestões legislativas, expressam suas preferências; e (iii) o sucesso de tais grupos na transformação de suas sugestões em proposições a serem votadas pelos parlamentares em plenário. Indagando, portanto, em que medida grupos de interesse têm-se valido desta arena para arregimentar suas práticas de influência, chega-se a resultados que revelam um total de 671 sugestões no período de análise, sendo as temáticas abordadas de modo preponderante distintas daquelas que, de acordo com a literatura especializada, mobilizam grupos de interesse de forma mais assertiva em suas atividades de lobbying. Além disso, na CLP-CD se destaca a representação de interesses difusos e ligados às minorias em face de interesses corporativos.

Palavras-chave:
sugestões legislativas; grupos de interesse; influência decisória

Abstract:

The article compares data on the Participatory Legislation Committee of the Chamber of Deputies (CLP-CD) with contributions from the literature on the influence of interest groups in the public policy decision-making process, especially in the parliamentary arena. Based on legislative suggestions presented at the 52nd, 53rd and 54th legislatures (2003-2015) and on a descriptive strategy for analysis, we try to verify: (i) the interest groups use the CLP-CD to exercise influence; (ii) the themes about which they express their preferences through legislative suggestions; and (iii) their success in transforming their suggestions into propositions to be voted on by parliamentarians in plenary. Our inquiry into the extent interest groups have used this arena to organize their efforts to influence parliament revealed a total of 671 suggestions in the period of analysis. The themes addressed in these suggestions are predominantly different from those expected in the specialized literature on what most intensely mobilizes interest groups in their lobbying activities. In addition, the CLP-CD highlights the representation of fuzzy and minority interests in the face of corporate interests.

Keywords:
legislative suggestions; interest groups; influence

Introdução

A Câmara dos Deputados brasileira conta, desde 2001, com a Comissão de Legislação Participativa (CLP-CD), uma das 25 comissões permanentes que existem atualmente. Tendo como norma constitutiva a Resolução nº 21 daquela sessão legislativa, a CLP-CD visa estimular a participação da sociedade civil organizada no processo de elaboração legislativa, possibilitando a apresentação de sugestões de iniciativa legislativa por associações, órgãos de classe, sindicatos e entidades organizadas da sociedade civil. Composta por dezoito membros titulares e igual número de suplentes, a arena recebe sugestões de leis complementares e ordinárias, assim como de emendas ao Plano Plurianual (PPA) e à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). A Comissão, ainda, tem como campo temático e área de atividade a apreciação de pareceres técnicos, exposições e propostas oriundas de entidades como as anteriormente mencionadas.

De modo geral, a Ciência Política tem dirigido seu olhar para a CLP-CD a partir da literatura sobre participação, sendo objetivo deste artigo conectar o objeto aos estudos que tratam da influência no processo decisório. Resguardadas distinções epistemológicas, acredita-se que a articulação dessas literaturas, com o estudo desta arena, é capaz de aprofundar o conhecimento acerca das comissões legislativas, por um lado, e das frentes de atuação de grupos da sociedade no ambiente institucional, por outro.

A partir das sugestões legislativas apresentadas nas 52ª, 53ª e 54ª legislaturas, o que equivale ao período de 1º de fevereiro de 2003 a 31 de janeiro de 2015, procura-se verificar: (i) quais grupos de interesse encontram na CLP-CD um espaço para o exercício de sua influência; (ii) as temáticas que, tendo em vista as sugestões legislativas, expressam suas preferências; e (iii) o sucesso de tais grupos na transformação de suas sugestões em proposições a serem votadas pelos parlamentares em plenário. Indagando, então, em que medida grupos de interesse têm se valido desta arena para arregimentar suas práticas de influência, parte-se da expectativa de que as especificidades referentes à CLP-CD não se constituem em atrativos à atuação de grupos de interesse corporativos. Isso significa dizer que a institucionalização da participação na arena legislativa não mitiga a preponderância da dimensão informal, que se mantém como o canal privilegiado de vocalização das preferências dos grupos.

Os dados utilizados neste trabalho foram disponibilizados pela Câmara dos Deputados, tendo sido enviados pelo corpo técnico da Casa em resposta à solicitação via Lei de Acesso à Informação. A análise se baseia em uma estratégia descritiva dos dados, contando também com a realização de entrevista com representante da organização que mais apresentou sugestões à comissão no período. Para além deste texto introdutório e das considerações finais, busca-se aproximar as especificidades referentes à CLP-CD aos principais resultados produzidos pelos estudos que têm como foco a influência na arena legislativa. Em seguida, descreve-se quais grupos de interesse encontram nessa comissão um espaço para o exercício de sua influência, bem como as temáticas que, por meio do conteúdo das sugestões legislativas, expressam as suas preferências. Além disso, verifica-se em que medida esses grupos têm sucesso na transformação de suas sugestões em proposições a serem votadas pelos parlamentares em plenário. Por fim, o artigo busca contribuir para a agenda de pesquisa ensejada pela literatura, bem como integrar a ela a dimensão da participação para além de seu horizonte normativo.

Influência e participação políticas

A promulgação da Constituição Federal de 1988 foi responsável por significativas transformações nas instituições brasileiras e no sistema de representação de interesses, que, de acordo com Diniz e Boschi (2004)DINIZ, Eli; BOSCHI, Renato. Empresários, interesses e mercado: dilemas do desenvolvimento no Brasil. Belo Horizonte/Rio de Janeiro: UFMG/ IUPERJ, 2004., passou a ser caracterizado como um sistema híbrido, resultado da combinação de elementos corporativistas e pluralistas. Quanto ao Poder Legislativo, observou-se a dilatação de seu papel no processo decisório de políticas públicas, atraindo práticas de influência dos grupos de interesse (DINIZ; BOSCHI, 2004DINIZ, Eli; BOSCHI, Renato. Empresários, interesses e mercado: dilemas do desenvolvimento no Brasil. Belo Horizonte/Rio de Janeiro: UFMG/ IUPERJ, 2004.; FIGUEIREDO; LIMONGI, 1999FIGUEIREDO, Argelina; LIMONGI, Fernando. Executivo e legislativo na nova ordem constitucional. Rio de Janeiro: FGV, 1999.).

Diante dessa perspectiva, Santos (2014)SANTOS, Manoel. Representação de interesses na arena legislativa: os grupos de pressão na Câmara dos Deputados (1983-2012). Texto para Discussão IPEA, n. 1975, p. 5-39, 2014. analisou dados cadastrais da Primeira Secretaria da Câmara dos Deputados, a fim de demonstrar em que medida, após o arranjo legal instaurado em 1988, a sociedade civil passou a direcionar demandas para o parlamento. Embora tal cadastro não seja obrigatório, não representando com exatidão o número de grupos de interesse que atuam na Casa, observou-se que o biênio 1983-1984 registra 47 grupos, enquanto o biênio 2011-2012 conta com 179 grupos cadastrados. Nesse sentido, Freitas (2016)FREITAS, Andréa. O presidencialismo da coalizão. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2016. aponta que a participação legislativa na modificação do status quo não é pouco significativa, destacando a sua importância para o processo de formatação das leis a partir, sobretudo, da deliberação e alteração de propostas.

Entretanto, a arregimentação de práticas pluralistas de influência por parte de grupos de interesse, agora voltados para a atuação na arena legislativa, conta com constrangimentos exógenos às instituições, já que “a representação sistemática de interesses tem custos elevados e exige a mobilização de recursos por parte dos grupos de pressão” (SANTOS, 2014SANTOS, Manoel. Representação de interesses na arena legislativa: os grupos de pressão na Câmara dos Deputados (1983-2012). Texto para Discussão IPEA, n. 1975, p. 5-39, 2014., p. 18). Mais especificamente, Santos et al. (2017, p. 35)SANTOS, Manoel et al. Lobbying no Brasil: profissionalização, estratégias e influência. Texto para discussão IPEA, n. 2334, p. 7-59, 2017. afirmam que, no que se refere às atividades desenvolvidas pelos grupos, “destacam-se, sobretudo, o corpo-a-corpo junto aos parlamentares, o trabalho diante das comissões temáticas [...], a construção de coalizões com outros grupos de pressão e a atuação junto à consultoria legislativa”. Na literatura internacional, Binderkrantz (2008)BINDERKRANTZ, Anne. Different groups, different strategies: how interest groups pursue their political ambitions. Scandinavian Political Studies, v. 31, n. 2, p. 173-200, 2008. , partindo de dados de um survey com grupos de interesse na Dinamarca, identifica que grupos mais poderosos possuem maior acesso ao sistema político. Nas palavras da autora:

The variation in strategy use across group types supports a pluralist image of the political process. Corporative resources are relevant in regard to the administrative strategy, but other types of groups not possessing such resources are more dominant when it comes to affecting the media (BINDERKRANTZ, 2008BINDERKRANTZ, Anne. Different groups, different strategies: how interest groups pursue their political ambitions. Scandinavian Political Studies, v. 31, n. 2, p. 173-200, 2008. , p. 194).

Diante disso, ainda que a literatura sobre influência no Brasil tenha concedido valiosas contribuições, seu direcionamento proeminente ao estudo de grupos de interesse ligados ao empresariado industrial (MANCUSO, 2007MANCUSO, Wagner. O lobby da indústria no Congresso Nacional: empresariado e política no Brasil contemporâneo. São Paulo: Humanitas, 2007.; SANTOS, 2011SANTOS, Manoel. O parlamento sob influência: o lobby da indústria na Câmara dos Deputados. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2011.) mantém obscurecidos, especialmente, aspectos ligados aos grupos alijados dos espaços de poder ao longo da vigência do modelo corporativista, de um lado, e aos novos grupos que surgiram na sociedade já redemocratizada.

Cabe notar, porém, que tais considerações não fogem à abordagem analítica fornecida por Diniz e Boschi (2004)DINIZ, Eli; BOSCHI, Renato. Empresários, interesses e mercado: dilemas do desenvolvimento no Brasil. Belo Horizonte/Rio de Janeiro: UFMG/ IUPERJ, 2004.. Para os autores, o referido modelo corporativista estava baseado em um sistema bipartite de negociação junto ao Estado, no qual tradicionalmente predominavam os interesses patronais. Assim, o texto constitucional de 1988 consolidou-se como fruto e realização de um processo de conquistas e oportunidade de reversão da exclusão dos trabalhadores. Além disso, Thomas e Gozetto (2014)THOMAS, Clive; GOZETTO, Andréa. Interest groups in Brazil: a new era and its challenges. Journal of Public Affairs, v. 14, n. 3, p. 212-239, 2014., também refletindo acerca do sistema de representação de interesses em operação no Brasil contemporâneo, apontam para a inserção de novos atores, entre os quais se destacam os representantes de minorias.

Ainda conforme Thomas e Gozetto (2014)THOMAS, Clive; GOZETTO, Andréa. Interest groups in Brazil: a new era and its challenges. Journal of Public Affairs, v. 14, n. 3, p. 212-239, 2014., a representação de interesses no Brasil tem abarcado uma ampla gama de grupos: mulheres, ambientalistas, interesses de direitos humanos, novos interesses religiosos (como evangélicos) e grupos de direitos dos homossexuais.

New and non-establishment interests vary widely in their available resources and sophistication of lobbying skills. Some have major resources and use highly skilled lobbying techniques. Others have less resources but use some traditional lobbying techniques. Still others have minimal resources and often unfocused advocacy goals and little knowledge of effective lobbying techniques (THOMAS; GOZETTO, 2014THOMAS, Clive; GOZETTO, Andréa. Interest groups in Brazil: a new era and its challenges. Journal of Public Affairs, v. 14, n. 3, p. 212-239, 2014., p. 226).

Assim, ainda que, entre as práticas de influência dos grupos de interesse, destaquem-se as ações de lobbying (MANCUSO, 2007MANCUSO, Wagner. O lobby da indústria no Congresso Nacional: empresariado e política no Brasil contemporâneo. São Paulo: Humanitas, 2007.; SANTOS, 2011SANTOS, Manoel. O parlamento sob influência: o lobby da indústria na Câmara dos Deputados. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2011.), é importante observar que as relações entre os interesses organizados e a arena parlamentar têm alcançado novas tônicas, gerando reconfigurações dinâmicas acerca do sistema de representação de interesses do país no período posterior à redemocratização. É nessa perspectiva que se situa a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados.

Inovação democrática no Poder Legislativo: a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados

Criada em 2001, a CLP-CD se volta para o estímulo à participação da sociedade civil organizada no processo de elaboração legislativa e tem como documento constitutivo a Resolução nº 21 daquela sessão legislativa. Uma das possibilidades de participação na Comissão se dá por meio de entidades civis organizadas, organizações não governamentais, sindicatos, associações ou órgãos de classe, que podem apresentar suas sugestões legislativas de forma direta (BRASIL, 2017BRASIL. Câmara dos Deputados. Comissão de Legislação Participativa [online]. 2017. Disponível em: Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/clp . Acesso em: 12 abr. 2017.
http://www2.camara.leg.br/atividade-legi...
). As exceções a essa via de participação são os partidos políticos e os organismos internacionais, bem como os órgãos e entidades da administração pública direta e indireta dos poderes da União (ANASTASIA; NUNES, 2006ANASTASIA, Fátima; NUNES, Felipe. A reforma da representação. In: AVRITZER, L.; ANASTASIA, F. (orgs.). Reforma política no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006, p. 17-33.; LORDÊLO, 2009LORDÊLO, Tenaflae. A Comissão de Legislação Participativa: uma análise do site da comissão e suas ferramentas de interação. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura Contemporâneas) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009.).

A CLP-CD é uma das 25 comissões permanentes hoje existentes na Câmara dos Deputados. Essas são órgãos técnicos auxiliares do processo legislativo, cujo funcionamento está previsto no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD), mais especificamente no Capítulo IV do Título II (Órgãos da Câmara). O RICD (art. 24) sinaliza para suas funções, entre as quais se destacam a legisladora e fiscalizadora do Poder Legislativo. No tocante à função legisladora, observa-se que às comissões cabe a emissão de pareceres técnicos acerca de determinadas matérias, que são, na sequência, levadas ao plenário. Outras proposições podem ter sua tramitação conclusiva, cabendo a esses órgãos sua aprovação ou rejeição.

Já a apresentação de sugestões legislativas à CLP-CD tem a tramitação apresentada no título do RICD que trata da participação da sociedade civil (Título VIII), mais especificamente no artigo 254:

  • Art. 254. A participação da sociedade civil poderá, ainda, ser exercida mediante o oferecimento de sugestões de iniciativa legislativa, de pareceres técnicos, de exposições e propostas oriundas de entidades científicas e culturais e de qualquer das entidades mencionadas na alínea a do inciso XII do art. 32.

  • § 1º As sugestões de iniciativa legislativa que, observado o disposto no inciso I do artigo 253, receberem parecer favorável da Comissão de Legislação Participativa serão transformadas em proposição legislativa de sua iniciativa, que será encaminhada à Mesa para tramitação.

  • § 2º As sugestões que receberem parecer contrário da Comissão de Legislação Participativa serão encaminhadas ao arquivo.

  • § 3º Aplicam-se à apreciação das sugestões pela Comissão de Legislação Participativa, no que couber, as disposições regimentais relativas ao trâmite dos projetos de lei nas Comissões.

De acordo com Barbosa (2013)BARBOSA, Sandro. Sociedade civil e processo legislativo: a experiência da Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados de 2001 a 2012. Monografia (Graduação em Ciência Política) - Universidade de Brasília, Brasília, 2013., a CLP-CD confere aos cidadãos três funções interligadas. A primeira se refere ao aprendizado no tocante à relação entre interesse público e privado, bem como ao processo legislativo. A Comissão proporciona também a aproximação da sociedade civil com as definições que afetam suas vidas e uma maior legitimidade do poder público junto à sociedade civil, dado que as sugestões aprovadas estão calcadas na participação política. A experiência na arena legislativa federal serviu de exemplo aos governos subnacionais, havendo hoje comissões semelhantes em mais de dez assembleias legislativas do país e em diversas câmaras de vereadores.

Nesse sentido, à sociedade civil organizada é permitido, via CLP-CD, emitir qualquer sugestão que seja da competência das comissões permanentes, exceto Requerimento para a Criação de Comissões Parlamentares de Inquérito e Sugestão de Proposta de Fiscalização e Controle. Estão vetadas, ainda, proposições de iniciativa do Presidente da República, do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e do Ministério Público, além daquelas de competência dos estados e municípios (BURGOS, 2007BURGOS, Cristiano. O processo de participação da sociedade civil na elaboração de políticas públicas: a experiência da Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados de 2001 a 2005. Dissertação (Mestrado em Gestão Social e Trabalho) - Universidade de Brasília, Brasília, 2007.).

Dessa forma, podem ser apresentadas pela sociedade à CLP-CD as seguintes propostas: (i) Projeto de Lei Complementar; (ii) Projeto de Lei; (iii) Projeto de Resolução; (iv) Requerimento para a solicitação de realização de audiência pública; (v) Requerimento para a solicitação de depoimento de cidadão ou autoridade; (vi) Requerimento para convocação de Ministro de Estado; (vii) Requerimento de informação a Ministro de Estado; (viii) Projeto de Decreto Legislativo; (ix) Projeto de Código ou de Consolidação; (x) Proposta de Emenda à Lei Orçamentária e a seu Parecer Preliminar; e (xi) Proposta de emenda ao Plano Plurianual (BURGOS, 2007BURGOS, Cristiano. O processo de participação da sociedade civil na elaboração de políticas públicas: a experiência da Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados de 2001 a 2005. Dissertação (Mestrado em Gestão Social e Trabalho) - Universidade de Brasília, Brasília, 2007.).

O RICD prevê, em seu artigo 32, os campos temáticos ou as áreas de atividade das comissões permanentes. No que se refere à Comissão de Legislação Participativa, são elencados: (i) sugestões de iniciativa legislativa apresentadas por associações e órgãos de classe, sindicatos e entidades organizadas da sociedade civil, exceto partidos políticos; (ii) pareceres técnicos, exposições e propostas apresentadas por entidades científicas, culturais, entre outras; (iii) sugestões de iniciativa legislativa aprovadas pelo Parlamento Jovem; e (iv) Projetos de Lei previstos no parágrafo 2º, artigo 61, da Constituição Federal de 1988, resguardadas as prerrogativas da Comissão Especial prevista no § 2º do artigo 34 do Regimento Interno. O Quadro 1 esquematiza os tipos de proposição legislativa que podem derivar de sugestões legislativas enviadas à CLP-CD.

Quadro 1.
Esquema para os tipos de proposição legislativa nos quais podem ser convertidos as sugestões legislativas enviadas à CLP-CD

De modo geral, os estudos que têm a CLP-CD como objeto, tal qual Burgos (2007)BURGOS, Cristiano. O processo de participação da sociedade civil na elaboração de políticas públicas: a experiência da Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados de 2001 a 2005. Dissertação (Mestrado em Gestão Social e Trabalho) - Universidade de Brasília, Brasília, 2007. e Coelho (2015)COELHO, Rony. Legislação participativa: atores, iniciativa e processo legislativo. Interseções, v. 17, n. 1, p. 189-225, 2015., partem do aporte teórico da democracia participativa, que tem em Carole Pateman (1992)PATEMAN, Carole. Participação e teoria democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. uma importante referência. Para a autora, a democracia demanda a existência de espaços de socialização e treinamento nos quais as qualidades psicológicas dos cidadãos possam manifestar-se e desenvolver-se. Esses espaços se constituem, ainda, em instrumento de legitimação e ampliação dos direitos. Ainda que os conceba como mecanismo de fortalecimento das instituições democráticas, Pateman (1992)PATEMAN, Carole. Participação e teoria democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. não os restringe ao ambiente institucional, podendo, conforme a autora, a participação política se dar em outras esferas. Em outra perspectiva, Santos et al. (2003)SANTOS, Manoel et al. Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados: avaliação do biênio 2001/2002. Monografia (Especialização em Poder Legislativo) - Escola do Legislativo de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003. analisam a criação da CLP-CD frente ao indicado por Anastasia (2000, p. 34)ANASTASIA, Fátima. Responsabilização por controle parlamentar. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 24, Petrópolis. Anais... São Paulo: Anpocs, out. 2000., para quem o desenvolvimento da democracia é tributário ao “aperfeiçoamento dos mecanismos clássicos de representação política, da capacidade de inovação institucional que permita o efetivo funcionamento da democracia nos interstícios eleitorais [...]”. É possível, assim, situar a Comissão na perspectiva das inovações institucionais democráticas, tal como as leis de acesso à informação. O surgimento desses novos instrumentos está associado ao declínio da participação eleitoral e ao incremento das formas de atuação política (CAIN; DALTON; SCARROW, 2003CAIN, Bruce; DALTON, Russell; SCARROW, Susan. Democracy transformed? Expanding political opportunities in advanced industrial democracies. Oxford: Oxford University. Press, 2003.; DALTON; SCARROW; CAIN, 2003DALTON, Russell; SCARROW, Susan; CAIN, Bruce. New forms of democracy? Reform and transformation of democratic institutions. In: CAIN, B.; DALTON, R.; SCARROW, S. (ed.). Democracy transformed? Expanding political opportunities in advanced industrial democracies. Oxford: Oxford University Press, 2003, p. 1-20.). Por outro lado, Coelho (2015)COELHO, Rony. Legislação participativa: atores, iniciativa e processo legislativo. Interseções, v. 17, n. 1, p. 189-225, 2015. chama a atenção para o fato de que esses processos ocorrem a despeito da manutenção da centralidade ocupada pelos partidos políticos, já que “political parties remain central players in the democratic processes” (KITTILSON; SCARROW, 2003KITTILSON, Miki; SCARROW, Susan. Political parties and the rhetoric and realities of democratization. In: CAIN, Bruce; DALTON, Russel; SCARROW, Susan (eds.). Democracy transformed? Expanding political opportunities in advanced industrial democracies. Oxford: OUP, 2003, p. 59-80., p. 59).

Em perspectiva mais ampla, pode-se alocar a experiência propiciada pela CLP-CD no conjunto de instituições participativas que emergiram no pós-1988, temática que autores como Avritzer (2007AVRITZER, Leonardo. Sociedade civil, instituições participativas e representação: da autorização à legitimidade da ação. Dados, v. 50, n. 3, p. 443-464, 2007., 2008AVRITZER, Leonardo. Instituições participativas e desenho institucional: algumas considerações sobre a variação da participação no Brasil democrático. Opinião Pública, v. 14, n. 1, p. 43-64, 2008., 2012)AVRITZER, Leonardo. Conferências nacionais: ampliando e redefinido os padrões de participação social no Brasil. Texto para Discussão IPEA, n. 1739, p. 7-24, 2012. buscaram elucidar. Segundo Côrtes (2011), a instituições participativas se constituem em mecanismos de participação que surgem por meio de legislação ou norma específica e “permitem o envolvimento regular e continuado de cidadãos com a administração pública, tanto diretamente quanto através de representantes, como ocorre com maior frequência” (CORTES, 2011CORTES, Soraya. As diferentes instituições participativas existentes nos municípios brasileiros. In: PIRES, R. (org.). Efetividade das instituições participativas no Brasil: estratégias de avaliação. Brasília: Ipea, 2011, p. 137-149., p. 137).

A particularidade da CLP-CD frente aos demais mecanismos de inovação democrática se encontra no fato de que elas tiveram origem, sobretudo, a partir de demandas de segmentos sociais voltados às causas populares, tendo sido arregimentadas, em muitos casos, por movimentos sociais (COELHO, 2015COELHO, Rony. Legislação participativa: atores, iniciativa e processo legislativo. Interseções, v. 17, n. 1, p. 189-225, 2015.; TATAGIBA, 2011TATAGIBA, Luciana. A questão dos atores, seus repertórios de ação e implicações para o processo participativo. In: PIRES, R. (org.). Efetividade das instituições participativas no Brasil: estratégias de avaliação. Brasília: Ipea, 2011, p. 171-186.). Por outro lado, Coelho (2015, p. 203)COELHO, Rony. Legislação participativa: atores, iniciativa e processo legislativo. Interseções, v. 17, n. 1, p. 189-225, 2015. defende que “no modelo institucional adotado - assim como em outras IPs [Instituições Participativas] -, organizações civis foram os atores legitimamente credenciados às iniciativas, combinando aspectos da participação e da representação”.

Entre outras perspectivas analíticas, há, ainda, a transnacional, a exemplo de Somerville (2011)SOMERVILLE, Peter. Democracy and participation. Policy & Politics, v. 39. n. 3, p. 417-437, 2011., voltada para as reformas institucionais contemporâneas. Essa literatura busca compreender a adaptação das instituições da tradicional democracia representativa a novas práticas políticas e sociais frente ao declínio da participação eleitoral, o incremento de formas de atuação política e a nova configuração dos partidos políticos. Essa adaptação parte da noção de interação, com dispositivos como “fale conosco”, mas, especialmente, da interação digital. O meio digital fez com que a interação, antes unilateral ou bilateral, passasse a ser multilateral. Na Câmara dos Deputados, de acordo com Côrtes (2011), os dispositivos de interação tiveram início com a criação do e-mail institucional da Casa, em 1992, passando, entre outros, pela Ouvidoria Parlamentar, em 2001, o Portal da Câmara, em 2004, o boletim Acompanhe seu Deputado, em 2008, o portal E-democracia e a Biblioteca Digital da Câmara, em 2009 (COELHO, 2013COELHO, Rony. Legislação participativa: atores, iniciativas e processo legislativo. Um estudo de caso da comissão de legislação participativa da Câmara dos Deputados (2001-2011). Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2013.).

Em seu estudo, Coelho (2013)COELHO, Rony. Legislação participativa: atores, iniciativas e processo legislativo. Um estudo de caso da comissão de legislação participativa da Câmara dos Deputados (2001-2011). Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2013. contrapõe a concepção normativa de legislação participativa aos dados empíricos provenientes da CLP-CD, entre 2001 e 2011, em termos de atores, iniciativas e processos políticos institucionais. Considerando a Comissão como uma instituição participativa, observa-se que a dinâmica da arena se dá em conformidade com o previsto regimentalmente, o que, nesse caso, representa estar pautada pelas organizações que nela atuam. Os resultados de seu estudo revelam que a Comissão, ainda, pode ser considerada uma forma de interação institucional inserida entre outros dispositivos que emergiram desde o final do século XX na Câmara dos Deputados, na perspectiva de abertura institucional da tradição representativa. Assim, para Coelho (2013, p. 176)COELHO, Rony. Legislação participativa: atores, iniciativas e processo legislativo. Um estudo de caso da comissão de legislação participativa da Câmara dos Deputados (2001-2011). Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2013., “na tentativa de criar uma alternativa à iniciativa popular mesmo a partir de uma iniciativa institucional, a CLP-CD acabou por assumir características de outras instituições participativas”.

Sendo assim, frente às competências da CLP-CD, pergunta-se em que medida grupos de interesse têm-se valido desta arena para arregimentar suas práticas de influência. Seu desenho institucional e as possibilidades por ela ensejadas seriam capazes de diminuir os custos da representação de interesses, criando, ainda, um atalho para os resultados políticos desejados. Entretanto, a literatura sobre influência não se debruçou, até o momento, sobre esta Comissão, o que se estende a objetos exemplares da reconfiguração permitida pela Constituição Federal de 1988 à participação da sociedade civil organizada, tal qual a Lei de Iniciativa Popular4 4 O artigo 14 da Constituição Federal de 1988 assegura que o exercício da soberania popular deve se dar pelo sufrágio universal e voto (direto e secreto, com igual valor para todos), contando (nos termos da lei), ainda, com os institutos do plebiscito, do referendo e da Iniciativa Popular. . Esses não deixam de ser, todavia, objetos recorrentes na Ciência Política brasileira.

Desse modo, parece válido cotejar os achados da participação via instituições com aqueles que se concentram na perspectiva dos grupos de pressão. Resguardadas as singularidades epistemológicas entre os campos nos quais a CLP-CD tem sido estudada e a perspectiva dos grupos de interesse, é útil observar, tal qual demonstra Reis (1995)REIS, Bruno. Corporativismo, pluralismo e conflito distributivo no Brasil. Dados, v. 38, n. 3, p. 417-458, 1995., que suas variadas abordagens teóricas, especialmente Pluralismo e Corporativismo, rejeitam a contraposição entre Estado e indivíduo. Ao adotarem premissas organicistas, destacam os grupos de interesse em meio à sociedade diversificada, convergindo, nesse ponto, com os teóricos da participação.

Atores e temáticas: apresentação de sugestões legislativas nas 52ª, 53ª e 54ª legislaturas

Esta seção procura identificar quais grupos encontram na CLP-CD um espaço para o exercício de sua influência e quais as temáticas que, com base nas sugestões legislativas apresentadas, expressam suas preferências. Não estão incluídas nessa análise as sugestões legislativas de emendas às leis orçamentárias, e sim as sugestões legislativas de projetos legislativos e de fiscalização, controle e outros, conforme classificação apresentada por Coelho (2015)COELHO, Rony. Legislação participativa: atores, iniciativa e processo legislativo. Interseções, v. 17, n. 1, p. 189-225, 2015.. Com esta opção, busca-se avançar em relação a outros trabalhos, como o de Ferreira Júnior (2013)FERREIRA JÚNIOR, Nivaldo. A Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados: considerações teóricas. In: MIRANDA, R.; SOUZA, J. (orgs.). O processo legislativo, o orçamento público e a Casa Legislativa. Brasília: Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados, 2013, p. 37-61., que se concentram no estudo de sugestões à legislação orçamentária, deixando de lado os outros dois tipos de proposições, permitindo, ainda, a análise de sugestões a partir de suas temáticas.

Inicialmente, vale destacar que, no período analisado, foram apresentadas 671 sugestões à Comissão, sendo 261 sugestões na 52ª legislatura, 253 na 53ª e 157 na 54ª. O Gráfico 1 destaca o número de sugestões apresentadas em cada sessão legislativa. A média de sugestões apresentadas em uma sessão legislativa é de 55,9, entretanto, o número variou consideravelmente ao longo do período, alcançando, em 2005, o número máximo de 107 sugestões e, em 2012, o número mínimo de 16 sugestões. Diferentemente do que ocorre com outros tipos de proposições legislativas (ARAÚJO, 2009ARAÚJO, Paulo. O bicameralismo no Brasil: as bases institucionais e políticas do desempenho Legislativo do Senado Federal (1989-2004). Tese (Doutorado em Ciência Política) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2009.), não é possível se observar um padrão de apresentação associado a ciclos eleitorais, marcado por elevada produtividade em anos iniciais de legislatura e por reduzida atividade em anos eleitorais. As organizações da sociedade civil, responsáveis pela apresentação dessas proposições, não parecem considerar esse aspecto na decisão de quando apresentar à CLP-CD uma sugestão.

Gráfico 1.
Sugestões apresentadas por sessão legislativa, nas 52ª, 53ª e 54ª legislaturas

No que se refere aos tipos de sugestões apresentadas nas 52ª, 53ª e 54ª legislaturas, 79,6% (ou 534) procuravam criar ou alterar legislações, ao passo que 18,5% (ou 124) requeriam audiências públicas, seminários, simpósios, conferências e outros eventos. O restante (13 sugestões) referia-se a outros tipos: indicações (5), votos de louvor/pesar (4), solicitações de informação (2), requerimento de regime de prioridade (1) e solicitação de convite à autoridade (1). Observa-se, dessa forma, uma preponderância de sugestões com foco na criação e na alteração de legislação. Considerando as categorias elencadas por Coelho (2015)COELHO, Rony. Legislação participativa: atores, iniciativa e processo legislativo. Interseções, v. 17, n. 1, p. 189-225, 2015., verifica-se que 79,6% foram sugestões legislativas de projetos legislativos (tipo a, conforme Quadro 1) e 20,4% sugestões legislativas de fiscalização, controle e outros (tipo c). Há, portanto, uma atuação fortemente concentrada em proposições que procuram alterar o status quo legal, seja sugerindo novas legislações ou sugerindo alterações em legislações existentes.

Destacados, então, os números de sugestões legislativas apresentadas no período, indaga-se quais grupos as elaboraram. Cento e cinquenta diferentes organizações foram responsáveis pela autoria das 671 sugestões apresentadas. A Tabela 1 elenca as dez organizações que mais se valeram desse instrumento.

Tabela 1.
Organizações que mais apresentaram sugestões, nas 52ª, 53ª e 54ª legislaturas

Entre as 150 organizações que apresentaram sugestões, 92 o fizeram em uma única oportunidade nas três legislaturas estudadas, o que significa dizer que 61,3% das organizações apresentaram apenas uma sugestão. Por outro lado, algumas organizações chamam a atenção pelo elevado número de sugestões enviadas à CLP-CD. O Conselho de Defesa Social de Estrela do Sul (Codesul) é a organização que mais utilizou esse instrumento, registrando-se o expressivo número de 233 sugestões legislativas, o que corresponde a 34,7% do total. A segunda organização que mais utilizou sugestões, a Associação Comunitária do Chonin de Cima, o fez 40 vezes.

Deve-se destacar que o Codesul é uma Organização Não Governamental (ONG) com sede em Estrela do Sul, município localizado no Triângulo Mineiro com a população estimada, em 2017, de 7.981 habitantes. Em entrevista5 5 Essa entrevista foi realizada via telefone e aconteceu no dia 18 de setembro de 2017. com um representante da organização, constatou-se que o Conselho possui uma atuação fortemente ligada à Comarca de Estrela do Sul, sendo abrangente a sua circunscrição, o que inclui os municípios de Cascalho Rico e Grupiara, ambos com população inferior a 5 mil habitantes. Segundo o entrevistado, a ONG atua em duas frentes principais: social e propositiva. A primeira refere-se a projetos sociais, esportivos e de segurança pública desenvolvidos no nível municipal. A segunda está ligada à apresentação de sugestões legislativas à CLP-CD, as quais, de acordo com o representante do Conselho, tratam, principalmente, de segurança pública e de direitos sociais.

Quando indagado acerca da razão pela qual o Codesul valeu-se tão intensamente da apresentação de sugestões legislativas, o entrevistado afirmou que alguns de seus membros, em função da prática jurídica, ao perceberem limitações existentes na legislação e, por conseguinte, oportunidades de aprimorá-la, começaram a enviar sugestões à Comissão. A “abertura de portas”, a facilidade do processo de apresentação e o bom relacionamento com a assessoria da CLP-CD impulsionaram a atuação nessa arena. No entanto, a extensão do processo de tramitação e o pouco êxito em transformar suas sugestões em legislação ordinária levaram, segundo ele, o Codesul a reduzir o envio de sugestões. Nessa direção, os dados indicam que, no período analisado, o Conselho começou a realizar esse envio à CLP-CD em 2005, o que aconteceu, em todas as sessões legislativas, até 2011, não havendo registros de 2012 a 2015.

Procurando apresentar um panorama acerca dos grupos que apresentaram sugestões legislativas, lança-se mão de uma proposta de classificação que se baseia, essencialmente, em Thomas e Gozetto (2014)THOMAS, Clive; GOZETTO, Andréa. Interest groups in Brazil: a new era and its challenges. Journal of Public Affairs, v. 14, n. 3, p. 212-239, 2014.. Os autores apresentam seis principais tipos de entidades de lobbying que existem atualmente no Brasil, sendo esses: (i) political elites and traditional power groups; (ii) private sector lobbying; (iii) traditional and professional labor lobbying; (iv) national government agency and state and local governmental lobbying; (v) lobbying by new and outsider interests and interest groups; e (vi) private lobbying and political consulting firms. Na análise das organizações que apresentaram sugestões legislativas nas 52ª, 53ª e 54ª legislaturas, foram consideradas as seguintes categorias, adaptadas6 6 Essa adaptação se deu em função da especificidade do objeto do presente trabalho. Nesse sentido, não há sugestões apresentadas por órgãos estatais nem por empresas de consultoria política e de consultoria em atividades de lobbying, categorias presentes em Thomas e Gozetto (2014). da classificação proposta por Thomas e Gozetto (2014)THOMAS, Clive; GOZETTO, Andréa. Interest groups in Brazil: a new era and its challenges. Journal of Public Affairs, v. 14, n. 3, p. 212-239, 2014. 7 7 A partir de pesquisas realizadas em sítios eletrônicos das organizações com vistas a identificar seus escopos de atuação, procedeu-se a classificação em uma das cinco categorias. :

  1. Elites políticas e grupos tradicionais;

  2. Setor privado;

  3. Organizações de trabalhadores;

  4. Interesses novos e outsiders;

  5. Categoria residual - outros.

Vale destacar que, entre as 150 organizações analisadas, 9 foram classificadas como grupos tradicionais; 3, como organizações do setor privado; 42, como organizações de trabalhadores; 72, como organizações que representam interesses novos e outsiders; e 24, em uma categoria residual. Em número de organizações, fica claro que a atividade/estratégia em análise é amplamente mobilizada por grupos representantes de interesses novos e outsiders, os quais representam 48% do total de organizações que apresentaram sugestões legislativas nas 52ª, 53ª e 54ª legislaturas. No Gráfico 2, o que se destaca é o número de sugestões legislativas apresentadas por cada categoria de organização, observando-se também uma atuação preponderante de organizações que representam interesses novos e outsiders. Essas foram responsáveis pela apresentação 74,4% do total de sugestões do período.

Gráfico 2.
Sugestões apresentadas por categoria de organização, nas 52ª, 53ª e 54ª legislaturas

Os dados parecem indicar o que Binderkrantz (2008)BINDERKRANTZ, Anne. Different groups, different strategies: how interest groups pursue their political ambitions. Scandinavian Political Studies, v. 31, n. 2, p. 173-200, 2008. destaca no título de seu trabalho: different groups, different strategies. A autora, a partir de dados de um survey com grupos de interesse na Dinamarca, identifica importantes diferenças entre grupos mais poderosos, com maior acesso ao sistema político, e grupos menos privilegiados, que recorrem a estratégias indiretas. Ao analisar uma categoria de grupos por ela denominada de interesse público, Binderkrantz (2008)BINDERKRANTZ, Anne. Different groups, different strategies: how interest groups pursue their political ambitions. Scandinavian Political Studies, v. 31, n. 2, p. 173-200, 2008. afirma que esses são mais propensos a utilizar estratégias publicamente visíveis.

No que se refere ao caso brasileiro, deve-se observar o trabalho de Santos et al. (2017)SANTOS, Manoel et al. Lobbying no Brasil: profissionalização, estratégias e influência. Texto para discussão IPEA, n. 2334, p. 7-59, 2017.. Os autores também se valem dos resultados de um survey aplicado junto a representantes de grupos de interesse e assessores parlamentares cadastrados na Primeira Secretaria da Câmara dos Deputados. Os resultados da indagação referente ao grau de eficiência de atividades tipicamente desenvolvidas por grupos de interesse mostram que a maior parte dos representantes de empresários, de trabalhadores e do setor público considera quase todas as atividades elencadas como eficientes, podendo-se citar gestão junto ao relator (apontada como eficiente por todos os respondentes), apresentação de notas/relatórios técnicos (apontada como eficiente por todos os respondentes representantes de empresários e do setor público e por 93,3% dos representantes de trabalhadores) e apresentação de minutas de emendas (apontada como eficiente por todos os respondentes representantes de empresários e de trabalhadores e por 92,6% dos representantes do setor público)8 8 As outras atividades incluídas na pesquisa são: visita aos parlamentares, apresentação de minutas de proposições, ações envolvendo a mídia, gestão junto ao presidente da comissão, realização de eventos técnicos, encontros informais com parlamentares, gestão junto ao presidente da comissão para influir na agenda, apresentação de boletins e informações técnicas, missões de trabalho e realização de eventos sociais. .

A única exceção é o envio de e-mails ou cartas aos parlamentares, técnica que é particularmente valorizada pelos representantes dos trabalhadores, o que é bastante compreensível, pois as categorias profissionais abrangem grande número de pessoas, e isso favorece o exercício de pressão sobre os decisores por meio de correspondências. Também é digno de nota que todos os representantes desse setor consideram as mobilizações públicas (manifestações, passeatas, eventos de grande porte etc.) como atividades eficientes, enquanto esta visão é compartilhada por cerca de dois terços dos representantes do empresariado e do setor público (SANTOS et al., 2017SANTOS, Manoel et al. Lobbying no Brasil: profissionalização, estratégias e influência. Texto para discussão IPEA, n. 2334, p. 7-59, 2017., p. 37-38).

Diante dessa perspectiva, a estratégia de apresentar sugestões legislativas também parece estar marcada por uma diferenciação que tange o tipo de grupo, sendo utilizada, em grande monta, por grupos menos poderosos e que não possuem acesso facilitado ao sistema político. Nessa direção, Ferreira Júnior (2013)FERREIRA JÚNIOR, Nivaldo. A Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados: considerações teóricas. In: MIRANDA, R.; SOUZA, J. (orgs.). O processo legislativo, o orçamento público e a Casa Legislativa. Brasília: Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados, 2013, p. 37-61. assevera a facilidade no processo de apresentação de sugestões, sendo simples os meios de formalização, que pode se dar pessoalmente, via meio eletrônico, fax ou carta. Ademais, segundo o autor, não são colocados óbices formais e não há exigências de que as propostas sejam formatadas em atenção à técnica legislativa. A simplicidade desse processo, certamente, coloca-se como um facilitador para a atuação de que representam interesses novos e outsiders. Esse aspecto foi reforçado pelo representante do Codesul durante a entrevista.

Outro ponto a ser destacado se refere às temáticas das sugestões legislativas apresentadas. Propõe-se aqui uma classificação9 9 O corpo técnico da Câmara dos Deputados realiza uma classificação das sugestões legislativas, a qual não foi utilizada neste trabalho em função da existência de muitas sugestões não classificadas. Toma-se essa categorização como base para a definição das categorias elencadas. O procedimento envolveu a leitura das ementas de todas as sugestões legislativas apresentadas no período, de modo a agrupá-las em torno das temáticas de maior representatividade entre essas proposições. a partir das seguintes categorias:

  1. Política econômica e tributária: assuntos relacionados à tributação, execução orçamentária, política cambial e de juros, inflação e desenvolvimento econômico e industrial;

  2. Controle, participação e combate à corrupção: assuntos relacionados à elaboração de mecanismos de controle interno e de controle social, à participação popular e ao combate à corrupção;

  3. Organização político-administrativa: assuntos relacionados à organização administrativa, gestão pública, divisão de competências e organização política;

  4. Segurança e Judiciário: assuntos relacionados a segurança pública e direitos civil, penal e processual;

  5. Política social e direitos humanos: assuntos relacionados a trabalho, educação, saúde, previdência, assistência social, proteção de públicos vulneráveis e direitos humanos;

  6. Categorial residual - outros: assuntos diversos que incluem temas de comunicação, infraestrutura, política fundiária, energia, mobilidade e trânsito, entre outros.

Como indica a Tabela 2, há um elevado número de sugestões que se referem a política social e direitos humanos (26,8%) e segurança e Judiciário (25,6%), apontando para uma atuação mais intensa das organizações nessas temáticas. É interessante observar que a categoria política social e direitos humanos abarca uma variedade de demandas políticas oriundas, de modo geral, de organizações da sociedade civil, somando-se a isso aquelas associadas à segurança pública. Parece haver, portanto, uma correspondência entre os tipos de organização mais atuantes na CLP-CD e as sugestões que nela se destacam.

Tabela 2.
Temáticas das sugestões apresentadas, nas 52ª, 53ª e 54ª legislaturas

Apresentado, então, o debate referente às organizações que se valeram de sugestões legislativas e às temáticas dessas proposições, torna-se fundamental verificar o andamento dessas sugestões no Poder Legislativo e, em que medida, os grupos obtiveram êxito em suas atuações. A próxima seção se debruça sobre isso.

Sugestões e processo legislativo: o que emerge como resultado?

Ferreira Júnior (2013, p. 41)FERREIRA JÚNIOR, Nivaldo. A Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados: considerações teóricas. In: MIRANDA, R.; SOUZA, J. (orgs.). O processo legislativo, o orçamento público e a Casa Legislativa. Brasília: Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados, 2013, p. 37-61. destaca que “[a]pesar da facilidade de apresentação, a sugestão de iniciativa legislativa não significa a automática transformação da sugestão em iniciativa de lei. Em verdade, a sugestão sofre uma avaliação de oportunidade e mérito na CLP”. Dessa forma, a apresentação de uma sugestão é uma atividade sem grandes custos para a organização proponente, estando disponível para associações, órgãos de classe, sindicatos e entidades organizadas da sociedade civil. O ponto central é em que medida esse instrumento consegue avançar no Legislativo e, por conseguinte, alterar o status quo. A Tabela 3 apresenta a situação das sugestões apresentadas nas 52ª, 53ª e 54ª legislaturas, divididas conforme as categorias propostas por Coelho (2015)COELHO, Rony. Legislação participativa: atores, iniciativa e processo legislativo. Interseções, v. 17, n. 1, p. 189-225, 2015. e elencadas no Quadro 1.

Tabela 3.
Situação das sugestões na CLP-CD

Conforme previsão regimental, quando uma sugestão é aprovada, ela passa à tramitação como proposição legislativa de autoria da CPL-CD, o que significa, como afirma Ferreira Júnior (2013)FERREIRA JÚNIOR, Nivaldo. A Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados: considerações teóricas. In: MIRANDA, R.; SOUZA, J. (orgs.). O processo legislativo, o orçamento público e a Casa Legislativa. Brasília: Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados, 2013, p. 37-61., que não há, por parte da Câmara, uma delegação do poder de iniciar o processo legislativo às organizações. No entanto, é importante chamar a atenção para a distinção entre duas categorias presentes na Tabela 3: origem a outra proposição e aprovada. A primeira se refere à previsão regimental supracitada, indicando que a sugestão passou por uma avaliação de oportunidade e de mérito na CLP-CD, foi aprovada e originou outra proposição legislativa, passando a tramitar na Câmara dos Deputados como um projeto de autoria da referida Comissão. A categoria aprovada, por sua vez, faz referência a um pequeno número de sugestões cuja situação indicada nos dados enviados pela Câmara dos Deputados é de aprovação (em termos de oportunidade e de mérito) no escopo da CLP-CD.

Como pode ser observado na Tabela 3, 34,6% (232) das sugestões foram arquivadas na CLP-CD, sendo 141 de tipo a e 91 de tipo c. Isso representa o maior percentual entre as categorias de situação elencadas. Acresce-se a isso que 26,5% (178 - 175 de tipo a e 3 de tipo c) das sugestões foram rejeitadas, o que significa que mais da metade (61,1%) das sugestões apresentadas no período analisado não avançaram, tendo sua tramitação encerrada na própria CLP-CD. 9,1% (61 - 32 de tipo a e 29 de tipo c) das sugestões ainda se encontram em tramitação e 28,3% (190 - 186 de tipo a e 4 de tipo c) foram aprovadas em termos de oportunidade e de mérito na CLP-CD, dando origem a outras proposições legislativas. A soma dos dois últimos percentuais indica, então, que 37,4% das indicações foram aproveitadas. A isso, acresce-se, por fim, 1,5% (10) das sugestões, todas de tipo c, que possuem a indicação de aprovação na Comissão, não havendo, entretanto, informações relativas à transformação em outras proposições legislativas. O Quadro 2 destaca quais são essas sugestões.

Quadro 2.
Sugestões aprovadas, nas 52ª, 53ª e 54ª legislaturas

Nenhuma dessas sugestões aprovadas se refere à criação ou alteração de legislações: oito tratavam da realização de audiências públicas ou seminários e duas de votos de louvor ou pesar. Quando a atenção se dirige para as 190 sugestões que, no período analisado, originaram outras proposições legislativas, é possível observar que 164 (86,3%) originaram projetos de lei; 14 (7,4%), indicações; 11 (5,8%), projetos de lei complementar; e 1 (0,5%), requerimento. A situação dessas proposições legislativas na Câmara dos Deputados é destacada na Tabela 4.

Tabela 4.
Situação das proposições originadas de sugestões na Câmara dos Deputados

A maior parte dessas proposições legislativas (42,6% ou 81) ainda se encontra em tramitação na Câmara dos Deputados. No que se refere às proposições apensadas (39,5% ou 75), 66 daquelas que passaram a tramitar conjuntamente se encontram em tramitação e 9 foram arquivadas. Além disso, 10% (19) das proposições legislativas originadas foram arquivadas e 7,4% (14) foram remetidas à Presidência da República, caso das indicações.

A única proposição legislativa aprovada foi o Projeto de Lei nº 2057/2007, originado da sugestão 258/2006, apresentada pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE). Esse projeto foi transformado na Lei Ordinária nº 12694/2012, conhecida como “Lei do Juiz sem Rosto”, e trata sobre o processo e o julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organizações criminosas. Chama a atenção que a única proposição, originada de uma sugestão, convertida em legislação, tenha sido apresentada por uma organização como a AJUFE, formada por profissionais com considerável força política.

Dessa forma, no período analisado, o instrumento que fora concebido para permitir a participação da sociedade civil foi utilizado com êxito pela associação de um segmento profissional do Poder Judiciário. É provável que a AJUFE conte com estrutura institucional que lhe permita influenciar o processo decisório por outras vias, devendo destacar que a organização esteve presente no cadastro de representantes de grupos de interesse e assessores parlamentares da Primeira Secretaria da Câmara dos Deputados em quatro dos cinco biênios compreendidos entre os anos de 2007 e 2016. Embora não seja obrigatório, o cadastro opera como um termômetro dos grupos que representam seus interesses na Casa ao longo do tempo.

Resultados semelhantes foram encontrados por Ferreira Júnior (2013)FERREIRA JÚNIOR, Nivaldo. A Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados: considerações teóricas. In: MIRANDA, R.; SOUZA, J. (orgs.). O processo legislativo, o orçamento público e a Casa Legislativa. Brasília: Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados, 2013, p. 37-61. para o período de 2001 a 2010: 40,6% das sugestões deram origem a outras proposições, passando, então, a tramitar e a ter chance de serem transformadas em norma legal. Esse cenário o leva à seguinte avaliação do instrumento: “[p]ela baixa aceitação dos deputados em conceder tramitação às sugestões da sociedade, já poderíamos questionar a efetividade da CLP como instrumento apto a dar voz aos grupos sociais” (FERREIRA JÚNIOR, 2013FERREIRA JÚNIOR, Nivaldo. A Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados: considerações teóricas. In: MIRANDA, R.; SOUZA, J. (orgs.). O processo legislativo, o orçamento público e a Casa Legislativa. Brasília: Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados, 2013, p. 37-61., p. 49). A essa crítica o autor acrescenta o fato de que, no período que analisa, apenas uma sugestão transformou-se em norma, qual seja a sugestão 01/2001 apresentada pela Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), afirmando que se trata de organização com alto poder simbólico, capaz de vocalizar suas demandas no Legislativo por meio de outras vias, como o lobbying institucional, sem a necessidade de mobilizar a CLP-CD.

Verifica-se, então, que, apesar do distinto período analisado, o presente trabalho chega a achados muito próximos, especialmente no que concerne às características das entidades que tiveram êxito em transformar suas sugestões em normas. Assim, a arena em estudo parece reforçar a perspectiva, apontada, por exemplo, por Binderkrantz (2008)BINDERKRANTZ, Anne. Different groups, different strategies: how interest groups pursue their political ambitions. Scandinavian Political Studies, v. 31, n. 2, p. 173-200, 2008. , de que grupos mais poderosos possuem maior acesso ao sistema político. No caso em tela, para além do debate acerca do acesso, pode-se falar, ainda, em maior sucesso na consecução de resultados políticos. Por outro lado, a CLP-CD tem-se constituído em oportunidade para a inserção de novos atores na cena política, algo apontado por Thomas e Gozetto (2014)THOMAS, Clive; GOZETTO, Andréa. Interest groups in Brazil: a new era and its challenges. Journal of Public Affairs, v. 14, n. 3, p. 212-239, 2014. na reflexão mais ampla que fazem do período pós-redemocratização no Brasil, quando destacam o papel de grupos minoritários.

Nessa direção, Ferreira Júnior (2013)FERREIRA JÚNIOR, Nivaldo. A Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados: considerações teóricas. In: MIRANDA, R.; SOUZA, J. (orgs.). O processo legislativo, o orçamento público e a Casa Legislativa. Brasília: Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados, 2013, p. 37-61. considera caber à CLP-CD o importante papel de inserir na arena de discussão preferências e visões de inúmeros setores da sociedade. Reflexão semelhante foi apresentada pelo representante do Codesul, para quem “já vale muito” a possibilidade de lançar ao debate questões relevantes. O entrevistado chama atenção, a despeito da não transformação em legislação ordinária das muitas sugestões apresentadas pelo Codesul, para a incorporação de fragmentos e/ou ideias dessas sugestões em proposições legislativas apresentadas por deputados, o que se daria, principalmente, pela via de emendas. Esse é um ponto não captado por este trabalho, dada a dificuldade de se operacionalizar um encadeamento como o sugerido. Todavia, é algo que precisa ser considerado e, por conseguinte, mais bem explorado.

Considerações finais

Este artigo analisou dados referentes à Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados a partir de algumas das principais contribuições da literatura sobre a influência de grupos de interesse no processo decisório de políticas públicas, sobretudo no tocante à arena parlamentar. Com base em uma estratégia descritiva de análise, verificou-se: (i) quais grupos de interesse encontram na CLP-CD um espaço para o exercício de sua influência; (ii) as temáticas que, tendo em vista as sugestões legislativas, expressam suas preferências; e (iii) o sucesso de tais grupos na transformação de suas sugestões em proposições a serem votadas pelos parlamentares em plenário. Os dados, disponibilizados pela Câmara dos Deputados via Lei de Acesso à Informação, referem-se às 52ª, 53ª e 54ª legislaturas (2003-2015).

Os resultados revelam que 150 diferentes organizações foram responsáveis pela autoria de 671 sugestões apresentadas à CLP-CD. Nesse sentido, verificou-se que a atividade/estratégia é amplamente mobilizada por grupos representantes de interesses novos e outsiders, que correspondem a 48% do total de organizações que apresentaram sugestões nas legislativas e a 74,4% das sugestões apresentadas no período de estudo. Entre as organizações atuantes, destacam-se o Conselho de Defesa Social de Estrela do Sul (233 sugestões) e a Associação Comunitária do Chonin de Cima (40 sugestões). Quanto ao conteúdo, observou-se que a Comissão recepciona, majoritariamente, proposições que visam alterar o status quo legal, mediante novas legislações ou alterações em legislações existentes. As principais temáticas foram política social e direitos humanos (26,8%) e segurança e Judiciário (25,6%).

Quanto ao sucesso dos grupos na transformação de suas sugestões em proposições a serem votadas pelos parlamentares em plenário, identificou-se que 61,1% das sugestões apresentadas no período analisado não avançaram, tendo sua tramitação encerrada na própria CLP-CD. Dessas, 34,6% foram arquivadas, 26,4% rejeitadas e 0,1% consideradas prejudicadas. Cerca de 9% das sugestões se encontram em tramitação, enquanto 28,3% foram aprovadas em termos de oportunidade e de mérito na Comissão, originando outras proposições legislativas. Somente 1,5% (10) das sugestões possuem indicação de aprovação, embora não existam informações sobre sua transformação em outras proposições legislativas.

O Projeto de Lei nº 2057/2007 foi a única proposição aprovada, originando-se da sugestão 258/2006 e transformando-se na Lei Ordinária nº 12694/2012, a “Lei do Juiz sem Rosto”. Ressalta-se que a sugestão foi apresentada pela Associação dos Juízes Federais do Brasil, organização formada por profissionais imbuídos de força política. Ademais, acredita-se que tal organização conte com estrutura institucional que permita o exercício de estratégias de influência mais diversificadas, o que pode ser evidenciado por sua presença no cadastro de representantes de grupos de interesse e assessores parlamentares da Primeira Secretaria da Câmara dos Deputados (biênios 2007-08, 2009-10, 2013-14 e 2015-16).

Diante disso, observa-se que a Comissão de Legislação Participativa não parece se constituir em arena central para o exercício de estratégias de influência oriundos dos grupos de interesse tradicionalmente atuantes na arena parlamentar, destacando-se o lobbying. Cabe ressaltar, todavia, que a atuação da sociedade civil organizada nesta arena deve ser analisada com maior profundidade, bem como o percurso traçado por suas preferências no ambiente institucional. Assim como chama a atenção o entrevistado representante da Codesul, embora as sugestões não sejam transformadas em legislação ordinária, fragmentos e/ou ideias podem vir a compor proposições legislativas apresentadas por deputados, o que se daria, principalmente, pela via de emendas.

Desse modo, tal qual o já salientado por Ferreira Júnior (2013)FERREIRA JÚNIOR, Nivaldo. A Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados: considerações teóricas. In: MIRANDA, R.; SOUZA, J. (orgs.). O processo legislativo, o orçamento público e a Casa Legislativa. Brasília: Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados, 2013, p. 37-61., a CLP-CD torna possível à pluralidade de setores presentes na sociedade civil organizada vocalizar suas preferências. A consideração se faz especialmente relevante diante das contribuições da literatura especializada (THOMAS; GOZETTO, 2014THOMAS, Clive; GOZETTO, Andréa. Interest groups in Brazil: a new era and its challenges. Journal of Public Affairs, v. 14, n. 3, p. 212-239, 2014.) acerca da inserção de novos atores na agenda política pós-redemocratização, em relação a qual as minorias ganham destaque. Porém, ao passo que se conforme como um instrumento de baixa efetividade para o exercício de influência sobre resultados políticos, a arena aqui analisada pode se consolidar como um instrumento de aprofundamento das inequidades presentes nas instituições brasileiras, escamoteadas por arranjos quase herméticos e imprecisamente normativos.

Referências

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  • THOMAS, Clive; GOZETTO, Andréa. Interest groups in Brazil: a new era and its challenges. Journal of Public Affairs, v. 14, n. 3, p. 212-239, 2014.
  • 4
    O artigo 14 da Constituição Federal de 1988 assegura que o exercício da soberania popular deve se dar pelo sufrágio universal e voto (direto e secreto, com igual valor para todos), contando (nos termos da lei), ainda, com os institutos do plebiscito, do referendo e da Iniciativa Popular.
  • 5
    Essa entrevista foi realizada via telefone e aconteceu no dia 18 de setembro de 2017.
  • 6
    Essa adaptação se deu em função da especificidade do objeto do presente trabalho. Nesse sentido, não há sugestões apresentadas por órgãos estatais nem por empresas de consultoria política e de consultoria em atividades de lobbying, categorias presentes em Thomas e Gozetto (2014)THOMAS, Clive; GOZETTO, Andréa. Interest groups in Brazil: a new era and its challenges. Journal of Public Affairs, v. 14, n. 3, p. 212-239, 2014..
  • 7
    A partir de pesquisas realizadas em sítios eletrônicos das organizações com vistas a identificar seus escopos de atuação, procedeu-se a classificação em uma das cinco categorias.
  • 8
    As outras atividades incluídas na pesquisa são: visita aos parlamentares, apresentação de minutas de proposições, ações envolvendo a mídia, gestão junto ao presidente da comissão, realização de eventos técnicos, encontros informais com parlamentares, gestão junto ao presidente da comissão para influir na agenda, apresentação de boletins e informações técnicas, missões de trabalho e realização de eventos sociais.
  • 9
    O corpo técnico da Câmara dos Deputados realiza uma classificação das sugestões legislativas, a qual não foi utilizada neste trabalho em função da existência de muitas sugestões não classificadas. Toma-se essa categorização como base para a definição das categorias elencadas. O procedimento envolveu a leitura das ementas de todas as sugestões legislativas apresentadas no período, de modo a agrupá-las em torno das temáticas de maior representatividade entre essas proposições.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2020

Histórico

  • Recebido
    19 Mar 2019
  • Aceito
    22 Abr 2020
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