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Médici, Geisel e as origens da Política Nacional de Exportação de Material de Emprego Militar-Pnemem, 1973-1974: análise de política externa brasileira

Médici, Geisel and the origins of the Brazilian arms sales policy-Pnemem, 1973-1974: Brazilian foreign policy analysis

Resumo:

A partir de uma pesquisa com documentação recentemente desclassificada, o artigo discute a formação, continuidade e mudança da política brasileira de exportação de material de emprego militar - especialmente de grandes sistemas de armas ou major weapons. Constata-se um esforço dos atores para constituir uma mais efetiva vinculação entre a indústria de defesa, a exportação de armamento e a política externa brasileira. O processo de tomada de decisão em referência resultou na aprovação das diretrizes de uma Política Nacional de Exportação de Material de Emprego Militar-Pnemem, em 1974. Todavia, a aprovação desse mecanismo de controle e regulação de exportações coincidiu com o início de um importante ciclo de transferências de armamento que colocou o Brasil como um dos principais atores internacionais no assunto. Assim sendo, conclui-se que os estudos e pesquisas sobre política externa brasileira - especialmente na sua dimensão de segurança internacional e questões estratégicas contemporâneas - precisam avançar com novas análises fundamentadas em evidência primária, bem como nas perspectivas do institucionalismo, do nacional-desenvolvimentismo, da base industrial de defensa, e até da Guerra Fria Latino-americana.

Palavras-chave:
Brasil; base industrial de defesa, segurança internacional, análise de política externa, processo de tomada de decisão; Guerra Fria Latino-americana

Abstract:

Based on recently declassified documentation, the article discusses the making of Brazilian arms sales policy - especially for major weapons -, exploring continuities and changes over time. The paper discusses an effort by the actors to make a more effective link between the defense industry, arms sales, and Brazilian foreign policy. The decision-making process in question resulted in the approval of the guidelines for a Política Nacional de Exportação de Material de Emprego Militar- Pnemem, in 1974. The approval of this export control and regulation mechanism coincided with the beginning of an important cycle of arms sales that placed Brazil as one of the main international actors in the matter. The article concludes that research on Brazilian foreign policy - especially with respect to international security and strategic issues- need to incorporate new analyses based on primary evidence. Future research would also value from the use of concepts derived from institutionalism, national-developmentalism, the defense industrial base and the Cold War in Latin America.

Keywords:
Brazil, defense industrial base, international security, foreign policy analysis, decision-making process; Latin America’s Cold War

Introdução

O presente artigo examina a evolução conceitual e institucional decorrente da vinculação entre a indústria de defesa, a exportação de armamento e a política externa brasileira, particularmente entre 1973 e 1974. Esse acontecimento acabou resultando na instauração de um aprimorado mecanismo de controle e de regulação de transferência de armas - isto é, a assim chamada Política Nacional de Exportação de Material de Emprego Militar-Pnemem, que vigorou entre 1974 e 2018. O artigo é resultado de pesquisa com fontes primárias recentemente desclassificadas pelo Arquivo Nacional, e se insere nos estudos sobre história das relações internacionais, segurança internacional e análise de política externa.

Seguindo o clássico trabalho de Andrew Pierre (1982, p. 3)PIERRE, Andrew J. The global politics of arms sales. Princeton: Princeton University Press, 1982., aqui se entende que “As vendas de armamento são muito mais do que uma ocorrência econômica, um relacionamento militar, ou um desafio ao controle de armas - as vendas de armamento são política externa no sentido mais claro e óbvio”. Também se aceitam, como pontos de partida teórico-metodológico e empírico, as ponderações de Barry Blechman (1990, p. 116)BLECHMAN, Barry. The politics of national security. Nova York: Oxford University Press, 1990. sugerindo que “A motivação fundamental que impulsiona as exportações de armas não é econômica, ela é política - política internacional”. O mesmo autor considera que “A decisão de exportar armamento a um determinado país sugere uma implícita aprovação das políticas públicas do importador, ou ao menos de seu posicionamento no cenário internacional, e assim é entendido tanto pelos amigos quanto pelos adversários”. Observe-se que ambos os autores analisam o impacto das transferências de armamento na formulação e implementação da política externa de exportadores e importadores - bem como de outros atores estatais e não-estatais com vínculos na temática (DAVID, 2001DAVID, Charles-Philippe. A Guerra e a paz: abordagens contemporâneas da segurança e da estratégia. Lisboa: Piaget, 2001.; HARTUNG, 2012HARTUNG, William D. International arms trade. In: WILLIAMS, Paul (org.). Security studies: an introduction. 2 ed. Abingdon: Routledge, 2012. p. 441-456.).

Numerosos autores brasileiros e estrangeiros já pesquisaram e publicaram sobre esta temática complexa e multifacetada. Dentre esses autores conceituados, destacaram-se as pioneiras contribuições de Patrice Franko-Jones e Renato Peixoto Dagnino (1992)FRANKO-JONES, Patrice; DAGNINO, Renato Peixoto. Membership in the first world geostrategic club: possibilities for Brazil. Defense & Security Analysis, Alexandria, v. 8, n. 3, p. 277-294, 1992., Etel L. Solingen (1998)SOLINGEN, Etel L. Growth and decline of the military-industrial complex: the cases of Argentina and Brazil. International Politics, Nova York, v. 35, n. 1, p. 1-14, 1998. , Peter Lock (1986)LOCK, Peter. Brazil: arms for export. In: BRZOSKA, M.; OHLSON, T. (eds.). Arms production in the third world. London; Filadelfia: Taylor & Francis, 1986. p. 79-104., Ethan B. Kapstein (1990)KAPSTEIN, Ethan B. The Brazilian defense industry and the international system. Political Science Quarterly, Nova York, v. 105, n. 4, p. 579-596, 1990., Domício Proença Junior (1994)PROENÇA JUNIOR, Domício. Uma avaliação da indústria bélica brasileira. Rio de Janeiro: Finep, 1994. , Ken Conca (1997)CONCA, Ken. Manufacturing insecurity: the rise and fall of Brazil’s military-industrial complex. Boulder: Lynne Rienner Publishers, 1997., Andrew Ross (1981)ROSS, Andrew L. Arms production in developing countries: the continuing proliferation of conventional weapons. Santa Monica: Rand/USAF, 1981., e Rodrigo Moraes (2021)MORAES, Rodrigo. Weapons from the south: democratization, civil society, and Brazil’s arms exports. Journal of Global Security Studies, Oxford, v. 6, n. 4, p. 1-18, 2021.. Mais recentemente, é pertinente reconhecer o trabalho de David Magalhães (2016)MAGALHÃES, David. A política brasileira de exportação de armas no contexto da revitalização da base industrial de defesa. 2016. 305f. São Paulo: Tese (Doutorado em Relações Internacionais), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2016., inclusive porque esse autor se aproxima muito, tanto em termos teórico-metodológicos quanto empíricos, das preocupações deste estudo.

Contudo, pressupõe-se aqui que ainda poderia existir espaço para discutir - sobretudo a partir de evidência e ponderações documentalmente verificáveis - essa evolução na vinculação entre indústria de defesa, exportação de armamento e política externa brasileira no período entre 1973 e 1974. Note-se que a referida evolução se correlaciona à passagem de um mecanismo de controle e regulação de exportação de armas bastante modesto e singelo, predominante durante as décadas de 1950 e 1960, para um sistema bem mais completo, sofisticado e consistente. Eis a origem da Política Nacional de Exportação de Material de Emprego Militar-Pnemem, aprovada, como dito, em 1974.

Metodologicamente, o artigo é resultado de pesquisa com documentação primária consultada no Arquivo Nacional - Coordenação Regional no Distrito Federal. Mais especificamente, foi auscultado o denominado Acervo da Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional. Trata-se de conjunto de documentos burocrático-administrativos autênticos, legítimos, razoáveis, recentemente desclassificados - até pouco tempo eles eram considerados secretos - e diretamente correlacionados ao problema-objeto. Cumpre acrescentar que o autor deste manuscrito sempre teve consciência das virtudes e limitações decorrentes de uma pesquisa com evidência documental, principalmente com fontes produzidas por um órgão de assessoramento direto da Presidência da República e durante os momentos mais repressivos do regime militar brasileiro. Igualmente, a pesquisa em arquivos públicos organizados segundo padrões institucionais específicos também coloca desafios de ordem teórico-metodológica - e mesmo epistemológica - aos investigadores das ciências sociais e humanidades. Todavia, houve um esforço de avançar no campo das inferências causais-explicativas.

O objetivo geral da pesquisa é conhecer os atores e processos institucionais que, entre 1973 e 1974, participaram na formulação e implementação original da Pnemem. Os objetivos específicos do artigo são: documentar com evidência direta e indireta o processo de tomada de decisão que resultou na aprovação de um novo mecanismo de controle e regulação governamental sobre transferência de armamento; deliberar, a partir de casos ou experiências singulares, a lógica institucional que incidiu nas políticas de transferência de armamento à época dos fatos; e analisar as percepções e interpretações de atores diretamente envolvidos no assunto sob a perspectiva dos estudos em segurança internacional e política externa brasileira.

A pergunta central que orienta o texto é a seguinte: como e por que foi possível, entre 1973 e 1974, a realização de uma evolução conceitual e institucional na política brasileira de controle e regulação de transferência de armamento? A hipótese de trabalho sugere que a referida evolução conceitual e institucional teria resultado tanto do dinamismo e do realismo comercial da indústria de defesa, quanto da vontade de transformar a transferência de armamento em um recurso de poder susceptível de modificar a inserção internacional de segurança do Brasil. Em outras palavras, teria havido uma racionalização e um aproveitamento das vantagens comparativas resultantes de uma renovada e mais efetiva vinculação entre as inovações da indústria de defesa, as operações concretas de exportação de armamento a parceiros e clientes, e as prioridades da política externa global brasileira - tudo isso no contexto geral dos regimes burocrático-autoritários comandados pelos presidentes Emílio Garrastazu Médici e Ernesto Beckmann Geisel (PAGLIARINI, 2017PAGLIARINI, André. “De onde? Para onde?”: the continuity question and the debate over Brazil’s “civil”-military dictatorship. Latin American Research Review, Pittsburgh, v. 52, n. 5, p. 760-774, 2017.; STEPAN, 1988STEPAN, Alfred. Rethinking military politics: Brazil and the southern cone. Princeton: Princeton University Press, 1988.).

Desenvolvimento industrial, diversificação de exportações e política externa brasileira

A indústria de defesa brasileira tem um histórico anterior à Segunda Guerra Mundial (HILTON, 1982HILTON, Stanley E. The armed forces and industrialists in modern Brazil: the drive for military autonomy (1889-1954). The Hispanic American Historical Review, Durham, v. 62, n. 4, p. 629-673, 1982.). Entretanto, até a década de 1960, a indústria de defesa era relativamente modesta, e dedicada à produção de armas leves, munições, e equipamento de comunicação. A maior parte dos grandes sistemas de armas - ou major weapons -3 3 Nas suas pesquisas, o Stockholm Peace Research Institute (SIPRI, 2022) considera cinco categorias de grandes sistemas de armas ou major weapons: aeronaves, veículos blindados e artilharia, sistemas de navegação, radar e comunicações, mísseis, e navios de guerra. William Hartung (2012) destaca que, junto com as armas pequenas, armamentos leves e tecnologias de uso duplo, os grandes sistemas de armas são fatores significativos nos estudos de segurança internacional e questões estratégicas contemporâneas. das forças armadas brasileiras era fornecido sobretudo pelo governo e empresas dos Estados Unidos e de alguns países europeus, especialmente da França e do Reino Unido. Nesse contexto, até 1970, as exportações brasileiras de armamento eram bastante limitadas e geralmente enquadradas no marco de acordos de segurança hemisférica.

Em termos legais, nessa época, o controle e a regulação das exportações de armamento de fabricação brasileira estavam amparados pelo artigo 8º (inciso VI) da Constituição de 1967, nos seguintes termos: “Compete à União [...] autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material bélico”. Também é importante registrar, como antecedente das políticas setoriais, o Decreto n. 55649, de 28 de janeiro de 1965, que instituiu um Regulamento para o Serviço de Fiscalização da Importação, Depósito e Tráfego de Produtos Controlados (R-105). Sendo assim, as atividades de controle e regulação de exportação de armamento acabavam sendo executadas pelos ministérios militares, especialmente pelo Ministério do Exército (ALLEBECK, 1991ALLEBECK, Angès. Brazil. In: ANTHONY, Ian (org.). Arms export regulations. Oxford: Oxford University Press e Sipri, 1991. p. 32-42.).

Os antecedentes do problema-objeto sugerem que a indústria de defesa teve um importante impulso no início da década de 1970, no marco de um momento de dinamismo e crescimento, geralmente conhecido como o “milagre econômico”, bem como do II Plano Nacional de Desenvolvimento (SCHNEIDER, 2013SCHNEIDER, Ben Ross. O estado desenvolvimentista no Brasil: perspectivas históricas e comparadas. Brasília: IPEA, 2013. ).4 4 Cumpre acrescentar que a formação de uma moderna base industrial de defesa no Brasil também foi motivada pela denominada Doutrina da segurança nacional, e mais especificamente pelo binômio “Desenvolvimento e Segurança” (BURNS, 1968). Alegava-se, durante o período do regime burocrático-autoritário, que esse emergente complexo industrial-militar permitiria reforçar a defesa da soberania e integridade territorial, lutar mais efetivamente contra a oposição armada (guerrilhas), e potenciar a inserção brasileira no cenário internacional (SCHNEIDER, 1976). Kapstein (1990) sugere que a política brasileira de transferência de armas inspirou-se no modelo francês. Sob a perspectiva do modelo nacional-desenvolvimentista, e favorecido pelas políticas de industrialização por substituição de importações, constituiu-se um novo conjunto de empresas que apostaram pela incursão no setor da produção de grandes sistemas de armas (KAPSTEIN, 1998KAPSTEIN, Ethan B. Economic development and national security. Strategic Studies Quarterly, Islamabad, v. 1, n. 2, p. 235-252, 1998.).5 5 Dentre as firmas privadas e públicas brasileiras que incursionaram na indústria de defesa durante os governos de Médici e Geisel destacaram-se a Empresa Brasileira de Aeronáutica-Embraer, Avibrás Indústria Aeroespacial, Companhia Brasileira de Cartuchos, Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro, Bernardini, e Engesa-Engenheiros Especializados (CONCA, 1997; FRANKO-JONES, 1987; KAPSTEIN, 1990; PROENÇA JUNIOR, 1994). Dentre essas novas empresas destacou-se a Engesa-Engenheiros Especializados.

Fundada em 1958, a Engesa foi uma empresa brasileira de porte médio, sediada no Estado de São Paulo, e inicialmente dedicada a atividades correlacionadas à indústria petrolífera. A partir de 1970, e procurando atender demandas do Exército brasileiro, a referida empresa incursionou na indústria de defesa. Entre 1974 e 1980, a Engesa transformou-se no maior exportador de material de emprego militar do Brasil. Os principais produtos fabricados pela Engesa foram viaturas blindadas e caminhões todo-terreno, dentre eles os denominados EE-9 Cascavel (viatura de reconhecimento de seis rodas), o EE-11 Urutu (veículo de transporte de pessoal) e os caminhões EE-15 e EE-25 (STRACHMAN; DEGL’LESPOSTI, 2010STRACHMAN, Eduardo; DEGL’LESPOSTI, Eduardo Henrique Becker. A indústria de defesa brasileira: o setor de carros de combate e a Engesa. Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 31-58, 2010.).

Após atender as encomendas iniciais das forças armadas brasileiras, e procurando reduzir os custos unitários, bem como auferir lucros adicionais, os proprietários da empresa, liderados pelo engenheiro José Luiz Whitaker Ribeiro, buscaram penetrar no competitivo mercado internacional de defesa, principalmente no Oriente Médio, na África Subsaariana, em Portugal, e em países do continente americano. Em pouco tempo, o EE-9 Cascavel e o EE-11 Urutu despertaram um alto e crescente interesse nas forças armadas e nos governos de numerosos países.

Cumpre insistir que, no início da década de 1970, o mecanismo brasileiro de controle e regulação de exportação de armamento e munição era sumamente modesto. Além disso, não existiam antecedentes de políticas para a exportação de grandes sistemas de armas - dentre eles, as viaturas blindadas da Engesa. Na verdade, nessa época persistia uma lógica basicamente liberal na promoção comercial deste novo tipo de produtos industrializados, da qual participavam fundamentalmente as empresas fabricantes brasileiras e os clientes interessados. Mesmo que a decisão final da eventual transferência fosse de responsabilidade das autoridades competentes do governo brasileiro, a lógica liberal da promoção comercial de armamento convencional de fabricação brasileira gerava consequências na política externa e na inserção internacional de segurança do país (CORDEIRO, 2009CORDEIRO, Janaina Martins. Anos de chumbo ou anos de ouro? A memória social sobre o governo Médici. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 22, n. 43, p. 85-104, 2009. ; MACARINI, 2005MACARINI, José Pedro. A política econômica do governo Médici: 1970-1973. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 15, n. 3, p. 53-92, 2005. ).6 6 Ministério das Relações Exteriores à Embaixada em Beirute. Minuta de Telegrama 386 (Secreto-urgentíssimo). Brasília, 2 ago. 1973. Arquivo Nacional, Acervo da Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional - doravante AN/CSN -: SNA AMG 8, f. 51/85.

Nesse contexto, em 24 de maio de 1973, o chanceler Mário Gibson Barboza (2020)BARBOZA, Mário Gibson. Na diplomacia, o traço todo da vida. 4 ed. Brasília: Funag, 2020. encaminhou ao presidente Médici um aviso de grande relevância para os fins deste artigo. O documento em apreço informava fundamentalmente o seguinte:

Como é do conhecimento de Vossa Excelência, o desenvolvimento industrial brasileiro vem propiciando condições para a fabricação, no país, de armas leves, inclusive automáticas, de veículos militares, de aviões e de todo tipo de equipamento militar, como barracas, fardamento, calçados especiais, etc.

2. A boa qualidade, o preço competitivo desses produtos brasileiros e a capacidade de produção de suas fábricas têm feito surgir, de parte dos industriais, o desejo de aproveitar as grandes oportunidades existentes no mercado externo para sua colocação. Para tanto, têm solicitado o apoio e a orientação do Itamaraty, através do Departamento de Promoção Comercial. Esse apoio é necessário porque, naturalmente, o trânsito com armas para exibição e testes requer a proteção diplomática, e também porque os contatos com os compradores, que são normalmente as Forças Armadas ou órgãos de Polícia de outros países, frequentemente ficam mais fáceis mediante a apresentação da Embaixada do Brasil no país interessado.

3. Se, por um lado, a venda de armamento e equipamento militar ao exterior apresenta aspectos positivos do ponto de vista de prestígio industrial, de ingresso de divisas e mesmo de desenvolvimento da tecnologia nacional desse setor, por outro lado não deixa de conter uma série de implicações delicadas e relevantes para a política externa e para a segudo país. Por essas razões, o apoio solicitado ao Itamaraty tem sido dado de forma casuística e qualificada, de acordo com as peculiaridades das situações surgidas. Tendo em vista, entretanto, o crescente desenvolvimento desse ramo industrial no Brasil e os consequentes aumento e diversificação dos interesses de exportação nesse setor, acredito necessário sejam estabelecidas diretrizes precisas para orientar os órgãos executivos do Governo, levando em conta todos os aspectos que envolvem a questão.

[...] 5. Diante desses antecedentes, tenho a honra de propor à alta aprovação de Vossa Excelência a constituição de um grupo de trabalho, a ser integrado por representantes dos Ministérios do Exército, da Marinha, e da Aeronáutica, da Fazenda e da Indústria e Comércio, da Secretaria do Conselho de Segurança Nacional e da Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil, para, sob a coordenação do Chefe do Departamento de Promoção Comercial do Ministério das Relações Exteriores, examinar o assunto e propor diretrizes de política de exportação de armamento e equipamento militar em geral. As conclusões do grupo de trabalho seriam submetidas à decisão final de Vossa Excelência.7 7 Mário Gibson Barboza ao Presidente da República. Minuta de Informação 205 (Secreto-urgente). Brasília, 24 mai. 1973. Apud Magalhaes (2016, p. 236-238).

A preocupação do ministro Barboza com a questão da comercialização do armamento brasileiro manteve-se até o final do mandato do presidente Médici, em março de 1974. E essa inquietação foi retomada pelas autoridades que assumiram o poder, isto é, o governo do general Ernesto Geisel, e seu chanceler Antônio Francisco Azeredo da Silveira (CERVO; BUENO, 2002CERVO, Amado Luiz; BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil. 2 ed. Brasília: Ibri; Edunb, 2002.; LIMA, 2018LIMA, Sérgio Moreira. O pragmatismo responsável na visão da diplomacia e da academia. Brasília: Funag, 2018.). Com efeito, poucos dias depois de assumir o seu novo cargo, e com aprovação de Geisel, o novo chanceler brasileiro encaminhou convite a cinco ministros militares, bem como a representantes dos Ministérios da Fazenda, Indústria e Comércio, e Banco do Brasil, com intuito de reiniciar as atividades do grupo interministerial imaginado pelo chanceler de Médici. Esse grupo interministerial teria a incumbência de “estudar e regular matéria que cada vez mais adquire contornos de alta relevância, quer examinada no plano das relações políticas e econômicas do país, quer observada sob o aspecto da segurança nacional”.8 8 Antônio F. Azeredo da Silveira a Vicente de Paulo Dale Coutinho. Minuta de Telegrama 16 (Secreto). Brasília, 2 abr. 1974. AN/CSN: SNA AMG 9, f. 27/135. A reunião inicial de autoridades correlacionadas à futura política de transferência de armamento celebrou-se no Palácio do Itamaraty, em 10 de abril de 1974. Até o final do mesmo ano, o referido grupo deliberou acerca do estabelecimento de um novo mecanismo de controle e regulação, apropriado para o encaminhamento de um setor com grande potencialidade econômica, política e estratégica para o Brasil. Os resultados operativos desse grupo interministerial são discutidos mais na frente deste artigo. Antes, entretanto, parece importante ilustrar o problema-objeto com alguns casos ou experiências singulares que - direta e indiretamente - acabaram incidindo no processo de tomada de decisão objeto deste manuscrito.

As políticas de transferência de armamento brasileiro em transição: aprendizado institucional e ação estratégica

Entre o encaminhamento do aviso de Gibson Barboza ao general Médici, em maio de 1973, e a aprovação do Relatório Final do grupo interministerial - que colocou as bases de uma nova política setorial -, em outubro de 1974, a documentação consultada sugere a existência de uma série de experiências singulares e/ou casos concretos de requerimentos e de processos de tomada de decisão vinculados à eventual transferência de grandes sistemas de armas. Essas experiências singulares e processos de tomada de decisão são importantes para os fins do presente estudo não somente por se erigir em antecedentes que ilustram a relevância da temática, como também pela sua incidência nas atividades do grupo interministerial que acabou redigindo o Relatório que fundamentou a Exposição de Motivos nº 79/1974, isto é, a denominada Política Nacional de Exportação de Material de Emprego Militar-Pnemem.

Nessa linha, uma análise interpretativa de quatro casos ou experiências singulares parece ser particularmente relevante para os fins deste estudo. Cronologicamente delimitados entre maio de 1973 e dezembro de 1974, os quatro casos em questão são: (a) a imposição de um embargo expresso de armas brasileiras a Portugal, (b) a bem sucedida contratação de exportação de viaturas militares para Líbia, (c) a inovadora concessão de linha creditícia especial para financiar a exportação de armamento ao Chile, e (d) a constatação da existência de um embargo expresso de armas, peças e munições suecas e norueguesas ao Brasil.

Ainda que por razões de espaço não seja possível aprofundar em uma discussão detalhada destes quatro casos ou experiências singulares, entende-se que o mais relevante é o aprendizado institucional, particularmente no caso dos servidores encarregados da formulação e implementação da nova política de controle e regulação de exportação de grandes sistemas de armas de fabricação brasileira. Decerto, esse aprendizado institucional nos meios burocráticos - que são os que mais interessam neste estudo - acabaria incidindo na operacionalização da Pnemem após a sua afirmação como documento normativo básico do poder Executivo nas quatro décadas subsequentes. Nesse sentido, a participação do diplomata Paulo Tarso Flecha de Lima tanto no grupo interministerial quanto na chefia do Departamento de Promoção Comercial do Itamaraty tornou-se sumamente importante - e até paradigmática.

O primeiro caso ou experiência singular de interesse é o pouco conhecido embargo de armamento brasileiro a Portugal, então encabeçado pelo presidente do Conselho de Ministros Marcello Caetano. Acontece que o último governante do regime do Estado Novo continuava envolvido nas guerras coloniais, especialmente em Guiné-Bissau, Angola e Moçambique (MAXWELL, 2006MAXWELL, Kenneth. O império derrotado: revolução e democracia em Portugal. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.). Mesmo que pudessem ser identificadas algumas afinidades eletivas entre o regime burocrático-autoritário de Médici e o regime salazarista de Marcello Caetano, a questão do colonialismo português passou a ser um assunto de divergências político-diplomáticas bilaterais e multilaterais, em virtude de seu impacto nas relações brasileiras com o conjunto dos países africanos, não-alinhados e em desenvolvimento (SANTOS; UZIEL, 2015SANTOS, Norma Breda dos; UZIEL, Eduardo. Forty years of the United Nations General Assembly Resolution 3379 (XXX) on zionism and racism: the Brazilian vote as an instance of United States - Brazil relations. Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, v. 58, n. 2, p. 80-97, 2015.). No interlúdio, a Engesa-Engenheiros Especializados, procurando novos mercados para seus produtos, encontrou interesse e possível importador em Lisboa - quer dizer, em um país membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte-Otan. Evidentemente, para a Engesa, poderia ser importante tornar-se fornecedor de um Estado que participava em uma das mais importantes alianças político-militares da época e vasto mercado de grandes sistemas de armas.

Assim, poucos meses antes da revolução dos Cravos, em abril de 1974, que resultou na derrocada do regime salazarista e no exílio do Marcello Caetano no Brasil, a Embaixada em Lisboa informou ao Itamaraty sobre o esforço da Engesa para exibir, testar e eventualmente comercializar suas viaturas blindadas e caminhões todo-terreno. Em contraste com o realismo comercial predominante no setor de defesa, mesmo a simples divulgação nos meios de comunicação da presença física, respaldo ou aquiescência de diplomatas da Embaixada em Lisboa com relação às atividades de promoção da Engesa poderia acabar tendo consequências graves para a política externa brasileira. Nessa linha, em 6 de novembro de 1973, o chanceler Mário Gibson Barboza encaminhou ao presidente da República uma avaliação do impacto das atividades da Engesa em Lisboa. Na ocasião, solicitou-se a imposição de um embargo expresso de armamento brasileiro, nos seguintes termos:

Rogo a atenção de Vossa Excelência para mais essa tentativa de envolvimento do Brasil na guerra colonial portuguesa. Faltaria à responsabilidade do cargo que Vossa Excelência me confiou, se deixasse de dizer-lhe que considero, sem sombra de dúvida, não haver interesse comercial que justifique o irreparável prejuízo político que inevitavelmente resultará para o Brasil, se nos envolvermos, ainda que indiretamente, num conflito que não é nosso, a respeito do qual não temos voz, cuja sorte já está evidentemente selada contra Portugal e que nem sequer representa uma causa moralmente defensável. A venda de armamentos brasileiros a Portugal é certamente um envolvimento do Brasil no conflito. Nessas condições, venho rogar respeitosamente a Vossa Excelência que se digne expedir instruções aos órgãos competentes, no sentido de se impedir a concretização dessa operação comercial.9 9 Ministério das Relações Exteriores à Embaixada em Lisboa. Minuta de Telegrama 652 (Secreto-urgentíssimo). Brasília, 6 nov. 1973. AN/CSN: SNA AMG 8, f. 79/85.

Agora sabemos que o presidente Médici, após ouvir as ponderações igualmente céticas da Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional - então comandada pelo general e futuro presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo -, aprovou a imposição de um embargo expresso de armas brasileiras a Portugal, “a fim de evitar envolvimento brasileiro nos conflitos coloniais, o que poderia prejudicar a nossa posição parlamentar nas Nações Unidas”.10 10 Ministério das Relações Exteriores à Delegação Brasileira na Organização das Nações Unidas. Minuta de Telegrama 1462 (Secreto-urgentíssimo). Brasília, 12 dez. 1973. AN/CSN: SNA AMG 8, f. 77-78/85.

Concomitantemente, e ainda que tendo sido expressamente vetada a participação de diplomatas e de adidos militares brasileiros, a apresentação das viaturas blindadas e dos caminhões da Engesa em Portugal foi divulgada pela imprensa lisboeta. Sucede que para o isolado regime de Marcello Caetano, uma notícia de exibição e testagem de material de emprego militar de fabricação brasileira - mesmo que realizada por empresa privada - acabava sendo considerada como uma implícita e significativa expressão concreta de respaldo e apoio. Ao mesmo tempo, os diretivos da Engesa mantiveram-se no critério estritamente comercial da ação. Basicamente, a empresa brasileira procurava promover seus produtos em um mercado promissor - isto é, no mercado português, em particular, e da aliança atlântica, em geral.

Inversamente, as forças que lutavam contra o colonialismo português, especialmente nos territórios de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau - bem como seus aliados no nacionalismo pan-africano, não-alinhados e em desenvolvimento -, certamente questionaram esse posicionamento da empresa brasileira, especialmente em foros multilaterais, como a Organização das Nações Unidas. Leve-se em consideração que, mesmo durante a época mais repressiva do regime burocrático-autoritário brasileiro, então comandada pelo general Médici, o relacionamento com as emergentes nações de expressão portuguesa, com o mundo afro-asiático e com o sul global, tinha alta e crescente relevância para o governo de Brasília (SCHNEIDER, 1976SCHNEIDER, Ronald M. Brazil: foreign policy of a future world power. Boulder: Westview Press, 1976.). Eventualmente, esse tipo de preocupações político-diplomáticas diretamente correlacionadas ao processo de descolonização em curso tornaram-se ainda mais significativas no marco do estilo de inserção internacional denominado de Pragmatismo Responsável, formulado e implementado durante o governo do general Ernesto Geisel (SPEKTOR, 2004SPEKTOR, Matias. Origens e direção do pragmatismo ecumênico e responsável (1974-1979). Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, v. 47, n. 2, p. 191-222, 2004. ).

Posto isto, manter um relacionamento construtivo e solidário com o governo de Lisboa também era relevante e teria que ser considerado pelas autoridades, inclusive pelas pressões das comunidades portuguesas no Brasil, pela imprensa e pelos grupos mais conservadores do regime militar. Infere-se da documentação consultada que o assunto era, efetivamente, sensível para os formuladores da política externa brasileira. Eis a questão de divulgar - ou não - a existência de um embargo expresso e decretado pelo governo brasileiro em relação a Portugal, o que certamente terminaria gerando alguns atritos adicionais com Lisboa.

Mesmo após a vitoriosa revolução dos Cravos, em abril de 1974, a Engesa manteve seu interesse em participar de exibições, testes e outras ações de promoção comercial de seus produtos - civis e militares - junto aos eventuais clientes portugueses, da Otan e alhures. Destarte, em 24 de junho de 1974, foi realizada uma nova exibição, o que muito preocupou às autoridades diplomáticas brasileiras. Para o embaixador brasileiro em Lisboa, por exemplo, “A divulgação pública do sucesso da Engesa, vencendo a concorrência, embora justo motivo de orgulho da tecnologia bélica nacional, traria enormes dificuldades ao desenvolvimento da política de aproximação brasileira com os países africanos”. Em consequência, recomendou-se ao Itamaraty: “que a Engesa fosse pressionada no sentido de interromper as exibições desse equipamento em Portugal, transportando-os de imediato para o Brasil”.11 11 Da Fontoura ao Ministério das Relações Exteriores. Telegrama 737 (Secreto-urgentíssimo). Lisboa. 21 jun. 1974. AN/CSN: SNA AMG 9, f. 69/135. Agora sabemos que não houve exportações de grandes sistemas de armas autorizadas pelo governo brasileiro até a consolidação democrática portuguesa, na segunda metade da década de 1970.

O caso ou experiência singular observada em relação a Portugal - isto é, um embargo expresso de armamento de fabricação brasileira - é significativo e relevante. O episódio demonstrou a fragilidade do mecanismo de controle e regulação então existente. Evidentemente, neste processo de tomada de decisão, as considerações políticas acabaram sendo predominantes em relação às eventuais vantagens econômico-comerciais. Portanto, parece pertinente concordar com as elucubrações do próprio chanceler Mário Gibson Barboza em relação a que “O problema da comercialização de equipamento militar tem estado presente em minhas preocupações”; e que o presidente Médici tinha “acolhido a minha sugestão de constituir um grupo interministerial para o estudo da matéria”.12 12 Ministério das Relações Exteriores à Delegação Brasileira na Organização das Nações Unidas. Minuta de Telegrama 652 (Secreto). Brasília, 13 dez. 1973. AN/CSN: SNA AMG 8, f. 79/85. Esse grupo interministerial somente veio a se reunir em 1974 e, como será discutido ainda neste artigo, acabou colocando as diretrizes de uma nova política de controle e de regulação de exportação de armamento.

Um segundo caso de grande relevância para os fins deste artigo foi a autorização para a exportação de um vultuoso contrato de viaturas blindadas EE-9 Cascavel da Engesa a Líbia. Mutatis mutandis, parece apropriado levar em consideração que, após o golpe de 1º setembro de 1969, a Líbia era governada por uma elite revolucionária de inspiração nasserista, cujo homem forte era o coronel Muammar al-Qaddafi. Outrossim, uma das mais importantes iniciativas do governo líbio tinha sido a nacionalização da indústria petroleira (COOLEY, 1982COOLEY, John K. Libyan sandstorm. Nova York: Holt, Rinehart and Winston, 1982.).

A energia líbia era sumamente significativa, inclusive em termos das relações bilaterais com o Brasil. Sucede que o Brasil era um importador de petróleo líbio. E esse item da pauta gerava um déficit estrutural na balança comercial para o lado brasileiro. Todavia, no marco do processo de nacionalização do petróleo e gás natural líbio, o Brasil foi um dos primeiros países a manifestar o desejo de dar continuidade às suas importações, frustrando uma aparente tentativa de bloqueio que empresas de países ocidentais procuravam organizar. Outrossim, equilibrar a balança comercial tornou-se sumamente urgente para o lado brasileiro, especialmente após o início da primeira crise do petróleo, entre 1973 e 1974, e do II Plano Nacional de Desenvolvimento, entre 1975 e 1979 (SILVA, 2021SILVA, Nathan Morais Pinto da. Diplomacia à prova de choque: As relações com países exportadores de petróleo e a busca pela segurança energética na política externa brasileira durante os governos Geisel e Figueiredo (1974-1985). 2021. Rio de Janeiro: Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais), Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2021.).

As fontes consultadas não são muito claras ou categóricas sobre a origem da iniciativa que resultou na aproximação entre a Engesa e o governo líbio. Seja como for, a documentação sugere que, na primeira semana de outubro de 1973 - isto é, bem na véspera da guerra do Yom Kippur -, a diplomacia brasileira tinha conhecimento do “vital interesse” do governo da Líbia na compra de mais de 200 unidades do EE-9 Cascavel.13 13 Ministério das Relações Exteriores à Embaixada em Paris. Minuta de Telegrama 858 (Secreto). Brasília, 5 out. 1973. AN/CSN: SNA AMG 8, f. 65/85. Alguns dias depois, a Embaixada brasileira em Paris informou ao Itamaraty que o engenheiro José Luiz Whitaker Ribeiro, diretor da Engesa, tinha retornado recentemente de Trípoli e, segundo o relatório correspondente, “Acredita o Sr. Ribeiro que as autoridades líbias estão muito interessadas em aumentar as relações comerciais com o Brasil nesse campo e que a política atual do Governo brasileiro é vista com simpatia por aquelas autoridades, porquanto foi o Brasil o primeiro país a comprar da Líbia após a nacionalização da indústria petroleira”.14 14 Lyra Tavares ao Ministério das Relações Exteriores. Telegrama 1224 (Secreto). Paris, 15 dez. 1973. AN/CSN: SNA AMG 8, f. 84-85/85.

A autorização política definitiva do governo brasileiro para prosseguir com as negociações entre a Engesa e o governo de Trípoli foi ratificada em 31 de dezembro de 1973. Todavia, o regime do presidente Médici acrescentou que a transferência poderia ser realizada “desde que satisfeitas, com prioridade, as necessidades que têm as Forças Armadas brasileiras do mesmo equipamento”.15 15 Ministério das Relações Exteriores à Embaixada em Paris. Minuta de Telegrama 112 (Secreto). Brasília, 31 dez. 1973. AN/CSN: SNA AMG 8, f. 85/85. Com efeito, algumas inesperadas dificuldades no processo de tomada de decisão apareceram especialmente com a ala militar do governo. Aparentemente, certos comandantes manifestaram-se desfavoravelmente com relação à transferência das viaturas blindadas da Engesa, pelo impacto que isso poderia provocar no fornecimento ao próprio Exército brasileiro. Precisar-se-ia estabelecer um equilíbrio entre o fornecimento do armamento às próprias forças armadas brasileiras, de um lado, e as exportações para a Líbia de al-Qaddafi, de outro.16 16 João Baptista de Oliveira Figueiredo ao Presidente da República. Exposição de Motivos do Conselho de Segurança Nacional n. 83/73. Brasília, 10 dez. 1973. ApudMagalhaes (2016, p. 239-242).

Sabe-se que o contrato entre o governo da Líbia e a Engesa foi finalmente assinado em 24 de fevereiro de 1974. Ele contemplou a venda de 200 viaturas EE-9 Cascavel, pelo preço de US$ 50 milhões de dólares estadunidenses. Aproximadamente US$ 33 milhões de dólares desse montante corresponderiam à empresa brasileira, e o restante à empresa francesa construtora das torretas e dos canhões. Cumpre acrescentar que, na maior parte da literatura especializada, esse vultuoso contrato da Engesa com o governo da Líbia é considerado como o virtual ponto de partida de uma nova etapa nas transferências brasileiras de material de emprego militar, em geral, e de grandes sistemas de armas - ou major weapons -, em particular (VIZENTINI, 1998VIZENTINI, Paulo. A política externa do regime militar brasileiro. Porto Alegre, Editora UFRGS, 1998.; HARTUNG, 2012HARTUNG, William D. International arms trade. In: WILLIAMS, Paul (org.). Security studies: an introduction. 2 ed. Abingdon: Routledge, 2012. p. 441-456.).

Todavia, no marco do entendimento entre o fabricante brasileiro e o cliente árabe, ficou acertado que uma missão de oficiais líbios viajaria ao Brasil, no início de março de 1974, para conhecer melhor as capacidades industriais e econômicas do país, inclusive em outras áreas de interesse comum - com destaque para a indústria aeronáutica, automobilística e da construção civil,17 17 Lyra Tavares ao Ministério das Relações Exteriores. Telegrama 224 (Secreto urgentíssimo). Paris, 26 fev. 1973. AN/CSN: SNA AMG 9, f. 5/235. Segundo a documentação consultada, durante a realização dessa sigilosa missão de altos oficiais líbios, os visitantes teriam expressado o desejo do governo de Trípoli de “ser informado da possibilidade de o Brasil adquirir, no exterior, armamento de alta sofisticação ao qual não teria a Líbia acesso direto”.18 18 Antônio F. Azeredo da Silveira a Sylvio Couto Coelho de Frota, Ofício 03 (Secreto). Brasília, 7 fev. 1975. AN/CSN: SNA AMG 10, f. 61-64/253. Em outras palavras, os líbios teriam iniciado uma tentativa de vincular futuras compras de armamento a uma certa disposição do governo brasileiro para transigir e colaborar em triangulações, reexportações ou intermediações, frustrando eventuais embargos de terceiros fornecedores.

Consta que as autoridades brasileiras se recusaram peremptoriamente a atender as referidas petições de intermediação do governo líbio, sob o argumento de manter a credibilidade e a confiança do governo sul-americano perante tradicionais fornecedores de armamento para as suas próprias forças armadas. Entretanto, não faltaram episódios em que armamento brasileiro acabou aparecendo em destinos para os quais não se tinha registro ou certificado final de uso. Eis o caso de viaturas, armas leves e/ou munições de origem brasileira legalmente exportadas, por exemplo, para a Líbia, e que acabaram sendo identificadas em terceiros destinos, inclusive com aliados e clientes do governo de Trípoli no Médio Oriente e na África.

Assim, em pouco tempo, a Líbia tornou-se em um dos mais importantes importadores de material de emprego militar de fabricação brasileira, bem como de muitos outros bens e serviços. Também, o país árabe inaugurou uma época de enormes contratos militares com outras nações vizinhas, particularmente com o Iraque, o Egito e a Arábia Saudita. Infere-se que, neste segundo caso ou experiência singular, as considerações econômicas da transferência acabaram sendo particularmente relevantes e significativas, em comparação com os determinantes políticos, inclusive porque o regime burocrático-autoritário brasileiro efetivamente contrastava com os desígnios nasseristas do governo de Trípoli. Daí que se trate de um paradigmático caso de troca de armas, petróleo e influência entre as partes.

Um terceiro caso ou experiência singular de interesse neste manuscrito foram as transferências de armamento para o Chile, engrandecidas a partir da concessão de um inédito financiamento público brasileiro. Isto é, de uma linha de crédito especial disponibilizada pelo governo brasileiro e que chegou ao montante de US$ 65 milhões de dólares estadunidenses. A esse respeito, vale ter presente que, em 15 de março de 1974, o general Ernesto Geisel assumiu a presidência do Brasil. A sucessão presidencial em Brasília contou com a presença do general Augusto Pinochet. Poucos meses antes daquele encontro, e com significativo apoio político-diplomático brasileiro e de outros governos, o general Pinochet tinha encabeçado um violento golpe militar que derrocou o governo de Salvador Allende e se apoderado do poder político do país andino (SIMON, 2021SIMON, Roberto. O Brasil contra a democracia: a ditadura, o golpe no Chile e a guerra fria na América do Sul. São Paulo, Brasil: Companhia das Letras, 2021.).

Ainda que não seja necessário fazer aqui uma avaliação detalhada da complexa relação entre o Brasil e o Chile durante o mandato de Médici, é importante, sim, sublinhar a participação do embaixador brasileiro em Santiago, Antônio Cândido Câmara Canto, na conspiração que culminou com a imposição de um regime autoritário naquele país. O referido diplomata foi embaixador brasileiro em Santiago entre 1968 e 1975. E, durante o período, estabeleceu relações muito intensas com o estamento militar chileno. Todavia, após os acontecimentos de setembro de 1973, Câmara Canto se esforçou em garantir uma cobertura político-diplomática ao novo governo, inclusive com uma sensível aproximação entre os regimes militares de Brasília e Santiago. Observe-se, ainda, que o Brasil de Médici e de Geisel era uma espécie de modelo autoritário - particularmente no campo da repressão política e social - para o regime militar chileno (STEPAN, 1988STEPAN, Alfred. Rethinking military politics: Brazil and the southern cone. Princeton: Princeton University Press, 1988.). Nessa linha, a presença de Pinochet em Brasília, prestando cumprimentos ao novo governo de Geisel, representava um acontecimento relevante e significativo (MONIZ BANDEIRA, 2008MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. Fórmula para o caos: a derrubada de Salvador Allende 1970-1973. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.).

Para os fins deste manuscrito, é importante destacar que, com uma muito alta probabilidade, teria sido no contexto desse encontro presidencial Geisel-Pinochet que se fundaram os alicerces de sucessivas e massivas transferências de material de emprego militar de fabricação brasileira para Chile. O assunto era sumamente importante para o regime militar chileno, sobretudo levando-se em consideração o crescente isolamento internacional do governo de Pinochet, acusado de graves violações aos direitos humanos, bem como em virtude das tensões com países vizinhos provocadas por divergências territoriais (MUÑOZ, 1986MUÑOZ, Heraldo. Las relaciones exteriores del gobierno militar chileno. Santiago: Prospel-Cerc e Las Ediciones del Ornitorrinco, 1986.). Assim sendo, o Brasil de Geisel erigiu-se em um dos poucos países dispostos a transferir grandes sistemas de armas ao regime militar chileno - e tudo isso em condições preferenciais de financiamento.

Com efeito, o caso chileno é de particular relevância para os fins deste estudo pela introdução de uma linha especial de financiamento público brasileiro para a exportação de armamento. Criado a partir de entendimentos entre o Estado Maior das Forças Armadas brasileiras e do Ministério da Defesa do Chile, uma linha de crédito especial de US$ 40 milhões de dólares estadunidenses foi ofertada pelo governo de Geisel para a compra de material de emprego militar brasileiro, em junho de 1974. Observe-se que as condições desse financiamento público eram particularmente dadivosas para os clientes chilenos. A documentação consultada sugere que se tratava de um crédito especial com quinze anos para amortização, com carência de 30 meses, juros de 8% e cobertura total de cada operação.

A disponibilização de uma linha de crédito especial para aquisição de material de emprego militar, em uma época de crescente isolamento político-diplomático chileno, foi altamente valorizada em Santiago. Todavia, em pouco tempo, o governo de Pinochet solicitou uma ampliação da referida linha de crédito especial, para atender necessidades específicas de Carabineiros de Chile e da Aviação Naval. Novamente, a solicitação chilena foi acatada pelas autoridades do governo de Geisel. Assim, em poucos meses, a referida linha de crédito incrementou-se até a significativa quantia de US$ 65 milhões de dólares.

O considerável apoio militar e político-diplomático brasileiro ao regime burocrático-autoritário chileno foi registrado por inúmeras autoridades civis e militares. Com motivo das comemorações do dia da Independência chilena em 1975, uma alta autoridade castrense brasileira informou ao chanceler Azeredo da Silveira, por exemplo, o seguinte: “tive a oportunidade de observar que a ajuda militar brasileira ao Chile tem sido muito bem recebida e constitui fator importante no estreitamento das relações entre os dois países”.19 19 Ministério das Relações Exteriores à Embaixada em Santiago. Minuta de Telegrama 462 (Secreto). Brasília, 21 jun. 1976. AN/CSN: SNA AMG 11, f. 136-137/289.

Assinale-se que o financiamento público concedido ao Chile transformou o país andino em um dos principais importadores de material de emprego militar de fabricação brasileira no hemisfério ocidental. Em consequência, blindados da Engesa, aviões da Empresa Brasileira de Aeronáutica-Embraer, mísseis da Avibrás Indústria Aeroespacial, munição da Companhia Brasileira de Cartuchos-CBC, equipamento de comunicação, e até viaturas policiais acabaram sendo transferidas para Chile, reforçando as capacidades de defesa e de segurança interna daquele regime.

Outrossim, a documentação consultada sugere que, após a imposição de expressos embargos de armas por numerosos governos de países ocidentais ao governo do Chile, em virtude das grosseiras violações aos direitos humanos, as autoridades brasileiras teriam recebido sondagens e até pressões de Santiago para frustrar os referidos embargos de terceiros países, mediante irregulares triangulações, intermediações ou reexportações. Assim como aconteceu com as supracitadas iniciativas líbias, essas sondagens e pressões chilenas acabaram sendo peremptoriamente recusadas em Brasília, em função da manutenção da credibilidade e confiança nas relações econômicas, políticas e estratégicas com terceiros países - em particular, com a França e com os Estados Unidos.

Nessa linha de pensamento, infere-se que, neste terceiro caso ou experiência singular, as considerações políticas e econômicas que recomendaram a concessão de autorização de transferências de armamento brasileiro eram bastante equilibradas. Destaca-se, novamente, a inovação introduzida pela concessão de uma dadivosa linha de crédito especial - isto é, de financiamento público -, que acabou estreitando ainda mais as relações entre as partes. Cumpre acrescentar que, pouco tempo depois, linhas de crédito semelhantes também foram concedidas por Brasília aos governos autoritários da Bolívia, Paraguai e Uruguai (SILVA, 2020SILVA, Álvaro Costa. Diverse images, reverse strategies: Brazilian foreign ministers’ perceptions and the Brazil-Argentina rapprochement (1974-1985). Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, v. 63, n. 1, e006, 2020.; SPEKTOR, 2002SPEKTOR, Matias. O Brasil e a Argentina entre a cordialidade oficial e o projeto de integração: a política externa do governo de Ernesto Geisel (1974-1979). Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, v. 45, n. 1, p. 117-145, 2002. ).

O quarto e último dos casos ou experiências singulares que, certamente, incidiram no processo de criação de um novo mecanismo de controle e regulação de exportação de armamento foi a recusa dos governos da Suécia e da Noruega em conceder licenças para a transferência de componentes e peças que iriam ser incorporadas no projeto do EE-11 Urutu, da Engesa. Com efeito, nem tudo foi tranquilo ou sossegado no período que antecedeu à aprovação da Pnemem. Na interlocução de empresas privadas brasileiras com eventuais fornecedores de peças e componentes estrangeiros, houve o reconhecimento e constatação da existência de embargos de governos de outros países em relação ao Brasil. Esses embargos de armas, peças e munições ao Brasil geralmente foram justificados sob o argumento de “perturbações da ordem interna”.20 20 Ministério das Relações Exteriores à Embaixada em Estocolmo. Minuta de telegrama 30 (Secreto-urgente). Brasília, 22 fev. 1973. AN/CSN: SNA AMG 8, f. 27/85. Isto é, corroborou-se a existência de um veto governamental, especialmente de países europeu-ocidentais em relação à transferência de armas com destino ao Brasil, em virtude da repressão política e do desrespeito aos direitos humanos, além de conflitos político-sociais conexos, durante os mandatos de Médici e Geisel. Uma variante desses vetos às transferências de material de emprego militar aconteceu quando os governos dos países oriundos das empresas responsáveis pelo desenho de peças específicas e/ou das licenças de fabricação no Brasil determinaram a imposição de embargos a eventuais clientes locais ou no exterior. Evidentemente, os referidos vetos acabaram frustrando quer as transferências para clientes brasileiros - como era o caso da Engesa -, quer as exportações procedentes de fábricas instaladas no Brasil destinadas a clientes em terceiros países sob embargo pelos governos dos países de origem das referidas empresas da indústria de defesa.

Segundo a documentação consultada, os governos da Suécia e da Noruega vetaram a concessão de licenças de exportação para peças - especificamente ao fornecimento de torretas com metralhadoras de 20 milímetros - destinadas à sua incorporação no carro blindado EE-11 Urutu, projeto da Engesa, em 1974. Ainda que não se tratasse de um embargo publicizado, divulgado e/ou conhecido pela opinião pública, a empresa sueca Hagglunds foi proibida pelo governo de Estocolmo, em fevereiro de 1973, de atender o pedido da Engesa.

Nos meses subsequentes, a empresa sueca tentou manter o contrato e fornecer as referidas peças desde uma subsidiária localizada em território norueguês - a Kongsberg Vapenfabrikk. Contudo, em 20 de junho de 1974, o governo de Oslo acabou vetando essa transferência sob os mesmos argumentos. A divulgação da notícia na impressa da determinação do governo trabalhista norueguês, encabeçado pelo primeiro-ministro Trygve Bratteli, provocou uma reação vigorosa e pouco conhecida de parte das autoridades brasileiras.

Consta que, em 8 de agosto de 1974, o chanceler Antônio Francisco Azeredo da Silveira teria apresentado ao encarregado de negócios norueguês em Brasília uma ajuda-memória. Nesse documento, o governo de Geisel lamentou e considerou “gratuitamente inamistosa a atitude do Governo norueguês de cancelar autorização para suposto fornecimento de material que não encomendou ou sequer cogitou adquirir.”21 21 Ministério das Relações Exteriores à Embaixada em Oslo. Minuta de Telegrama 168 (Secreto-urgentíssimo). Brasília, 8 ago. 1974. AN/CSN: SNA AMG 9, f. 85-86/135. Acrescentando, a seguir que: “O Governo brasileiro desejaria tomasse o Governo da Noruega conhecimento do desagrado que lhe causou aquela atitude - que decerto em nada contribui para o bom entendimento que tem sido invariável propósito do Brasil manter e constantemente aperfeiçoar nas relações com a amiga nação norueguesa”.22 22 Ibidem.

Evidentemente, o problema básico era o implícito questionamento das autoridades norueguesas e suecas à legitimidade do regime militar brasileiro. Isto é, um regime burocrático-autoritário que, na época, continuava sendo questionado pelas violações aos direitos humanos, pela repressão política e outros abusos conexos (RORIZ, 2017RORIZ, João Henrique. Clashing frames: human rights and foreign policy in the Brazilian re-democratization process. Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, v. 60, n. 1, e019, 2017. ). Em retrospectiva, é ilustrativo destacar que a Embaixada brasileira em Oslo pronunciou-se em contra da manutenção de transferências no campo da segurança com países escandinavos. Ponderou-se, por exemplo, que “a indústria de armamentos não é o campo em que mais profícuas possam ser nossas relações [bilaterais]; razão pela qual conviria desencorajar iniciativas como as feitas com a Simrad e a Kongsberg Vapenfabrikk para não corrermos o risco de novos incidentes desagradáveis”.23 23 Meira Penna ao Ministério das Relações Exteriores, Telegrama 135 (Secreto-urgente). Oslo, 26 jul. 1974. AN/CSN: SNA AMG 9, f. 76-78/135.

Todavia, argumentos semelhantes aos sustentados pelos governos da Suécia e da Noruega puderam ser observados em debates parlamentários canadenses correlacionados à possível importação de mais de 500 viaturas brasileiras EE-11 Urutu, para os fuzileiros navais daquele país - ou seja, um eventual contrato de aproximadamente US$ 200 milhões de dólares. Ainda que, por razões de espaço, não seja possível aprofundar no assunto, os setores mais à esquerda no parlamento canadense alertaram que a eventual transferência de armamento brasileiro trazia “implicações políticas”. Agora sabemos que, nessa concorrência internacional, a viatura brasileira foi muito bem qualificada tecnicamente, chegando em segundo lugar, na frente de equivalentes estadunidenses e franceses. Mesmo assim, a determinação final do governo canadense, encabeçado pelo primeiro-ministro Pierre Elliott Trudeau, acabou favorecendo, em abril de 1976, um modelo oferecido pela empresa suíça Mowag.24 24 Silos ao Ministério das Relações Exteriores. Telegrama 198 (Secreto urgentíssimo). Ottawa, 23 abr. 1976. AN/CSN: SNA AMG 11, f. 161/283. Evidentemente, no contexto desses embargos de transferências de armas de governos estrangeiros ao Brasil de Médici e Geisel, as considerações políticas foram bem mais importantes que as eventuais contrapartidas econômico-comerciais ou financeiras.

Assim sendo, os quatro casos ou experiências singulares acima discutidas configuraram um espaço de aprendizado institucional e ação estratégica muito importante para os funcionários - civis e militares - brasileiros responsáveis do processo de tomada de decisão. A participação de servidores da Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional e do Ministério das Relações Exteriores foi particularmente relevante e significativa. Com efeito, mesmo em casos de tratativas que não prosperaram ou frutificaram, como no referido episódio da participação da Engesa na licitação do Ministério da Defesa do Canadá, cumpre acompanhar as ponderações do então ministro da Marinha, Gerardo Azevedo Henning, ao chanceler Azeredo da Silveira, no sentido seguinte: “Há que se concordar também que as negociações deixaram saldo positivo, na medida em que [...] proporcionaram valiosa experiência de negociações em campo ainda pouco explorado e de coordenação entre nossos dois Ministérios”.25 25 Gerardo Azevedo Henning a Antônio Francisco Azeredo da Silveira. Aviso 938 (Secreto). Brasília, 28 set. 1976. AN/CSN: SNA AMG 11, f. 212-213/283. Portanto, sob uma perspectiva institucionalista, as referidas instâncias civis e militares de assessoramento da Presidência da República continuaram sendo fundamentais concomitantemente e após a aprovação de um novo mecanismo de controle e regulação de exportações de armamento, então em processo de definição por um grupo interministerial criado com essa finalidade.

Prolegômenos de um novo mecanismo brasileiro de controle e regulação de exportação de armamento

Entre maio e outubro de 1974, um grupo de trabalho interministerial, integrado por representantes dos Ministérios do Exército, Marinha, Relações Exteriores e Fazenda, debruçou-se na tarefa de propor um novo mecanismo de controle e regulação de exportações de armamento. A iniciativa para a criação desse grupo interministerial tinha sido, como visto anteriormente, dos chanceleres Mário Gibson Barboza e Antônio Francisco Azeredo da Silveira. Ambos os chanceleres expressaram preocupações com relação ao impacto que a exportação de grandes sistemas de armas poderia gerar na inserção internacional do Brasil (MIYAMOTO, 2013MIYAMOTO, Shiguenoli. Política externa brasileira: 1964-1985. Carta Internacional, São Paulo, v. 8, n. 2, p. 13-19, 2013.).

Após cinco meses de reuniões, o Relatório final do grupo de trabalho interministerial foi aprovado, em 8 de outubro de 1974 (MAGALHÃES, 2016MAGALHÃES, David. A política brasileira de exportação de armas no contexto da revitalização da base industrial de defesa. 2016. 305f. São Paulo: Tese (Doutorado em Relações Internacionais), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2016., p. 243-249). O referido documento apresenta uma estrutura interna relativamente simples: preâmbulo, Conclusões, Recomendações, e algumas sugestões para a formulação e implementação da nova política pública a ser levada à consideração da Presidência da República. Para os fins do presente manuscrito é particularmente relevante citar - por extenso - as Conclusões inseridas no documento:

1.1 A indústria de armamentos e equipamento militar em geral não tem condições adequadas de desenvolvimento ao permanecer dependente apenas das compras internas. [...] A exportação terá repercussões favoráveis na consolidação e expansão da indústria, por tornar possíveis avanços quantitativos e qualitativos na respectiva escala de produção.

1.2 Proporcionando disponibilidade interna mais abundante, diversificada e a custo inferior por unidade do material de que carecem as Forças Armadas, os ganhos de escala na fabricação contribuirão para reforçar a capacidade militar do País. [...]

1.3 A exportação de material militar atende aos interesses da política externa e pode ser instrumento valioso de afirmação e defesa da soberania nacional. O aproveitamento das oportunidades criadas no mercado exterior, ao possibilitar a ampliação quantitativa e qualitativa da escala de produção interna, é fator de aumento da autonomia de abastecimento das Forças Armadas brasileiras e, consequentemente, de maior independência do país com relação aos fornecedores habituais de equipamento militar. Por outro lado, haveria importantes vantagens, políticas e econômicas, na vinculação de países importadores a fabricantes brasileiros de material por natureza do mais alto valor estratégico. O incremento das exportações deverá fortalecer, por conseguinte, a posição internacional do Brasil.

1.4 [...] As vendas ao exterior, sobretudo a médio e longo prazo, poderão acrescentar contingentes não desprezíveis de receita na balança comercial do País. [...]

1.5 A exportação poderá conduzir ao estabelecimento de polo industrial de tecnologia avançada, efeito multiplicador elevado no desenvolvimento do parque industrial em geral e vetor de relacionamento industrial-militar importante para a mobilização do Poder Nacional. [...]

1.6 A exportação criará novas possibilidades de o Brasil passar a produzir material até o momento importado, mas que teria condições de fabricar uma vez assegurada sua colocação parcial no mercado externo. A exportação poderá igualmente encorajar a associação à produção nacional [...] de recursos de capital e/ou estrangeiros para a ampliação da capacidade da indústria de material bélico, tirando-se partido da faixa adicional de demanda que venha a criar a utilização de oportunidades de comercialização no mercado externo.26 26 Grupo Interministerial sobre Política de Exportação de Armamentos e Equipamentos de Uso Militar em Geral. Relatório Final (Secreto). Brasília. 8 out. 1974. ApudMagalhães (2016, p. 243-249).

A seguir são enunciadas 12 Recomendações que poderiam ser consideradas para operacionalizar esse emergente mecanismo de controle e regulação de exportação de armamento. Dentre essas Recomendações, destacou-se a necessidade de estabelecer um mais eficiente, preciso e estrito controle governamental do setor, inclusive com a intervenção da própria Presidência da República. Também, as partes concordaram na necessidade de executar uma avaliação criteriosa de eventuais importadores, a autorização de exportações somente após o fornecimento das necessidades das forças armadas brasileiras, a manutenção do controle de qualidade do armamento a ser exportado, e o apoio diplomático na promoção comercial - oferecendo-se a orientação e assistência direta aos fabricantes e a identificação de oportunidades de exportação. Foi igualmente mencionado o estabelecimento de padrões e procedimentos burocráticos mínimos de controle, regulação e fiscalização, e a formação de cadastros e informações estatísticas sigilosas.

Uma interpretação analítica das Conclusões e das Recomendações em referência sugere, como mínimo, a existência de um esforço orientado a estabelecer uma vinculação mais efetiva entre a indústria de defesa, a exportação de armamento e a política externa brasileira. Com efeito, para além de um novo mecanismo de controle e regulação setorial, o grupo de trabalho interministerial colocou as bases de uma política de exportação de armamento cuja prioridade era assegurar a viabilidade desse emergente e pujante setor da indústria brasileira, e com importantes desdobramentos em termos de segurança, desenvolvimento e política externa global (CONCA, 1997CONCA, Ken. Manufacturing insecurity: the rise and fall of Brazil’s military-industrial complex. Boulder: Lynne Rienner Publishers, 1997.).

Agora sabemos que o Relatório Final daquele grupo de trabalho interministerial acabou servindo como base da Exposição de Motivos do Secretário-Geral do Conselho de Segurança Nacional ao Presidente da República (n. 79/1974). Assim, o general Geisel instituiu o ato normativo básico do Executivo que regulou a matéria nas quatro décadas subsequentes.27 27 Entre 1974 e 2018, a Pnemem experimentou ao menos cinco ajustes ou reformulações. O assunto foi especialmente relevante na década de 1980, quando o Brasil chegou a ser considerado como um dos mais importantes exportadores de grandes sistemas de armas (SIPRI, 2022; MORAES, 2012; PROENÇA JUNIOR, 1994). Essa situação prolongou-se até a aprovação e emissão do Decreto nº 9.607/2018, que instituiu a Política Nacional de Exportação e Importação de Produtos de Defesa (PNEI-PRODE), vigente na atualidade.

Considerações finais

Para além dos aspectos estritamente regulatórios, o processo de tomada de decisão discutido neste manuscrito resultou em uma eficiente recomposição da vinculação entre indústria de defesa, exportação de armamento e política externa brasileira. Destarte, nos dez anos subsequentes à aprovação da Pnemem, o Brasil se erigiu em um importante ator com vínculos e interesses na segurança hemisférica e global. Com efeito, entre 1975 e 1985, um incipiente complexo industrial-militar conseguiu exportar vultuosas quantidades de material de emprego militar - inclusive de grandes sistemas de armas - a numerosos governos e, em alguns casos, a atores não-estatais (GUERREIRO, 1992GUERREIRO, Ramiro. Lembranças de um empregado do Itamaraty. São Paulo: Siciliano, 1992.; SIPRI, 2022SIPRI. SIPRI Arms Transfers Database. Estocolmo: Stockholm International Peace Research Institute, 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.sipri.org/databases/armstransfers . Acesso em: 27 jul. 2022.
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).

Sob uma perspectiva analítico-interpretativa mais abrangente, entende-se que a evidência documental e a revisão da literatura apontam a corroborar, entre outras questões, que, na passagem do governo do presidente Emílio Médici para seu sucessor Ernesto Geisel, houve, efetivamente, um esforço institucional orientado à criação de um moderno mecanismo de controle e regulação de transferência de armamento, especialmente de grandes sistemas de armas. O assunto ganhou certa urgência e relevância pelo seu impacto direto na inserção internacional de segurança brasileira. Em retrospectiva, mesmo no contexto de uma época dominada pelo autoritarismo do regime militar, a Pnemem teve desdobramentos relevantes e significativos na formulação e implementação da política externa brasileira.

Voltando à pergunta-orientadora e à hipótese apresentadas no início deste artigo, parece pertinente insistir que a documentação consultada sugere que, a partir da diversificação na pauta das exportações do setor de defesa - com a incorporação de novos insumos, isto é, de grandes sistemas de armas -, surgiu a necessidade de reformular o mecanismo de controle e regulação do setor. O chanceler Mário Gibson Barboza teve o mérito de alertar o governo do presidente Emílio G. Médici sobre a importância de estabelecer novas normas, procurando evitar o surgimento de atritos e controvérsias desnecessárias ou inconvenientes com outros atores estatais e não-estatais do sistema internacional.

Essa preocupação foi retomada, no início de 1974, pelo chanceler Azeredo da Silveira, e compartilhada pela Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional. A convergência entre o Ministério das Relações Exteriores e o Conselho de Segurança Nacional durante a administração do presidente Ernesto Geisel, no que diz respeito à necessidade de renovar e instituir um novo mecanismo de controle e regulação da exportação de armamento, é documentalmente verificável. Eis a origem da Política Nacional de Exportação de Material de Emprego Militar-Pnemem, aprovada pela Exposição de Motivos nº 79/1974.

Academicamente, a Pnemem foi objeto de algumas críticas, principalmente pela sua natureza extremamente sigilosa. Em termos administrativos, e levando-se em consideração a sua renovação e manutenção mediante atualizações de Exposições de Motivos, a Pnemem poderia ter sido alicerçada em um amparo legal mais firme e consistente. Também poderia ser discutido o seu limitado apego aos valores e princípios do republicanismo, da transparência, da lisura e da deliberação. Por último, enquanto documento normativo do poder Executivo aprovado para regular a política de exportação de armamento, a Pnemem carecia de mecanismos ou instrumentos legais para responsabilizar e sancionar os infratores ou transgressores de seus dispositivos.

Sendo assim, acredita-se que o presente artigo poderia contribuir a impulsionar uma agenda de pesquisa renovada nesta temática. Observe-se, por exemplo, que a própria Exposição de Motivos n. 79/1974 do Secretário Geral do Conselho de Segurança Nacional ao presidente Médici ainda permanece sob sigilo e não foi desclassificada. Esse documento normativo do poder Executivo brasileiro é, como visto, sumamente importante já que basicamente instituiu a Política Nacional de Exportação de Material de Emprego Militar-Pnemem, vigente entre 1974 e 2018. Uma segunda possibilidade para futuras investigações poderia auscultar a evolução conceitual e institucional da Pnemem ao longo de suas quatro décadas de existência. A esse respeito, parece apropriado ponderar que fontes documentais indiretas sugerem que, no período, houve ao menos cinco grandes ajustamentos ou reformulações da referida política brasileira de transferência de armas. Do mesmo modo, entender melhor os processos de tomada de decisão específicos realizados sob a cobertura da Pnemem - tanto daqueles casos que foram bem sucedidos e que culminaram com a efetiva transferência de armas para importadores estrangeiros, quanto daqueles casos que não prosperaram - erige-se em uma terceira tarefa relevante para pesquisadores, desde que fundamentados em evidência empírica ou primária. Algo semelhante se poderia sugerir acerca dos pouco conhecidos padrões de relacionamento construídos entre o empresariado, as forças armadas e o regime “cívico”-militar brasileiro (PAGLIARINI, 2017PAGLIARINI, André. “De onde? Para onde?”: the continuity question and the debate over Brazil’s “civil”-military dictatorship. Latin American Research Review, Pittsburgh, v. 52, n. 5, p. 760-774, 2017.; FRANKO-JONES, 1987FRANKO-JONES, Patrice. “Public private partnership”: lessons from the Brazilian armaments industry. Journal of Interamerican Studies and World Affairs, Miami, v. 29, n. 4, p. 41-68, 1987. ). Outrossim, poderiam ser mais bem estudadas as políticas de transferência de armas de terceiros países para o Brasil - principalmente as importações procedentes de fornecedores como os Estados Unidos, a França, o Reino Unido, a Bélgica ou a Itália.

O estudo e a pesquisa acerca das políticas de transferência de armas de fabricação brasileira ganhou alguma relevância nos últimos cinco anos, principalmente no contexto de um processo de recomposição da base industrial de defensa. Nessa linha, é apropriado acrescentar que a temática das políticas globais e nacionais de transferência de armas - especialmente de grandes sistemas de armas ou major weapons - é sumamente complexa, abrangente e transcendente (SIPRI, 2022SIPRI. SIPRI Arms Transfers Database. Estocolmo: Stockholm International Peace Research Institute, 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.sipri.org/databases/armstransfers . Acesso em: 27 jul. 2022.
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; HARTUNG, 2012HARTUNG, William D. International arms trade. In: WILLIAMS, Paul (org.). Security studies: an introduction. 2 ed. Abingdon: Routledge, 2012. p. 441-456.). Como visto ao longo do manuscrito, muitos atores com vínculos e interesses no problema-objeto podem ser identificados, inclusive governos, empresas, sindicatos, instituições de pesquisa, desenvolvimento e inovação tecnológica, fornecedores estrangeiros, e também os eventuais intermediários e importadores. Nesse sentido, e lembrando-se do princípio da responsabilidade política irrecusável do governo do país exportador, propõe-se que uma retomada mais transparente, controlada e republicana de transferência de armas de fabricação brasileira possa ser instituída. Eis uma alternativa a disposição dos atores mais diretamente envolvidos na formulação e implementação das políticas e das próprias transações.

Tendo dito isso, entende-se que existiria suficiente evidência documental para corroborar, ao menos provisoriamente, a hipótese do trabalho. Infere-se, também, a urgência de que essa temática seja assumida de forma mais explícita por pesquisadores civis especializados em segurança e defesa, bem como por interlocutores qualificados no parlamento e na sociedade civil organizada (MORAES, 2021MORAES, Rodrigo. Weapons from the south: democratization, civil society, and Brazil’s arms exports. Journal of Global Security Studies, Oxford, v. 6, n. 4, p. 1-18, 2021.). Sob uma perspectiva mais abrangente, confirma-se, de um lado, a estratégica relevância do tripé integrado pela indústria de defesa, a exportação de armas e a política externa brasileira. De outro, ainda falta testar a consistência, efetividade e republicanismo dos mecanismos de controle e regulação do setor vigentes, principalmente em uma época de aparente predomínio de um discurso essencialmente hobbesiano em Brasília.

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  • 3
    Nas suas pesquisas, o Stockholm Peace Research Institute (SIPRI, 2022SIPRI. SIPRI Arms Transfers Database. Estocolmo: Stockholm International Peace Research Institute, 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.sipri.org/databases/armstransfers . Acesso em: 27 jul. 2022.
    https://www.sipri.org/databases/armstran...
    ) considera cinco categorias de grandes sistemas de armas ou major weapons: aeronaves, veículos blindados e artilharia, sistemas de navegação, radar e comunicações, mísseis, e navios de guerra. William Hartung (2012)HARTUNG, William D. International arms trade. In: WILLIAMS, Paul (org.). Security studies: an introduction. 2 ed. Abingdon: Routledge, 2012. p. 441-456. destaca que, junto com as armas pequenas, armamentos leves e tecnologias de uso duplo, os grandes sistemas de armas são fatores significativos nos estudos de segurança internacional e questões estratégicas contemporâneas.
  • 4
    Cumpre acrescentar que a formação de uma moderna base industrial de defesa no Brasil também foi motivada pela denominada Doutrina da segurança nacional, e mais especificamente pelo binômio “Desenvolvimento e Segurança” (BURNS, 1968BURNS, Edward Bradford. Nationalism in Brazil: a historical survey. Nova York: Praeger, 1968.). Alegava-se, durante o período do regime burocrático-autoritário, que esse emergente complexo industrial-militar permitiria reforçar a defesa da soberania e integridade territorial, lutar mais efetivamente contra a oposição armada (guerrilhas), e potenciar a inserção brasileira no cenário internacional (SCHNEIDER, 1976SCHNEIDER, Ronald M. Brazil: foreign policy of a future world power. Boulder: Westview Press, 1976.). Kapstein (1990)KAPSTEIN, Ethan B. The Brazilian defense industry and the international system. Political Science Quarterly, Nova York, v. 105, n. 4, p. 579-596, 1990. sugere que a política brasileira de transferência de armas inspirou-se no modelo francês.
  • 5
    Dentre as firmas privadas e públicas brasileiras que incursionaram na indústria de defesa durante os governos de Médici e Geisel destacaram-se a Empresa Brasileira de Aeronáutica-Embraer, Avibrás Indústria Aeroespacial, Companhia Brasileira de Cartuchos, Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro, Bernardini, e Engesa-Engenheiros Especializados (CONCA, 1997CONCA, Ken. Manufacturing insecurity: the rise and fall of Brazil’s military-industrial complex. Boulder: Lynne Rienner Publishers, 1997.; FRANKO-JONES, 1987FRANKO-JONES, Patrice. “Public private partnership”: lessons from the Brazilian armaments industry. Journal of Interamerican Studies and World Affairs, Miami, v. 29, n. 4, p. 41-68, 1987. ; KAPSTEIN, 1990KAPSTEIN, Ethan B. The Brazilian defense industry and the international system. Political Science Quarterly, Nova York, v. 105, n. 4, p. 579-596, 1990.; PROENÇA JUNIOR, 1994PROENÇA JUNIOR, Domício. Uma avaliação da indústria bélica brasileira. Rio de Janeiro: Finep, 1994. ).
  • 6
    Ministério das Relações Exteriores à Embaixada em Beirute. Minuta de Telegrama 386 (Secreto-urgentíssimo). Brasília, 2 ago. 1973. Arquivo Nacional, Acervo da Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional - doravante AN/CSN -: SNA AMG 8, f. 51/85.
  • 7
    Mário Gibson Barboza ao Presidente da República. Minuta de Informação 205 (Secreto-urgente). Brasília, 24 mai. 1973. Apud Magalhaes (2016, p. 236-238)MAGALHÃES, David. A política brasileira de exportação de armas no contexto da revitalização da base industrial de defesa. 2016. 305f. São Paulo: Tese (Doutorado em Relações Internacionais), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2016..
  • 8
    Antônio F. Azeredo da Silveira a Vicente de Paulo Dale Coutinho. Minuta de Telegrama 16 (Secreto). Brasília, 2 abr. 1974. AN/CSN: SNA AMG 9, f. 27/135.
  • 9
    Ministério das Relações Exteriores à Embaixada em Lisboa. Minuta de Telegrama 652 (Secreto-urgentíssimo). Brasília, 6 nov. 1973. AN/CSN: SNA AMG 8, f. 79/85.
  • 10
    Ministério das Relações Exteriores à Delegação Brasileira na Organização das Nações Unidas. Minuta de Telegrama 1462 (Secreto-urgentíssimo). Brasília, 12 dez. 1973. AN/CSN: SNA AMG 8, f. 77-78/85.
  • 11
    Da Fontoura ao Ministério das Relações Exteriores. Telegrama 737 (Secreto-urgentíssimo). Lisboa. 21 jun. 1974. AN/CSN: SNA AMG 9, f. 69/135.
  • 12
    Ministério das Relações Exteriores à Delegação Brasileira na Organização das Nações Unidas. Minuta de Telegrama 652 (Secreto). Brasília, 13 dez. 1973. AN/CSN: SNA AMG 8, f. 79/85.
  • 13
    Ministério das Relações Exteriores à Embaixada em Paris. Minuta de Telegrama 858 (Secreto). Brasília, 5 out. 1973. AN/CSN: SNA AMG 8, f. 65/85.
  • 14
    Lyra Tavares ao Ministério das Relações Exteriores. Telegrama 1224 (Secreto). Paris, 15 dez. 1973. AN/CSN: SNA AMG 8, f. 84-85/85.
  • 15
    Ministério das Relações Exteriores à Embaixada em Paris. Minuta de Telegrama 112 (Secreto). Brasília, 31 dez. 1973. AN/CSN: SNA AMG 8, f. 85/85.
  • 16
    João Baptista de Oliveira Figueiredo ao Presidente da República. Exposição de Motivos do Conselho de Segurança Nacional n. 83/73. Brasília, 10 dez. 1973. ApudMagalhaes (2016, p. 239-242)MAGALHÃES, David. A política brasileira de exportação de armas no contexto da revitalização da base industrial de defesa. 2016. 305f. São Paulo: Tese (Doutorado em Relações Internacionais), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2016..
  • 17
    Lyra Tavares ao Ministério das Relações Exteriores. Telegrama 224 (Secreto urgentíssimo). Paris, 26 fev. 1973. AN/CSN: SNA AMG 9, f. 5/235.
  • 18
    Antônio F. Azeredo da Silveira a Sylvio Couto Coelho de Frota, Ofício 03 (Secreto). Brasília, 7 fev. 1975. AN/CSN: SNA AMG 10, f. 61-64/253.
  • 19
    Ministério das Relações Exteriores à Embaixada em Santiago. Minuta de Telegrama 462 (Secreto). Brasília, 21 jun. 1976. AN/CSN: SNA AMG 11, f. 136-137/289.
  • 20
    Ministério das Relações Exteriores à Embaixada em Estocolmo. Minuta de telegrama 30 (Secreto-urgente). Brasília, 22 fev. 1973. AN/CSN: SNA AMG 8, f. 27/85.
  • 21
    Ministério das Relações Exteriores à Embaixada em Oslo. Minuta de Telegrama 168 (Secreto-urgentíssimo). Brasília, 8 ago. 1974. AN/CSN: SNA AMG 9, f. 85-86/135.
  • 22
    Ibidem.
  • 23
    Meira Penna ao Ministério das Relações Exteriores, Telegrama 135 (Secreto-urgente). Oslo, 26 jul. 1974. AN/CSN: SNA AMG 9, f. 76-78/135.
  • 24
    Silos ao Ministério das Relações Exteriores. Telegrama 198 (Secreto urgentíssimo). Ottawa, 23 abr. 1976. AN/CSN: SNA AMG 11, f. 161/283.
  • 25
    Gerardo Azevedo Henning a Antônio Francisco Azeredo da Silveira. Aviso 938 (Secreto). Brasília, 28 set. 1976. AN/CSN: SNA AMG 11, f. 212-213/283.
  • 26
    Grupo Interministerial sobre Política de Exportação de Armamentos e Equipamentos de Uso Militar em Geral. Relatório Final (Secreto). Brasília. 8 out. 1974. ApudMagalhães (2016, p. 243-249)MAGALHÃES, David. A política brasileira de exportação de armas no contexto da revitalização da base industrial de defesa. 2016. 305f. São Paulo: Tese (Doutorado em Relações Internacionais), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2016..
  • 27
    Entre 1974 e 2018, a Pnemem experimentou ao menos cinco ajustes ou reformulações. O assunto foi especialmente relevante na década de 1980, quando o Brasil chegou a ser considerado como um dos mais importantes exportadores de grandes sistemas de armas (SIPRI, 2022SIPRI. SIPRI Arms Transfers Database. Estocolmo: Stockholm International Peace Research Institute, 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.sipri.org/databases/armstransfers . Acesso em: 27 jul. 2022.
    https://www.sipri.org/databases/armstran...
    ; MORAES, 2012MORAES, Rodrigo. A inserção externa da indústria brasileira de defesa. Brasília: IPEA, 2012.; PROENÇA JUNIOR, 1994PROENÇA JUNIOR, Domício. Uma avaliação da indústria bélica brasileira. Rio de Janeiro: Finep, 1994. ).
  • 2
    Agradeço os pareceristas anônimos da RBCP, bem como a José Alejandro Barrios Díaz e Claudia Gomes Gonçalves.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    18 Out 2021
  • Aceito
    08 Jun 2022
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