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O impacto da pandemia de Covid-19 na atuação da burocracia de nível de rua no Brasil6 6 Para replicação de dados ver: https://doi.org/10.7910/DVN/AJDFU8

Resumo:

O enfrentamento da pandemia de Covid-19 exige que o Estado tome decisões difíceis que perpassam a ação da burocracia que implementa políticas públicas na interação com a população, a burocracia de nível de rua (BNR). Neste artigo, baseado em estudo exploratório de método misto, analisamos como a atuação cotidiana desses burocratas em diferentes políticas públicas - saúde, assistência social, acesso à justiça, segurança pública e educação - foi alterada durante a pandemia, bem como analisamos as suas consequências. Três categorias que ilustram a dinâmica do trabalho da BNR durante a pandemia foram identificadas por análise dos sentimentos dos burocratas, mudanças no seu trabalho e na relação com a população: a BNR que enfrenta a crise na linha de frente; a BNR que sofre os efeitos da pandemia, mas cujo trabalho não demanda enfrentá-la diretamente; e a BNR cujo trabalho migrou para o formato remoto. Concluímos que, durante a pandemia, a BNR, em diferentes graus, deparou-se com um agravamento de problemas estruturais, como o seu alijamento dos processos decisórios, restritos ao alto escalão governamental, e a exacerbação de conflitos e ambiguidades já existentes.

Palavras-chave:
Pandemia; Burocratas de nível de rua; Políticas públicas; Ambiguidade

Abstract:

Dealing with the Covid-19 pandemic requires that the State make hard decisions that involve the action of bureaucrats who interact with the population through the implementation of public policy, the street-level bureaucracy (SLB). In this paper, based on a mixed- method exploratory study, we analyze how the daily performance of street-level bureaucrats in different policy areas- health and social care, access to the justice system, public security and education - has changed during the pandemic. We also explore the repercussions of those changes. Based on the analysis of the perceptions of bureaucrats, changes in their work and in their relationship with the public, we identify three categories that illustrate the dynamics of SLB work during the pandemic: the SLB who faces the crisis on the front lines; the SLB who suffers the effects of the pandemic, but whose work does not require her to face it directly; and the SLB who began to work remotely. We conclude that, during the pandemic, SLB suffered in varying degrees an aggravation of structural problems, such as their removal from decision-making processes - now restricted to the highest government level - and the exacerbation of already existing conflicts and ambiguities.

Keywords:
Pandemic; Street-level bureaucrats; Public policies; Ambiguity

Resumen:

Hacer frente a la pandemia de Covid-19 requiere que el Estado tome decisiones difíciles que van más allá de la acción de la burocracia que implementa las políticas públicas en la interacción con la población, la burocracia de primera línea (BPL). En este artículo, a partir de un estudio exploratorio de método mixto, analizamos cómo el desempeño diario de estos burócratas en diferentes políticas públicas - salud, asistencia social, acceso a la justicia, seguridad pública y educación - se modificó durante la pandemia y sus consecuencias. Se identificaron tres categorías que ilustran la dinámica del trabajo de BNR durante la pandemia, analizando los sentimientos de los burócratas, los cambios en su trabajo y en la relación con la población: la BPL que enfrenta la crisis en primera línea; la BPL que sufre los efectos de la pandemia, pero cuyo trabajo no exige enfrentarla directamente; y la BPL cuyo trabajo migró al formato remoto. Concluimos que, durante la pandemia, la BPL, en diferentes grados, enfrentó un agravamiento de problemas estructurales, como su remoción de los procesos de toma de decisiones, restringida al más alto nivel de gobierno, y la exacerbación de conflictos y ambigüedades ya existentes.

Palabras clave:
Pandemia; Burócratas de primera línea; Políticas públicas; Ambigüedad

Introdução

Crises como a causada pela pandemia de Covid-19 trazem diversas consequências para a administração pública no Brasil e no mundo. O enfrentamento de suas implicações passa pela implementação de diversas políticas públicas cujas prioridades são diminuir mortes, reduzir o contágio e mitigar os diversos efeitos sociais e econômicos. Tais políticas dependem da atuação de profissionais de linha de frente que, no contato cotidiano com a população, executam os serviços públicos emergenciais (DUNLOP et al., 2020DUNLOP, Adrian et al. Challenges in maintaining treatment services for people who use drugs during the Covid-19 pandemic. Harm Reduction Journal, [Online] v. 17, n. 1, p. 1-7, 2020. DOI 10.1186/s12954-020-00370-7.
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)

A literatura sobre esses profissionais, normalmente denominados de burocratas de nível de rua (BNR), há mais de quatro décadas demonstra como, mesmo em momentos de normalidade, o seu trabalho é marcado por pressões, indecisão e sofrimentos (LIPSKY, 2010LIPSKY, Michael. Street-level bureaucracy: dilemmas of the individual in public service. 3. ed. New York: Russell Sage Foundation, 2010.) como também por vocação e heroísmo (MAYNARD-MOODY; MUSHENO, 2003MAYNARD-MOODY, Steven; MUSHENO, Michael. Cops, teachers, councelors: stores from the front lines of public service. Michigan: University of Michigan Press, 2003. DOI 10.3998/mpub.11924.
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). O trabalho no nível da rua é caracterizado por alta discricionariedade dos profissionais, na medida em que as regras são em geral abrangentes e demandam interpretação e adaptação para os casos reais (FERNANDEZ; GUIMARÃES, 2020DE FELICE, Fernanda G. et al. Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 (SARS-CoV-2) and the central nervous system. Trends in Neurosciences, [Online], v. 43, n. 6, p. 355-357, 2020. DOI 10.1016/j.tins.2020.04.004.
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; LOTTA, 2019LOTTA, Gabriela. Teorias e análises sobre implementação de políticas públicas no Brasil. Brasília: Enap, 2019.). Além disso, para a literatura, esse é um trabalho marcado por excesso de atividades e escassez de recursos (LIPSKY, 2010LIPSKY, Michael. Street-level bureaucracy: dilemmas of the individual in public service. 3. ed. New York: Russell Sage Foundation, 2010.), o que coloca a BNR em posição-chave para decidir quem recebe o que e quanto (VAN OORSCHOT, 2006VAN OORSCHOT, Wim. Making the difference in social Europe: deservingness perceptions among citizens of European welfare states. Journal of European Social Policy, London, v. 16, n. 1, p. 23-42, 2006. DOI 10.1177/0958928706059829.
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).

Em momentos de crise, essas condições tendem a ficar ainda mais críticas. Entendemos crises como longos períodos de ameaça e incertezas extremas que perturbam sistemas e processos sociais, políticos e organizacionais (BOIN; ’T HART, 2003BOIN, Arjen; ’T HART, Paul. Public leadership in times of crisis: mission impossible? Public Administration Review, Washington, D. C., v. 63, n. 5, p. 544-553, 2003. DOI 10.1111/1540-6210.00318.
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)preparedness, response, and reconstruction. Assim, as condições ficam mais extremas porque, em primeiro lugar, a crise exacerba problemas de falta de recursos, excesso de demanda, imprevisibilidade e rapidez na decisão (DUNLOP et al., 2020DUNLOP, Adrian et al. Challenges in maintaining treatment services for people who use drugs during the Covid-19 pandemic. Harm Reduction Journal, [Online] v. 17, n. 1, p. 1-7, 2020. DOI 10.1186/s12954-020-00370-7.
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). Em segundo, porque as crises potencializam as ambiguidades e explicitam os limites da regulamentação existente e de experiências prévias para lidar com novos cenários, aumentando as incertezas e, portanto, a margem de discricionariedade da BNR (ALCADIPANI et al., 2020ALCADIPANI, Rafael et al. Street-level bureaucrats under Covid-19: police officers’ responses in constrained settings. Administrative Theory and Praxis, Armonk, v. 42, n. 3, p. 394-403, 2020. DOI 10.1080/10841806.2020.1771906.
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; HENDERSON, 2014HENDERSON, Alexander C. The critical role of street-level bureaucrats in disaster and crisis. In: SCHWESTER, Richard (ed.). Handbook of critical incident analysis. New York & Oxon: Routledge, 2014. p. 210-245.; MATLAND, 1995MATLAND, Richard E. Synthesizing the implementation literature: the ambiguity-conflict model of policy implementation. Journal of Public Administration Research and Theory, Oxford, v. 5, n. 2, p. 145-174, 1995. DOI 10.1093/oxfordjournals.jpart.a037242.
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). Por fim, a vivência da crise aumenta o sofrimento - pela necessidade de lidar com a morte, para parte da BNR - e a sensação de risco ao qual estão expostos pelas próprias doenças e condições de trabalho. Assim, ao mesmo tempo em que o enfrentamento à crise de Covid-19 exige a ação intensiva da BNR, estes estão expostos a uma situação crítica que impacta a sua maneira de atuação, agravando ou alterando as condições já identificadas pela literatura (ALCADIPANI et al., 2020ALCADIPANI, Rafael et al. Street-level bureaucrats under Covid-19: police officers’ responses in constrained settings. Administrative Theory and Praxis, Armonk, v. 42, n. 3, p. 394-403, 2020. DOI 10.1080/10841806.2020.1771906.
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; DUNLOP et al., 2020DUNLOP, Adrian et al. Challenges in maintaining treatment services for people who use drugs during the Covid-19 pandemic. Harm Reduction Journal, [Online] v. 17, n. 1, p. 1-7, 2020. DOI 10.1186/s12954-020-00370-7.
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).

Considerando esse contexto, este artigo visa a compreender os diversos efeitos da pandemia na atuação cotidiana da BNR de diferentes setores no contexto brasileiro. A escolha das áreas investigadas pretendeu priorizar políticas estratégicas para a população, tanto as centrais no enfrentamento à pandemia, como saúde e assistência social, quanto outras essenciais, que foram diretamente impactadas pelas novas dinâmicas de interação social, mas não estão imediatamente relacionadas ao combate à doença, como é o caso da educação, da segurança pública e da assistência jurídica gratuita. Embora essas diferentes áreas apresentem dinâmicas de trabalho particulares, uma vez que muitas delas estão inseridas em sistemas próprios, como SUS ou SUAS, por exemplo, são similares os desafios da linha de frente nesse momento de crise (GOFEN; LOTTA, 2021GOFEN, Anat; LOTTA, Gabriela. Street-level bureaucrats at the forefront of pandemic response : a comparative perspective street-level. Journal of Comparative Policy Analysis: Research and Practice, [Online], p. 1-13, 2021. DOI 10.1080/13876988.2020.1861421.
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).

Metodologicamente, este artigo é baseado em análises exploratórias a partir dos dados coletados por um grupo de pesquisa voltado a analisar as implicações das novas dinâmicas de trabalho dos BNR impostas pela experiência de pandemia de Covid-19 no caso brasileiro. Entre março e agosto de 2020, foram coletados dados de diferentes políticas por meio de entrevistas, análise documental das mudanças legais e realização de surveys e debates virtuais com profissionais da gestão e da linha de frente das áreas de políticas públicas estudadas.

A análise conduzida nos levou a identificar três categorias atuando na pandemia: (i) aqueles que trabalham diretamente no enfrentamento da crise; (ii) aqueles que continuaram a trabalhar presencialmente, embora sem relação com as respostas à Covid-19; e (iii) profissionais que passaram a trabalhar de forma remota, mas mantendo a característica de entregar diretamente a política pública à população. As análises sugerem que existem diferentes tipos de dinâmicas sendo experienciadas por esses profissionais durante a pandemia. De maneira geral, os resultados mostram que três principais fatores influenciaram o exercício cotidiano das funções dos BNR em contexto de crise: (i) processos de centralização decisória; (ii) maiores níveis de ambiguidade, ou seja, de incertezas que permeiam as práticas de formulação e implementação das políticas públicas; e (iii) maior grau de conflito político em torno dos possíveis cursos de ação na resposta à pandemia que tem comprometido o tempo de resposta e a coordenação. Tais fatores prejudicam a capacidade dos trabalhadores da linha de frente de atuarem na oferta de serviços públicos com qualidade (TAVARES; SILVEIRA; PAES-SOUSA, 2020TAVARES, Amarílis Busch; SILVEIRA, Fabrício; PAES-SOUSA, Rômulo. Proteção social e Covid-19: a resposta do Brasil e das maiores economias da América Latina. Revista NAU Social, Salvador, v. 11, n. 20, p. 111-129, 2020. DOI 10.9771/ns.v11i20.36599.
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).

O artigo está estruturado em quatro seções, além desta introdução e das considerações finais. A segunda seção apresenta o conceito de Burocracia de Nível de Rua. A terceira apresenta os métodos de coleta e análise de dados, enquanto a quarta traz a análise e a discussão dos resultados encontrados, organizada pelos diferentes tipos de impactos na BNR. Por fim, a quinta seção aponta discussões sobre o papel da BNR e suas influências, conflitos e ambiguidades na implementação de políticas públicas em meio à pandemia de Covid-19 no Brasil.

Burocracia de nível de rua: da rotina à emergência

A burocracia de nível de rua (BNR) é composta por profissionais que atuam na linha de frente dos serviços públicos e implementam políticas públicas na interação cotidiana com usuários e usuárias (LIPSKY, 2010LIPSKY, Michael. Street-level bureaucracy: dilemmas of the individual in public service. 3. ed. New York: Russell Sage Foundation, 2010.). São exemplos típicos de BNR professores, policiais, assistentes sociais e profissionais de saúde. Também são BNR profissionais que realizam interações diretas com a população, como agentes penitenciários, defensores públicos e trabalhadores de serviços de atendimento. A literatura contemporânea considera que profissionais da linha de frente podem ser considerados como BNR independentemente de seu vínculo profissional ou sistema de contratação, uma vez que é a sua posição enquanto provedor de serviços na interação direta com o usuário que o enquadra na categoria de BNR (LIPSKY, 2010LIPSKY, Michael. Street-level bureaucracy: dilemmas of the individual in public service. 3. ed. New York: Russell Sage Foundation, 2010.).

Em suas interações cotidianas, a burocracia de nível de rua transforma as orientações gerais das políticas em decisões alocativas que culminam em serviços concretos para a população (BRODKIN, 2012BRODKIN, Evelyn Z. Reflections on street-level bureaucracy: past, present, and future. Public Administration Review, Washington, D. C., v. 72, n. 6, p. 940-949, 2012. DOI 10.111/j.1540-6210.2012.02657.x.Book.
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). Esse processo é operado com base na discricionariedade destes profissionais, isto é, na sua margem de liberdade para interpretar as regras e tomar decisões (LOTTA; SANTIAGO, 2017LOTTA, Gabriela; SANTIAGO, Ariadne. Autonomia e discricionariedade: matizando conceitos-chave para o estudo de burocracia. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais - BIB, São Paulo, v. 83, p. 21--42, 2017.). Quanto mais ambíguas e conflituosas são as políticas, maior a discricionariedade da burocracia (MATLAND, 1995MATLAND, Richard E. Synthesizing the implementation literature: the ambiguity-conflict model of policy implementation. Journal of Public Administration Research and Theory, Oxford, v. 5, n. 2, p. 145-174, 1995. DOI 10.1093/oxfordjournals.jpart.a037242.
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).

Mais de quatro décadas de literatura sobre BNR já demonstraram que as condições de trabalho desses profissionais são críticas (LIPSKY, 2010LIPSKY, Michael. Street-level bureaucracy: dilemmas of the individual in public service. 3. ed. New York: Russell Sage Foundation, 2010.): excesso de demanda e escassez de recursos; situações de trabalho imprevisíveis, pois dependem de interações não controladas; pressões tanto pelas chefias do serviço - que demandam produtividade - como pelo público com o qual interagem, o qual busca atenção, humanização e maximização de serviços (FERNANDEZ; GUIMARÃES, 2020DE FELICE, Fernanda G. et al. Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 (SARS-CoV-2) and the central nervous system. Trends in Neurosciences, [Online], v. 43, n. 6, p. 355-357, 2020. DOI 10.1016/j.tins.2020.04.004.
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; LOTTA, 2019LOTTA, Gabriela. Teorias e análises sobre implementação de políticas públicas no Brasil. Brasília: Enap, 2019.; PIRES, 2009PIRES, Roberto Rocha Coelho. Estilos de implementação e resultados de políticas públicas: fiscais do trabalho e o cumprimento da lei trabalhista no Brasil. DADOS - Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 52, n. 3, p. 735-769, 2009. DOI 10.1590/s0011-52582009000300006.
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; TUMMERS et al., 2015TUMMERS, Lars; KRUYEN, Peter M.; VIJVERBERG, Dominique M.; VOESENEK, Tessa J. Connecting HRM and change management: the importance of proactivity and vitality. Journal of Organizational Change Management, Bradford, v. 28, n. 4, p. 627-640, 2015. DOI 10.1108/JOCM-11-2013-0220.
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)

É nesse contexto que a BNR precisa tomar decisões rápidas e que podem ter repercussões críticas - como decidir sobre quais pacientes recebem tratamento hospitalar ou quais pessoas cumprem os requisitos para receber um benefício da assistência social. Embora seja, em geral, vocacionado e baseado em um ideal de heroísmo, no qual a BNR se sente ajudando a população (MAYNARD-MOODY; MUSHENO, 2012MAYNARD-MOODY, Steven; MUSHENO, Michael. Social equities and inequities in practice: street-level workers as agents and pragmatists. Public Administration Review, Washington, D. C., v. 72, p. 16-23, 2012. Supl. 1. DOI 10.1111/j.1540-6210.2012.02633.x.
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), é também um trabalho marcado por sofrimento, alienação e desmotivação (LIPSKY, 2010LIPSKY, Michael. Street-level bureaucracy: dilemmas of the individual in public service. 3. ed. New York: Russell Sage Foundation, 2010.; TUMMERS et al., 2015TUMMERS, Lars; KRUYEN, Peter M.; VIJVERBERG, Dominique M.; VOESENEK, Tessa J. Connecting HRM and change management: the importance of proactivity and vitality. Journal of Organizational Change Management, Bradford, v. 28, n. 4, p. 627-640, 2015. DOI 10.1108/JOCM-11-2013-0220.
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). Para lidar com o sofrimento, esses profissionais desenvolvem estratégias de enfrentamento à pressão - denominados de coping -, que incluem desde a racionalização do serviço até a total proteção da pessoa atendida em detrimento do cumprimento de metas (TUMMERS, 2017TUMMERS, Lars. The relationship between coping and job performance. Journal of Public Administration Research and Theory, Oxford, v. 27, n. 1, p. 150-162, 2017. DOI 10.1093/jopart/muw058.
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; TUMMERS et al., 2015TUMMERS, Lars; KRUYEN, Peter M.; VIJVERBERG, Dominique M.; VOESENEK, Tessa J. Connecting HRM and change management: the importance of proactivity and vitality. Journal of Organizational Change Management, Bradford, v. 28, n. 4, p. 627-640, 2015. DOI 10.1108/JOCM-11-2013-0220.
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).

Apesar dos inúmeros avanços teóricos da literatura de BNR, os estudos em geral analisam casos nos quais prevalecem atividades rotineiras, políticas estáveis e momentos de normalidade. Poucos trabalhos analisaram como esses profissionais lidam com momentos de emergência (HENDERSON, 2014HENDERSON, Alexander C. The critical role of street-level bureaucrats in disaster and crisis. In: SCHWESTER, Richard (ed.). Handbook of critical incident analysis. New York & Oxon: Routledge, 2014. p. 210-245.), nos quais as condições apontadas anteriormente ficam mais agravadas (DUNLOP et al., 2020DUNLOP, Adrian et al. Challenges in maintaining treatment services for people who use drugs during the Covid-19 pandemic. Harm Reduction Journal, [Online] v. 17, n. 1, p. 1-7, 2020. DOI 10.1186/s12954-020-00370-7.
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). Momentos de emergência aumentam a imprevisibilidade; agudizam a demanda e a escassez de recursos; e, devido à baixa regulamentação e à experiência acumulada para enfrentar a situação, aumentam a sensação de incerteza (DUNLOP et al., 2020DUNLOP, Adrian et al. Challenges in maintaining treatment services for people who use drugs during the Covid-19 pandemic. Harm Reduction Journal, [Online] v. 17, n. 1, p. 1-7, 2020. DOI 10.1186/s12954-020-00370-7.
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). Essa sequência de eventos inesperados e imprevisíveis, à qual chamamos de crise, perturba rotinas, processos e sistemas pré-existentes, tornando a possibilidade de coordenação ou de centralização ainda mais remota, ou quase impossível (BOIN; ’T HART, 2003BOIN, Arjen; ’T HART, Paul. Public leadership in times of crisis: mission impossible? Public Administration Review, Washington, D. C., v. 63, n. 5, p. 544-553, 2003. DOI 10.1111/1540-6210.00318.
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; FARAZMAND, 2007FARAZMAND, Ali. Learning from the Katrina crisis: a global and international perspective with implications for future crisis management. Public Administration Review,Washington, D. C., v. 67, p. 149159, 2007. DOI 10.4324/9781315095264.
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).

Uma emergência como a ocasionada pela disseminação da Covid-19 traz ainda outras consequências para a atuação da BNR. A primeira é que o seu enfrentamento depende, basicamente, da atuação destes burocratas (GOFEN; LOTTA, 2021GOFEN, Anat; LOTTA, Gabriela. Street-level bureaucrats at the forefront of pandemic response : a comparative perspective street-level. Journal of Comparative Policy Analysis: Research and Practice, [Online], p. 1-13, 2021. DOI 10.1080/13876988.2020.1861421.
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) - como profissionais de saúde atendendo pacientes; profissionais da assistência social cadastrando famílias para distribuição de renda básica; profissionais da segurança atuando para garantir medidas de isolamento, entre outros. A segunda é o aumento dos riscos e da sensação de sofrimento dos profissionais, que se veem em situações extremas - de vida ou morte - e são expostos diretamente à contaminação, intensificando a sua sensação de insegurança (KHANAL et al., 2020KHANAL, Pratik et al. Mental health impacts among health workers during Covid-19 in a low resource setting: a cross-sectional survey from Nepal. Globalization and Health, [Online], v. 16, n. 1, p. 1-12, 2020. DOI 10.1186/s12992-020-00621-z.
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). Tal sentimento pode ser potencializado em contextos de conflitos políticos e ausência de coordenação intergovernamental, como no caso brasileiro (ABRUCIO et al., 2020ABRUCIO, Fernando et al. Combate à Covid-19 sob o federalismo bolsonarista : um caso de descoordenação intergovernamental. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 54, n. 4, p. 663-677, 2020. DOI 10.1590/0034-761220200354.
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), resultando no aumento da incerteza sobre as melhores formas de agir para, simultaneamente, prover o atendimento adequado à população e garantir a segurança da linha de frente.

Analisar a percepção das BNR sobre a sua atuação durante uma crise e as consequências para o seu trabalho é, portanto, uma oportunidade única para entender como esses profissionais reagem e se sentem em momentos ainda mais críticos do que aqueles postos como “normalidade” (BRODKIN, 2021BRODKIN, Evelyn Z. street-level organizations at the front lines of crises. Journal of Comparative Policy Analysis: Research and Practice, [Online], p. 1-14, 2021. DOI 10.1080/13876988.2020.1848352.
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). É também uma forma de entender um lócus específico do Estado, às vezes invisível (DUBOIS, 1999DUBOIS, Vicent. La vie au guichet. Relation administrative et traitement de la misère. 3. ed. Paris: Economica, 1999. (Collection Études Politiques).), em que as políticas se corporificam, e qual a consequência da crise para a materialização da ação estatal - os desafios, as respostas que surgem e as inovações criadas em meio à pandemia.

Métodos de coleta e análise dos dados

Este é um estudo de caráter exploratório, cujo levantamento de dados baseou-se em diversas estratégias metodológicas, configurando-se, assim, como exploratory mixed method (CRESWELL, 2013CRESWELL, John W. Qualitative inquiry and research design: choosing among five approaches. Thousand Oaks, California: SAGE Publications, 2013. ), uma vez que combina métodos de coleta de dados qualitativos e quantitativos. A pesquisa foi aprovada em Comitê de Ética, cujo parecer foi emitido em 29 de junho de 2020. Optou-se por realizar uma análise que contempla diversos profissionais da BNR, caracterizada por um alto nível de interação com os(as) usuários(as) e espaço de discricionariedade, sendo o elo entre a população e o Estado (LIPSKY, 2010LIPSKY, Michael. Street-level bureaucracy: dilemmas of the individual in public service. 3. ed. New York: Russell Sage Foundation, 2010.). Tal decisão permitiu analisar as experiências desses(as) profissionais e traçar uma tipologia sobre a adaptação de suas atividades no contexto de pandemia da Covid-19.

Com o intuito de identificar as percepções sobre os efeitos da pandemia nos procedimentos e rotinas de trabalho, realizamos uma triangulação de informações coletadas em fontes complementares. Essa triangulação nos permitiu contrastar dados de caráter primário (entrevistas, questionário, discussões em debates/seminários temáticos) e secundário (análise documental de diretrizes do governo federal com recomendações sobre adaptações nos processos de trabalho destes profissionais).

Primeiro foi realizada uma análise documental para compreender como o governo tem reorganizado os serviços do nível da rua nas áreas de saúde, assistência social, segurança e educação em meio ao contexto da pandemia da Covid-19. Foram analisadas 26 normativas criadas pelo governo federal entre março e agosto de 2020, com o intuito de capturar as propostas de readequação desses serviços, tanto em termos de adoção de novos protocolos de trabalho como de definição de prioridades. Embora várias dessas políticas sejam também regulamentadas pelo nível municipal, optou-se por analisar apenas as diretrizes nacionais, dada a inviabilidade de se debruçar sobre todas as diretrizes subnacionais. Ademais, entende-se que as normativas federais devem cumprir o papel de orientar as demais normativas locais, sobretudo nas áreas de saúde e assistência social, nas quais o governo federal atua como coordenador do sistema (ARRETCHE, 2012ARRETCHE, Marta. Democracia, federalismo e centralização no Brasil. São Paulo: Editora FioCruz; Editora FGV, 2012. ).

Em segundo lugar, foi realizado um levantamento qualitativo a partir de debates virtuais com profissionais de diferentes serviços públicos. Entre março e agosto de 2020, foram organizados 17 seminários com burocratas de nível de rua, especialistas e profissionais envolvidos em políticas públicas como saúde, assistência social, educação, segurança pública, habitação, transporte público, limpeza urbana e combate ao trabalho escravo contemporâneo. Os debates foram planejados e organizados por pesquisadores associados ao Núcleo de Estudos da Burocracia da Fundação Getulio Vargas (NEB - EAESP FGV), gravados e transcritos para posterior análise e amplamente divulgados. O objetivo era compreender, a partir do ponto de vista dos profissionais e especialistas, como a pandemia havia afetado a implementação dessas políticas públicas. Nesses encontros, coletaram-se diversos depoimentos de trabalhadores e ativistas, debatendo-se ainda coletivamente os impactos, os desafios e as consequências da crise para o trabalho no nível da rua. No total, participaram 65 debatedores, dos quais 28 eram BNR, e os demais, pesquisadores, integrantes de organizações da sociedade civil e membros do legislativo. Um blog de um jornal de alta circulação publicou os resultados dessas discussões7 7 https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/ (Blog Gestão, Política e Sociedade, no Estadão).

Em terceiro lugar, levantaram-se dados com aplicação de surveys online8 8 As notas técnicas referentes a cada uma das surveys estão disponíveis em: https://neburocracia.wordpress.com/publicacoes/ , com amostra não randômica. Recebemos respostas de 8.108 profissionais da linha de frente de todo o país, sendo 3.594 da saúde, 1.540 policiais, 1.530 da assistência social, 914 agentes prisionais e 530 profissionais das defensorias públicas. Os questionários foram aplicados em duas etapas distintas: entre abril e maio e entre junho e julho de 2020. As respostas foram voluntárias, e os links de acesso, disseminados por meio de redes sociais e parcerias com organizações de trabalhadores. O intuito dessa coleta não foi gerar dados estatisticamente significativos, dado que o desenho amostral não é probabilístico, mas sim promover diagnósticos exploratórios dinâmicos sobre a realidade destes profissionais. A amostra por conveniência é comumente utilizada em estudos organizacionais (BRYMAN, 2016BRYMAN, Alan. Social research methods. 5. ed. Oxford: Oxford University Press, 2016.).

A estrutura das surveys era composta por questões comuns a todas as BNR, mas apresentava especificidades que variaram conforme o contexto de cada política. O bloco geral dividiu-se em questões relacionadas: ià sensação de riscos; (ii) às condições materiais e institucionais de trabalho; (iii) às mudanças nas rotinas de trabalho; (iv) à articulação com outros serviços; e (v) às emoções pessoais e no contato com a população durante o período de enfrentamento à crise. Em cada questão, foram feitas as devidas adaptações para adequá-las ao contexto da profissão. Formularam-se as perguntas à luz da literatura de BNR e de estudos exploratórios sobre os efeitos da pandemia de Covid-19 no bem-estar e nas dinâmicas de trabalho das e dos profissionais dos serviços públicos (DE FELICE et al., 2020DE FELICE, Fernanda G. et al. Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 (SARS-CoV-2) and the central nervous system. Trends in Neurosciences, [Online], v. 43, n. 6, p. 355-357, 2020. DOI 10.1016/j.tins.2020.04.004.
https://doi.org/10.1016/j.tins.2020.04.0...
; LAI et al., 2020LAI, Jianbo et al. Factors associated with mental health outcomes among health care workers exposed to coronavirus disease 2019. JAMA Network Open, [Online], v. 3, n. 3, p. 1-12, 2020. DOI 10.1001/jamanetworkopen.2020.3976.
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). Os questionários foram revisados por pares e grupos de profissionais e contaram com perguntas que produzem variáveis qualitativas nominais (lista de opções previamente estabelecida), dicotômicas (Sim ou Não) e abertas.

A última estratégia de coleta de dados foi a realização de entrevistas com representantes de alguns setores (presidentes de sindicatos da área de segurança, assistência social e saúde) para compreender como essas entidades têm orientado seus profissionais e buscado estratégias de cobrança dos governos para o enfrentamento à pandemia. No total, conduziram-se oito entrevistas, com duração de aproximadamente 30 minutos cada, por telefone ou videoconferência. As entrevistas seguiram roteiro semiestruturado, que se baseou, principalmente, nas categorias extraídas dos resultados das surveys e da análise documental. As entrevistas foram transcritas e analisadas em combinação com os demais dados.

Realizamos uma estatística descritiva dos indicadores capturados por respostas fechadas das surveys. Para a análise dos dados de natureza qualitativa, foram utilizadas ferramentas de análise de conteúdo para categorizar as respostas e identificar padrões nos relatos (BARDIN, 1994BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1994.; SALDAÑA, 2009SALDAÑA, Johnny. The coding manual for qualitative researchers. Thousand Oaks, California: SAGE Publications, 2009. ). Esses dados foram analisados em três rodadas. Na primeira, codificamos os dados levantando elementos para responder às questões: (i) o que a BNR está sentindo na crise?; (ii) como a crise alterou o trabalho da BNR?; e (iii) como as alterações do trabalho da BNR afetaram a população? Após essa primeira etapa de codificação, reorganizamos os dados buscando encontrar padrões e tendências sobre as condições de trabalho e percepção desses(as) profissionais sobre mudanças em seu trabalho durante a crise. Ao fim desse processo, identificamos três tipos de dinâmicas diferentes, referentes ao tipo de serviço realizado pelas diversas categorias profissionais da BNR durante a pandemia.

Após a análise dos dados coletados por cada método, triangulamos as informações, buscando compreender como as diferentes fontes explicavam o que acontecia com a BNR durante a pandemia. Analisamos em que medida as propostas colocadas nos documentos e normativas se refletiam na maneira como os profissionais estavam vivenciando a pandemia, observando o seu (des)alinhamento com os testemunhos provindos das surveys e das entrevistas. Essas informações trianguladas serviram para a construção das análises apresentadas a seguir.

Análise e discussão dos resultados: efeitos da pandemia no trabalho da BNR

A análise dos dados evidenciou três grupos distintos de BNR frente à pandemia: o primeiro grupo, cuja função é enfrentar a crise e suas consequências na linha de frente; o segundo, que continua prestando serviços presenciais durante a crise, mas cujo papel não é enfrentá-la diretamente; e o terceiro, cujo trabalho foi drasticamente alterado durante a crise, justamente para que saíssem da linha de frente presencial e migrassem para o trabalho remoto. Essa separação entre grupos pode ser vista na análise documental, que mostra como algumas categorias profissionais foram classificadas como essenciais durante a pandemia (saúde, assistência social e segurança) enquanto para outras categorias profissionais a regulamentação voltou-se ao trabalho remoto. Essas diferenças também apareceram nos demais dados. A seguir, apresentamos detalhadamente cada grupo e as consequências da crise para eles.

BNR que enfrenta a crise e suas consequências de forma presencial

O primeiro grupo se refere a profissionais que atuam em serviços considerados essenciais no enfrentamento à pandemia ou às suas consequências, que seguem trabalhando de forma presencial e em contato cotidiano com a população. Nesse grupo, enquadra-se parte substancial de quem atua nas áreas de saúde, assistência social e segurança pública.

No mundo todo, a atuação da BNR tem se mostrado crucial na pandemia, garantindo que o Estado possa responder à crise de saúde pública e as suas consequências socioeconômicas adversas (DUNLOP et al., 2020DUNLOP, Adrian et al. Challenges in maintaining treatment services for people who use drugs during the Covid-19 pandemic. Harm Reduction Journal, [Online] v. 17, n. 1, p. 1-7, 2020. DOI 10.1186/s12954-020-00370-7.
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). No Brasil, ganha importância adicional, dadas a vulnerabilidade social, à qual uma significativa parcela da população está exposta, e a sua dependência de serviços públicos (COSTA, 2019COSTA, Sérgio. Desigualdades, interdependência e políticas sociais no Brasil. In: PIRES, Roberto Rocha Coelho (org.). Implementando desigualdades: reprodução de desigualdades na implementação de políticas públicas. Rio de Janeiro: Ipea, 2019. p. 53-77. Available at: Available at: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=34743 . Accessed on: October 01st, 2020.
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). Buscando garantir o acesso dessas pessoas às políticas vigentes e às iniciadas como resposta à pandemia, esses BNR não podem atuar com distanciamento social e precisam seguir trabalhando nas ruas e nos equipamentos públicos. Como a viabilização de sua atividade profissional implica, necessariamente, o contato direto com cidadãos e a exposição ao risco de contaminação ou de transmissão do vírus, as pressões e as incertezas que permeiam o cotidiano do trabalho desses BNR são brutalmente exponenciadas, exacerbando as fragilidades já vivenciadas por quem trabalha na linha de frente (PIRES, 2020PIRES, Roberto Rocha Coelho. Nota Técnica n. 33 (Diest): os efeitos sobre grupos sociais e territórios vulnerabilizados das medidas de enfrentamento à crise sanitária da Covid-19: propostas para o aperfeiçoamento da ação pública. Brasília: Ipea, abr. 2020. Available at: Available at: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/200408_nota_tenica_diest.pdf . Accessed on: May 29th, 2020.
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).

Esse cenário provoca diferentes consequências na atuação dos BNR. A primeira é o aumento da demanda de trabalho, situação explicitada no setor de saúde. Isso também acontece no âmbito da política de assistência social, na qual os mais vulneráveis à crise, como a população em situação de rua e as pessoas em condições mais precárias de habitação, trabalho e renda, também requerem cuidados adicionais (BENEDITO et al., 2020BENEDITO, Beatriz Soares et al. E quem não tem casa? Estado de São Paulo, São Paulo, 21 jul. 2020. Blog Gestão, Política & Sociedade. Available at: Available at: https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/e-quem-nao-tem-casa/ . Accessed on: July 22nd,2020.
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; KRIEGER et al., 2020KRIEGER, Morgana G. Martins et al. Desigualdade urbana e redes de solidariedade: as periferias e favelas no enfrentamento à pandemia. Estado de São Paulo, São Paulo, 25 maio 2020. Blog Gestão, Política & Sociedade. Available at: Available at: https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/desigualdade-urbana-e-redes-de-solidariedade-as-periferias-e-favelas-no-enfrentamento-a-pandemia/ . Accessed on: May 26th, 2020.
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; LIMA et al., 2020LIMA, Débora Dossiatti de et al. Ocupações, cortiços e a pandemia: entre a criminalização e a solidariedade. Estado de São Paulo, São Paulo, 29 jun. 2020. Blog Gestão, Política & Sociedade. Available at: Available at: https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/ocupacoes-corticos-e-a-pandemia-entre-a-criminalizacao-e-a-solidariedade/ . Accessed on: June 19th, 2020.
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). Ademais, considerando-se que as medidas de isolamento social atingem diretamente as famílias dos mais de 36 milhões de trabalhadores informais do país (IBGE, 2020IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Primeiro Trimestre de 2020. Brasília: IBGE, 2020. Available at: Available at: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/2421/pnact_2020_1tri.pdf . Accessed on: June 11th, 2020.
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), surgiram novas demandas daqueles que não utilizavam os serviços da assistência social antes da crise. Nessa situação, profissionais da área tornam-se essenciais para viabilizar o programa Renda Básica Emergencial (BRASIL, 2020BRASIL. Lei n. 13.982. Altera a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, para dispor sobre parâmetros adicionais de caracterização da situação de vulnerabilidade social para fins de elegibilidade ao benefício de prestação continuada (BPC), e estabelece medidas excepcionais de proteção social a serem adotadas durante o período de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19) responsável pelo surto de 2019, a que se refere a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Diário Oficial da União, Brasília, DF, ano CLVIII, n. 64-A, Seção 1, 2 abr. 2020. Available at: Available at: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=02/04/2020&jornal=600&pagina=1 . Acessed on: July 05th, 2020.
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), que obteve 97 milhões de pedidos (MÁXIMO, 2020MÁXIMO, Wellton. Cerca de 12,4 milhões devem refazer cadastro no auxílio emergencial. Agência Brasil - EBC, Brasília, 4 maio 2020. Available at: Available at: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-05/cerca-de-124-milhoes-devem-refazer-cadastro-no-auxilio-emergencial . Accessed on: July 10th, 2020.
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). Nos serviços dentro das penitenciárias, a demanda também aumenta devido ao afastamento de agentes prisionais de grupos de risco, sobrecarregando o trabalho daqueles e daquelas que continuam na ativa (LIMA; LOTTA, 2020LIMA, Carlos Eduardo; LOTTA, Gabriela. Sem home office para os servidores da linha de frente: o trabalho nas prisões em tempos. Estado de São Paulo, São Paulo, 18 maio 2020. Blog Gestão, Política & Sociedade. Available at: Available at: https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/sem-home-office-para-os-servidores-da-linha-de-frente-o-trabalho-nas-prisoes-em-tempos-de-pandemia/ . Accessed on: May 19th, 2020.
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).

Como segunda consequência, profissionais desse grupo são altamente impactados pelo risco de contágio e adoecimento próprio e da sua família. Como exemplo, destaca-se o triste pódio do Brasil no índice mundial de mortalidade entre enfermeiras decorrente da Covid-19 (ARAGÃO, 2020ARAGÃO, Érica. Em 3 meses, quase triplica número de mortes de enfermeiros no Brasil do descaso. Central Única dos Trabalhadores, [Online], 2020. Available at: Available at: https://www.cut.org.br/noticias/em-3-meses-quase-triplica-numero-de-mortes-de-enfermeiros-no-brasil-do-descaso-f1cb . Accessed on: 22 September 2020.
https://www.cut.org.br/noticias/em-3-mes...
). Além disso, podem se transformar em vetores de contágio, transmitindo a doença para a população que atendem. É o que ocorre no sistema carcerário, no qual as atuais condições de superlotação e insalubridade já favorecem as altas taxas de infecção e mortalidade decorrentes de Covid-19, tanto entre profissionais quanto pessoas presas (CORTEZ et al., 2020CORTEZ, Ana et al. O colapso pela morte: o sistema prisional na pandemia. Estado de São Paulo, São Paulo, May 07th, 2020. Blog Gestão, Política & Sociedade. Available at: Available at: https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/o-colapso-pela-morte-o-sistema-prisional-na-pandemia/ . Accessed on: May 08th, 2020.
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; LIMA; LOTTA, 2020LIMA, Carlos Eduardo; LOTTA, Gabriela. Sem home office para os servidores da linha de frente: o trabalho nas prisões em tempos. Estado de São Paulo, São Paulo, 18 maio 2020. Blog Gestão, Política & Sociedade. Available at: Available at: https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/sem-home-office-para-os-servidores-da-linha-de-frente-o-trabalho-nas-prisoes-em-tempos-de-pandemia/ . Accessed on: May 19th, 2020.
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). Até a primeira quinzena de setembro de 2020, foram oficialmente confirmadas 121 mortes, além da contaminação de 35 mil pessoas presas, sendo que apenas 8,34% da população carcerária do país foi testada (CEPEDISA; CONECTAS DIREITOS HUMANOS, 2020CEPEDISA; CONECTAS DIREITOS HUMANOS. Direitos na pandemia. Mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil. Boletim, São Paulo, n. 09, p. 1-15, Nov 26th, 2020.Available at: Available at: https://www.conectas.org/wp/wp-content/uploads/2020/11/09boletimcovid_07.pdf . Accessed on: Dec 05th, 2020.
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). As consequências dessa realidade são, além do próprio adoecimento, o aumento de medo e sofrimento mental. Em vários setores houve afastamento de profissionais de atendimento que estão entre grupos de risco. Os dados das surveys de junho de 2020 - que contaram com 3.842 participantes, entre os quais 613 profissionais do sistema penitenciário, 2.138 da saúde e 1.091 da assistência social - mostram que, em média, 85,6% dos profissionais sentem medo do contágio e 76,1% disseram que a sua saúde mental foi afetada pela pandemia. Ainda, 74,4% deles conhecem pessoas que já adoeceram.

A terceira consequência da crise é o impacto nas rotinas de profissionais que se sentem na obrigação de criar protocolos de atendimento e critérios para tomada de decisão, de forma a tentar garantir tanto a sua segurança quanto a continuidade do trabalho. É o caso dos profissionais da atenção primária à saúde, que precisam, por exemplo, alterar a forma como executam as visitas domiciliares, que passaram a ser realizadas ou via telefone e WhatsApp ou pelo “portão” das casas, respeitando a distância física. Também é o caso dos profissionais de centros de acolhida, que mudaram procedimentos de recepção e cuidado de usuários em situação de rua e de pessoas em situação de violência doméstica; e dos policiais que precisam mudar padrões de abordagem e revista (ALCADIPANI et al., 2020ALCADIPANI, Rafael et al. Street-level bureaucrats under Covid-19: police officers’ responses in constrained settings. Administrative Theory and Praxis, Armonk, v. 42, n. 3, p. 394-403, 2020. DOI 10.1080/10841806.2020.1771906.
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).

A última consequência é que profissionais desse grupo estão expostos, pela natureza do trabalho, a desafios adicionais na operacionalização de suas tarefas. Um exemplo é a dificuldade em garantir o funcionamento seguro dos Núcleos de Convivência para Adultos em Situação de Rua, cada dia mais cheios, devido ao aumento da vulnerabilidade socioeconômica. Outro é a dificuldade de assegurar condições dignas de trabalho a agentes prisionais, policiais penais e de abrigo aos aprisionados no sistema carcerário, dado o atual contexto em que fragilidades do sistema (SEQUEIRA; BIONDI; GODOI, 2020SEQUEIRA, Ítalo Barbosa Lima ; BIONDI, Karina; GODOI, Rafael. Los efectos del coronavirus en las cárceles de Latino América. SOCLA; CELIV, jun. 2020. Available at: Available at: https://ponte.org/wp-content/uploads/2020/07/Brasil-Informe-Regional-Efectos-de-Covid19-en-cárceles-Lat_brasil.pdf . Accessed on: September 01st, 2020.
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) coexistem com a impossibilidade de isolamento individual de casos com suspeita e com o risco do contágio por Covid-19.

Pode-se dizer que, de certa forma, esses efeitos são vivenciados pela BNR no mundo todo, mesmo com graus e formas diferentes. No entanto, a forma como o Estado brasileiro tem enfrentando a pandemia agrava tais condições já tão difíceis. Os dados da survey de junho de 2020 demonstram o sentimento de desamparo por parte desses profissionais, reforçado pela ausência de respostas institucionais ou de informações para a BNR. A pesquisa indicou que 71% se sentem despreparados para lidar com a crise, situação exacerbada pela percepção de falta de suporte dos três níveis de governo: 53% responderam que o governo municipal não tem dado suporte, número que sobe para 62% no nível do governo estadual e 78% quando se trata do governo federal.

Esses sentimentos são justificados quando analisamos as normativas (ou falta delas) que poderiam orientar novas formas de trabalho destes BNR. Houve um descompasso temporal entre a necessidade de proteção dos profissionais e seu reconhecimento legal. Foi apenas na Lei n. 14.023, de julho de 2020, que se definiram como essenciais esses profissionais e, portanto, o setor público foi obrigado a distribuir equipamentos de proteção individual (EPIs) e a adotar medidas de proteção, cuja implementação dependeria de recursos disponíveis. Além disso, as normativas setoriais das políticas também se mostraram tardias ou pouco assertivas. Nesse sentido, por exemplo, na área de saúde, não foram elaboradas, até julho, normativas voltadas à reorganização da atenção primária. E aquelas voltadas a agentes comunitários de saúde saíram repletas de ambiguidades e conflitos (LOTTA et al., 2020LOTTA, Gabriela et al. Community health workers reveal Covid-19 disaster in Brazil. The Lancet, [Online], v. 396, n. 10248, p. 365-366, 2020. DOI 10.1016/S0140-6736(20)31521-X.
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). Em geral, as normativas publicadas pouco regulamentaram a atuação dos BNR, dispondo, principalmente, sobre o funcionamento administrativo do âmbito municipal e regulamentando as atividades do setor privado.

Somada à dimensão legal, a falta de suporte também se materializa na não disponibilização dos EPIs necessários para a proteção destes profissionais e na falta de treinamentos, necessários para maior segurança sobre as mudanças no trabalho relativas à pandemia. Os dados das surveys mostram que, em abril, 36% dos respondentes tinham recebido EPIs, sendo que, em julho, esse número subiu para apenas 50%. Com relação ao treinamento, em abril apenas 21% haviam recebido qualquer formação e em julho a média subiu para 24%. Apenas 15% relatam ter contado apoio para cuidar da saúde mental.

Esse cenário de fragmentação e de acentuada incerteza procedimental amplia o espaço de discricionariedade da burocracia de nível da rua. No entanto, a falta de suporte e condições materiais impacta na maneira como tal discricionariedade pode ser exercida. Assim, por um lado, isso pode significar um foco maior em cidadãs e cidadãos, bem como em suas necessidades, de modo a potencializar o cuidado e o acesso a direitos à população mais vulnerável com base em sentimentos de vocação e heroísmo (MAYNARD-MOODY; MUSHENO, 2003MAYNARD-MOODY, Steven; MUSHENO, Michael. Cops, teachers, councelors: stores from the front lines of public service. Michigan: University of Michigan Press, 2003. DOI 10.3998/mpub.11924.
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). Por outro lado, isso pode implicar ainda uma racionalização extremada do processo de implementação da política, como se observa nos relatos de alguns profissionais de saúde pública, que alegam ser necessário definir critérios e selecionar quem acessa os disputados serviços de cuidado intensivo nos casos de colapso desse sistema.

Para a população, a consequência desse cenário é uma potencialização de problemas estruturais da sociedade brasileira na prestação de serviços públicos, como saúde, assistência e segurança. Efeitos diretos são vivenciados por grupos mais vulneráveis que dependem desses serviços, como a população mais pobre (BENEDITO et al., 2020BENEDITO, Beatriz Soares et al. E quem não tem casa? Estado de São Paulo, São Paulo, 21 jul. 2020. Blog Gestão, Política & Sociedade. Available at: Available at: https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/e-quem-nao-tem-casa/ . Accessed on: July 22nd,2020.
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; COSTA et al., 2020COSTA, Marco Aurélio et al. Nota Técnica 15 (Dirur): apontamentos sobre a dimensão territorial da pandemia da Covid-19 e os fatores que contribuem para aumentar a vulnerabilidade socioespacial nas unidades de desenvolvimento humano de áreas metropolitanas brasileiras. Brasília: Ipea, abr. 2020. Available at: Available at: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=35497&catid=3&Itemid=3 . Accessed on: August 15th, 2020.
https://www.ipea.gov.br/portal/index.php...
; KRIEGER et al., 2020KRIEGER, Morgana G. Martins et al. Desigualdade urbana e redes de solidariedade: as periferias e favelas no enfrentamento à pandemia. Estado de São Paulo, São Paulo, 25 maio 2020. Blog Gestão, Política & Sociedade. Available at: Available at: https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/desigualdade-urbana-e-redes-de-solidariedade-as-periferias-e-favelas-no-enfrentamento-a-pandemia/ . Accessed on: May 26th, 2020.
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; LIMA et al., 2020LIMA, Débora Dossiatti de et al. Ocupações, cortiços e a pandemia: entre a criminalização e a solidariedade. Estado de São Paulo, São Paulo, 29 jun. 2020. Blog Gestão, Política & Sociedade. Available at: Available at: https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/ocupacoes-corticos-e-a-pandemia-entre-a-criminalizacao-e-a-solidariedade/ . Accessed on: June 19th, 2020.
https://politica.estadao.com.br/blogs/ge...
) e grupos específicos da população, como as mulheres (NUNES et al., 2020NUNES, Ana Carolina et al. Direitos não entram em quarentena: é preciso atenção às mulheres em risco. Estado de São Paulo, São Paulo, 21 maio 2020. Blog Gestão, Política & Sociedade. Available at: Available at: https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/direitos-nao-entram-em-quarentena-e-preciso-atencao-as-mulheres-em-risco/ . Accessed on: May 22nd, 2020.
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), e a população negra (SANTOS et al., 2020SANTOS, Alexsandro et al. CPFs negros importam? Racismo estrutural e políticas públicas no contexto da Covid-19. Estado de São Paulo, São Paulo, 11 maio 2020. Blog Gestão, Política & Sociedade. Available at: Available at: https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/cpfs-negros-importam-racismo-estrutural-e-politicas-publicas-no-contexto-da-covid-19/ . Accessed on: May 12th, 2020.
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).

BNR que trabalha presencialmente durante a crise, mas não a enfrenta diretamente

O segundo grupo contempla a BNR que continua trabalhando de forma presencial durante a pandemia, mas cuja função não é enfrentá-la. Exemplos são os profissionais do transporte público, da limpeza urbana e do combate ao trabalho escravo. Como são serviços essenciais, esses profissionais precisam continuar exercendo o seu trabalho na rua. Diferentemente do grupo anterior, eles não têm um aumento radical da demanda e tampouco transformação profunda nas práticas que realizam. Por outro lado, dada a natureza interativa de seus trabalhos, são expostos a riscos, que precisam ser minimizados.

Dessa forma, seria central a garantia de proteção física, por meio da disponibilização de EPIs, da realização de treinamentos e da reorganização do trabalho. Algumas decisões centrais deveriam ser tomadas de forma diretiva pelos governos para apoiar essas BNR, ultrapassando o mero exercício individual da discricionariedade. Por exemplo: como um motorista de ônibus deve reagir a passageiros sem máscara? Como profissionais da limpeza urbana têm de mudar seus procedimentos para diminuir o risco de contágio? Como riscos de contágio influenciam nas dinâmicas das operações de resgate de trabalhadores análogos à escravidão?

Analisando o caso brasileiro, vimos que, assim como no primeiro grupo, essas BNRs não têm recebido as devidas atenção e proteção. Na cidade de São Paulo, por exemplo, a obrigatoriedade do uso de máscaras em ônibus se deu apenas no final de abril (SÃO PAULO, 2020SÃO PAULO. Decreto n. 59.384. Determina a obrigatoriedade do uso de máscaras de proteção facial no âmbito do serviço de transporte municipal de passageiros. Diário Oficial Cidade de São Paulo, São Paulo, SP, ano 65, n. 80, 30 abr. 2020. Available at: Available at: http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/decreto-59384-de-29-de-abril-de-2020 . Accessed on: May 11th, 2020.
http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/l...
), mais de um mês após o início da pandemia. Por sua vez, até agosto, o sindicato de motoristas de ônibus municipais contabilizou 246 casos positivos e 68 mortes por Covid-19 (BAZANI, 2020BAZANI, Adamo. Sistema de ônibus de São Paulo tem 246 funcionários confirmados com Covid-19 e 68 mortos. Diário do Transporte, São Paulo, 2020. Available at: Available at: https://diariodotransporte.com.br/2020/08/18/sistema-de-onibus-de-sao-paulo-tem-246-funcionarios-confirmados-com-covid-19-e-68-mortos/ . Accessed on : 10 September. 2020.
https://diariodotransporte.com.br/2020/0...
). Na área de limpeza urbana, os resíduos descartados pela sociedade são importante foco de contaminação para esses trabalhadores, que, sem acesso a EPIs adequados, podem tornar-se potenciais vetores de contaminação tanto entre familiares quanto em meio às comunidades onde residem.

Em relação ao enfrentamento do trabalho escravo contemporâneo, no primeiro semestre de 2020 houve 45 ações de fiscalização, realizadas por Auditores-Fiscais do Trabalho da Divisão para Erradicação do Trabalho Escravo (DETRAE), resultando em 231 trabalhadores e trabalhadoras resgatados de condições análogas à escravidão (KLASSMANN, 2020KLASSMANN, Bruna. Trabalho escravo: 231 trabalhadores foram resgatados no primeiro semestre de 2020. Revista Proteção, Novo Hamburgo, 23 jul. 2020. Available at: Available at: https://protecao.com.br/geral/trabalho-escravo-231-trabalhadores-foram-resgatados-no-primeiro-semestre-de-2020/ . Accessed on: August 07th, 2020.
https://protecao.com.br/geral/trabalho-e...
). Para isso, no contexto de combate à pandemia, as equipes precisaram organizar-se para evitar contágio ou transmissão. O reflexo da pandemia aparece, principalmente, em dois momentos: primeiro, na adequação do planejamento remoto das inspeções, que acontecem in loco; segundo, nos custos logísticos das operações, nas quais, por exemplo, anteriormente as equipes dividiam acomodação, mas que, na pandemia, demanda a contratação de quartos individuais, com valores incompatíveis aos valores das diárias recebidas.

BNR que trabalham de forma remota durante a crise

O terceiro grupo de BNR é de quem lida diretamente com a população, passando a atuar de forma remota - como professoras, profissionais das defensorias, atendentes das subprefeituras, INSS, Detran, entre outros órgãos. Parte desse grupo não está no combate direto à pandemia, porém as suas rotinas de trabalho foram completamente alteradas. Outra parte, especialmente os profissionais das defensorias, está atuando na minimização das consequências da pandemia e tem como desafio readequar algo central do trabalho da BNR: o contato com o cidadão. Diante da impossibilidade do contato presencial, esses burocratas desenvolvem estratégias para garantir aos seus públicos-alvo o acesso a direitos e políticas públicas. Apesar de terem as rotinas alteradas para o trabalho remoto, tais profissionais foram considerados neste artigo como BNR porque continuam interagindo diretamente com a população e mediando a provisão das políticas (LIPSKY, 2010LIPSKY, Michael. Street-level bureaucracy: dilemmas of the individual in public service. 3. ed. New York: Russell Sage Foundation, 2010.) - ainda que o façam remotamente, por telefone ou canais virtuais.

A transição, na prestação desses serviços, de uma interação presencial para remota e digital, não é uma questão exatamente nova para as políticas públicas. Todavia, essa mudança ocorria em velocidades distintas, considerando o tipo do serviço, os recursos disponíveis na estrutura do governo, as agendas políticas e as capacidades profissionais e técnicas exigidas para tal. A intermitência do investimento para permitir essa transição cobrou um preço alto do Estado brasileiro quando, pressionado pelos impactos da pandemia e pela necessidade de distanciamento social, foi obrigado a migrar, em um curto espaço de tempo, muitos dos serviços que prestava para modalidades mediadas por tecnologia.

Durante a pandemia, essa mudança se tornou responsabilidade da BNR, que precisou transformar as suas práticas cotidianas de atendimento presencial e mediação frente a frente com usuários para o uso de instrumentos de interação remota, de forma emergencial e sem planejamento. Nesse processo, puderam contar com algumas estratégias e soluções propostas pelo alto escalão, mas também precisaram fazer ajustes para que funcionassem razoavelmente em cada contexto. Ou até mesmo inventar novas estratégias não previstas na formulação da política. O caso mais evidente foi o da educação, setor no qual, em poucas semanas, profissionais precisaram adotar metodologias de ensino remoto sem dispor do conhecimento, da tecnologia ou das ferramentas necessárias. A análise documental reflete bem o processo: as medidas de atividades a distância propostas pelas normativas para a educação, por exemplo, permitiram a adoção emergencial das modalidades de ensino remoto e a readequação dos instrumentos de gestão da educação para este contexto emergencial (Medida Provisória 934; Lei n. 13.986; Pareceres do CNE 5 e 11; Portaria 1.857 e Lei n. 14.040). Outro exemplo foi o das defensorias públicas, que, mesmo responsáveis pelo atendimento de um público vulnerável, fecharam as suas portas para boa parte dos atendimentos presenciais.

Nesses dois casos, as pesquisas mostram que profissionais não estavam preparados para essas mudanças. Dados coletados em abril e maio pelo Instituto Península indicam que 88% de docentes nunca tinham ministrado aula de forma remota antes da paralisação das aulas presenciais; 83,4% se sentiam nada ou pouco preparados para a mudança; e 55% afirmaram não ter recebido suporte nem treinamento para tal (INSTITUTO PENÍNSULA, 2020INSTITUTO PENÍNSULA. Sentimento e percepção dos professores brasileiros nos diferentes estágios do Coronavírus no Brasil. São Paulo: Instituto Península, mar. 2020. Available at: Available at: https://institutopeninsula.org.br/wp-content/uploads/2020/05/Pulso-Covid-19_-Instituto-Pen%C3%ADnsula.pdf . Accessed on: September 09th, 2020.
https://institutopeninsula.org.br/wp-con...
). No caso das defensorias, os dados de julho de 2020 da survey realizada mostram que 83% dos profissionais que estão em regime de trabalho remoto não receberam os equipamentos necessários, sendo que destes 24% não possuem os equipamentos em casa e 47% acreditam que, nesse modelo, não conseguem atender ao público de forma satisfatória.

Esses dados sugerem que, embora a pandemia não coloque essas BNR em risco de exposição durante a realização remota de seu trabalho, são gerados outros impactos relativos à dificuldade de realização de suas atividades e de interação com usuários - provocando, assim, o sofrimento de profissionais e uma série de consequências para seu público. No campo educacional, por exemplo, professoras e gestoras escolares relatam que as propostas de introdução das plataformas virtuais de aprendizagem e de programação educativa nas emissoras de televisão estatais são soluções que alcançam uma parte dos estudantes e suas famílias, mas não a totalidade. Por isso, assinalam que precisaram criar estratégias alternativas para manter o funcionamento dos serviços educacionais. Além disso, houve consequências para estudantes em áreas que não estão na centralidade dos serviços - nesse sentido, não servir a merenda escolar impacta sobremaneira a segurança alimentar de parte importante da população.

No caso das defensorias, boa parte do público atendido não tem acesso a dispositivos eletrônicos e, portanto, não consegue se comunicar de forma remota com as BNR. É o caso da população em situação de rua, das pessoas presas e de suas famílias. Uma das surveys de nossa pesquisa, realizada em julho de 2020 com familiares de pessoas em privação de liberdade, mostra que 69,6% das famílias não tinham notícias de seus familiares presos desde o início da pandemia, pela dificuldade de acessar informações da realidade de cada unidade prisional e também pela dificuldade de acesso às defensorias. A pandemia também agravou algumas situações tratadas pelas defensorias, como as mulheres que sofrem violência doméstica e que, muitas vezes isoladas com os seus próprios agressores, não conseguem se conectar com o serviço (NUNES et al., 2020NUNES, Ana Carolina et al. Direitos não entram em quarentena: é preciso atenção às mulheres em risco. Estado de São Paulo, São Paulo, 21 maio 2020. Blog Gestão, Política & Sociedade. Available at: Available at: https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/direitos-nao-entram-em-quarentena-e-preciso-atencao-as-mulheres-em-risco/ . Accessed on: May 22nd, 2020.
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), demonstrando como a digitalização impacta negativamente o acesso à justiça pela população mais vulnerável.

Nos diferentes setores, a provisão de serviços públicos de forma remota impactou não só o cotidiano de trabalho da BNR como também intensificou desigualdades sociais no acesso às políticas públicas, tendo em vista as distintas condições de acesso dos cidadãos às tecnologias de informação (BALBE, 2010BALBE, Ronald da Silva. Uso de tecnologias de informação e comunicação na gestão pública: exemplos no governo federal. Revista do Serviço Público, Brasília, v. 61, n. 2, p. 189-209, 2010. DOI 10.21874/rsp.v61i2.45.
https://doi.org/DOI 10.21874/rsp.v61i2.4...
; SORJ; GUEDES, 2005SORJ, Bernardo; GUEDES, Luís Eduardo. Exclusão digital: problemas conceituais, evidências empíricas e políticas públicas. Novos Estudos - CEBRAP, [Online], n. 72, p. 101-117, 2005. ). Diversos relatos evidenciam como populações mais vulneráveis não acessaram ou tiveram dificuldade em acessar serviços públicos existentes (que passaram a ser providos de forma remota) ou políticas criadas no contexto da pandemia, tal como a Renda Básica Emergencial (CRISTÓVAM; SAIKALI; SOUSA, 2020CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva; SAIKALI, Lucas Bossoni; SOUSA, Thanderson Pereira de. Governo digital na implementação de serviços públicos para a concretização de direitos sociais no Brasil. Seqüência: Estudos Jurídicos e Políticos, [Online], v. 43, n. 84, p. 209-242, 2020. DOI 10.5007/2177-7055.2020v43n89p209.
https://doi.org/10.5007/2177-7055.2020v4...
)o artigo aborda as possibilidades de utilização de Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs. Se os processos de implementação de políticas públicas já eram marcados pela reprodução de desigualdades (PIRES, 2019PIRES, Roberto Rocha Coelho. Implementando desigualdades: reprodução de desigualdades na implementação de políticas públicas. Brasília: Ipea, 2019.), nos contextos mediados por dispositivos e plataformas digitais - aplicativos, sites, etc. -, a exclusão digital tende a exacerbar ainda mais essas assimetrias (SORJ; GUEDES, 2005SORJ, Bernardo; GUEDES, Luís Eduardo. Exclusão digital: problemas conceituais, evidências empíricas e políticas públicas. Novos Estudos - CEBRAP, [Online], n. 72, p. 101-117, 2005. ). Somam-se aos problemas de exclusão digital múltiplas complexidades e situações imprevistas na implementação das políticas em contextos de crise, marcada pela ambiguidade de definições e incertezas procedimentais.

Discussões: centralização dos processos decisórios, conflitos e ambiguidades

Considerando-se que a BNR é formada por profissionais que concretizam as políticas públicas na interação direta com a população (DUBOIS, 1999DUBOIS, Vicent. La vie au guichet. Relation administrative et traitement de la misère. 3. ed. Paris: Economica, 1999. (Collection Études Politiques).) e que, por isso, há sempre um nível de discricionariedade a ser preenchido para a efetiva realização da política pública, o que mudou no contexto de crise? Chegamos a três fatores explicativos: (i) a centralização dos processos decisórios e a implementação de políticas públicas marcadas por contextos de (ii) alta ambiguidade e (iii) maior conflito político. Discutimos, a seguir, cada um dos três aspectos.

A necessidade de respostas urgentes acarretou em (i) maior centralização do processo decisório, processo que costuma ser comum em crises (DUNLOP, 2020). Apesar da suposição de que momentos de crise demandam liderança que garanta direcionamentos claros, pesquisas apontam que a sua gestão é mais efetiva quando conduzida por redes policêntricas que colocam em prática sistemas de negociação, favorecendo a atuação de lideranças operacionais (BOIN; ’T HART, 2003BOIN, Arjen; ’T HART, Paul. Public leadership in times of crisis: mission impossible? Public Administration Review, Washington, D. C., v. 63, n. 5, p. 544-553, 2003. DOI 10.1111/1540-6210.00318.
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). Assim, a centralização diminui a relevância das normativas, visto que não condizem com o cotidiano enfrentado pela BNR na pandemia, aumentando, desse modo, a necessidade do uso de discricionariedade.

Os impactos da pandemia nos diferentes tipos de BNR mostram como esses profissionais estão vivendo situações muito críticas. Remetemos parte dessa severidade ao alijamento da BNR do processo de decisão sobre a adaptação dos modos de prestação de serviço, bem como da construção de novas soluções para as políticas públicas. De modo geral, estratégias e protocolos de atuação, quando construídos, são concebidos de forma centralizada e sem escuta. A literatura tem demonstrado como a atuação da BNR enquanto empreendedora de políticas permite alteração da agenda de forma a potencializar a capacidade de ação da linha de frente (ARNOLD, 2020ARNOLD, Gwen. Distinguishing the street-level policy entrepreneur. Public Administration, Oxford, p. 1-34, 2020. DOI 10.1111/padm.12703.
https://doi.org/DOI 10.1111/padm.12703...
; FRISCH AVIRAM; COHEN; BEERI, 2020FRISCH AVIRAM, Neomi; COHEN, Nissim; BEERI, Itai. Wind(ow) of change: a systematic review of policy entrepreneurship characteristics and strategies. Policy Studies Journal, [S. l.], v. 48, n. 3, p. 612-644, 2020. DOI 10.1111/psj.12339.
https://doi.org/10.1111/psj.12339...
). Em momentos de crise, o cenário complexo e incerto traz desafios inéditos para a formulação de políticas, impondo uma lógica de urgência e, assim, dificultando a condução de consultas e debates com a BNR e concentrando em níveis hierárquicos superiores a construção de alternativas de solução.

Um processo marcadamente top-down de produção das políticas públicas confere protagonismo exagerado aos decisores políticos e à burocracia de alto escalão, caracterizado por um conjunto de hipóteses equivocadas que supõem que esses agentes sempre possuem: (i) um diagnóstico completo e perfeito dos problemas públicos; (ii) um conjunto ideal de informações sobre quem utiliza os serviços, os contextos de implementação e os regimes de interação; (iii) um modelo causal consistente a respeito dos resultados e impactos que pretendem alcançar; (iv) todos os instrumentos para promover, após a decisão política, o comprometimento dos níveis burocráticos no processo de implementação; e (v) capacidade para tornar a política compreensível e operacional para todos os agentes implementadores, de modo a diminuir a necessidade ou a possibilidade de ações discricionárias (HILL, 2007HILL, Heather C. Mathematical knowledge of middle school teachers: implications for the no child left behind policy initiative. Educational Evaluation and Policy Analysis, Washington, D. C., v. 29, n. 2, p. 95-114, 2007. DOI 10.3102/0162373707301711.
https://doi.org/10.3102/0162373707301711...
; MAY; WINTER, 2009MAY, Peter J.; WINTER, Søren C. Politicians, managers, and street-level bureaucrats: Influences on policy implementation. Journal of Public Administration Research and Theory, Oxford, v. 19, n. 3, p. 453-476, 2009. DOI 10.1093/jopart/mum030.
https://doi.org/10.1093/jopart/mum030...
; PRESSMAN; WILDAVSKY, 1995PRESSMAN, Jeffrey L.; WILDAVSKY, Aaron. Implementation. Berkeley: University of California Press, 1995. ).

Conhecedora de seus territórios, das demandas cotidianas da população e dos gargalos operacionais (LAVEE; COHEN, 2019LAVEE, Einat; COHEN, Nissim. How street-level bureaucrats become policy entrepreneurs: the case of urban renewal. Governance, Oxford, v. 32, n. 3, p. 475-492, 2019. DOI 10.1111/gove.12387.
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), a BNR foi, inicialmente, colocada em modo de espera. Ao blindar o processo de formulação e torná-lo impermeável às questões conhecidas e cotidianamente vivenciadas pela burocracia do nível de rua, o risco de fracasso dessas soluções aumenta (HENDERSON, 2014HENDERSON, Alexander C. The critical role of street-level bureaucrats in disaster and crisis. In: SCHWESTER, Richard (ed.). Handbook of critical incident analysis. New York & Oxon: Routledge, 2014. p. 210-245.). As análises sugerem que a BNR tem experimentado as consequências desse alijamento decisório. No caso da saúde, assistência social, segurança e defensoria, os dados das surveys realizadas em junho mostram que 71% afirmam conhecer apenas parcialmente as estratégias e protocolos construídos e não se sentem preparados para enfrentar a pandemia; enquanto 64% dizem não receber apoio dos governos para sua ação.

Além disso, nas respostas qualitativas, vários profissionais identificam quais características de seus territórios e dos usuários dos serviços foram ignoradas no processo de formulação das soluções. Esses dados, em conjunto com a falta de suporte às condições materiais mostrada previamente, explicitam os impactos do processo de exclusão e silenciamento do engajamento da BNR nas mediações indispensáveis ao sucesso da política pública (BECK; BARTOS; LOTTA, 2020BECK, Amanda Lui; BARTOS, Mariana Scaff Haddad; LOTTA, Gabriela. Só a saúde resolve? A urgência de ações intersetoriais na crise do Covid-19. Estado de São Paulo, São Paulo, May 3rd, 2020. Blog Gestão, Política & Sociedade. Available at: Available at: https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/so-a-saude-resolve-a-urgencia-de-acoes-intersetoriais-na-crise-do-covid-19/ . Accessed on: May 4th, 2020.
https://politica.estadao.com.br/blogs/ge...
; KRIEGER et al., 2020KRIEGER, Morgana G. Martins et al. Desigualdade urbana e redes de solidariedade: as periferias e favelas no enfrentamento à pandemia. Estado de São Paulo, São Paulo, 25 maio 2020. Blog Gestão, Política & Sociedade. Available at: Available at: https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/desigualdade-urbana-e-redes-de-solidariedade-as-periferias-e-favelas-no-enfrentamento-a-pandemia/ . Accessed on: May 26th, 2020.
https://politica.estadao.com.br/blogs/ge...
; LIMA; LOTTA, 2020LIMA, Carlos Eduardo; LOTTA, Gabriela. Sem home office para os servidores da linha de frente: o trabalho nas prisões em tempos. Estado de São Paulo, São Paulo, 18 maio 2020. Blog Gestão, Política & Sociedade. Available at: Available at: https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/sem-home-office-para-os-servidores-da-linha-de-frente-o-trabalho-nas-prisoes-em-tempos-de-pandemia/ . Accessed on: May 19th, 2020.
https://politica.estadao.com.br/blogs/ge...
; SANTOS et al., 2020SANTOS, Alexsandro et al. CPFs negros importam? Racismo estrutural e políticas públicas no contexto da Covid-19. Estado de São Paulo, São Paulo, 11 maio 2020. Blog Gestão, Política & Sociedade. Available at: Available at: https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/cpfs-negros-importam-racismo-estrutural-e-politicas-publicas-no-contexto-da-covid-19/ . Accessed on: May 12th, 2020.
https://politica.estadao.com.br/blogs/ge...
). Experiências internacionais relatadas pela literatura mostram a efetividade do envolvimento da BNR na reformulação de políticas neste momento de crise (BRODKIN, 2021BRODKIN, Evelyn Z. street-level organizations at the front lines of crises. Journal of Comparative Policy Analysis: Research and Practice, [Online], p. 1-14, 2021. DOI 10.1080/13876988.2020.1848352.
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; COX; DICKSON; MARIER, 2021COX, Roberty Henry; DICKSON, Daniel; MARIER, Patrik. Resistance, innovation, and improvisation: comparing the responses of nursing home workers to the Covid-19 pandemic in Canada and the United States. Journal of Comparative Policy Analysis: Research and Practice, [Online], p. 1-11, 2021. DOI 10.1080/13876988.2020.1846994.
https://doi.org/10.1080/13876988.2020.18...
; MØLLER, 2020MØLLER, Marie Østergaard. The dilemma between self-protection and service provision under Danish Covid-19 guidelines: a comparison of public servants’ experiences in the pandemic frontline. Journal of Comparative Policy Analysis: Research and Practice, [Online], p. 1-15, 2020. DOI 10.1080/13876988.2020.1858281.
https://doi.org/10.1080/13876988.2020.18...
).

Para os diferentes grupos de BNR, a centralização do processo decisório tem desdobramentos específicos - além dos aspectos comuns destacados acima. No caso das BNR que seguiram atuando presencialmente na linha de frente durante a crise, as ações têm menor capacidade de resposta à pandemia na medida em que especificidades locais são desconsideradas pela alta administração, intensificando, assim, gargalos operacionais. Quanto às BNR que continuaram a trabalhar presencialmente, mas não enfrentam a crise de forma direta, a falta de regulamentação específica no período de crise expõe os grupos ao risco de contágio no exercício de suas atividades. Para aqueles que passaram a trabalhar remotamente, o seu não envolvimento nos processos decisórios também contribuiu para intensificar a sua sensação de despreparo, uma vez que os desafios na implementação de novas práticas e formatos de interação com a população não foram devidamente considerados.

Em segundo lugar, destacamos o (ii) contexto de ambiguidade como outro fator que dificulta a atuação da BNR. A ambiguidade diz respeito à incerteza que permeia as práticas de formulação e implementação (MATLAND, 1995MATLAND, Richard E. Synthesizing the implementation literature: the ambiguity-conflict model of policy implementation. Journal of Public Administration Research and Theory, Oxford, v. 5, n. 2, p. 145-174, 1995. DOI 10.1093/oxfordjournals.jpart.a037242.
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).

O caso brasileiro demonstra claramente uma alta ambiguidade no contexto da pandemia, marcada pelo inerente ineditismo da situação e acentuada pela ausência de coordenação intergovernamental (ABRUCIO et al., 2020ABRUCIO, Fernando et al. Combate à Covid-19 sob o federalismo bolsonarista : um caso de descoordenação intergovernamental. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 54, n. 4, p. 663-677, 2020. DOI 10.1590/0034-761220200354.
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; TAVARES; SILVEIRA; PAES-SOUSA, 2020TAVARES, Amarílis Busch; SILVEIRA, Fabrício; PAES-SOUSA, Rômulo. Proteção social e Covid-19: a resposta do Brasil e das maiores economias da América Latina. Revista NAU Social, Salvador, v. 11, n. 20, p. 111-129, 2020. DOI 10.9771/ns.v11i20.36599.
https://doi.org/10.9771/ns.v11i20.36599...
). Embora nas últimas décadas o Estado brasileiro tenha avançado no desenho de ações federativas integradas e coordenadas, a crise mostra que elas não são suficientes em um cenário de falta de direcionamento (ABRUCIO et al., 2020ABRUCIO, Fernando et al. Combate à Covid-19 sob o federalismo bolsonarista : um caso de descoordenação intergovernamental. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 54, n. 4, p. 663-677, 2020. DOI 10.1590/0034-761220200354.
https://doi.org/10.1590/0034-76122020035...
). Assim, apesar da existência de sistemas nacionais de políticas públicas, tais como SUS e SUAS, o processo de cooperação e colaboração federativa não acontece sem que haja uma intencionalidade nos processos decisórios dos dirigentes públicos, ainda mais quando crenças, interesses e lógicas de ação política estão em rota de colisão ou divergência.

No período prévio à pandemia, a discricionariedade da BNR era orientada por protocolos mais claros e por maior compreensão dos possíveis métodos de ação, calcada em costumes, práticas recorrentes e até mimetizadas. Esses sistemas, formal ou informalmente definidos, foram rompidos no momento de crise (FARAZMAND, 2007FARAZMAND, Ali. Learning from the Katrina crisis: a global and international perspective with implications for future crisis management. Public Administration Review,Washington, D. C., v. 67, p. 149159, 2007. DOI 10.4324/9781315095264.
https://doi.org/10.4324/9781315095264...
), aumentando a discricionariedade da BNR e diminuindo o direcionamento de suas ações (DUNLOP et al., 2020DUNLOP, Adrian et al. Challenges in maintaining treatment services for people who use drugs during the Covid-19 pandemic. Harm Reduction Journal, [Online] v. 17, n. 1, p. 1-7, 2020. DOI 10.1186/s12954-020-00370-7.
https://doi.org/10.1186/s12954-020-00370...
; GOFEN; LOTTA, 2021GOFEN, Anat; LOTTA, Gabriela. Street-level bureaucrats at the forefront of pandemic response : a comparative perspective street-level. Journal of Comparative Policy Analysis: Research and Practice, [Online], p. 1-13, 2021. DOI 10.1080/13876988.2020.1861421.
https://doi.org/10.1080/13876988.2020.18...
). Ao “produzir dinâmicas que ninguém pode prever ou controlar” (FARAZMAND, 2007FARAZMAND, Ali. Learning from the Katrina crisis: a global and international perspective with implications for future crisis management. Public Administration Review,Washington, D. C., v. 67, p. 149159, 2007. DOI 10.4324/9781315095264.
https://doi.org/10.4324/9781315095264...
, p. 150), a crise afetou o modo como a BNR faz uso da discricionariedade.

Se o aumento da discricionariedade poderia resultar em maior liberdade de ação para a BNR (DUNLOP, 2020), isso não necessariamente se transformou em maior capacidade de ação e de uso da discricionariedade para, inclusive, adaptar as políticas às novas demandas. Em consonância com achados internacionais sobre BNR durante crises, o aumento da discricionariedade sem orientação em um contexto ambíguo (marcado por medos e riscos) pode se transformar em diminuição da capacidade de agir (GOFEN; LOTTA, 2021GOFEN, Anat; LOTTA, Gabriela. Street-level bureaucrats at the forefront of pandemic response : a comparative perspective street-level. Journal of Comparative Policy Analysis: Research and Practice, [Online], p. 1-13, 2021. DOI 10.1080/13876988.2020.1861421.
https://doi.org/10.1080/13876988.2020.18...
; LOTTA; COELHO; BRAGE, 2020LOTTA, Gabriela; COELHO, Vera Schattan Ruas Pereira; BRAGE, Eugenia. How Covid-19 has affected frontline workers in Brazil: a comparative analysis of nurses and community health workers. Journal of Comparative Policy Analysis: Research and Practice, [Online], p. 1-11, 2020. DOI 10.1080/13876988.2020.1834857.
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; MØLLER, 2020MØLLER, Marie Østergaard. The dilemma between self-protection and service provision under Danish Covid-19 guidelines: a comparison of public servants’ experiences in the pandemic frontline. Journal of Comparative Policy Analysis: Research and Practice, [Online], p. 1-15, 2020. DOI 10.1080/13876988.2020.1858281.
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). Nos casos analisados, muitos dos métodos previamente utilizados passaram a ser vistos como atividades de risco. Atividades rotineiras já não poderiam ser realizadas da mesma maneira, pois poderiam agravar a situação daqueles que a BNR busca atender, gerando uma situação de contradição.

Considerando o primeiro grupo de BNR, a maior ambiguidade dos contextos de implementação dificultou a produção de protocolos claros que orientassem esses profissionais na adoção de ações específicas em resposta à pandemia, prejudicando sua capacidade de agir, aumentando os riscos a si mesmos e à população atendida. Quanto ao segundo grupo de BNR, a maior ambiguidade se relaciona à falta de regulamentação e à existência de gargalos operacionais que podem prejudicar a qualidade do serviço e ainda aumentar o risco de exposição dos profissionais. Já no terceiro grupo, a ambiguidade se verifica na falta de treinamento adequado na transição para o trabalho à distância e nas dificuldades experienciadas (ou não previstas) no atendimento de públicos mais vulneráveis. Esses elementos podem reverter-se em diminuição da efetividade dos serviços e aumento das desigualdades.

O terceiro fator que altera o trabalho da BNR em momentos de crise são os (iii) contextos de maior conflito político. Define-se conflito como disputas entre atores, com diferentes visões sobre a política pública (MATLAND, 1995MATLAND, Richard E. Synthesizing the implementation literature: the ambiguity-conflict model of policy implementation. Journal of Public Administration Research and Theory, Oxford, v. 5, n. 2, p. 145-174, 1995. DOI 10.1093/oxfordjournals.jpart.a037242.
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). Boin e ‘t Hart (2003)BOIN, Arjen; ’T HART, Paul. Public leadership in times of crisis: mission impossible? Public Administration Review, Washington, D. C., v. 63, n. 5, p. 544-553, 2003. DOI 10.1111/1540-6210.00318.
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e Farazmand (2007)FARAZMAND, Ali. Learning from the Katrina crisis: a global and international perspective with implications for future crisis management. Public Administration Review,Washington, D. C., v. 67, p. 149159, 2007. DOI 10.4324/9781315095264.
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apontam que a alta politização é um dos elementos das crises modernas. Enquanto existe a expectativa de que as lideranças governamentais eleitas tomarão decisões que colocarão a segurança da população em primeiro lugar, na prática esses líderes levam em conta os custos econômicos e políticos das regulações (BOIN; ‘T HART, 2003BOIN, Arjen; ’T HART, Paul. Public leadership in times of crisis: mission impossible? Public Administration Review, Washington, D. C., v. 63, n. 5, p. 544-553, 2003. DOI 10.1111/1540-6210.00318.
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), os quais variam consideravelmente de acordo com as bases eleitorais, os seus interesses e valores. Assim, a BNR, que regularmente atua em sistemas organizados, integrados e coordenados, passa a conviver com esse conflito de duas formas. Por um lado, lida com as consequências do conflito político, no atendimento a indivíduos com diferentes posicionamentos ideológicos. Por outro, com normativas pouco claras, a própria BNR pode atuar enquanto propagadora desse conflito político junto aos indivíduos que atende, o que pode resultar na reprodução das desigualdades (PIRES, 2019PIRES, Roberto Rocha Coelho. Implementando desigualdades: reprodução de desigualdades na implementação de políticas públicas. Brasília: Ipea, 2019.).

As disputas políticas em torno dos possíveis cursos de ação e os discursos dissonantes entre o presidente, os cientistas e os governadores têm gerado um cenário marcado por posições contraditórias, que criam problemas para os implementadores. Um dos efeitos disso é a criação de um ambiente de disputa em torno do isolamento, da necessidade do uso de máscara, da indicação de tratamentos da Covid-19, da obrigatoriedade da vacina, entre outros. Como consequência, o trabalho da BNR fica marcado pelo enfrentamento às disputas, sobretudo no caso de quem atua no enfrentamento direto à pandemia. Como exemplos, a hostilidade que profissionais de saúde têm sofrido por parte de pacientes, quando estes não aceitam recomendar certo medicamento, ou a situação que acomete policiais no momento em que cobram a obrigatoriedade do uso de máscaras. No caso do grupo que segue realizando o trabalho de forma presencial, mesmo sem lidar diretamente com a pandemia, esse conflito tem impacto na forma como esses profissionais realizam o seu trabalho e como lidam com os cidadãos, como a obrigatoriedade, ou não, de uso de máscara dentro do transporte público. Por fim, no grupo da BNR que passou a atuar de forma remota, esse conflito pode refletir em pressão pública para retomar a entrega presencial dos serviços ou para mantê-los remotos, como é o caso do sistema educacional.

A Tabela 1, a seguir, sumariza as dificuldades vivenciadas pela BNR no exercício de suas funções, considerando aspectos comuns e especificidades dos três grupos analisados, bem como os fatores associados a tais dificuldades: (i) a centralização dos processos decisórios; e maiores graus de (ii) incerteza e (iii) conflito político.

Tabela 1.
Grupos da BNR e implicações da Covid-19 à realização de seu trabalho

Considerações finais

A pandemia da Covid-19 tem submetido o Brasil a uma profunda crise, exigindo respostas por parte do Estado para questões difíceis que perpassam, necessariamente, a ação da BNR. Dessa forma, procuramos analisar o que esses profissionais da linha de frente estão sentindo na crise, o que alterou no seu trabalho e como essas alterações afetaram a prestação do serviço público e a garantia de direitos à população.

A partir dos resultados, este artigo propôs uma tipologia de atuação da BNR em meio à pandemia, que pode ser estendida a outras situações de crise: (i) serviços que continuam presenciais e são voltados a enfrentar a crise ou suas consequências; (ii) serviços que continuam presenciais, mas não são voltados a enfrentar a crise; e (iii) serviços que se tornaram remotos por conta das limitações impostas pela pandemia.

Essa nova realidade social vem exacerbando problemas historicamente enfrentados por esses profissionais em seu dia a dia de trabalho, como a larga distância entre os escalões da burocracia e as deficiências na coordenação intergovernamental. Além disso, a crise sanitária escancarou e acentuou desigualdades já existentes no país. Conforme os desastres humanitários derivados de uma sociedade profundamente desigual ganhavam visibilidade durante a pandemia da Covid-19, os governos eram pressionados a apresentar respostas, as quais nem sempre se adequavam à realidade do trabalho da burocracia de nível da rua.

Tendo a literatura por base, os nossos dados levantados apontam para a existência de três fatores que alteram a prática destes profissionais em contexto de crise: maior centralização da formulação das respostas, levando a arcabouços normativos que não correspondem à prática da BNR e não abrangem o conhecimento prévio deste público; a ruptura dos sistemas (formais ou informais) que regiam a discricionariedade desses profissionais, levando a um contexto de aumento da ambiguidade e de contradição, no qual a atuação da BNR pode colocar em situação de risco a população que busca atender; e, por fim, o fortalecimento de um conflito político que tanto afeta a BNR no atendimento dos cidadãos quanto é por ela propagado, visto que não pode ser considerada um corpo homogêneo de profissionais.

Ainda que esses três fatores tenham alterado o trabalho cotidiano da BNR, é possível destacar algumas especificidades entre os grupos estudados neste artigo. No caso de quem atua na linha de frente de combate à pandemia, a centralização decisória e os contextos de alta ambiguidade e conflito não só dificultaram a implementação de ações, como também inviabilizaram a incorporação de soluções que considerassem as necessidades dos territórios e dos usuários das políticas públicas. No que diz respeito a quem manteve o trabalho presencial (mas não atuou no enfrentamento direto à pandemia), esses fatores se refletem na baixa regulamentação de seu trabalho, ocasionando maiores riscos de contaminação seja dos implementadores das políticas, seja da população usuária destes serviços. Por fim, entre os grupos de BNR que passaram a atuar remotamente, o seu alijamento dos processos decisórios e os maiores níveis de conflito e ambiguidade dificultaram o processo de transição e reorganização dos serviços para o formato remoto, ocorrido em curto período de tempo, sem o devido suporte. A exclusão digital, no contexto de crise, também exacerbou ainda mais as desigualdades já existentes na implementação de políticas públicas.

A crise proveniente da pandemia da Covid-19 abre uma janela de discussão para pensar a formulação de políticas públicas de maneira ampliada, com a participação dos diversos atores envolvidos na entrega destes serviços às cidadãs e cidadãos. Ademais, suscita ainda a reflexão sobre a construção e a formação de burocracias que sejam capazes de adaptar os seus procedimentos, métodos e até mesmo o escopo de trabalho às demandas características de situações de emergência. Que consigam, portanto, usar o conhecimento de forma situacional frente a crises (GOFEN; LOTTA, 2021GOFEN, Anat; LOTTA, Gabriela. Street-level bureaucrats at the forefront of pandemic response : a comparative perspective street-level. Journal of Comparative Policy Analysis: Research and Practice, [Online], p. 1-13, 2021. DOI 10.1080/13876988.2020.1861421.
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).

Há, assim, um amplo espaço para o desenvolvimento de pesquisas futuras sobre a superação da crise que vivenciamos em meio à pandemia de Covid-19 no Brasil, e sobre a preparação do Estado para lidar com crises vindouras. Também são possíveis agendas de pesquisa que aprofundem as análises de estratégias de coping adotadas pelos diferentes burocratas nesse contexto de crise - por exemplo, como professores lidaram com a questão da aprovação (ou não) ao final do ano letivo de 2020. Evidenciamos a centralidade de analisar essa realidade sob a ótica da burocracia de nível de rua, tão importante para compreender as dinâmicas de funcionamento do Estado e da sociedade como um todo. Essas pesquisas têm potencial de contribuir diretamente para a melhoria do desenho, da formulação e da implementação das políticas públicas, uma vez que evidenciam processos cotidianos que afetam diretamente a entrega dos serviços públicos e, consequentemente, os resultados da ação do Estado na vida da população.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    13 Jun 2020
  • Aceito
    15 Set 2020
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