Apresentação
Desde os primeiros estudos sobre o Ministério Público (MP) da Constituição Federal de 1988 (CF/88), fala-se muito em autonomia e discricionariedade (SADEK, 1997; ARANTES, 1999, 2002; BONELLI, 2002; KERCHE, 2007, 2009), ao ponto de se afirmar que a CF/88 o teria transformado em um quarto poder (ARANTES et al., 2010; KERCHE, 2018b). Em virtude disso, esses mesmos estudos chamam atenção para os riscos que essa autonomia e discricionariedade podem representar para o Estado de direito e a democracia.
Um dos problemas seria o contexto organizacional pouco hierarquizado entre os superiores e os demais integrantes e o fato de a coesão interna se orientar pela preservação das próprias prerrogativas e garantias, entre as quais a independência funcional (ARANTES, 2002; KERCHE, 2007, 2009). Assim, à primeira vista, o destaque dado levava à impressão de que cada integrante do Ministério Público poderia se apresentar como um Ministério Público.
No começo, os analistas estavam preocupados com a capacidade de o Ministério Público mobilizar com autonomia um até então desconhecido espaço formal de ação conferido a seus integrantes para realizar a chamada defesa de direitos difusos coletivos (SILVA, 2001; ARANTES, 2002; KERCHE, 2009). Mais recentemente, as pesquisas passaram a se dedicar às interseções entre o mundo político e o da organização, avançando em relação à escassez ou falta de instrumentos de accountability sobre o Ministério Público (AVRITZER; MARONA, 2017; SILVA et al., 2017; KERCHE, 2018a).
A nova agenda de pesquisa se deve à alteração dos padrões de atuação dos integrantes do Ministério Público no combate à corrupção iniciada nos anos 2000 (ARANTES, 2011), a exemplo do que se viu na “Operação Lava Jato”. Essa alteração no modus operandi convergiu com o fato de o Ministério Público ter assumido um papel de protagonismo no cenário público como nunca antes visto pela burocracia não eleita (KERCHE; MARONA, 2018), o que também é apontado como uma interferência direta de seus integrantes na dinâmica política e democrática do Brasil (ARANTES; MOREIRA, 2019).
Contudo, ao tratar do funcionamento da organização, os autores que são referência no assunto, mesmo em trabalhos mais recentes, insistem em suas próprias conclusões acerca da autonomia do Ministério Público e a discricionariedade de seus integrantes. O que se verifica é que os estudos se assentam no arranjo formal definido na CF/88, porém é comum o fato de não se aterem à estrutura e à organização dessa burocracia detidamente e, o mais importante, ignorarem um amplo espaço informal de ação que também constitui essa estrutura burocrática. Sendo assim, não consideram fatores que afetam as prerrogativas e as garantias conferidas aos integrantes do Ministério Público pelos estatutos jurídicos e que estão atrelados ao funcionamento concreto dessa burocracia pública.
Visando suprir essa lacuna, o foco deste artigo é o Ministério Público Federal (MPF), sua estrutura e organização burocrática, mais precisamente no mecanismo que formaliza a escolha de seus integrantes para posições politicamente relevantes na sua estrutura: as designações. Os elementos organizacionais do MPF são descritos aqui em termos de características do esquema estrutural (HALL, 1984) e pensados como espaços de ação adaptados ao contexto dessa burocracia.
Na origem deste artigo, encontra-se uma sociografia de cunho exploratório dos procuradores-gerais da República (PGRs), chefes do MPF que serviram de 1988 a 2020 (VIEGAS, 2019), que revelou que: i) todos eles foram designados pelos superiores antecessores para posições da cúpula ao longo da carreira; ii) a partir de 1993, ocuparam posições superiores da administração do MPF; e iii) os escolhidos para a PGR com base na lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) atuaram nessa associação privada, que tem por objetivo oficial a defesa dos interesses corporativos dos integrantes do MPF. Ao todo, foram oito PGRs nomeados de 1989 a 2020, sendo que seis deles atuaram diretamente na ANPR3. Neste artigo, a análise é centralizada no aspecto das (i) designações, porém, como esses três aspectos estão interligados e representam a ação realizada pelos indivíduos, faz-se menção às (ii) posições superiores e à (iii) atuação na ANPR para efeitos da explicação.
Conquanto o Ministério Público esteja previsto na CF/88, coube à Lei Complementar nº 75 de 20 de maio de 1993, definir a estrutura e a organização básicas do MPF, prevendo os órgãos da administração superior, estabelecendo a hierarquia e a coordenação entre as unidades, tratando da carreira, enfim, os contornos de uma organização burocrática típica de Estado, sujeita ao controle hierárquico administrativo (BRASIL, 1993). Essa mesma lei previu as designações dos superiores como a principal forma de compor posições por todo o MPF com seus integrantes.
Evidentemente que as designações não são exclusividade dessa organização burocrática, pois estão previstas para a composição de cargos e funções de confiança na burocracia pública em geral4. A peculiaridade no caso do MPF é que, como se procurará demonstrar: as designações formalizam escolhas pelos superiores de integrantes dessa burocracia para posições politicamente relevantes em toda a sua estrutura; essas escolhas formalizadas pelas designações são atos discricionários por excelência; e, como isso se reproduz por todo o MPF, inclusive nas posições em que se encontram os superiores, possui relação direta com o atendimento dos objetivos formais do MPF descritos na CF/88 e nos demais estatutos de leis.
Não bastasse, demonstrar-se-á que resoluções e portarias da cúpula do MPF criam órgãos em sua estrutura e definem que a composição das novas unidades seja por ele designada. Ademais, o Ministério Público está longe de se configurar um ambiente apolítico ou neutro. O alto nível de politização dos seus integrantes é destacado por diferentes autores (ARANTES, 2007; KERCHE, 2018a, 2018b; SILVA et al., 2017; AVRITZER; MARONA, 2017). Corrobora esse quadro de politização a disputa interna para nomeação do PGR desde 2001 através da lista tríplice da ANPR5.
Nesse sentido, existem duas expectativas consideradas na análise:i) a de que o espaço de ação desses burocratas seja ampliado pela discrição dos superiores; e ii) a de que o contexto do Ministério Público seja um espaço de constante disputa pelo poder.
Feitas essas considerações, a problemática que se busca abarcar envolve as seguintes questões: i) as designações, embora previstas nos estatutos jurídicos, efetivam-se em espaços de ação regidos por regras não formais; ii) os fatores relacionados ao comportamento dos integrantes do MPF estão concatenados à lógica dessas designações, uma vez que são levadas a efeito pelos superiores de posições do MPF onde elas também operam e, portanto, de onde partem controle e incentivos direcionados para os integrantes dessa burocracia; iii) assim, os integrantes do MPF têm capacidade de instrumentalizar politicamente a discricionariedade conferida a eles pelos estatutos jurídicos em espaço de ação não regido por esses mesmos estatutos; iv) esse é um cenário potencialmente preocupante para a democracia e o Estado de direito, assim como delineado nos estudos já realizados sobre o Ministério Público, isso porque há indícios de que a lógica das designações está relacionada a uma espécie de “profissionalização política” dos integrantes do MPF; v) o quadro se agrava, e essa questão da “profissionalização política” fica mais nítida, com a presença marcante de integrantes do MPF que atuam na ANPR lotados em posições superiores do MPF, como apontou a sociografia anteriormente realizada; e vi) a respeito da ANPR, o problema vai além da “profissionalização política”, pois a proximidade de integrantes diretamente ligados à defesa de interesses privados (ANPR) dos fatores relacionados ao comportamento dos integrantes do MPF pode gerar confusão no espaço público - próprio da burocracia de Estado - com o mundo privado da associação.
Colocados os problemas nesses termos, a hipótese que orienta este estudo é a de que o aspecto da governabilidade do MPF relativo às designações reflete uma tensão constante entre autoridade formal e poder social no contexto dessa burocracia pública, enquanto seu funcionamento, tal como se apresentam todos esses fatores, nem sempre coincidirá com o interesse público.
Em relação a essa problemática, a discussão teórica remete à teoria clássica da burocracia e ao tipo ideal de dominação racional-legal - própria do Estado moderno - e a sua não efetivação voltada para o interesse público. Da produção acadêmica que se vincula a essa discussão, importa a parte que explicita o contexto burocrático como um espaço de ação regido por regras formais e informais, mas cuja principal característica é o conflito entre indivíduos e grupos em disputa pelo poder. A respeito disso, pela tradição elitista, a contribuição pioneira e ainda atual é a de Robert Michels (1982). Destacam-se também três outros autores: Robert Merton (1968), Philip Selznick (1953) e Michel Crozier (1974). Contudo, como se buscará evidenciar, os quatro apontam para a tensão entre autoridade formal e poder social no contexto burocrático. Ao final, para eles, essa tensão é regulada por mecanismos que conferem estabilidade à organização, mas que, ao mesmo tempo, fazem com que o interesse público não se realize.
A distinção entre aspectos formais e informais neste artigo tem apenas serventia analítica (BLAU; SCOTT, 1979, p. 19). Demarca os espaços de ação no contexto do MPF e, por conseguinte, sinaliza para a socialização de seus integrantes (SCHEIN, 2004). A socialização é responsável, entre outras coisas, por um tipo de aprendizagem (treinamento) exigida para posições especializadas, mas também pelos cálculos e estratégias acionados em defesa das próprias posições e privilégios, pela lealdade, em suma, por elementos centrais para a estabilidade organizacional, conforme se retém de Michels (1982), Merton (1968), Selznick (1953) e Crozier (1974).
Desse modo, este estudo apresenta duas novidades em relação às análises desenvolvidas sobre o Ministério Público. Primeiro, a utilização de uma literatura que possibilita analisar o contexto burocrático pensado como espaço de ação regido por regras formais e informais, marcado pelo conflito e pela disputa por poder. Segundo, a análise de um inédito banco de dados sobre a carreira dos oito procuradores-gerais da República que ocuparam o cargo desde 1988 (sociografia), pensado como registro da ação realizada pelos indivíduos.
Entre as principais contribuições, avança-se em relação à capacidade que integrantes do Ministério Público têm de instrumentalizar politicamente a ampla discricionariedade conferida a eles pelos estatutos jurídicos em um espaço de ação não regido por esses mesmos estatutos. Além disso, mostra-se que, para compreender não apenas a governabilidade, mas o funcionamento concreto do Ministério Público, não se pode considerar somente as prerrogativas formais de integrantes titulares em suas unidades de atuação, os quais podem resistir às tentações de uma carreira política nessa burocracia e fora dela. Ante as evidências de um processo de “profissionalização política” de integrantes do MPF que deriva da lógica das designações e da atuação na ANPR, lançam-se as bases do que se procura denominar “procuradores políticos profissionais”. Por último, sugere-se outra perspectiva de abordagem do Ministério Público, afeta ao patrimonialismo.
Os dados foram obtidos no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), nas atas do Senado Federal que contêm os currículos dos procuradores enviados para sabatina e no endereço eletrônico do MPF e da ANPR na internet6. Para facilitar a identificação das posições na estrutura e as principais questões formais de poder relacionadas a cada uma delas, elaborou-se um organograma do MPF. Na composição das variáveis sobre a trajetória profissional, articulam-se investigações realizadas sobre o acesso a posições de mando da burocracia pública brasileira7.
O artigo está organizado da seguinte maneira: a apresentação é seguida por uma seção sobre os aspectos teóricos do processo analítico; o objeto é então analisado, as implicações discutidas e algumas conclusões são indicadas ao final.
Aspectos teóricos do processo analítico
Uma análise que abarque a tensão entre autoridade formal e poder social no contexto de uma burocracia pública exige pensar esse espaço de ação regido por regras formais e informais, marcado por conflito e disputa pelo poder. Essa problemática remete à teoria clássica da burocracia e ao tipo ideal weberiano de dominação racional-legal e a sua não efetivação voltada para o interesse público. Em termos da instrumentalidade que a análise sobre o poder nas organizações apresenta por essa perspectiva, estudar a administração pública requer atenção para três fatores intimamente relacionados, sintetizados da seguinte forma:
a) como se organiza, isto é, como são distribuídos os poderes de mando e obediência, tanto entre os dirigentes e seu pessoal administrativo quanto entre o conjunto dirigentes-quadro administrativo, de um lado, e os dominados em geral, de outro; b) que tipos específicos de tensões e lutas pelo poder uma determinada administração engendra; e, finalmente, o mais importante e influente deles, c) em que princípios últimos repousa a validez das relações de autoridade - a legitimidade (CAMPANTE, 2003, p. 156).
Na taxonomia de Max Weber sobre tipos de dominação, o tipo puro de dominação racional-legal é a burocrática, que prevalece no Estado moderno ocidental8. Cumpre-se a realização - isto é essencial para o conceito weberiano de Estado moderno - da separação entre o quadro administrativo e os meios materiais da organização. Logo, o funcionário típico-ideal no Estado moderno não conduz seu cargo para representar interesses específicos e não voltados para o interesse público (WEBER, 1975, 2003). Em contraste, “a falta de um direito formal [...] e a sua substituição por princípios materiais [...] na administração e na conciliação de litígios é também comum a todas as formas de dominação tradicional” (WEBER, 2003, p. 135).
São duas as espécies ou subtipos de dominação tradicional: patrimonial, por oposição à feudal. Nas relações do quadro administrativo no tipo de dominação patrimonial, a seleção dos funcionários se dá por dependência pessoal do senhor, a administração não é autônoma e “os meios materiais de administração são aplicados em nome do senhor e para o senhor” (WEBER, 2003, p. 132). Assim, o que caracteriza o patrimonialismo, segundo Max Weber, é a arbitrariedade e a falta de estabilidade, em oposição à estrutural feudal, em que os súditos estão mais vinculados à tradição do que ao arbítrio do senhor. Mas, na visão do autor, o patrimonialismo tenderia a desaparecer com o avanço da modernidade. Isso ocorreria devido à exigência crescente de formas de organização estáveis, entre elas a burocracia moderna, que se destaca por dois aspectos que tornam seu caráter inescapável para as sociedades capitalistas, mais definitivo do que os outros tipos puros de dominação: a especialização e o treinamento racionais (WEBER, 1975, 2003).
Contudo, ao longo do século XX, desenvolveu-se vasta produção acadêmica sobre a não realização do modelo administrativo burocrático típico-ideal weberiano pela perspectiva do interesse público em sentido amplo ou sobre uma realização diferenciada, como se observa em alguns intérpretes do Brasil9. Mas, está em Michels (1982) o pioneirismo de uma teoria das organizações que contempla como é distribuído o poder no contexto organizacional e como os tipos específicos de tensões e lutas pelo poder são engendrados em seu interior.
Michels (1982) assinala que a formação de minorias dominantes (oligarquias) no interior das organizações formais é um processo inexorável. Trata-se de um processo de oligarquização que decorre da expansão crescente das organizações burocráticas e da exigência cada vez maior por especialização de funções em seu interior, o que leva à profissionalização política10. Essa é uma categoria central para o tipo de análise que se busca desenvolver neste artigo e será retomada algumas vezes.
Por seu turno, em que pese a tese de Michels (1982) ser reconhecida como a “Lei de Ferro das Oligarquias”, dada sua consistência e dificuldade de refutação, não passa ilesa pelo crivo de autores que também se dedicam às questões de poder e conflito no interior das organizações. Leach (2005) aponta algumas críticas que se dirigem a esse processo de profissionalização, sendo a principal delas a tendência dos burocratas, em certas circunstâncias, de abandonar objetivos formais em favor de interesses que garantam a manutenção organizacional, em sentido oposto ao do processo de oligarquização. A autora se refere a Merton (1968) e a Selznick (1953), mas poderia incluir Crozier (1974).
Entretanto, a tese de Michels (1982) não sugere que o processo de oligarquização seja um objetivo formal das organizações, pelo contrário. Na verdade, observa-se que as regras informais que definem a oligarquização desenvolvem-se em um espaço criado ou paralelo às regras formais, conformando uma única estrutura concreta. Esse mesmo olhar sobre a coexistência de regras formais e informais nas organizações é encontrado em Merton (1968), Selznick (1953) e Crozier (1974), levando-os concluir no sentido da não realização do interesse público, assim como Michels (1982), quando o espaço informal se sobrepõe ao formal.
Em Merton (1968), o estrito cumprimento das regras formais tende a transformar a burocracia em um fim em si mesma. Como consequência da ênfase na rigidez do comportamento, necessária para a eficiência da burocracia, surge uma organização informal - disfunção - que busca defender os interesses mútuos de seus integrantes em detrimento dos interesses do público para o qual o serviço é prestado. O foco do autor está no controle dos superiores sobre os subordinados, mas se acrescenta que esses interesses dos burocratas possam fazê-los resistir ao controle externo.
A accountability horizontal, obtida por meio de mecanismos institucionalizados de controle e de fiscalização e realizada no formato de checks and balances, é fundamental no processo de controle externo, porquanto uma teoria normativa da democracia exige que os controladores - como é o caso dos integrantes do Ministério Público - também devam ser controlados pelos representantes eleitos pelo povo governado (O’DONNELL, 1998). Assim, a importância dessa discussão sobre controle está aqui por dois motivos principais: primeiro, o profissionalismo weberiano não resolve por completo o processo de prestação de contas e de atenção ao interesse público, mesmo porque Max Weber sabia que a burocracia não é completamente neutra (ABRUCIO; LOUREIRO, 2018); e, segundo, isso não afasta a perspectiva assumida nesta análise do Ministério Público, pelo contrário, permite reafirmá-la, dado que o controle externo é potencialmente capaz de afetar os interesses da cúpula e dos demais integrantes da organização.
Pensando com Merton (1968) e Michels (1982), ao partir dos superiores da organização, o controle interno pode visar não apenas à obtenção de eficiência, mas também a preservação de interesses dos líderes. Ainda, como resposta ao controle externo, ao se falar em accountability horizontal, não apenas em relação aos líderes haverá resistência ao controle e abandono dos objetivos formais da organização, mas existirá a tendência também de que todos os indivíduos sujeitos ao controle ajam da mesma forma, gerando uma disfunção, ou seja, ainda que isso ocorra em detrimento do interesse público.
Por sua vez, para Selznick (1948, 1953), o que caracteriza uma organização é a tentativa constante de integração de interesses de subgrupos às diretrizes oficiais. De acordo com o autor, a burocracia é um ambiente conflituoso e lugar de busca ininterrupta por legitimação de interesses dos burocratas. As regras formais derivam dos estatutos legais, regulamentos, instruções normativas, enquanto as informais surgem das relações pessoais no interior da burocracia. Nessa estrutura concreta, a delegação de autoridade é o ato organizacional primordial que, entretanto, não necessariamente coincide com os objetivos formais da organização (SELZNICK, 1948).
Do estudo sobre a TVA, uma agência regional dos Estados Unidos, Selznick (1953) verificou um quadro de ordenação sistemática de posições e funções por designações a partir da especialização funcional -11 e essa é outra categoria central para o tipo de análise que se faz neste artigo. Ao contrário do que o modelo racional-legal weberiano sugere, Selznick (1953) demonstra como regras formais que preveem a delegação de autoridade transformaram-se em instrumento de manipulação calculada para a cooptação12. Ou seja, a delegação produz a cooptação, definida pelo autor como uma forma de absorver novos integrantes na estrutura de liderança ou de determinação política de uma organização para que estes participem das decisões (SELZNICK, 1953, p. 13).13
Por último, e não menos importante, Crozier (1974) também considera que há uma dualidade de estrutura de poder em uma mesma organização. Mas, para o sociólogo francês, a estrutura formal é o espaço da racionalização legal, dos estatutos e da normatização formal, que organiza e coordena as ações, enquanto a estrutura informal é o espaço caracterizado pela anomia e/ou ausência de regras formais sobre determinado modo de ação (“zonas de incertezas”) - em outras palavras, o campo da discricionariedade.
Assim como Merton (1968), Crozier (1974) entende que os burocratas, quando ameaçados, acabam se ancorando em estratégias de autoproteção, contudo, para o autor, os conflitos em uma organização são regulados pela “interdependência dos privilégios”, já que quem desafiar o grupo colocará em risco seus próprios privilégios.14 No âmbito da discricionariedade, enquanto espaço de ação capaz de ser instrumentalizado para a maximização de privilégios, reside outra categoria central para a análise das designações no âmbito do MPF.
Em suma, a divisão social do trabalho no interior de uma organização formal - como se pensa aqui o Ministério Público - está presente na tese de Michels (1982) e relaciona-se a um processo de profissionalização que tem em sua origem a correlação entre especialização funcional e posições ocupadas pelos burocratas. Isso também se faz presente em Selznick (1953) e Crozier (1974). A cooptação é um processo calculado e atrelado ao compartilhamento de poder no interior da burocracia. Entretanto, a delegação atende às diretrizes da cúpula, e é provável que assim o seja, uma vez que essas diretrizes estão mais próximas do exercício da autoridade formal15. Já a ação estratégica que se orienta pelos privilégios não se realiza no vácuo organizacional, mas em posições formais que exigem cada vez mais especialização e são objeto de constante disputa pelos integrantes da organização.
As críticas direcionadas a Merton (1968), Selznick (1953) e Crozier (1974) localizam-se na exacerbação do modelo analítico construído por eles em detrimento da realidade, além disso, a leitura que os três fizeram de Weber seria fora da história (MOTTA, 1979; TRAGTENBERG, 2006). Caberiam outras observações, direcionando-as a Michels (1982) inclusive. Para adeptos da rational choice, os burocratas têm diferentes disposições psicológicas e, em grande medida, diferentes tipos de funcionários reagem de maneira distinta às mesmas regras e incentivos (DOWNS, 1994). Ademais, supõe-se que os burocratas não agem coletivamente na defesa dos próprios interesses conforme a lógica da ação individual (OLSON, 1999). Essas considerações são válidas, mas podem ser bem absorvidas, porquanto o componente estratégico está em Michels (1982), ainda que mais nítido em Merton (1968), Selznick (1953) e Crozier (1974).
A par dessas observações e das diferenças de abordagem entre os autores em discussão, o que se ressalta é que há pontos de sintonia entre eles. Para Michels (1982), os líderes de uma organização são capazes de lançar mão de estratégias antidemocráticas, e até mesmo avessas ao interesse público, a fim de se perpetuarem no poder. Isso significa que podem se valer de mecanismos que conferem estabilidade à organização, o que em Merton (1968), Selznick (1953) e Crozier (1974) são os mecanismos relacionados à não consecução do interesse público.
No sentido proposto por Mintzberg (1983), em um dado momento, conforme ocasiões situacionais para a organização, um mecanismo poderá ser privilegiado pela cúpula em detrimento de outro, podendo ser substituído ao longo do tempo. Assim, é possível pensar as categorias que conformam um processo de oligarquização relacionada à “profissionalização política” em consonância com resistência ao controle, cooptação e interdependência de privilégios. Essas mesmas categorias são pensadas aqui como mecanismos voltados para a governabilidade interna do Ministério Público e a manutenção da organização. Ao mesmo tempo, podem estar diretamente relacionadas a não realização do interesse público.
Estrutura e organização do MPF16
O MPF é uma organização burocrática complexa e extensa, com características típicas do ramo jurídico da burocracia pública. Conforma mais de uma centena de órgãos e departamentos organizados formalmente pelos princípios da hierarquia e da estabilidade funcional, interligados por temas (por exemplo, recursos humanos, financeiro, logístico, transporte) e áreas de atuação (cível e criminal).
Sua administração superior cabe à Procuradoria-Geral da República (PGR) e aos seguintes órgãos: Colégio de Procuradores, Conselho Superior do MPF (CSMPF), Câmaras de Coordenação e Revisão (CCRs) e Corregedoria-Geral. Quanto à atuação, o artigo 129 da CF/88 e a LC nº 75/1993 explicitam o MPF como responsável pelo controle externo da administração pública federal. Seus integrantes atuam na esfera cível e criminal da Justiça Federal em causas de interesse federal perante o Supremo Tribunal Federal (STF), Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Superior Tribunal de Justiça (STJ), Tribunais Regionais Federais (TRFs), Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), juízes federais e juízes eleitorais.
O que precisa estar claro para compreender o papel das designações no MPF são a composição e as atribuições da PGR, do CSMPF, das CCRs e da Corregedoria. Essas são as posições da cúpula diretiva, de onde partem controle e incentivos para os integrantes do MPF. Ressalta-se que, para a composição dessas posições superiores, as designações também se fazem presentes.17
As atribuições formais das posições superiores do MPF proporcionam a seus integrantes experiência (conhecimento e habilidade) em assuntos que afetam não só a administração dessa burocracia, mas também o Executivo e o Legislativo federais, o STF, o STJ e o TSE. Do mesmo modo, tanto em relação à composição como em relação às atribuições, outras posições na estrutura do MPF são igualmente relevantes na medida em que se desce na estrutura dessa burocracia, que mantém paralelismo com a organização do sistema de justiça (STJ, TRFs, TREs, juízes federais e eleitorais). O Organograma 1, a seguir, representa as principais posições da estrutura burocrática e hierárquica do MPF.
A PGR possui a seguinte estrutura administrativa: Gabinete do PGR; Gabinete do vice-PGR; Gabinete do vice-PGR eleitoral; gabinetes dos subprocuradores-gerais da República (sub-PGRs); secretarias-executivas do Conselho Superior, da Corregedoria, da Ouvidoria,18 da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e das CCRs; e Secretaria-Geral do MPF. A Secretaria-Geral é central para as atividades de administração e gestão do MPF; é dirigida pelo Secretário-Geral, designado pelo PGR entre integrantes da carreira do MPF. A estrutura da Secretaria-Geral é composta por mais de 260 unidades burocráticas, entre secretarias e departamentos a ela subordinados,19 cujas chefias são designadas pelo secretário-geral.20
O Colégio é integrado por todos os membros do MPF em atividade. Entre as principais funções, opina sobre assuntos gerais de interesse do MPF e é responsável pela elaboração das listas sêxtuplas com os nomes dos membros que irão compor a lista do quinto constitucional para acesso ao STJ e dos TRFs.21
Ao lado da PGR, o CSMPF é o órgão mais importante nessa estrutura burocrática. O CSMPF possui composição política. É integrado pelo PGR e vice-PGR (escolhido pelo PGR), quatro subprocuradores-gerais da República (sub-PGRs) eleitos pelo Colégio de Procuradores e mais quatro sub-PGRs eleitos pelos membros do próprio CSMPF. Os mandatos são de dois anos, permitida uma reeleição para cada modalidade de eleição (Colégio ou pares).
Assim como a PGR, o CSMPF detém poder de decisão sobre controles e incentivos que atuam na esfera de ação dos integrantes do MPF, o que repercute no contexto dessa organização e até mesmo fora dele. Entre as atribuições do CSMPF,22 cabe-lhe a indicação de integrantes para as CCRs e a elaboração da lista tríplice para corregedor-geral do MPF. Trata-se de um recrutamento endógeno para a própria cúpula (CSMPF, CCRs e Corregedoria) autorizado pela legislação. O CSMPF é responsável, ainda, pelo concurso público que recruta novos agentes para a carreira do MPF, pela distribuição de inquéritos e o encerramento de investigações por todo o país.
Uma das principais atribuições do CSMPF é realizar a movimentação dos procuradores na carreira. Isso não necessariamente condiz com a movimentação pela estrutura administrativo-política do MPF, no sentido da ocupação de cargos ou funções de confiança por designação. A promoção de um nível da carreira para o outro (sub-PGR, procurador regional e procurador da República) se faz pelos critérios de antiguidade ou merecimento, alternadamente.
A antiguidade é um critério objetivo. No que tange ao merecimento, na tentativa de reduzir a discricionariedade, o artigo 200 da LC nº 75/1993 diz que será apurado por “critérios de ordem objetiva, fixados em regulamento” do CSMPF. Trata-se da Resolução nº 101, de 3 de novembro de 2009, do CSMPF. Porém, de acordo com essa resolução, existem quatro parâmetros sobre o merecimento que o CSMPF deve observar,23 entre os quais se destaca para efeitos desta análise: “o exercício de cargos, funções e atividades consideradas relevantes” (art. 2º, III, e § 1º, Res. CSMPF nº 101/2009). Quais são esses cargos, funções ou atividades relevantes para a carreira? A Resolução CSMPF nº 101/2009 não traz a resposta e, sendo essa norma do CSMPF, conclui-se que o próprio CSMPF define em cada caso concreto de promoção por merecimento. Ademais, em relação à carreira, cabe ao CSMPF autorizar a designação feita pelo PGR de procuradores para exercício de atribuições processuais específicas, a exemplo de como funciona nos Grupos de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaecos) e na “Lava Jato”, adiante tratados.
No aspecto do controle, compete ao CSMPF a escolha de um sub-PGR para investigar e processar o PGR pela prática de crime comum e a escolha da comissão de processo administrativo contra integrante do MPF. Esses dois pontos serão retomados na discussão ao final deste artigo.
As Câmaras de Coordenação e Revisão (CCRs) são órgãos colegiados de composição política, com atribuições sobre a esfera de controle e incentivos direcionados aos integrantes do MPF. A diferença delas para o CSMPF refere-se à composição e às atribuições. As CCRs são integradas por três membros do MPF, preferencialmente entre os sub-PGRs (último nível da carreira), sendo um indicado pelo PGR e dois pelo CSMPF, para mandato de dois anos. A sua composição, assim, é realizada por designações.
Atualmente, as CCRs são sete e estão organizadas por matéria (direitos sociais e atos administrativos; criminal; consumidor; meio ambiente e patrimônio cultural; corrupção; controle externo da atividade policial; e sistema prisional). As principais atribuições delas são: chancelar o fim das investigações no inquérito civil e procedimentos correlatos, ou designar outro integrante do MPF para fazê-lo;24 pronunciar-se sobre o desfecho de inquérito policial e inquérito parlamentar; orientar os integrantes na atuação prática; resolver a distribuição especial de inquéritos; decidir sobre os conflitos de atribuições entre os procuradores do MPF em todo o país.
Por sua vez, o corregedor-geral é escolhido pelo PGR entre os sub-PGRs que integram uma lista tríplice elaborada pelo CSMPF, para exercício de mandato de dois anos, renovável uma vez. Embora a obediência a uma lista reduza a discricionariedade, novamente se observa a escolha por designação, assim como nas CCRs, lembrando que o PGR preside o CSMPF e controla parte das suas nomeações (vice-PGR), também por designação.
O corregedor-geral pode ser destituído pelo CSMPF antes do término do mandato a pedido do PGR. Participa, sem direito a voto, das reuniões do CSMPF, realiza, de ofício, ou por determinação do PGR ou do CSMPF, correições e sindicâncias; portanto, sua esfera de atribuição está mais voltada para o controle sobre os integrantes do MPF. Também fiscaliza internamente as atividades funcionais e a conduta dos burocratas, pode instaurar investigação e propor ao CSMPF processo administrativo contra os integrantes do MPF, bem como a exoneração de procuradores que não cumpram as condições do estágio probatório.25
A carreira do MPF está organizada em três níveis. Os sub-PGRs integram o último nível e são designados pelo PGR para oficiar junto à cúpula do Judiciário (STF, STJ e TSE) e nas CCRs. Atuam por delegação do PGR. Cabe somente aos sub-PGRs o exercício das funções dos cargos de vice-PGR, vice-PGR eleitoral, conselheiro do CSMPF, corregedor-geral, procurador federal dos direitos do cidadão e integrante de CCR. Os procuradores regionais encontram-se no nível intermediário da carreira. São designados pelo PGR para oficiar junto aos TRFs e TREs e são lotados nas procuradorias regionais da República localizadas nos estados. Por fim, os procuradores da República integram o primeiro nível da carreira do MPF. Compõem o maior número de integrantes dessa burocracia - algo em torno de 1.200. São lotados nos ofícios das procuradorias da República nos estados e no Distrito Federal (DF) e designados pelo PGR para oficiar junto aos juízes federais, TRFs e TREs.
Convém dizer ainda que, no âmbito do MPF, os Gaecos e os grupos como a “Lava Jato”26 não aparecem na LC nº 75/1993 e no Regimento Interno do MPF (RIMPF). Os Gaecos foram criados pela Resolução CSMPF nº 146, de 5 de agosto de 2013, durante a gestão do PGR Roberto Gurgel. Menciona-se apenas que sua função é identificar, prevenir e reprimir o crime organizado e, para tanto, contarão com procuradores da República com atribuição criminal designados pelo PGR. Os integrantes dos Gaecos designados (escolhidos para formar o grupo) poderão atuar com os procuradores da República naturais, ou seja, titulares das procuradorias com atribuição naquela matéria.
No MPF, a “Lava Jato” foi criada pelas Portarias PGR/MPF nº 216/2014 e nº 217/2014, assinadas pelo PGR Rodrigo Janot, que designou os primeiros integrantes. Foram eles: os procuradores regionais Januário Paludo, lotado na 4a Região (região Sul do país); Carlos Fernando dos Santos Lima e Orlando Martello Junior, lotados na 3a Região (São Paulo); os procuradores da República Deltan M. Dallagnol, lotado em Curitiba/PR, Andrey Borges de Mendonça, lotado em São Paulo/SP, e Diogo Castor de Mattos, lotado em Jacarezinho/PR (MPF, 2014a, 20104b). Este último contava com apenas um ano e dois meses de experiência como integrante do MPF na data de sua nomeação para a “Lava Jato”.
Em síntese, existem órgãos com atribuições administrativas predominantemente internas cruciais para o atendimento dos seus objetivos formais, que são preenchidos por designações, como o CSMPF, as CCRs e a Corregedoria. Outros, com atribuições administrativas internas e externas, a exemplo da Ouvidoria do MPF, são de livre nomeação do PGR. Ademais, existem órgãos da administração do MPF que possuem a mesma composição de órgãos de execução, cujas atribuições, tanto internas quanto externas, são cruciais para o atendimento de seus objetivos formais, sendo igualmente preenchidos por designações, como os da assessoria da PGR, com atuação no STF, STJ e TSE, e os das procuradorias regionais, com atuação nos TREs. Por último, alguns setores com atribuição predominantemente externa, criados por ato normativo dos superiores, funcionam com designados, a exemplo dos Gaecos e de grupos como a “Lava Jato”.
Quadro 1. Síntese das principais designações dos procuradores na estrutura do MPF
Cargo (origem - nível da carreira) | Posição ou função ocupada por designação e/ou delegação | Esfera predominante de atuação (interna / externa) | Regras formais* |
Sub-PGR | Vice-PGR | Interna e externa - substituição do PGR em seus impedimentos | LC nº 75/1993, art. 18, p. único; RIMPF, art. 12, § 1º |
Vice-PGR eleitoral | Interna e externa - órgãos da admi-nistração e TSE | LC nº 75/1993, arts. 73, p. único, e 74; RIMPF, art. 12, § 1º | |
CSMPF | Interna - administração superior | LC nº 75/1993, art. 18, p. único, art. 54, I | |
Procurador fed. dos direitos do cidadão | Externa - órgãos jurisdicionais | LC nº 75/1993, art. 40, RIMPF, art. 18 | |
PGR (gabinete) | Externa - STJ, por delegação no STF e no TSE | LC nº 75/1993, arts. 47, 66, § 1º, e 74, p. único; RIMPF, arts. 5º, IV, e 12, § 2º | |
CCR (preferencialmente) | Interna - administração superior | LC nº 75/1993, art. 49, IV, RIMPF, art. 6o, IV, art. 29 | |
Órgãos, comissões técnicas ou científicas | Interna e externa - MPF tenha cadeira ou seja convidado a compor | LC nº 75/1993, arts. 49, XV, a-b, e 57, XI; RIMPF, art. 6o, XV, a-b | |
Assegurar a continuidade do serviço | Interna e externa - órgãos da admi-nistração e/ou jurisdicionais | LC nº 75/1993, art. 49, XV, c; RIMPF, art. 6o, XV, c | |
Investigação e ação penal contra o PGR | Interna e externa - órgãos da administração e/ou STF | LC nº 75/1993, arts. 51 e 57, X; RIMPF, art. 24, X | |
Corregedor-geral | Interna - administração superior | LC nº 75/1993, art. 64; RIMPF, art. 36 | |
Assessoria da PGR | Interna e externa - apuração de crime - integrante do MPU | LC nº 75/1993, art. 18, p. único | |
Secretaria-Geral do MPF | Interna - administração | RIMPF, arts. 6o, XXIII, e 49 | |
Gaeco/Operações | Externa - órgãos policiais e jurisdicionais | Resolução CSMPF nº 146/2013 | |
Ouvidoria do MPF | Interna e externa - administração e canal direto com o cidadão | Portaria PGR-MPF nº 519/2012, art. 7o | |
Procurador regional da República | PGR (gabinete) | Interna e externa - administração superior e TSE | LC nº 75/1993, art. 74, p. único; RIMPF, arts. 5º, IV, e 12, § 2º |
Procurador reg. dos direitos do cidadão | Interna e externa - órgãos jurisdicionais | LC nº 75/1993, arts. 41 e 49, III; RIMPF, art. 20 | |
Procuradoria regional da República | Interna e externa - administração e TRF | LC nº 75/1993, art. 68 | |
Chefe da Procuradoria Regional | Interna - administração | LC nº 75/1993, art. 49, VII, a; RIMPF, arts. 6º, VII, a, e 55 | |
Órgãos, comissões técnicas ou científicas | Interna e externa - MPF tenha cadei-ra ou seja convidado a compor | LC nº 75/1993, arts. 49, XV, a-b, e 57, XI; RIMPF, art. 6o, XV, a-b | |
Assegurar a continuidade do serviço | Interna e externa - órgãos da admi-nistração e/ou jurisdicionais | LC nº 75/1993, art. 49, XV, c; RIMPF, art. 6o, XV, c | |
Assessoria da PGR | Interna e externa - apuração de crime - integrante do MPU | LC nº 75/1993, art. 18, p. único | |
Procurador regional eleitoral | Interna e externa - TRE | LC nº 75/1993, art. 75, I; RIMPF, art. 12, I, art. 14 | |
Secretaria-Geral do MPF | Interna - administração | RIMPF, arts. 6o, XXIII, e 49 | |
Gaeco/Operações | Externa - órgãos policiais e jurisdicionais | Resolução CSMPF nº 146/2013 | |
Ouvidoria do MPF | Interna e externa - administração e canal direto com o cidadão | Portaria PGR-MPF nº 519/2012, art. 7º | |
Procurador da República | PGR (gabinete) | Interna e externa - administração superior e TSE | LC nº 75/1993, art. 74, p. único; RIMPF, arts. 5º, IV, e 12, § 2º |
Chefe dos procuradores da República | Interna - administrativa | LC nº 75/1993, art. 49, VII, a; RIMPF, art. 6º, VII, a, art. 55 | |
Órgãos, comissões técnicas ou científicas | Interna e externa - MPF tenha cadeira ou seja convidado a compor | LC nº 75/1993, art. 49, XV, a - b, art. 57, XI, RIMPF, art. 6o, XV, a-b | |
Procurador da República | Assegurar a continuidade do serviço | Interna e externa - órgãos da administração e/ou jurisdicionais | LC nº 75/1993, art. 49, XV, c; RIMPF, art. 6o, XV, c |
Procuradoria da República | Interna e externa - juízes federais e TREs | LC nº 75/1993, art. 70 | |
Procurador regional eleitoral | Interna e externa - TRE | LC nº 75/1993, art. 76; RIMPF, art. 12, I | |
Assessoria da PGR | Interna e externa - apuração de crime - integrante do MPU | LC nº 75/1993, art. 18, p. único | |
Secretaria-Geral do MPF | Interna - administração | RIMPF, arts. 6o, XXIII, e 49 | |
Gaeco/Operações | Externa - órgãos policiais e jurisdicionais | Resolução CSMPF nº 146/2013 | |
Ouvidoria do MPF | Interna e externa - administração e canal direto com o cidadão | Portaria PGR-MPF nº 519/2012, art. 7o |
Elaboração própria.
Fonte: Brasil (1993) e MPF (2015).
A trajetória profissional dos procuradores-gerais no MPF
Como mencionado anteriormente, uma sociografia exploratória dos PGRs que ocuparam o cargo nas últimas três décadas27 (Quadro 2) revelou que: i) todos eles foram designados pelos superiores antecessores para posições da cúpula ao longo da carreira; ii) a partir de 1993, ocuparam posições superiores da administração do MPF; e iii) os escolhidos para a PGR com base na lista tríplice da ANPR atuaram nesta associação privada (VIEGAS, 2019).
Quadro 2. Procuradores-gerais da República (1988-2019)
PGR | Ingresso no MPF | Mandato(s) na PGR | Período(s) de mandato na PGR |
Aristides Junqueira | 1973 | 3 | 20/06/1989 a 28/06/1995 |
Geraldo Brindeiro | 1975 | 4 | 28/06/1995 a 28/06/2003 |
Cláudio Fonteles | 1973 | 1 | 30/06/2003 a 29/06/2005 |
Antonio Fernando | 1974 | 2 | 30/06/2005 a 28/06/2009 |
Roberto Gurgel | 1982 | 2 | 22/07/2009 a 15/08/2013 |
Rodrigo Janot | 1984 | 2 | 17/09/2013 a 17/09/2017 |
Raquel Dodge | 1987 | 1 | 18/09/2017 a 18/09/2019 |
Augusto Aras | 1987 | 1 | 25/09/2019 - atual |
Elaboração própria.
Fonte: CPDOC/FGV e MPF.
Retendo as questões mais importantes para efeitos da análise das designações, como situações exemplares, assim que ingressaram na carreira do MPF, Aristides Junqueira, em 1978, Roberto Gurgel e Raquel Dodge, no mesmo ano da posse no primeiro nível da carreira, auxiliaram na PGR. Entre as atividades de assessoramento realizadas, atuaram perante a cúpula do Judiciário brasileiro, localizada no DF. Claudio Fonteles foi chefe de gabinete de Sepúlveda Pertence (1985 a 1989), o que equivale na administração, nas devidas proporções, à Casa Civil para o Executivo federal. Roberto Gurgel cuidou da distribuição interna dos processos em tramitação no STF em 1995, período em que Junqueira foi PGR.
Por sua vez, Rodrigo Janot foi designado procurador da República-chefe do MPF no DF no ano de ingresso na carreira. Ainda, durante a gestão de Claudio Fonteles, Janot foi secretário-geral do MPF e, na gestão de Antonio Fernando, foi coordenador-geral do Centro de Pesquisa e Segurança Institucional (CPSI/MPF).28 Augusto Aras foi designado para oficiar ao STJ. Aras atuou, ainda, por designação de Antonio Fernando, como corregedor auxiliar do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) na gestão de Roberto Gurgel, e exerceu o cargo de ouvidor-geral do MPF designado por Rodrigo Janot. Por designação, Aristides Junqueira tomou assento no Conselho Superior de Censura (CSC) nos anos de 1982 e 1983.
No Poder Executivo, com exceção de Antonio Fernando, o restante do grupo foi designado para comissões e consultorias do Ministério da Justiça (MJ). Ainda assim, Antonio Fernando integrou o Conselho Penitenciário do PR por diversas vezes desde os anos de 1970. No Poder Judiciário, Geraldo Brindeiro participou de comissão do TSE em 1991 por designação.
A atuação do Ministério Público em matéria eleitoral, de suma importância para o funcionamento da democracia brasileira, é também decisiva para os integrantes que pretendem ascender na carreira. O Ministério Público é fiscal das eleições nos três níveis da Federação. A importância disso para a análise neste artigo é que, quando no exercício dessas funções eleitorais, os integrantes do MPF mantêm contato direto com a dinâmica de funcionamento do sistema político-partidário nacional.
Geraldo Brindeiro e Antonio Fernando atuaram no TSE e Augusto Aras no TRE da Bahia por designação de Aristides Junqueira. Brindeiro atuou no TSE pela vice-PGR durante as eleições presidenciais de 1989 e também durante as eleições de 1994. Antonio Fernando exerceu boa parte da carreira no MPF na área eleitoral, no TRE do Paraná e no TSE. Enquanto ocupou a vice-PGR, assim como Brindeiro, Antonio Fernando oficiou ao TSE durante as eleições de 1994. Entre 2003 e 2005, foi a vez de Roberto Gurgel atuar no TSE por designação do PGR Claudio Fonteles.
Além disso, depois das mudanças na estrutura e organização do MPF promovidas pela LC nº 75/1993, quando foram criados o CSMPF e as CCRs, o grupo passou a ocupar essas posições politicamente relevantes em órgãos colegiados da administração,29 sendo a principal delas o cargo de conselheiro no CSMPF. Os dois próximos quadros (3 e 4) sintetizam os mandatos no CSMPF e as passagens pelas CCRs na trajetória profissional de cada um deles antes da nomeação para a PGR, indicando as gestões dos PGRs em que isso aconteceu.
Quadro 3. Mandatos no CSMPF
Nome | Mandatos | Durante a gestão - PGR |
Claudio Fonteles | 2 | Aristides Junqueira e Geraldo Brindeiro |
Antonio Fernando | 5 | Aristides Junqueira, Geraldo Brindeiro e Claudio Fonteles |
Roberto Gurgel | 3 | Geraldo Brindeiro e Claudio Fonteles |
Rodrigo Janot | 3 | Claudio Fonteles, Antonio Fernando e Roberto Gurgel |
Raquel Dodge | 3 | Roberto Gurgel e Rodrigo Janot |
Augusto Aras | 2 | Roberto Gurgel e Rodrigo Janot |
Elaboração própria.
Fonte: CPDOC/FGV e MPF.
Aristides Junqueira e Geraldo Brindeiro não atuaram no CSMPF e nas CCRs porque suas carreiras no MPF até a PGR foram anteriores à LC nº 75/1993. No caso de Claudio Fonteles, não registra passagem pelas CCRs. Recorda-se que são sete CCRs e que cada uma delas é integrada por três sub-PGRs, sendo um escolhido pelo PGR, que também coordena a CCR, e dois escolhidos pelo CSMPF, e que cada mandato no CSMPF e nas CCRs tem duração de dois anos.
Quadro 4. Passagem pelas câmaras de coordenação e revisão (CCRs)
Nome | Temas/atribuições das CCRs | Durante a gestão - PGR |
Antonio Fernando | Constitucional e eleitoral | Geraldo Brindeiro e Claudio Fonteles |
Roberto Gurgel | Meio ambiente e patrimônio cultural | Aristides Junqueira e Geraldo Brindeiro |
Rodrigo Janot | Eleitoral, corrupção e atividade policial e sistema prisional | Aristides Junqueira, Geraldo Brindeiro, Claudio Fonteles e Antonio Fernando |
Raquel Dodge | Criminal, comunidades indígenas e minorias | Aristides Junqueira, Geraldo Brindeiro e Roberto Gurgel |
Augusto Aras | Constitucional, criminal e consumidor | Aristides Junqueira, Geraldo Brindeiro, Antonio Fernando e Rodrigo Janot |
Elaboração própria.
Fonte: CPDOC/FGV e MPF.
Além disso, a maior parte do grupo registra atuação direta na ANPR, uma associação privada. Assim, nas últimas três décadas, os PGRs com atuação direta na ANPR chefiaram o MPF por 22 anos. Geraldo Brindeiro e Augusto Aras, escolhidos sem a lista tríplice criada pela ANPR, não exerceram cargos nessa associação.30 Todos os demais, incluindo Aristides Junqueira, que é anterior à existência lista tríplice da ANPR, atuaram na associação e ao menos fizeram parte da Diretoria da ANPR. Dois deles, Roberto Gurgel e Rodrigo Janot, exerceram a Presidência e Antonio Fernando a Vice-Presidência (Quadro 5).
Quadro 5. Atuação na ANPR
Nome | Cargo(s) ocupado na ANPR (período) |
Aristides Junqueira | Diretoria (1983 a 1985) |
Claudio Fonteles | Diretoria (1975 a 1981) |
Antonio Fernando | Vice-Presidência (1985 a 1991) e Diretoria (1987 a 1991) |
Roberto Gurgel | Diretoria (1984 a 1987) e Presidência (1987 a 1989) |
Rodrigo Janot | Delegado (1987 a 1989), Diretoria (1993 a 1995) e Presidência (1995 a 1997) |
Raquel Dodge | Diretoria31 (1991 a 1993) e Delegada (1992 a 1997) |
Elaboração própria.
Fonte: ANPR.
Em relação às designações, importa dizer que as questões identificadas na trajetória dos PGRs estão intrinsecamente relacionadas às formas de interação profissional e política dos integrantes do MPF dentro e fora dessa estrutura burocrática. Levando em conta todas as posições ocupadas pelo grupo na PGR, no CSMPF e nas CCRs, por longos períodos de suas carreiras, e, ainda, as atribuições dessas posições, as designações certamente proporcionaram ao grupo experiência prévia (conhecimento e habilidade) em temas especializados e de cunho político, que afetam não apenas o MPF, mas o funcionamento do sistema político e de justiça brasileiro. Como se observa do registro da trajetória desses integrantes do MPF, eles se dedicaram a posições políticas durante toda sua carreira na burocracia. A maior parte deles fez isso, também, fora do MPF, tanto em razão das designações do PGR para que atuassem em órgãos do Executivo federal e comissões do Judiciário, como na ANPR.
Discussão
Antes de iniciar a discussão propriamente dita, retomam-se alguns pontos. Nas seções anteriores, verificou-se que o MPF é uma organização complexa e extensa, que prevê centenas de posições de confiança (cargos ou funções) em sua estrutura. Na essência, a nomeação de funcionários para cargos de confiança pode ser pautada por vários critérios, entre eles o político (LOUREIRO; ABRUCIO, 1998). No caso do MPF, seus integrantes são lotados nessas posições por designação (escolha) dos superiores, especialmente do PGR.
As designações não se restringem a posições no topo e no entorno da PGR, mas se efetivam também para lotação em outros postos-chave: CSMPF, CCRs, Corregedoria, comissões e secretarias. As atribuições das posições designáveis não se resumem a funções administrativas, mas incluem também atuação nos órgãos jurisdicionais, como STF, TSE, STJ, TREs, e em órgãos voltados para atividade próxima da policial, como os Gaecos e a “Lava Jato”.
Verificou-se, ainda, que a trajetória profissional dos últimos oito PGRs é marcada por designações de seus antecessores para posições de confiança. Ademais, resgata-se que o alto nível de politização dos integrantes do Ministério Público é destacado pela literatura32 e o que corrobora isso é a disputa interna para nomeação do PGR desde 2001 através da lista tríplice da ANPR.
Assim, o que se buscou delinear até agora é que as designações no MPF estão relacionadas à governabilidade dessa burocracia pelos seus superiores, que detêm amplo poder de distribuição de cargos e de funções de confiança (posições politicamente relevantes) em um contexto marcado pelo conflito e a disputa pelo poder. Ante sua amplitude, as designações também estão relacionadas à consecução dos objetivos formais do Ministério Público.
Contudo, o problema central que este estudo do papel das designações no MPF traz é o seguinte: a escolha de integrantes para posições politicamente relevantes por toda a sua estrutura é formalizada por designação, um ato discricionário por excelência; como as designações são levadas a efeito pelos superiores em posições em que elas também operam, controle e incentivos sobre o comportamento dos integrantes do MPF estão concatenados à lógica dessas designações.
De acordo com Merton (1968), o surgimento do espaço informal na organização burocrática resulta da necessidade de controle a fim de obter mais eficiência por parte dos burocratas.33 Trata-se de uma disfunção que tem em sua origem a resistência ao controle. Não que essa disfunção esteja ausente no contexto do MPF. Pelo contrário, a capacidade de resistência ao controle dos integrantes dessa burocracia na defesa de seus interesses individuais e/ou corporativos é destacada sempre (ARANTES, 2002; BONELLI, 2002; ARANTES; MOREIRA, 2019; ALMEIDA, 2010; KERCHE, 2009, 2014; SILVA et al., 2017).
Porém, a ênfase na capacidade de resistência ao controle apontada pela literatura sedimenta-se sobretudo no arranjo constitucional e basicamente foca no controle externo realizado sobre o Ministério Público, ou seja, a dimensão da accountability horizontal (O’DONNELL, 1998). Chega-se a dizer que, internamente, o contexto do Ministério Público seria pouco hierarquizado, o que sugere uma ampla discricionariedade dos seus integrantes e um fraco controle sobre as suas condutas (KERCHE, 2007, 2009).
Não se pode confundir três coisas: a autonomia da organização (Ministério Público), a autonomia dos indivíduos e a discricionariedade enquanto espaço de ação.34 A falta de controle das demais organizações sobre o Ministério Público é um problema sistêmico, de ordem constitucional na organização do Estado, e não pode ser confundida com as prerrogativas atribuídas aos integrantes dessa organização, que lhes conferem autonomia (entre elas, a independência funcional). Por sua vez, nada disso pode ser confundido com a discricionariedade pensada como espaço para ação, objeto deste artigo. Isso precisa estar claro para se compreender o papel das designações no MPF.
De modo geral, os estudos sobre o Ministério Público desconsideram o que se analisa aqui. As designações partem das posições superiores, assim, de onde emanam atos de controle previstos nos estatutos legais sobre os procuradores da República, sejam os atos da PGR, do CSMPF, das CCRs ou da Corregedoria, por exemplo: regulamentos e portarias sobre a condução de inquéritos civis e criminais e sobre critérios para a distribuição do serviço entre os burocratas; critérios sobre o mérito para definir promoções na carreira, lembrando o que foi dito quanto à promoção por merecimento - Artigo 2º, § 1º, da Resolução CSMPF nº 101/2009 - “Na avaliação do desempenho serão considerados o exercício de cargos, funções ou atividades consideradas relevantes para a carreira”; correição extraordinária; instauração de procedimento administrativo e sindicância; punições, como suspensão e aposentadoria com vencimentos proporcionais.
Por outro lado, dessas mesmas posições superiores partem incentivos previstos nos estatutos jurídicos para que os burocratas ajam de uma e não de outra maneira, por exemplo: aumento da remuneração por ocupar posições de confiança (art. 224 e seguintes da LC nº 75/1993); auxílio moradia; designações para integrar grupos especializados de combate à corrupção, o que traz notório prestígio não só interno, como a fama em operações policiais de grande repercussão midiática; designações para comissões de estudos, para compor o lugar do MPF em debate público, seja no Congresso Nacional, no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) ou no Ministério da Justiça; promoções por mérito e elogios em ficha funcional; afastamento da carreira com vencimentos para estudar no estrangeiro; homologação das promoções de arquivamento de inquéritos civis e pareceres favoráveis aos desfechos de casos criminais; não menos importante, a cessão de servidores para que os integrantes do MPF se dediquem às atividades que definirem como prioritárias. Quanto a esse último exemplo, a cessão de servidores, não existe a menor possibilidade de uma operação como a “Lava Jato” durar cinco anos e abranger tantos casos de corrupção sem um remanejamento considerável de servidores (técnicos, analistas, contadores, economistas, profissionais de tecnologia da informação, auditores) e mesmo de procuradores da República.
Assim, o controle sobre os integrantes do MPF e os incentivos que eles recebem partem de posições em que as designações também operam. Portanto, controle e incentivos formais coexistem com um espaço de ação não regulado por regras formais. Dito de outro modo, controle e incentivos estão concatenados a posições superiores de onde partem as designações (escolhas de integrantes) para toda a estrutura, sem necessidade de motivação formal, e onde, igualmente, as designações se fazem presentes.
Entre as principais atribuições do CSMPF na esfera do controle está a de designar o sub-PGR para apurar crime comum atribuível ao PGR (art. 57, X, LC nº 93/1995) e promover a ação penal contra ele (art. 51, LC nº 75/1993), bem como escolher os integrantes da comissão administrativa que apura a conduta de integrante do MPF. A lei não prevê uma comissão administrativa permanente para situações que envolvam a conduta dos integrantes do MPF. Diga-se de passagem que faz toda diferença para qualquer acusado a escolha do seu carrasco.
Esse amplo espaço informal de ação pode ser manipulado pela cúpula da organização estrategicamente, como peças em um tabuleiro de xadrez, assumindo a forma de cooptação, conforme Selznick (1953). Nesse sentido, as designações podem ao final funcionar como instrumento de manipulação calculada, adotado como resposta a pressões específicas, sejam elas internas e/ou externas.
Está-se falando do cálculo estratégico levado a efeito para preenchimento de posições sensíveis para questões políticas internas e externas, como a vice-PGR, vice-PGR eleitoral, procuradorias regionais eleitorais, Corregedoria, grupos especializados no crime organizado (por exemplo, Gaeco e “Lava Jato”) e comissões de sindicância. Quanto às designações terem o papel de cooptação, a trajetória dos PGRs mostra que todos foram nomeados para posições políticas relevantes pelos antecessores, inclusive o grupo que tem atuação na ANPR foi frequentemente designado antes de se respeitar a lista tríplice para nomeação do PGR, sendo emblemática a trajetória de Roberto Gurgel.35
Ademais, ainda na esteira de raciocínio segundo o qual as designações podem ser manipuladas estrategicamente pela cúpula do MPF, é possível que uma interdependência de interesses regule os conflitos nessa burocracia, como delineado por Crozier (1974). Não existe um único modo de fazer as coisas no Ministério Público, sejam as designações e demais atos da PGR, CSMPF, CCRs e Corregedoria, sejam os atos dos integrantes do MPF designados para atuar perante o STF, TSE, STJ, TREs, TRFs, em Gaecos e na “Lava Jato”. Nesse sentido, é plausível que designadores e designados não desafiem interesses comuns ao ponto de porem em risco os próprios interesses e dos demais integrantes do MPF.
Evidentemente que, no caso de integrantes do Ministério Público, tudo isso precisa ser pensado considerando sua capacidade de resistência ao controle. Todavia, o que a presente análise do papel das designações do MPF mostra é que, para compreender não apenas a governabilidade dessa burocracia, mas seu funcionamento concreto, não se pode considerar somente a condição formal daqueles integrantes que são titulares em suas unidades de atuação nas procuradorias da República e que podem resistir à tentação dos privilégios de uma carreira política nessa burocracia - e esse é o ponto a que se apegam os analistas do Ministério Público, a condição dos titulares. De fato, os titulares são irremovíveis, seus subsídios são irredutíveis e gozam de independência funcional por expressa previsão constitucional e legal.36 Aliás, com base nas prerrogativas dos titulares é que se concluiu até hoje sobre a autonomia e a discricionariedade dos integrantes do Ministério Público.
Porém, os ocupantes de posições politicamente relevantes no MPF designados não são estáveis em cargos e funções de confiança, sua própria remuneração será menor se deixarem essas posições, sem falar de todos os demais privilégios mencionados. E esses ocupantes designados - frisa-se - são centenas em toda a estrutura, sendo que algumas unidades funcionam exclusivamente com eles, não titulares, a exemplo dos Gaecos e da “Lava Jato”. Saliente-se, assim, que integrantes de Gaecos e da “Lava Jato” podem ser substituídos por outros integrantes do MPF a qualquer momento.37
Como não poderia ser diferente, este estudo das designações possui limitações. De saída, corre-se o risco de explicações tautológicas produzidas pelo manejo de ferramentas analíticas funcionalistas.38 De fato, o cerne da análise da estrutura e da organização do MPF, como aqui realizada, admite que comportamentos sejam funcionais e que, por decorrência desses comportamentos a informalidade se torne um aspecto estrutural persistente.
Todavia, o uso dessas mesmas ferramentas analíticas foi útil para identificar a potencialidade que as designações têm de operar na informalidade do MPF e de demonstrar a amplitude disso na estrutura dessa burocracia em termos de seu funcionamento. Visando reduzir o risco ou, como se queira, visando controlá-lo na medida do possível, as conclusões sobre as possíveis regularidades foram confrontadas com a trajetória dos PGRs, enquanto registro da sua atividade ao longo do tempo (mais de 30 anos), de certo modo historicizando a análise.
Outro limite deste estudo refere-se à relação das designações com a constituição de um perfil híbrido de “procurador político profissional”. Esse perfil é plausível na medida em que a especialização de funções e a disputa pelo controle de posições específicas na estrutura do MPF e na ANPR fazem com que procuradores tenham que se dedicar à política continuada e integralmente, processos estes ao longo do tempo ligados à “profissionalização política”.
As aspas são devidas porque o conceito de profissionalização política é específico, voltado para um processo que descreve a profissionalização seja no trabalho legislativo ou na carreira de representação política (CZUDNOWSKI, 1975; WEBER, 1994; PERISSINOTTO; VEIGA, 2014). De todo modo, o que se analisa neste artigo não é um mero processo de profissionalização burocrática ligado à profissionalização técnica. Também, não se trata apenas de uma profissionalização burocrática que visaria ter mais poder sobre a carreira, os órgãos internos e as indicações que ocorrem no Ministério Público. O adjetivo híbrido também não é ocasional, pois esse perfil se configuraria em um processo de “profissionalização política” específico, sem a necessidade de abandono definitivo da carreira jurídica na burocracia. O registro da ação dos burocratas, que se extrai da trajetória de carreira dos PGRs, vem reforçar a verossimilhança desse perfil.
Os PGRs que serviram desde 1988 foram designados ao longo da carreira pelos superiores antecessores para posições políticas não só da cúpula, mas predominantemente para a cúpula. Marcaram presença em posições superiores da administração do MPF a partir de 1993. As posições de confiança do MPF são especializadas, vide atribuições da PGR, CSMPF, CCRs, vice-PGR eleitoral e procuradorias regionais eleitorais. Até aqui, poder-se-ia dizer que se trata de ter mais poder burocrático.
Contudo, o que este estudo ressalta é que as posições politicamente relevantes do contexto organizacional são cruciais para interesses que vão além do Ministério Público. É preciso estar atento às implicações relativas ao ambiente interno, mas também em relação àquelas que podem decorrer para o ambiente externo. Trata-se de implicações políticas que decorrem do poder de designar um indivíduo específico, e não outro, para posições específicas no contexto do MPF e, por conseguinte, determinar um sentido às ações políticas de seus integrantes, e não outro, por exemplo, perante o STF, o TSE, no CSMPF, nas CCRs e mesmo no caso da “Lava Jato”.
A questão ganha contornos mais claramente políticos quando adicionada a presença da ANPR no contexto do MPF. Nesse ponto, existem explicações para a atuação das associações de classe ligadas ao Ministério Público, traçadas por Arantes (2002), Kerche (2009) e Almeida (2010), na perspectiva de lobby no Legislativo federal, buscando, por exemplo, a aprovação orçamentária e de leis afetas ao Ministério Público, o que demandaria certa profissionalização em prol da defesa de interesses corporativos. Um dos problemas disso - e talvez o mais relevante de todos - é que a atuação na ANPR não coincide necessariamente com o afastamento da carreira no MPF.39
Assim, é real a exigência crescente por conhecimentos e habilidades específicos nas posições de confiança do MPF e em posições na ANPR, leia-se, eminentemente políticas, no sentido proposto por Michels (1982). Entretanto, como em um processo de profissionalização política em sentido estrito se presume que os recursos não sejam “distribuídos aleatoriamente, mas tendem a privilegiar aqueles [...] mais próximos da condição de profissionais da política” (PERISSINOTTO; VEIGA, 2014, p. 51), permanecem à margem de explicação o que da especialização de funções no interior da estrutura do MPF e o que da dedicação à atividade política, seja no exercício dos cargos da administração superior (PGR, CSMPF, CCRs), seja na atuação na ANPR, pode ter relação com a seleção dos integrantes dessa burocracia para as posições de cúpula do MPF e da ANPR.
Nesse sentido, a “profissionalização política” dos procuradores da República ainda está mais pressuposta do que demonstrada. Porém, o referido limite explicativo quanto ao “procurador político profissional” é circunstancial neste artigo, uma vez que trata especificamente do papel das designações para a constituição desse perfil de “burocrata-político”.40 Se bem que existem duas evidências de um processo de “profissionalização política” atreladas a um processo de “oligarquização” do MPF e da ANPR que este estudo das designações permite tratar desde agora, ainda que dentro de seus limites.
A primeira evidência reforça o argumento de que as designações reproduzem uma lógica de governabilidade nessa estrutura, haja vista que os PGRs marcaram presença nas posições superiores do MPF por designação dos superiores (PGR, CSMPF, CCRs), portanto, mais próximos do exercício do poder formal. A segunda evidência relaciona-se ao acatamento da lista tríplice elaborada pela ANPR pelo presidente da República para escolha do PGR, em que fica nítida uma “fila sucessória”.41
O que chama atenção na “sucessão” da PGR com a lista tríplice da ANPR, entre 2003 e 2017, é que se trata de uma lista formada pela votação de integrantes do MPF associados da ANPR, o que corresponde a quase toda a carreira. Portanto, observa-se uma lealdade para com aqueles que se encontram na referida “fila sucessória” e que trilharam carreira política nos dois espaços, MPF e ANPR, sugerindo uma baixa renovação nas instâncias dirigentes,42 dentro e fora do MPF. Por esse ângulo, de algum modo a associação obtém um determinado comportamento da maioria dos integrantes do MPF, ao menos no que se refere à “fila sucessória”.
Não se pode esquecer que o CSMPF tem parte da sua composição também preenchida por votação de todos os integrantes da carreira. Por consentâneo, com base nessas duas evidências - “oligarquização” no contexto do MPF e na ANPR, existem relações próximas entre as posições superiores, especialmente a PGR, o CSMPF e as CCRs, e a ANPR, uma associação privada. Como se tentou demonstrar, essas relações estão ligadas a um processo de profissionalização não só técnica dos integrantes do MPF, mas essencialmente uma “profissionalização política” que decorre da atuação deles em posições de confiança nessa estrutura burocrática e/ou na ANPR de modo continuado e por longo período de tempo.
Além disso, outro limite deste estudo sobre as designações está em não permitir concluir sobre o resultado das designações na atuação prática dos integrantes do MPF em decisões administrativas ou perante órgãos jurisdicionais (por exemplo, condução e desfecho de investigações, ações cíveis e criminais, celebração de termos de ajustamento de conduta, acordos de leniência e delações premiadas). Contudo, levando em conta que controle e incentivos estão concatenados às designações e considerando a presença de integrantes ligados à ANPR nesse espaço, é inegável o risco da instrumentalização política da discricionariedade desses burocratas.
Enquanto resultado de resistência ao controle (interno ou externo) e defesa dos interesses individuais e/ou corporativos, é plausível que integrantes do MPF possam defender seus interesses comuns, inclusive abandonando a busca do interesse público, se necessário. Enquanto instrumento de cooptação, é igualmente plausível que, atendendo ao chamamento dos superiores para participar das decisões - indiferentemente se administrativas (PGR, CSMPF, CCRs e Corregedoria) ou perante órgãos jurisdicionais (STF, STJ, TSE e TREs, TRFs e juízes federais), mas, em todo caso, decisões políticas em sentido amplo, as designações tenham o papel de integrar interesses divergentes de subgrupos às diretrizes da cúpula do MPF. Nesse sentido, alivia-se a tensão do conflito em seu contexto e ao mesmo tempo as diretrizes superiores podem ser contrárias ao interesse público, dadas certas condições do conflito no interior dessa burocracia.
Se orientado por uma interdependência de privilégios, o papel das designações pode ser também o de estabilizar o conflito interno. A diferença é que, no caso desse fator, a estabilidade organizacional é decorrência de um cálculo estratégico que cria um liame subjetivo. Por um lado, a disputa de poder visa ao controle do MPF, por outro, o componente racional é deduzido das estratégias políticas de carreira de procuradores que se orientam pelos privilégios de ocupar determinadas posições. Assim, a ação de integrantes do MPF, estrategicamente manipulando um espaço não regido por regras formais, tanto por parte dos designadores como pelos designados, é vista não como atomizada ou dispersa, mas coesa. Ou seja, aquilo que parece independente e pouco hierarquizado - como se cada integrante do Ministério Público fosse um Ministério Público - aqui se dirige para um fim específico. Entre os principais privilégios está o de permanecer apto no jogo do poder, que se realiza no espaço informal de ação.
No que se refere à carreira, o componente estratégico diz respeito à maximização da ascensão na estrutura formal, uma vez que recrudesce a noção de mérito ocupar posições políticas relevantes. Entrementes, o que este estudo indica é que, compreender essa lógica e colocá-la em prática pode significar muito além de uma mera promoção na carreira. Significa aumentar as chances de ocupar posições políticas relevantes que ditam o funcionamento concreto dessa burocracia perante instituições como STF, TSE, TREs, TRFs, Gaecos e “Lava Jato”, e que, em suma, afetam os rumos do país.
Por último, este estudo sugere outra perspectiva de abordagem sobre o Ministério Público, afeta ao patrimonialismo, na medida em que o aspecto informal se sobrepõe ao formal na definição da governabilidade e funcionamento dessa burocracia. Pensando o patrimonialismo, Schwartzman (2007) discute como a dualidade de fontes de poder (formal e informal) se expande e se diferencia em várias direções. Segundo o autor, “interesses particulares são levados a efeito dentro de estruturas de autoridade, ao mesmo tempo que os sistemas de autoridade se desenvolvem no setor ‘privado’ da sociedade e se estendem em direção ao controle do Estado” (SCHWARTZMAN, 2007, p. 92).
Conforme a trajetória profissional dos PGRs, a lógica por trás das designações é persistente e não foi superada por outra mesmo depois da redemocratização. Além do mais, as designações não estão adstritas à legalidade, mas também à esfera da “livre” decisão, aqui caracterizada como espaço informal de ação, embora busquem seu fundamento de validade nas normas jurídicas. Ao final, a discricionariedade dos integrantes do MPF pode ser instrumentalizada politicamente em sentido oposto ao do interesse público, sem a necessidade de abandono da carreira na burocracia pública. O quadro delineado se agrava com a presença de integrantes de uma associação privada em posições de controle interno e na distribuição de incentivos para os integrantes do MPF.43
No patrimonialismo, a ação dos superiores e do quadro administrativo é conquistada por meio de relações pessoais. Em estudo do alto escalão da burocracia no Brasil, Schneider (1994, 1995) demonstrou a importância das nomeações internas para posições de confiança visando à obtenção de lealdade. Segundo o autor, o que se apresenta como fragmentado ou desarticulado na organização para o público externo, ao final converge em razão das relações pessoais, que operam na informalidade.44
No caso do MPF, considerando os elementos discutidos e, agora, alinhavados, as designações se verificam em toda a estrutura e rompem com a ordem racional-legal de movimentação na carreira, pautada na previsibilidade pela antiguidade ou no critério do merecimento. Em relação à hierarquia, permitem que antigos e novos procuradores do quadro administrativo convivam em um mesmo espaço. Rompem com a noção de estabilidade funcional, pois se está falando de cargos e funções de confiança. Por essa mesma razão, afetam os vencimentos fixos, pois ocupar essas posições tem implicações na remuneração, independentemente do nível hierárquico. Permitem a ocupação de posições importantes em toda a estrutura pelo simples privilégio e lealdade pessoal. Ainda nesse ponto, conforme repisado, as designações configuram uma lógica do privilégio segundo a qual posições especializadas são ocupadas por aqueles que somente alcançam acesso a essas mesmas posições por designações.45
Considerações finais
Diante de tudo que foi exposto, o cenário que este estudo traça é preocupante para a democracia e o Estado de direito, assim como delineado nos estudos realizados sobre o Ministério Público. O mecanismo central que confere governabilidade a essa burocracia - as designações - devido à amplitude, precisa ser compreendido como indissociável do funcionamento do MPF.
Até mesmo a amplitude das designações para toda a estrutura sobrepõe-se ao espaço formal e reside na discrição dos superiores, uma vez que essa amplitude pode decorrer não apenas da lei em sentido estrito enquanto produto legislativo, ou seja, da manifestação da accountability democrática (O’DONNELL, 1998; ARANTES et al., 2010). Como demonstrado, a amplitude das designações decorre também da governabilidade dessa burocracia e da atenção às diretrizes da sua cúpula, haja vista a possibilidade de criação de órgãos e de departamentos por resoluções e por portarias dos superiores (PGR e CSMPF), como são os casos dos Gaecos e da “Lava Jato”.
Além disso, os achados sobre a trajetória profissional dos PGRs dos últimos 30 anos reforçam a mesma preocupação. Eles orbitaram a cúpula do MPF por designações, alguns precocemente, desde o início de suas carreiras.46 Como a carreira da maioria deles antecede à CF/88, as designações são um mecanismo persistente que confere governabilidade a essa estrutura. A lógica por trás disso resistiu às mudanças dos estatutos legais alterados na passagem do regime político da Ditadura Militar para a democracia.47
Ainda, pode-se presumir da cúpula de uma organização o objetivo de se manter no poder, valendo-se para tanto da estratégia política que for necessária, inclusive antidemocrática e avessa ao interesse público, diria Michels (1982).48 O abandono do interesse público pelos burocratas está presente também nas análises de Merton (1968), Selznick (1953) e Crozier (1974). Contudo, este estudo não trata apenas de um processo de oligarquização, em que pese forneça elementos sobre um eventual processo de “profissionalização política” dos integrantes do MPF.
Igualmente, não se está falando apenas da capacidade de resistência ao controle, de cooptação ou de interdependência de privilégios. Nem se exclui que todos esses aspectos estejam presentes no MPF, até porque razoável cogitar a correlação entre eles a partir das designações. O estudo, como realizado, permitiu avançar consideravelmente sobre os espaços de ação dos integrantes do MPF. A discricionariedade é conferida a eles pelos estatutos legais (CF/88 e LC nº 75/1993), mas operacionalizada pelas designações em um espaço informal de ação - lembrando que essa divisão entre regras formais e informais é analítica. O MPF é um só. Portanto, são concretos os problemas que decorrem da instrumentalização política da discricionariedade amplamente conferida aos integrantes dessa burocracia.
Por óbvio que os problemas apontados não são inferidos quando os integrantes do MPF dirigem seus esforços para atender às finalidades da organização (objetivos formais do Ministério Público). Mas, este estudo sugere a possibilidade de instrumentalização da discricionariedade pelos procuradores, ou seja, uma ação estratégica que se volte para a autoproteção, a cooptação e/ou como estratégia de uma carreira política, no MPF e na ANPR. Nesse último aspecto, especialmente entre aqueles dotados de interesses próprios enquanto “profissionais da política”, no contexto do MPF e na ANPR, é razoável pressupor que possam adotar estratégias políticas de carreira, que se materializam nas investigações que conduzem, nos arquivamentos que realizam, nos processos e acordos judiciais, bem como na forma que se apresentam para o público, por exemplo, enquanto combatentes da corrupção.
A lógica das designações na governabilidade e no funcionamento do MPF rompe com toda a rigidez jurídico-formal que alicerça o Estado de direito moderno na perspectiva weberiana, ainda mais quando presente a ANPR. Quando o que se discutiu neste artigo se encontrar concatenado, como parece possível no MPF em alguns momentos, seu funcionamento pode se dar em detrimento do interesse público, por mais paradoxal que isso pareça diante de “procuradores da República”.