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Judicialização da competição política e gênero: ação afirmativa nos Fundos Partidário e Eleitoral no Brasil

Judicialization of political competition and gender: affirmative action in party and electoral funds in Brazil

Resumo:

A reforma política no Brasil tem sido realizada, nos últimos vinte anos, no contexto da judicialização da política. Em uma de suas mais recentes ações no sistema eleitoral brasileiro, em 2018, o Poder Judiciário decidiu que os partidos políticos devem repassar no mínimo 30% dos recursos do Fundo Partidário, do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e do tempo de rádio e televisão para candidaturas de mulheres. Com esse pano de fundo, o presente artigo analisa a tensão entre Poder Judiciário, Poder Legislativo e os movimentos feministas no que diz respeito à inserção das mulheres na arena política. Conclui-se que, num cenário de obstáculos políticos, sociais e institucionais, a via da judicialização pode ser instrumentalizada positivamente pelo movimento feminista, mas não deixa de gerar tensões nos campos político e jurídico.

Palavras-chave:
Judicialização da política; reforma política; gênero; sistema eleitoral

Abstract:

In the last twenty years in Brazil, political reform has taken place in a context of increasing judicialization. In one of its most recent interventions in the electoral system, the Judiciary decided in 2018 that political parties must transfer at least 30% of the revenues of the Party Fund and of the Special Fund for Campaign Financing as well as of radio and television time to the campaigns of female candidates. In this context, this article analyzes the tension between the judiciary, the legislature and feminist movements around the women´s participation in the political arena. We conclude that, despite political, social and institutional obstacles, the feminist movement has been able to effectively employ judicialization. This strategy, however, generates tensions in the political and legal fields.

Keywords:
Judicialization of politics; political reform; gender; electoral system

Introdução

Não obstante a eleição de Dilma Rousseff, em 2010, como a primeira presidente do Brasil, e sua reeleição, em 2014, as mulheres seguem sub-representadas na política brasileira. Basta rápida observação sobre o perfil do Senado, Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais para atestarmos que as médias de participação feminina nessas instituições não alcançam sequer um quinto. A assimetria existente entre mulheres e homens, tão perceptível no campo social, reproduz-se de forma ainda mais grave no campo político.

Para enfrentar esse déficit democrático, os movimentos feministas têm apostado em diversas e diferenciadas táticas, tais como cursos de formação política para mulheres, campanhas de conscientização sobre a importância do voto em candidatas para os Poderes Legislativo e Executivo e pressão direta sobre as direções partidárias. Do ponto de vista institucional, a primeira conquista foi a Lei 9.100/95 que criou, em 1995, uma cota de 20% para mulheres a ser implementada nas eleições municipais de 1996. No ano seguinte, a Lei 9504/97 estabeleceu reserva de 30% das candidaturas dos partidos ou coligações para cada sexo nas eleições proporcionais para os três níveis, sendo que, transitoriamente, no ano de 1998, a reserva deveria ser de 25% de vagas. Um detalhe importante é que não ficou claro o requisito ou o cumprimento imperativo do preenchimento dessas vagas. Em 1998, as candidaturas femininas sequer alcançaram 20%. E, em termos de resultados, ao invés de ampliarmos o número de eleitas, houve redução desse contingente. Apenas em 2010, com a modificação incluída na Lei 12.034/09, por ocasião da Reforma Política, estabelecendo que os partidos seriam obrigados a preencher as cotas mínimas de 30% nas listas efetivamente formadas para disputar as eleições, e não apenas reservar as vagas, é que se conseguiu ultrapassar os 20% de candidaturas femininas - 21,1% para as assembleias estaduais e 19,4% para a Câmara de Deputados. Ainda assim, entre 2010 e 2019 o Tribunal Superior Eleitoral foi arguido algumas vezes a respeito da interpretação da Lei.3 3 Entre 2010 e 2019 há mais de 30 registros de arguições ao TSE acerca das cotas (OLIVEIRA, 2019). Esse órgão se posicionou definindo que as cotas deveriam incidir sobre as candidaturas finais apresentadas, e não sobre listas de potenciais candidatos. O resultado foi positivo e passou para 29,1% das candidaturas a deputado estadual e 29,6% das candidaturas ao cargo de deputado federal (RANGEL, 2014RANGEL, P. Mulheres e eleições: entrevista com Patrícia Rangel, Cientista Política e colaboradora do CFEMEA sobre a participação feminina na política. Cfemea, 3 set. 2014. Disponível em: Disponível em: https://www.cfemea.org.br/index.php/eleicoes/eleicoes-2014/4695-mulheres-e-eleicoes-entrevista-com-patricia-rangel-cientista-politica-e-colaboradora-do-cfemea-sobre-a-participacao-feminina-na-politica . Acesso em: 13 jan. 2022.
https://www.cfemea.org.br/index.php/elei...
). No ano de 2018 as cotas finalmente foram efetivamente cumpridas e chegaram ao percentual geral de 32,1% para o cargo de deputado federal.4 4 Se considerarmos a vereança, o percentual de 30% de candidaturas de mulheres já havia sido superado nas eleições municipais de 2012.

Contudo, por diversas razões já bastante discutidas pela literatura (FEITOSA, 2012FEITOSA, F. A participação política das mulheres nas eleições 2010: panorama geral de candidatos e eleitos. In: ALVES, J. E. D.; PINTO, C; JORDÃO, F. (orgs.). Mulheres nas eleições 2010. São Paulo: ABCP, 2012. p. 139-166.; GATTO; WYLIE, 2018GATTO, M.; WYLIE, K. Resisting and accommodating institutional change: provisional commissions, laranjas, and gendered candidate selection in Brazilian Legislative. In: International Congress of the Latin American Studies Association - LASA, 36, Barcelona, 2018. Anais […] Barcelona.; ALVES; PINTO; JORDÃO, 2012ALVES, José Eustáquio Diniz; PINTO, Céli Regina Jardim; JORDÃO, Fátima (orgs.). Mulheres nas eleições de 2010. São Paulo: ABCP, 2012.) os resultados obtidos até as eleições de 2016 foram pequenos e incapazes de reduzir a assimetria na representação legislativa. Nesse cenário, algumas organizações feministas junto com ativistas da área jurídica e acadêmica adotaram como prática alternativa o litígio estratégico para igualdade de gênero (CAMPOS, 2019CAMPOS, L. F. Litígio estratégico para igualdade de gênero: o caso das verbas de campanha para mulheres candidatas. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 593-629, 2019.). Neste caso, o fato mais importante ocorreu em 2018 quando, em resposta a arguições desses setores, uma nova regra eleitoral foi conquistada a partir de determinação do TSE e do STF: os partidos políticos também devem destinar pelo menos 30% para mulheres na distribuição de seus Fundos Partidário e Eleitoral. Caso a quantidade de candidatas seja maior do que 30%, os recursos devem seguir a proporcionalidade. Trata-se de mais uma ação que se encaixa precisamente naquilo que a literatura definiu como uma judicialização da competição política (MARCHETTI; CORTEZ, 2009MARCHETTI, V.; CORTEZ, R. A judicialização da competição política: o TSE e as coligações eleitorais. Opinião Pública, Campinas, v. 15, n. 2, p. 422-450, 2009.; MARCHETTI, 2015MARCHETTI, V. Justiça e competição eleitoral. 2. ed. São Bernardo do Campo: Editora UFABC, 2015.; CAMPOS, 2021CAMPOS, L. F. Desigualdade de gênero na lei: recursos de campanha para mulheres na Minirreforma Eleitoral de 2015 e o julgamento da ADI 5617 no STF. In: MIGUEL, L. F. (org.). Mulheres e representação política: 25 anos de estudos sobre cotas eleitorais no Brasil. Porto Alegre: Zouk, 2021. p. 199-228.). O processo gerou tensão e a judicialização encontrou apoiadores e críticos no Legislativo.

O presente artigo realiza uma primeira aproximação do tema da judicialização da competição política a partir da problemática de gênero, questão ainda pouco tratada na literatura especializada. O objetivo é analisar como a Justiça tem sido instrumentalizada para a redução das desigualdades de gênero na política no Brasil a partir das decisões do STF e do TSE em 2018 e 2019 e de seus resultados práticos. Para atingir esse objetivo, foram analisadas as já mencionadas resoluções do TSE e do STF de 2018, os resultados eleitorais das eleições de 2018 e de 2022 e a forma como foram distribuídos os recursos do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário naquela eleição. O artigo está estruturado em quatro seções. Com o objetivo de apresentar o contexto em que se deram as decisões estudadas, a primeira seção discute a assimetria de gênero no Brasil a partir dos dados sobre a inserção das mulheres no parlamento brasileiro. A segunda seção indica como a reforma política no Brasil, no período da Nova República, em particular a partir de meados da década de 1990, foi realizada pela via da judicialização da competição política, o que demonstra que a decisão do Poder Judiciário pela ação afirmativa nos Fundos Partidário e Eleitoral não foi um caso isolado. Entre os casos mais exemplares estão a cláusula de barreira, a fidelidade partidária, a verticalização das candidaturas, a ficha limpa e o fim do financiamento empresarial de campanhas. A terceira discute como, nesse processo, algumas organizações de mulheres encontraram na judicialização da competição política uma possibilidade de ação mais efetiva, primeiro acionando o TSE para definir de uma vez por todas a interpretação relativa à medida de preenchimento das vagas e, em seguida, apresentando uma proposta eleitoral de vulto, com a criação em 2018 da proporcionalidade de gênero nos Fundos Partidário e Eleitoral. Discutem-se ainda possíveis tensões entre o Poder Judiciário, o Poder Legislativo e os movimentos feministas nesse processo. Por fim, a quarta seção indica como o debate político e a ação jurídica transcorreram em 2019, após o resultado das eleições de 2018. O artigo sugere que, num cenário de obstáculos políticos, sociais e institucionais, a via da judicialização da competição política pode ser instrumentalizada positivamente pelo movimento feminista, porém não sem tensões e questionamentos.

Assimetria de gênero na política brasileira e a criação das cotas

A literatura especializada já apontou há algum tempo a assimetria da participação das mulheres na política brasileira (ARAÚJO, 2005ARAÚJO, C. Partidos políticos e gênero: mediações nas rotas de ingresso das mulheres na representação política. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 24, p. 193-215, 2005.; ALVES; PINTO; JORDÃO, 2012ALVES, José Eustáquio Diniz; PINTO, Céli Regina Jardim; JORDÃO, Fátima (orgs.). Mulheres nas eleições de 2010. São Paulo: ABCP, 2012.; VENTURI; GODINHO, 2013VENTURI, G; GODINHO, T. (orgs.). Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado: uma década de mudanças na opinião pública. São Paulo: Perseu Abramo, 2013.; BIROLI, 2018BIROLI, F. Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2018.). No Executivo, a primeira mulher presidente da República, Dilma Rousseff, foi eleita apenas em 2010. No Legislativo, o Brasil nunca teve uma mulher na presidência da Câmara dos Deputados ou na presidência do Senado. Entre os parlamentares a participação feminina é minoritária e vexaminosa quando comparada com o cenário internacional. De acordo com o Inter-Parliamentary Union, o Brasil ocupava a 143ª posição, dentre 193 nações no ranking de representatividade feminina no parlamento no ano de 2022.

A introdução das cotas de gênero para os parlamentos como legislação em diversos países pode ser compreendida, também, sob o prisma da natureza incipiente das democracias que as adotaram. É certo que os países nórdicos, de democracias consolidadas - e dentro deles os partidos de esquerda - foram os primeiros a experimentar cotas em forma de política partidária, ainda na década de 1980, seguidos por outras nações europeias. Mas com exceção da Bélgica, a disseminação das cotas como legislação ocorreu em países que retomavam seus sistemas democráticos após períodos ditatoriais ou jovens democracias que haviam deixado a condição de colônias (DIAZ, 2003DIAZ, M. M. As cotas fazem diferença? Ações positivas no parlamento Belga. Opinião Pública, v. 9, n. 1, p. 68-97, 2003.).

Na década de 1990, houve a confluência entre dois fatores do contexto da época para essa disseminação: as conclusões da conferência de Beijing-95, que apontavam claramente a dimensão do gap de gênero na política e o caminho das ações afirmativas e das cotas como saída estratégica para a superação; e a necessidade de legitimação internacional das democracias emergentes e dos países que saíram de sistemas ditatoriais - como foi o caso de muitas nações latino-americanas (ARAÚJO, 2001ARAÚJO, C. As cotas por sexo para a competição legislativa: o caso brasileiro em comparação com experiências internacionais. Dados, Rio de Janeiro, v. 44, n. 1, 2001.). Em relação ao último ponto, uma das formas de legitimação residiria na inclusão de direitos coletivos de minorias como forma de mostrar seus compromissos democráticos. E o reconhecimento da igualdade de gênero constituía-se, sem dúvida, em uma dessas agendas cruciais. Assim, enquanto nos países com democracias consolidadas as normas constitucionais vigentes tendiam a operar contra a adoção de políticas que quebrassem os clássicos princípios vigentes, aí incluindo-se a ideia de que ações afirmativas iriam contra o mérito e a igualdade5 5 Este foi o caso da França que, na década de 1980, chegou a discutir e aprovar proposta de cotas, mas estas foram consideradas inconstitucionais pela Suprema Corte. , as democracias emergentes construíam ou reconstruíam suas cartas constitucionais tratando de nelas assegurar o máximo de garantias escritas e prescritas, desde que estas fossem palatáveis às elites dirigentes e à média dos valores destas sociedades (ARAÚJO, 1998ARAÚJO, C. Mulheres e representação política: a experiência das cotas no Brasil. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 6, n. 1, p. 71-90, 1998.).

A introdução das cotas na América Latina teve essa marca não apenas no primeiro momento da adoção da lei, mas em momentos subsequentes, quando as cortes, acionadas por movimentos feministas ou por iniciativas próprias, introduziram na interpretação de cumprimento da lei requisitos tais como ordenamento alternado no preenchimento das vagas da cota em países com representação proporcional com listas fechadas e sanções para casos de não cumprimento, indo de multas até a impugnação das listas partidárias. E os tribunais passaram também a julgar atos partidários nos processos eleitorais relacionados com possíveis tentativas de burla às cotas (ARCHENTI; TULA, 2007ARCHENTI, N.; TULA, M. I. Cuotas de género y tipo de lista en América Latina. Opinião Pública, Campinas, v. 13, n. 1, p. 185-218, 2007.; FREIDENBERG et al., 2018FREIDENBERG, F. et al. (orgs.). Mujeres en la política: experiencias nacionales y subnacionales en América Latina. Ciudad de México: Instituto Electoral de la Ciudad de México, 2018.).

No Brasil, como mencionado, uma das primeiras tentativas de superar essa histórica assimetria se deu com a criação da Lei 9.100/95. Mas essa lei não foi suficiente para alterar o quadro e o aumento de candidatas não levou ao crescimento das eleitas. A literatura especializada demonstrou como aquele tipo de cota, em termos de candidaturas, pode ser considerada parcialmente positiva, mas, em se tratando de eleição, foi inócua no Brasil num primeiro momento (ARAÚJO, 2001ARAÚJO, C. As cotas por sexo para a competição legislativa: o caso brasileiro em comparação com experiências internacionais. Dados, Rio de Janeiro, v. 44, n. 1, 2001.; LOBO, 2022LOBO, C. Leis de gênero na representação política brasileira: uma análise da formulação legislativa à luz da Teoria Tripartite de Justiça de Nancy Fraser. 2022. Dissertação (Mestrado em Direito) - Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Minas Gerais, 2022.). Por que isso acontece? Diversos fatores, como tipo de lista eleitoral aberta, cultura política, ausência inicial de regras claras e de sanções efetivas pelo não cumprimento, compromisso partidários e, como um dos principais fatores considerados pela literatura, o acesso a recursos econômicos (SACCHET, 2011SACCHET, T. Partidos políticos e (sub) representação feminina: um estudo sobre recrutamento legislativo e financiamento de campanhas. In: PAIVA, D. (org.). Mulheres, política e poder. Goiânia: Cânone Editorial, 2011. p. 159-186. e 2018SACCHET, T. Why gender quotas don’t work in Brazil? The role of the electoral system and political finance. Colombia Internacional, n. 95, p. 25-54, 2018.; FEITOSA, 2012FEITOSA, F. A participação política das mulheres nas eleições 2010: panorama geral de candidatos e eleitos. In: ALVES, J. E. D.; PINTO, C; JORDÃO, F. (orgs.). Mulheres nas eleições 2010. São Paulo: ABCP, 2012. p. 139-166.). Em trabalho mais recente sobre as dificuldades com as cotas no Brasil, Wylie, Santos e Marcelino (2019)WYLIE, K.; SANTOS, P.; MARCELINO, D. Extreme non-viable candidates and quota maneuvering in Brazilian legislative elections. Opinião Pública, Campinas, v. 25, n. 1, p. 1-28, 2019. demonstram em profundidade como o cumprimento da lei está associado ao aumento do número de “candidatas laranjas”, conforme denominam os autores.6 6 Esses autores definem como “laranjas” não apenas candidatos com zero votos, mas também com poucos votos, considerados os coeficientes eleitorais dos partidos. Algumas autoras feministas preferem o termo “fictícias”, pois em muitos casos as mulheres sequer sabiam que seus nomes estavam sendo utilizados, o que difere da compreensão comumente associada à palavra “laranja”, que indicaria um conhecimento mútuo da ação (LAENA, 2020). Assim, em geral, vamos nos referir às fictícias, ou “laranjas” entre aspas. Dito de outro modo, com o aumento da exigência legal e maior fiscalização, os partidos encontraram uma forma de burlar a lei. Na prática, preenchiam a cota de 30%, mas muitas das mulheres na lista estavam lá apenas para preencher o requisito legal, sem fazerem campanhas, buscarem votos para si ou terem algum apoio do partido. E parte delas sequer sabia que seu nome constava de listas, como processos posteriores comprovaram.

Com efeito, se o arcabouço legal existente era insuficiente, outras medidas precisariam ser criadas. Mas os obstáculos no Parlamento vinham se mostrando difíceis de serem transpostos: a maior parte dos partidos ou se mostravam resistentes ou indiferentes a medidas que implicassem maior compromisso com políticas de cotas. Nossa hipótese é a de que a via da judicialização surgiu, assim, como uma alternativa plausível entre outras disponíveis. Essa mudança tática foi possível por dois motivos: por vivermos num contexto de excessiva judicialização da política, em particular no que diz respeito às questões da reforma política (MARCHETTI; CORTEZ, 2009MARCHETTI, V.; CORTEZ, R. A judicialização da competição política: o TSE e as coligações eleitorais. Opinião Pública, Campinas, v. 15, n. 2, p. 422-450, 2009.; MARCHETTI, 2015MARCHETTI, V. Justiça e competição eleitoral. 2. ed. São Bernardo do Campo: Editora UFABC, 2015.; RODRIGUES, 2019RODRIGUES, T. A reforma política pelo judiciário: notas sobre a judicialização da política na Nova República. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 28, p. 123-160, 2019.); e porque recursos como os das cotas passaram a ser adotados em vários países por meio da via jurídica, quando antes eram iniciativas políticas que expressavam compromissos partidários para com a igualdade de gênero (ARAÚJO, 2001ARAÚJO, C. As cotas por sexo para a competição legislativa: o caso brasileiro em comparação com experiências internacionais. Dados, Rio de Janeiro, v. 44, n. 1, 2001.). O caso da América Latina, cuja experiência de cotas se disseminou por 16 países, sendo que parte deles posteriormente transformou as leis de cotas em leis de paridade, é o mais emblemático. A literatura recente sobre a região identifica os tribunais eleitorais como atores estratégicos e fundamentais desde praticamente o início dessas experiências, tanto para garantir a eficácia das cotas como para abrir espaços para a discussão e as leis sobre paridade. Registram também uma atuação bastante articulada com parlamentares mulheres e ativistas ligadas ao campo acadêmico e ONG´s (ARCHENTI, 2014ARCHENTI, N. El proceso hacia la paridad en América Latina. Argentina y Costa Rica, experiencias comparadas. Revista Derecho Electoral, n. 17, p. 304-332, 2014.; FREIDENBERG et al., 2018FREIDENBERG, F. et al. (orgs.). Mujeres en la política: experiencias nacionales y subnacionales en América Latina. Ciudad de México: Instituto Electoral de la Ciudad de México, 2018.).

As cotas de gênero e a judicialização da competição política

A judicialização da política não é um fenômeno brasileiro. Ao contrário, Tate e Vallinder (1995)TATE, C. N; VALLINDER, T. The global expansion of judicial power. New York: New York University Press, 1995. já demonstraram com sucesso que a entrada em cena do Poder Judiciário como propulsor de políticas públicas e protetor de direitos individuais, difusos e coletivos, é uma característica do nosso tempo no cenário internacional. Diversos autores chamam atenção que tal fenômeno tende a ser mais frequente em democracias jovens, em processos de consolidação, a fim de tentar garantir incertezas geradas pelos diversos interesses nas relações sociais, mas também na cena política. E, nesta cena, de modo particular, sobre o sistema político e partidário (YADAV; MUKHERJEE, 2014YADAV, V; MUKHERJEE, B. Democracy, electoral systems, and judicial empowerment in development countries. Michigan; New York: The University of Michigan Press, 2014.).

No caso brasileiro, a Constituição de 1988 foi um marco importante para esse processo de judicialização, ao ampliar a quantidade de atores capazes de provocar o judiciário acerca da constitucionalidade de determinadas leis, num mecanismo denominado de judicial review. Segundo Vianna (2008, p. 94)VIANNA, L. J. W. O terceiro poder na carta de 1988 e a tradição republicana: mudança e conservação. In: OLIVEN, R. G; RIDENTI, M.; BRANDÃO, G. M. B. (orgs.). A Constituição de 1988 na vida brasileira. São Paulo: Aderaldo & Rothschild; ANPOCS, 2008. p. 91-109., isso significa que “os atos legislativos do poder político se tornam, então, passíveis de escrutínio, em nome da defesa dos direitos fundamentais, por uma corte constitucional dotada da capacidade de declará-los, quando provocada por uma ação de um agente social, como contrários a esses direitos”.

Claro, esse debate não passa sem que haja algumas polêmicas. Num primeiro momento, o sentido geral da judicialização foi muito debatido. Seria ela positiva ou negativa? Na década de 1990, Vianna et al. (1999)VIANNA, L. J. W. et al. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999. argumentaram que ela surgiu como promotora de uma agenda cívica no país. Por outro lado, Arantes (1999)ARANTES, R. Direito e política: o Ministério Público e a defesa dos direitos coletivos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 14, n. 39. p. 83-102, 1999. foi provavelmente o primeiro a perceber o problema do protagonismo exagerado do Ministério Público decorrente desse processo. Diga-se de passagem, mais tarde Vianna (2018)VIANNA, L. J. W. Diálogos gramscianos sobre o Brasil atual. Brasília: Verbena Editora, 2018. mudou de posição e reconheceu o tamanho do problema a partir da crise política derivada da Operação Lava Jato no país.

Seja como for, o fato é que os atores políticos que perdiam na tradicional arena da política, o Congresso Nacional, passaram a recorrer com maior frequência a uma nova arena: o Judiciário. De fato, a definição de judicialização da política dada por Miguel e Bogéa (2020, p. 1)MIGUEL, L. F; BOGÉA, D. O juiz constitucional me representa? O Supremo Tribunal Federal e a representação argumentativa. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 35, n. 104, 2020. é exatamente essa: “a transferência da solução de querelas entre agentes políticos do processo eleitoral e do parlamento para os tribunais”. Sob esse prisma, até mesmo o impeachment de Dilma Rousseff em 2016 foi analisado pela ótica da judicialização da política (FERNANDES, 2018FERNANDES, P. A. A toga contra o voto: o STF no impeachment da presidente Dilma. Curitiba: Appris, 2018.).

Foi nesse cenário de judicialização da política que propostas de reforma política passaram a entrar em vigor no Brasil nos últimos anos (RODRIGUES, 2019RODRIGUES, T. A reforma política pelo judiciário: notas sobre a judicialização da política na Nova República. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 28, p. 123-160, 2019.). Esse processo ficou conhecido na literatura como judicialização da competição política (MARCHETTI; CORTEZ, 2009MARCHETTI, V.; CORTEZ, R. A judicialização da competição política: o TSE e as coligações eleitorais. Opinião Pública, Campinas, v. 15, n. 2, p. 422-450, 2009.; MARCHETTI, 2015MARCHETTI, V. Justiça e competição eleitoral. 2. ed. São Bernardo do Campo: Editora UFABC, 2015.). Em contraponto à certas decisões do Legislativo, o Judiciário brasileiro atuou em ações da reforma política como a cláusula de barreira, a verticalização das candidaturas, a fidelidade partidária, a lei da ficha limpa e o fim do financiamento empresarial de campanhas. Polêmicas, todas essas ações geraram enormes tensões entre Legislativo e Judiciário nos últimos anos. Em alguns desses casos, os próprios partidos convocaram o Poder Judiciário para modificar a legislação; em outros, foi a sociedade civil quem buscou a ação do Judiciário para as modificações legais. Seja como for, o fato é que a judicialização se tornou instrumento dos atores interessados na reforma política. E os movimentos feministas brasileiros também souberam fazer uso desses caminhos na busca por ampliação da presença política nas instâncias representativas.

Se, como indicado, na América Latina, os tribunais vêm desempenhando papel fundamental para a agenda da redução das assimetrias de gênero, no Brasil, o mesmo ocorre, porém com particularidades. Em geral, o TSE tende a fomentar a participação de mulheres na política, mas com uma postura bastante comedida nos casos considerados tanto difíceis, como de alto impacto. Além disso, sua atuação foi tardia, quando comparada com os registros de países da América Latina. Balanços sobre a aplicação das cotas mostram que os tribunais brasileiros não tiveram, num primeiro momento, um protagonismo similar ao de outros países latino-americanos (RAMOS, 2014RAMOS, L. Os tribunais eleitorais e a desigualdade de gênero no parlamento: ampliando ou reduzindo a representação de mulheres na política? Tese (Doutorado em Direito) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.). De fato, uma visita às páginas do TSE indica que esse Tribunal - e provavelmente os tribunais regionais - foram acionados desde o início da década de 2000. Mas até finais da década de 2000 predominavam ações de esclarecimentos e pouco se identificava ações decorrentes de fiscalizações e/ou denúncias com consequências ou punições aos partidos. Os registros desse período sugerem que as consultas ou ações foram se modificando, concentrando-se em 4 tipos de problemas diferenciados. Inicialmente, voltavam-se para esclarecimentos sobre a Lei de Cotas, relacionados com as regras de preenchimento; em seguida, sobretudo a partir de 2010, começam a ser apresentados pedidos e esclarecimentos sobre substituições de candidaturas, além das regras sobre os cálculos de preenchimento; a partir de 2014, tornam-se mais presentes ações do tipo Recurso Especial de Ação de Investigação e outras já voltadas para denúncias de fraudes, que, de certa forma “explodem” nas eleições de 2016, com diversos julgamentos acontecendo entre este ano e 2019; e já a partir de 2016, mas mais frequentemente a partir de 2018, o tema dos recursos, principalmente os financeiros, mas também o de propaganda gratuita, surgem com mais força nas ações, neste caso, tendo o Ministério Público como ator principal. E os Tribunais não só respondendo quando acionados, mas aprovando resoluções sobre cotas com força de Lei.

Aqui vale a penar registrar, ainda que de forma breve, o fenômeno das candidaturas formais, pois são essas denúncias que motivam os tribunais a tomarem decisões mais duras a respeito da problemática que se arrastava há algum tempo. Como registrado anteriormente, no período, muitos dados vieram à tona sobre as candidaturas “laranjas” ou fictícias (WYLIE; SANTOS; MARCELINO, 2019WYLIE, K.; SANTOS, P.; MARCELINO, D. Extreme non-viable candidates and quota maneuvering in Brazilian legislative elections. Opinião Pública, Campinas, v. 25, n. 1, p. 1-28, 2019.). Em 2016, quase 10% das candidatas não obtiveram sequer 1 voto (ROSSI, 2016ROSSI, A. 14,5 mil candidatas a vereadora não recebem nenhum voto no país. G1, 27 out. 2016. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2016/blog/eleicao-2016-em-numeros/post/145-mil-candidatas-vereadora-nao-recebem-nenhum-voto-no-pais.html . Acesso em: 8 dez. 2022.
https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2...
). Em 2020, provavelmente fruto das denúncias e processos essa porcentagem desceu para 2% (GRANDIN, 2020GRANDIN, F. Mais de 5 mil candidatos não recebem nem um voto sequer nesta eleição; mulheres representam 2/3 do total. G1, 18 nov. 2020. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2020/eleicao-em-numeros/noticia/2020/11/18/mais-de-5-mil-candidatos-nao-recebem-nem-um-voto-sequer-nesta-eleicao-mulheres-representam-23-do-total.ghtml . Acesso em: 8 dez. 2022.
https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2...
).

A pressão decorrente do fenômeno da burla, materializada na inexistência de votos em parte das candidatas ou no fenômeno da desistência de candidaturas após o registro, levou os tribunais e o Ministério Público a uma ação mais ofensiva. Primeiro por meio de campanhas, como a lançada em 2014, estimulando as mulheres a se candidatar e, em seguida, decidindo em processos sobre fraude no preenchimento das cotas. Um momento emblemático foi a decisão do TSE, em 2015, no julgamento do Recurso Especial Eleitoral 1-49/PI, que tratava de fraudes no preenchimento de vagas nas cotas de gênero em município do Piauí. Segundo o processo, as duas coligações das quais os vereadores faziam parte lançaram candidaturas femininas fraudulentas, com o objetivo de alcançar a participação mínima de 30% de mulheres prevista na Lei nº 9.504/1997. Aqui surge de modo mais contundente a denúncia das “candidaturas laranja” já feitas em anos anteriores. Além do fato arguido na denúncia, sobre mulheres que sequer sabiam que tinham sido candidatas e tiveram suas assinaturas falsificadas por dirigentes partidários, também se arguiu a natureza fraudulenta na ação de partidos que, para cumprir a formalidade da lei, isto é, garantir uma cota mínima de candidaturas, tiveram candidatas que abdicaram de suas candidaturas no decorrer do processo e outras que tiveram poucos ou mesmo zero votos (BRASIL, 2015BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral nº 1-49/PI. Relator: Ministro Henrique Neves da Silva. 21 out. 2015.).

Conquanto atualmente tenha se formado certo consenso sobre a obrigatoriedade da Lei e a necessidade de algum tipo de punição por seu não cumprimento, entre operadores do Direito não há consenso sobre as condições nas quais candidaturas formais ou fictícias devam ter como resultado da punição a cassação de chapas com todos os eleitos. Segundo Oliveira (2019)OLIVEIRA, J.P. Fraude na cota de gêneros e ação de impugnação ao mandato eletivo: um estudo da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral. Revista Populus, Salvador, n. 7, p. 143-161, 2019., embora os partidos tenham autonomia para decidir suas prioridades, isto não pode implicar a burla da Lei com ações que ajudam a manter as desigualdades.

Em análise numa perspectiva jurídica crítica à ação punitiva, tendo por base a definição de “candidatura fraudulenta”, Andrade Neto, Gresta e Santos (2018)ANDRADE NETO, J.; GRESTA, R. M.; SANTOS, P. P. Fraude à cota de gênero como fraude à lei: os problemas conceituais e procedimentais decorrentes do combate às candidaturas femininas fictícias. In: FUX, L; PEREIRA, L. F. C.; AGRA, W. de M. (orgs.). Abuso de poder e perda de mandato. 1ed. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 240-299. definem esse caso do Piauí como uma “virada jurisprudencial”, na qual o TSE, ao admitir como fraude aquilo que seria a ação dos partidos de cumprir formalmente a lei, isto é, preencher o requisito de 30% de registros de candidaturas, passaria a interferir além da determinação legal escrita e a agir de forma punitiva sobre essas organizações em situações que seriam diversas. Segundo os autores, “à margem de qualquer previsão normativa específica que ordenasse aos partidos investirem nas candidatas e empenharem-se em elegê-las, o atendimento formal à determinação legal de lançar ao menos 30% de candidatas foi colocado sob suspeita” (ANDRADE NETO; GRESTA; SANTOS, 2018ANDRADE NETO, J.; GRESTA, R. M.; SANTOS, P. P. Fraude à cota de gênero como fraude à lei: os problemas conceituais e procedimentais decorrentes do combate às candidaturas femininas fictícias. In: FUX, L; PEREIRA, L. F. C.; AGRA, W. de M. (orgs.). Abuso de poder e perda de mandato. 1ed. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 240-299., p. 241).

Os autores identificam dois tipos de problema nessa “virada”. O primeiro, no âmbito jurídico, seria o que definem como um julgamento mais moral do que legal/normativo, na medida em que, segundo eles, a exigência da legislação seria tão somente o preenchimento do percentual de candidaturas. Uma vez que o julgamento passa a se basear no que subjaz às possíveis intenções dos partidos - se pretendiam burlar, se houve acertos entre partido e candidatas, entre outros aspectos, e não no cumprimento ou não da exigência legal, o tribunal passa a agir movido por um sentido moral sobre quais as intenções existentes por trás da ação estrita do preenchimento da cota. Neste caso, os autores questionam em que medida, tomando-se a lei existente e o seu cumprimento estrito, é possível exigir e controlar juridicamente que os partidos não tenham desistência de candidaturas ou mesmo candidatos sem votos. Em outros termos, argumentam que, no âmbito da lei existente, caberia ao tribunal observar o preenchimento da cota de forma legal. Já o segundo problema é de natureza mais política. Para eles, julgar como fraude situações diversas, que incluem também desistências ou baixa competitividade, pode ser erro estratégico, “por ser passível de produzir efeitos diametralmente inversos aos pretendidos, afugentando da política, pelo receio de vigilância, juízo moral e quiçá criminalização de seu comportamento, as mulheres cuja participação se queria incentivar” (ANDRADE NETO; GRESTA; SANTOS, 2018ANDRADE NETO, J.; GRESTA, R. M.; SANTOS, P. P. Fraude à cota de gênero como fraude à lei: os problemas conceituais e procedimentais decorrentes do combate às candidaturas femininas fictícias. In: FUX, L; PEREIRA, L. F. C.; AGRA, W. de M. (orgs.). Abuso de poder e perda de mandato. 1ed. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 240-299., p. 260). Ademais, envolveria uma iniquidade na forma de controle do que ou de quem é candidata efetiva, uma vez que, argumentam, esse tipo de controle não vem sendo feito sobre as candidaturas masculinas, ou seja, não haveria um escrutínio jurídico sobre os homens que desistem ou que não têm votos, ao passo que tal escrutínio estaria presente nas candidaturas femininas.

Desde então, houve vários processos por fraude na aplicação da cota, e algumas cassações de vereadores. Interessante notar que a maior parte dos processos de fraude diz respeito a cidades do interior, pouco atingindo capitais ou grandes cidades. Um processo sobre a eleição em Valença do Piauí, julgado pelo TSE, em setembro de 2019, foi considerado um novo marco, pois não se limitou a cassar os acusados de fraude, mas a chapa inteira da coligação, incluindo mulheres eleitas.7 7 Foram seis vereadores, incluindo 2 mulheres, além de suplentes. A deliberação final diz que “A fraude da cota de gênero em eleições proporcionais implica a cassação de todos os candidatos registrados pela legenda ou pela coligação” (OLIVEIRA, 2019). Mais uma vez, essa decisão não deixou de ser polêmica. No entendimento de autores ligados aos estudos jurídicos, tratar-se-ia de medida excessivamente ampla, punindo indivíduos que não necessariamente sabiam da fraude, incluindo mulheres eleitas (MACHADO; ALMEIDA; ALVES, 2019MACHADO, R; ALMEIDA, J. T.; ALVES, I. M. G. Fraude às cotas de gênero: nota aos (às) ministros (as) do Tribunal Superior Eleitoral (RESPE nº 193-92.2016.6.18.0018), GENJurídico.com.br. 6 jun. 2019. Disponível em: Disponível em: http://genjuridico.com.br/2019/06/06/fraude-cotas-de-genero/ Acesso em: 8 jun. 2020.
http://genjuridico.com.br/2019/06/06/fra...
). Em contraponto, poder-se-ia argumentar que o sistema eleitoral brasileiro é baseado em listas partidárias e não em candidaturas individuais. Logo, a punição se dá sobre partidos e não sobre indivíduos.

A saída jurisdicional pode ser mais efetiva, mas parece responder ao “por que tão poucas” fundamentalmente a partir de um vetor normativo ou do papel de um tipo de ator: os dirigentes partidários e suas vontades e compromissos. De fato, o poder de interferência dos dirigentes partidários é hoje considerável. Como sugere Nicolau (2019)NICOLAU, J. Burocráticos, partidos vivem à sombra do Estado e dificultam renovação. Folha de S. Paulo. 24 nov. 2019. Disponível em: Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2019/11/burocraticos-partidos-vivem-a-sombra-do-estado-e-dificultam-renovacao.shtml . Acesso em: 12 jan. 2022.
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, os partidos se burocratizaram e se transformaram em entidades paraestatais, dependentes de volumes significativos de recursos públicos e neste quadro, “os dirigentes que controlam os recursos passam a ter um poder desproporcional em relação a outros segmentos da sigla”. Não é despropositado sugerir que isso tende a se ampliar se considerarmos o volume de recursos que eles passaram a gerenciar a partir das mudanças mais recentes na legislação de financiamento. O recrutamento e a elegibilidade envolvem bem mais do que aspectos políticos, embora a literatura reconheça que o papel dos partidos é fundamental em todas as etapas, desde o estímulo à filiação até a definição de prioridades eleitorais, o que, se não define, interfere nas chances dos candidatos. Mas o surgimento de potenciais candidatos e candidatas envolve os contextos sociais que antecedem os processos eleitorais e se vinculam também às decisões individuais de concorrer que, no caso das mulheres, sabe-se, raramente estão dissociadas das dinâmicas, facilidades e dificuldades decorrentes de seu lugar na família (VENTURI; GODINHO, 2013VENTURI, G; GODINHO, T. (orgs.). Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado: uma década de mudanças na opinião pública. São Paulo: Perseu Abramo, 2013.). Como vem demonstrando a literatura, a ampliação da participação efetiva das mulheres depende, muito mais do que os homens, de vários fatores articulados, fatores políticos, sociais e culturais (MIGUEL; BIROLI, 2014MIGUEL, L. F.; BIROLI, F. Feminismo e política. São Paulo: Boitempo, 2014.).

O deslocamento da ação jurídica: de candidaturas para recursos

Como vimos, até a segunda década do século XXI, o debate principal sobre cotas de gênero no Brasil girou principalmente em torno das candidaturas. Contudo, em 2018, o maior foco da preocupação passou a ser o tamanho dos recursos disponíveis para essas candidaturas. Em maio de 2018, o TSE decidiu que os partidos devem repassar o mínimo de 30% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha para candidaturas de mulheres. De acordo com o TSE, o patamar de 30% vale também para a propaganda eleitoral no rádio e na televisão. Caso a quantidade de candidatas seja maior do que 30%, essa distribuição deve seguir a proporcionalidade. Com efeito, o que o TSE fez foi apenas regulamentar uma interpretação mais ampla que já havia sido votada pelo STF em março de 2018. Naquela ocasião, o STF votou a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5617, ajuizada pela Procuradoria Geral da República e que teve como Amici Curiae a ONG feminista CEPIA - Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação, a clínica de direitos humanos da Faculdade de Direito da FGV-RJ e a Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político. Como resultado da análise da ADIN, o STF tomou a decisão histórica de que os partidos devem repassar o mínimo de 30% dos recursos do Fundo Partidário para mulheres.

Conforme apontou Campos (2019)CAMPOS, L. F. Litígio estratégico para igualdade de gênero: o caso das verbas de campanha para mulheres candidatas. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 593-629, 2019., uma das autoras da ADIN 5617, cinco argumentos substantivos, baseados em práticas recorrentes e evidências sistematizadas, foram elencados para fundamentar a Ação: i) o descumprimento reiterado da destinação obrigatória de recursos para a formação de novos quadros femininos; ii) a falta de imposição de sanções pelo TSE aos partidos, apesar do quadro sistemático relacionado com o item anterior; iii) o desvio de finalidade dos recursos definidos para ações pró-mulheres nos partidos quando este foi ampliado - passando a cobrir um espectro entre o mínimo de 5% e o máximo de 15%; iv) o abrandamento das sanções previstas para a aplicação dos recursos acima mencionados e; v) novo abrandamento de sanções e esvaziamento de programas para mulheres pela possibilidade de acumulação em diferentes exercícios financeiros.

Como mencionado, a Lei das Eleições, Lei nº 9.504, de 1997, estabelece que nas eleições proporcionais cada partido ou coligação deva ter, no mínimo, 30% de candidaturas do mesmo sexo. Mas além do problema do preenchimento integral das vagas, as candidaturas de mulheres não vinham recebendo de seus partidos os apoios estruturais necessários, como recursos financeiros e tempos de rádio e televisão. As decisões do STF e do TSE tiveram por objetivo corrigir essas distorções, ainda mais em um contexto novo, no qual para a substituição do financiamento empresarial foi criado o Fundo Especial de Financiamento de Campanha com uma verba de 1,7 bilhões de reais em 2018.

O que as decisões de 2018 do STF e do TSE fizeram foi criar uma regulamentação da lei de cotas que, ao mesmo tempo, garantisse a obrigatoriedade de destinação de parte dos recursos financeiros, comprovadamente necessários para a participação nas disputas eleitorais em condições mínimas de competitividade, e evitasse as candidaturas sem estrutura ou, no limite, a prática das “candidaturas laranjas”. Não basta agora que o partido apenas apresente 30% de candidatas mulheres. É preciso que também dê recursos financeiros e tempos de televisão e rádio para essas candidatas. Bom que se diga, Miguel e Queiroz (2006, p. 383)MIGUEL, L. F.; QUEIROZ, C. M. Diferenças regionais e o êxito relativo de mulheres em eleições municipais no Brasil. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 14, n. 2, p. 363-385, 2006. já argumentavam em 2006 que o impacto das cotas poderia ser reforçado se “os partidos fossem obrigados a destinar às mulheres não apenas 30% da lista, mas também 30% dos recursos financeiros das campanhas e 30% do tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão”. Doze anos depois, a ideia virou realidade.

A importância dos recursos financeiros em processos eleitorais é bem conhecida na literatura especializada (BALLINGTON, 2003BALLINGTON, J. Gender equality in political party funding. In: AUSTIN, R; TJERNSTROM, M. (orgs.). Funding of political parties and election campaigns. Stockholm: Idea, 2003. p. 157-167.; SAMUELS, 2001SAMUELS, D. Money, elections, and democracy in Brazil. Latin American Politics and Society, v. 43, n. 2, p. 27-48, 2001.; SACCHET, 2011SACCHET, T. Partidos políticos e (sub) representação feminina: um estudo sobre recrutamento legislativo e financiamento de campanhas. In: PAIVA, D. (org.). Mulheres, política e poder. Goiânia: Cânone Editorial, 2011. p. 159-186.). Sacchet e Speck (2012, p. 417)SACCHET, T.; SPECK, B. W. Dinheiro e sexo na política brasileira: financiamento de campanha e desempenho eleitoral em cargos legislativos. In: ALVES, José Eustáquio Diniz; PINTO, Céli Regina Jardim; JORDÃO, Fátima (orgs.). Mulheres nas eleições de 2010. São Paulo: ABCP, 2012. p. 417-452. concordam que “um percentual baixo de candidaturas femininas oferece um leque menor de opção para a escolha dos eleitores, resultando, consequentemente, num reduzido número de mulheres eleitas”. Mas, sustentam os autores, apenas aumentar o número de candidatas, como fez a lei de 1997, não é o suficiente para resolver o resultado da assimetria política de gênero. Ao comparar o financiamento de campanhas de homens e mulheres nas eleições de 2006, os dois autores concluíram “que o financiamento eleitoral é um dos principais fatores que explica o baixo desempenho eleitoral das mulheres” (SACCHET; SPECK, 2012SACCHET, T.; SPECK, B. W. Dinheiro e sexo na política brasileira: financiamento de campanha e desempenho eleitoral em cargos legislativos. In: ALVES, José Eustáquio Diniz; PINTO, Céli Regina Jardim; JORDÃO, Fátima (orgs.). Mulheres nas eleições de 2010. São Paulo: ABCP, 2012. p. 417-452., p. 195).

Por essa razão, as comemorações foram grandes entre as lideranças políticas femininas de diversos espectros quando a norma da cota foi estendida ao financiamento. “É uma conquista que pode melhorar a presença da mulher no processo eleitoral e nos quadros partidários”, comemorou a senadora Lúcia Vânia do PSB de Goiás (LIMA, 2018LIMA, M. Parlamentares mulheres comemoram decisão ‘histórica’ do TSE sobre fundo. O Globo, 23 maio 2018. Disponível em: Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/parlamentares-mulheres-comemoram-decisao-historica-do-tse-sobre-fundo-22708628 . Acesso em: 9 dez. 2022.
https://oglobo.globo.com/brasil/parlamen...
). “A decisão do TSE é uma conquista. Essa equalização é necessária para garantir a efetividade da lei sobre o percentual mínimo de candidaturas de mulheres, visando fortalecer e ampliar a participação das mulheres na política”, defendeu a presidente da REDE, Marina Silva (LIMA, 2018LIMA, M. Parlamentares mulheres comemoram decisão ‘histórica’ do TSE sobre fundo. O Globo, 23 maio 2018. Disponível em: Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/parlamentares-mulheres-comemoram-decisao-historica-do-tse-sobre-fundo-22708628 . Acesso em: 9 dez. 2022.
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). E a senadora Ana Amélia, do PP do Rio Grande do Sul, definiu essa medida como uma “positiva judicialização da política” (LIMA, 2018LIMA, M. Parlamentares mulheres comemoram decisão ‘histórica’ do TSE sobre fundo. O Globo, 23 maio 2018. Disponível em: Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/parlamentares-mulheres-comemoram-decisao-historica-do-tse-sobre-fundo-22708628 . Acesso em: 9 dez. 2022.
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).

Mas não houve apenas reações positivas. A reação negativa no Poder Legislativo e em certos partidos políticos foi imediata, embora sem muitos efeitos. O presidente do Solidariedade, deputado Paulo Pereira da Silva, apresentou assim o seu incômodo: “o problema é que o TSE legislou no lugar do Congresso e tomou essa decisão muito em cima das eleições” (RIBEIRO, 2018RIBEIRO, J. Partidos querem reverter decisão do TSE que destinou 30% do Fundo Eleitoral para campanhas de mulheres. O Globo, 23 maio 2018. Disponível em: Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/partidos-querem-reverter-decisao-do-tse-que-destinou-30-do-fundo-eleitoral-para-campanhas-de-mulheres-22708622 . Acesso em: 8 dez. 2022.
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). O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, também acusou a ingerência do Poder Judiciário: “O TSE legislou. Não podemos por boas ideias gerar precedentes que amanhã permitam que os tribunais sejam usados para legislar. O ativismo do TSE foi claro e isso acaba gerando insegurança jurídica” (BRESCIANI, 2018BRESCIANI, E. Presidente da Câmara diz que TSE ‘legislou’ ao reservar fundo eleitoral para mulheres. O Globo, 23 maio 2018. Disponível em: Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/presidente-da-camara-diz-que-tse-legislou-ao-reservar-fundo-eleitoral-para-mulheres-22708473 . Acesso em: 8 dez. 2022.
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).

Como se percebe na fala dos dois líderes políticos, a principal crítica foi direcionada ao método da judicialização. Mas sem a judicialização, talvez a proposta jamais fosse aprovada. Essa, ao menos, foi a tese das mulheres deputadas e senadoras que entraram com o pedido que resultou na decisão do TSE, junto com outras mulheres ativistas do campo jurídico. Esse pedido foi formalizado por meio de uma consulta ao TSE, que foi assinada por 14 parlamentares de 6 partidos: PCdoB, PT, PMDB, PR, PSB e PSD. A estratégia da judicialização como forma de tangenciar a dificuldade de aprovação no Legislativo foi clara.

De fato, outras propostas de reforma política que poderiam impulsionar a participação política de mulheres vêm sendo debatidas há bastante tempo, mas nunca foram aprovadas no Congresso Nacional. A principal delas trata da alteração do sistema eleitoral de voto proporcional de lista aberta, como temos hoje no Brasil, para o de lista fechada com alternância de gênero, como existe na Argentina (RANGEL, 2011RANGEL, P. Agenda feminista para a democratização do poder na reforma política. Brasília: CFEMEA, 2011.; FEITOSA, 2012FEITOSA, F. A participação política das mulheres nas eleições 2010: panorama geral de candidatos e eleitos. In: ALVES, J. E. D.; PINTO, C; JORDÃO, F. (orgs.). Mulheres nas eleições 2010. São Paulo: ABCP, 2012. p. 139-166.; RODRIGUES, 2022RODRIGUES, T. Propostas de reforma do sistema eleitoral no Brasil: o que pensa a ciência política brasileira? Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 124, p. 487-526, 2022.). A intenção de movimentos feministas com a lista fechada com alternância de gênero é garantir que mulheres estejam entre aqueles com chances de eleição. Essa proposta é corroborada pela literatura especializada. Spohr et al. (2016)SPOHR, A. P. et al. Participação política de mulheres na América Latina: o impacto de cotas e de lista fechada. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 24, n. 2, p. 417-441, 2016. estudaram de forma comparada 14 países latino-americanos e comprovaram a hipótese do efeito cumulativo: a combinação de lista fechada e existência de cotas potencializa a eleição de mulheres no Legislativo. Bom que se diga, na América Latina hoje, o debate sobre cotas já começa a ser superado pelo de paridade em vários países, como o México e a Bolívia, entre outros (ROMÃO, 2021ROMÃO, J. Das cotas à paridade na política: lições da América Latina para o Brasil. Plataforma pela Reforma do Sistema Político. 18 maio 2021. Disponível em: Disponível em: https://reformapolitica.org.br/2021/05/18/das-cotas-a-paridade-na-politica-licoes-da-america-latina-para-o-brasil/ . Acesso em: 15 jan. 2022.
https://reformapolitica.org.br/2021/05/1...
). Mesmo o Chile que levou muito tempo sem lei de Cotas conseguiu avançar em termos de representação após a reforma eleitoral. E, especificamente na eleição para a Assembleia Constituinte em 2021, conseguiu garantir a paridade de gênero. Dentre os 155 constituintes chilenos eleitos em 2021, 78 foram homens e 77 mulheres. Para a Constituinte isso foi possível graças a três mecanismos legais: a alternância de gênero de candidaturas, que faz com que haja paridade em cada lista partidária; a paridade de gênero entre os eleitos em cada distrito; e o dispositivo de correção de gênero, que faz com que o gênero que tenha elegido mais deputados tenha que ceder vagas para o outro gênero até alcançar a paridade final (ELIAS, 2021ELIAS, J. Como Chile está montando a 1ª Constituinte do mundo com igualdade de gênero. CNN Brasil, 16 maio 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/como-chile-esta-montando-a-1-constituinte-do-mundo-com-igualdade-de-genero/ . Acesso em: 15 jan. 2022.
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). Já no México, a paridade de gênero nas candidaturas para o Legislativo foi aprovada em 2014 e ampliada para os Poderes Judiciário e Executivo em 2019.

O Parlamento brasileiro, no entanto, nunca encontrou maioria para aprovar uma Lei nessa direção de mudança do sistema eleitoral de lista aberta para a lista fechada ou de exigência da paridade. De acordo com Avelar (2008, p. 148)AVELAR, L. A reforma política sob a perspectiva das mulheres. In: MULHOLLAND, T; RENNÓ, L. (orgs.). Reforma política em questão. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008. p. 143-150., “mudar a regra de representação de lista aberta para fechada e, ainda por cima, adotar uma regra de que a cada três nomes um será de mulher são pontos que apavoram os deputados”. Por essa razão, a opção pela judicialização, com a regulamentação da distribuição dos recursos dentro do próprio sistema de lista aberta, pareceu ser uma tática alternativa para a agenda feminista.

Uma tentativa posterior de resposta do TSE às críticas de ingerência nos partidos foi a Resolução No. 23.575 de 28 de junho de 2018, que definiu que as verbas poderiam ser utilizadas para gastos de campanha compartilhados com candidatos homens, desde que estes servissem aos interesses das candidaturas das mulheres. Em outras palavras, o TSE tentou deixar mais clara a autonomia dos partidos para decidir como esses 30% ou mais seriam distribuídos; e, desse modo, contornar as críticas sobre ingerência na engenharia eleitoral dos partidos ou em suas prioridades de candidaturas ao afirmar que não haveria restrições para que candidatas usassem as verbas a que faziam jus em suas “dobradinhas” com outros candidatos, ainda que estes fossem homens. A resolução não agradou parcela dos movimentos feministas, que viu com desconfiança o uso dessa verba por parte dos homens. Não obstante as críticas, a eleição de outubro de 2018 foi realizada sob o regramento dessa nova interpretação proposta pelo Poder Judiciário. E o resultado foi relativamente positivo: o número de mulheres eleitas para a Câmara dos Deputados ampliou, ainda que esteja longe da paridade. Se nas quatro eleições entre 2002 e 2014 a média esteve estável entre 8% e 10%, na de 2018 houve um aumento para 15,1% e em 2022 para 17,7%, conforme mostra a Tabela 1 abaixo.

Tabela 1.
Mulheres na Câmara dos Deputados (1990-2022)

Quando avaliamos mais detidamente os dados referentes às eleições nas assembleias legislativas, em particular nos dez maiores estados em termos de eleitorado, que juntos reúnem aproximadamente 75% da população brasileira, percebemos que a ampliação também ocorreu regionalmente. São Paulo talvez seja onde esse incremento foi mais significativo. De 10 deputadas eleitas em 2014, a ALESP passou para 18 em 2018 e 25 em 2022. Em Minas Gerais, na ALMG, o crescimento também foi significativo, com o dobro de mulheres eleitas em 2018 em relação ao ano de 2014 e 15 em 2022. Na ALERJ, o mesmo ocorreu: em 2014, foram 9 deputadas estaduais eleitas, enquanto em 2018 foram 12 e em 2022 chegou em 15. Entre os três estados do Sul apenas Santa Catarina não teve crescimento. No Paraná, em 2014 foram eleitas três deputadas estaduais, em 2018 quatro e 10 em 2022. Santa Catarina passou de quatro em 2014 para cinco deputadas em 2018, mas reduziu para 3 em 2022. Já o Rio Grande do Sul tinha 7 deputadas em 2014, passou a ter 9 em 2018 e 11 em 2022. No Pará, em Pernambuco e na Bahia houve um crescimento em 2018 seguido por uma queda em 2022. Já o Ceará, único estado entre os dez mais populosos do país onde a bancada feminina diminuiu em 2018, cresceu em 2022. A Tabela 2 apresenta esses números.

Tabela 2.
Mulheres Eleitas nas Assembleias Legislativas (2006-2022)

Ainda é cedo para buscar resultados conclusivos em uma mudança tão recente e que depende de observações mais sistemáticas, embora alguns bons estudos já tenham sido publicados (WYLIE, 2020WYLIE, K. Taking bread off the table: race, gender, resources and political ambition in Brazil. European Journal of Politics and Gender, v. 3, n. 1, p. 121-142, 2020.; CAMPOS et al., 2020CAMPOS, L. F. et al. Competição política e desigualdades de gênero nas eleições para assembleias estaduais em 2018. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 10, p. 587-611, 2020.; RAMOS et al., 2020RAMOS, L. O. et al. Candidatas em jogo: um estudo sobre os impactos das regras eleitorais na inserção de mulheres na política. São Paulo: FGV, 2020.; SACCHET, 2020SACCHET, T. A culpa é dos partidos: desigualdades de gênero em disputas eleitorais. In: BIROLI, F. et al. (orgs.). Mulheres, poder e ciência política: debates e trajetórias. Editora da Unicamp: 2020. p. 71-108.; LOBO, 2022LOBO, C. Leis de gênero na representação política brasileira: uma análise da formulação legislativa à luz da Teoria Tripartite de Justiça de Nancy Fraser. 2022. Dissertação (Mestrado em Direito) - Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Minas Gerais, 2022.). Mas as eleições municipais de 2020 parecem corroborar a tendência de 2018. Vale ressaltar que, em 2018, os partidos não dispuseram de muito tempo para se adaptarem às mudanças implantadas no período. Levantamento da imprensa indica que as cotas eleitorais para a distribuição dos recursos dos fundos partidário e eleitoral não foram respeitadas por alguns partidos, e houve uma diversidade de características na sua utilização (PORTINARI, 2018PORTINARI, N. Só 15 de 35 partidos cumpriram cota de verba para candidaturas femininas na eleição. O Globo, 19 nov. 2018. Disponível em: Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/so-15-de-35-partidos-cumpriram-cota-de-verba-para-candidaturas-femininas-na-eleicao-23243747 . Acesso em: 8 dez. 2022.
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). Pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (BARBIERI; RAMOS, 2019BARBIERI, C. H. C.; RAMOS, L. O. Democracia e representação nas eleições de 2018: campanhas eleitorais, financiamento e diversidade de gênero - relatório final (2018-2019). São Paulo: FGV Direito SP, 2019.) revela características interessantes dessa diversidade, que remetem, mais uma vez, ao debate sobre o papel do judiciário e dos partidos nesse processo. Segundo o estudo, poucos partidos em 2018 não usaram de algum modo as cotas para mulheres, mas a diversidade nas formas de uso foi a tônica. A Tabela 3 apresenta a indicação feita pelos partidos sobre como estes distribuiriam os recursos.8 8 O TSE decidiu na Resolução Nº 23.568, de 24/05/2018 que, para receberem os recursos do FEFC, os partidos teriam de indicar previamente os critérios sobre distribuição do valor a ser recebido. A Tabela 4 mostra como se deu a distribuição do Fundo Especial de Financiamento de Campanha para as candidatas, segundo tipo de candidatura. E a Tabela 5 faz o mesmo, porém com o Fundo Partidário.

Tabela 3.
Indicação do uso de recursos do FEFC nas resoluções partidárias 9 9 Neste caso, para 35 partidos. O PSTU indicou o uso apenas com majoritárias. Já o NOVO não utiliza recursos do FEFC.
Tabela 4.
Cumprimento do mínimo de 30% do FEFC para candidaturas femininas10 10 No FEFC foram levantados 34 partidos. Apenas proporcionais: DC, PATRI, PCO, PMB, PMN, PPL, PROS, PRTB, PSD, PSL, PTB, PV, SDD. Proporcionais e majoritárias: PCdoB, PP, PPS, PSTU, PTC, REDE. Usaram também para candidatas a vices e suplentes de senadores e senadoras: DEM, MDB, PCB, PDT, PHS, PR, PRB, PSB, PSC, PSDB, PSOL, PT. Não cumpriram nenhum dos cenários: AVANTE, PODEMOS e o PRP.
Tabela 5.
Cumprimento do mínimo de 30% do Fundo Partidário para candidaturas femininas11 11 No Fundo Partidário foram identificados 33 partidos. Só proporcionais: DC, PATRIOTAS, PCB, PMN, PODE, PPL, PPS, PRB, PRP, PSD, PSL, PSOL, PTB e REDE. Proporcionais e majoritários: PCdoB, PHS, PROS, PTC e PV. Usaram também com candidatas a vice, suplentes e senadoras: DEM, MDB, PCB, PDT, PHS, PR, PRB, PSB, PSC, PSDB, PSOL, PT. Em nenhum cenário: AVANTE, PDT, PMB, PRTB, PSB, PSC, SDD e PSTU.

Como é possível observar, houve grande diversidade na aplicação dos recursos pelos partidos. Em 2018 existiram, e continuaram a existir posteriormente, dois tipos de problemas. Primeiro, sobre a interpretação estrita da norma. A questão central era definir se a regra se aplicaria também às candidaturas majoritárias. Para parte dos movimentos feministas, inclusive os partidários, os partidos não teriam cumprido a determinação do TSE, sobretudo, porque, segundo essa leitura, a lei de cotas no Brasil se aplica apenas para cargos proporcionais - deputados federais e estaduais e vereadores. Portanto, a determinação de que se cumpra a cota se aplicaria à lei existente: os recursos deveriam ser destinados, apenas, às candidatas proporcionais. De outra parte, partidos com candidaturas majoritárias argumentaram que a resolução do TSE não definia claramente esse ponto, indicando apenas a destinação do percentual às candidatas. Com efeito, essa falta de clareza do TSE deixou os partidos livres para estabelecerem seus critérios de distribuição (RAMOS et al., 2020RAMOS, L. O. et al. Candidatas em jogo: um estudo sobre os impactos das regras eleitorais na inserção de mulheres na política. São Paulo: FGV, 2020.).

De fato, se observarmos a distribuição acima, é visível que predominou entre os partidos uma interpretação de que o uso não se restringiria apenas às candidaturas proporcionais. Pela Tabela 3 não é possível identificar a disparidade entre a “intenção” formulada e a distribuição efetiva, pois quase metade dos partidos não definiu essa alocação previamente. Mas na Tabela 4 nota-se que apenas 38,2% usaram a cota do FEFC exclusivamente com as candidaturas proporcionais. Ou seja, a maior parte usou também para as candidaturas majoritárias. O mesmo ocorreu com o Fundo Partidário, conquanto com volume maior de aplicação somente para proporcionais (42,4%).

Como se pode notar nas notas de rodapé 10 e 11, a maior parte dos partidos que se encontra na categoria 1 - uso dos recursos para proporcionais - são legendas nanicas ou pequenas, com poucos candidatos a cargos majoritários, tanto nos estados como para presidente e com necessidade de construir bancadas. A exceção foi o PSL, partido do presidente eleito. Note-se que também este, até o ano de 2018, era considerado uma legenda pequena. Entre os partidos que usaram os recursos aplicando-os em cargos majoritários estão as legendas consideradas grandes, com muitos candidatos majoritários e, em particular, com candidatos ao cargo de presidente da República. Foram os casos do MDB, PSDB, PT e PDT.

O pós-eleição 2018 e as tensões entre Legislativo e Judiciário

O processo que se seguiu ao longo de 2019 foi, no mínimo, curioso. A primeira resposta surgiu no Senado, em 27 de fevereiro de 2019, com o Projeto de Lei 1.256/2019 do senador Angelo Coronel, do PSD da Bahia. Segundo o autor do PL, a cota de gênero estimula as candidaturas “laranjas” e, portanto, elas deveriam ser extintas. O PL, no entanto, não logrou sucesso. Em 24 de abril de 2019, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado rejeitou sua tramitação por 16 votos a 2. Além do senador Angelo Coronel, votou pela aprovação do fim das cotas a senadora Selma Arruda do PSL-MT.

Era esperado que o Congresso Nacional apresentasse uma resposta contra o que foi considerado pelo presidente Rodrigo Maia e parte dos parlamentares uma ingerência do TSE e do STF. Contudo, o que não se esperava é que uma dessas respostas viesse de um projeto de lei apresentado por uma mulher, a deputada federal e presidente do PODEMOS, Renata Abreu. Esse Projeto de Lei 2996/19, apresentado em 21 de maio de 2019, extingue a cota mínima de 30% de candidaturas femininas nas eleições (BRASIL, 2019BRASIL, Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 2996/2019. Altera o § 3º do art. 10 da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, que prevê percentual de preenchimento mínimo de vagas para candidaturas de cada sexo, e acrescenta o art. 16-E, para dar destinação proporcional aos gastos de campanha com recursos do Fundo Partidário. Disponível em: Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1750305&filename=Tramitacao-PL+2996/2019 . Acesso em: 09 dez. 2022.
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb...
). A polêmica em torno da proposta de Abreu foi grande e fez com que a deputada apresentasse, em 12 de setembro de 2019, um requerimento de retirada de tramitação do PL. De todo modo, esse episódio sugere que o tema dos “interesses das mulheres”, o que os define e sua relação com outras clivagens sociais segue na ordem do dia. Esse posicionamento da deputada Renata Abreu e da senadora Selma Arruda contra as cotas de gênero comprova uma tese importante da teoria política contemporânea e da teoria feminista, qual seja, a de que a política da presença não é suficiente para mudar agendas de interesses e ideologias sem que esteja casada com a política de ideias (PHILLIPS, 2001PHILLIPS, A. De uma política de ideias a uma política de presença? Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 9, n. 1, p. 268-290, 2001.).

Mas, registre-se, a adoção da lei de cotas para a aplicação dos recursos financeiros não revelou apenas os limites do poder de interferência das mulheres nas decisões sobre a distribuição de recursos; ou sobre o debate acerca da legitimidade ou não de que tais recursos possam ser transferidos para candidatos homens que tenham “dobradinha” com candidatas mulheres. Trouxe à tona um outro potencial caminho de fraude capaz de se somar ao primeiro: as candidaturas fictícias de mulheres possibilitariam que os recursos fossem formalmente destinados para elas, mas efetivamente entregues aos homens. Várias denúncias nesse sentido surgiram após as eleições de 2018.12 12 O escândalo envolvendo o deputado federal Marcelo Álvaro Antônio, do PSL/MG, vai nesse sentido. Após investigações, algumas mulheres informaram terem recebido oferta para se candidatar e repassar o dinheiro para o deputado, então presidente do PSL no estado. Em 2019, pela primeira vez, o TSE cassou mandatos por uso ilícito de recursos destinados a mulheres. Em julgamento sobre um caso de repasse indevido na cidade de Rosário do Sul/RS, nas eleições de 2016, o TSE confirmou a cassação de 2 vereadores, um deles uma mulher, por uso ilícito de verbas do Fundo Partidário destinado a fortalecer as candidaturas femininas.13 13 A vereadora Jalusa Fernandes, eleita pelo PP, teria recebido R$ 20.000,00 do Fundo Partidário e destinado R$ 10.000,00 ao candidato a prefeito e R$ 2.000,00 para outro candidato a vereador do mesmo partido, Afonso Vasconcelos. Ministros do TSE definiram a prática como a “segunda geração de fraude” em relação às cotas para mulheres. Este caso pode ter dois significados: um no sentido de mostrar que fraudes com uso de recursos e “laranjas” não serão toleradas; e outro definindo que a destinação do recurso reservado para candidaturas de mulheres não poderá ser feita para homens em qualquer hipótese. Neste último caso, incidindo, inclusive, sobre estratégias eleitorais típicas das campanhas brasileiras, quando um candidato a deputado federal, por exemplo, para se eleger, necessita estabelecer “dobradinhas” com candidatos a deputados estaduais a fim de angariar votos em regiões onde não tem influência. Mas e se forem as mulheres as candidatas a deputadas federais que necessitem angariar votos em determinadas regiões nas quais são candidatos locais (estaduais) homens os que possuem influência? Aqui podemos nos defrontar claramente com uma potencial tensão entre a norma jurídica e as lógicas políticas.

Ao mesmo tempo em que o debate transcorria no parlamento, o TSE transformou as decisões de 2018 em uma resolução ainda mais rigorosa em 2019. Além de incluir a questão da distribuição proporcional dos recursos do Fundo Eleitoral, a Resolução Nº 23.607, de 17 de dezembro de 2019 ampliou a fiscalização desses recursos, bem como as possibilidades de denúncias. Tudo isso pressionou o Congresso Nacional a formular novas legislações nessa direção. Foi o que ocorreu em 2021 com a aprovação da Lei nº 14.211/2021 e da Emenda Constitucional nº 111/2021. A Lei nº 14.211 reduziu o número máximo de candidaturas de cada partido em uma determinada eleição, de 150% ou 200% do total de vagas em disputa para 100% de candidaturas sobre o total dessas vagas, o que pode facilitar para os partidos o cumprimento das cotas. Já a Emenda Constitucional nº 111 definiu que para fins de distribuição dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral, os votos dados a candidatas mulheres ou a candidatos negros para a Câmara dos Deputados nas eleições realizadas de 2022 a 2030 serão contados em dobro, o que pode estimular os partidos a lançar mais mulheres e beneficiar aqueles que já investem na presença proporcional de mais mulheres nas eleições.

Todo esse debate transbordou para cotas nos próprios partidos, como apontou o pronunciamento do TSE em 2020 acerca da possibilidade de aplicação da Lei de Cotas existente - destinada às candidaturas eleitorais - para a composição das chapas de órgãos e diretórios partidários. Trata-se de uma resposta à consulta formulada pela deputada federal Lídice da Mata, PSB-BA, que além dessa possível aplicação, perguntava também sobre a não aceitação, pelo TSE, de diretórios e órgãos que não tivessem cumprido a referida cota. O TSE interpretou ser possível aplicar a regra de 30% para candidaturas eleitorais à composição interna desses órgãos, porém, na mesma resolução, afirmou não ser esta uma interpretação com efeito vinculante, isto é, efeito obrigatório. Ou seja, o TSE deliberou não ser possível punir os partidos recusando suas anotações, uma vez que, conforme dito, não se tratava de efeito vinculante. Não obstante, aprovou encaminhar uma recomendação ao Congresso Nacional, para que essa aplicação fosse incorporada na lei partidária.

Considerações finais

Diante do exposto ao longo do artigo, mais uma vez o dilema da política se mantém entre a definição partidária das engenharias eleitorais - que não são necessariamente justas, equitativas ou mesmo baseadas, predominantemente, em compromissos com a igualdade de gênero - versus o caminho da judicialização como recurso de pressão. Como fazer com que compromissos partidários incluam de modo mais estratégico a igualdade de gênero também no momento de disputar o poder e, ao mesmo tempo, respeitar a engenharia eleitoral e a autonomia partidária para decidir onde é estratégico aportar recursos? Ou seja, sem que seja necessária a intervenção externa dos tribunais. E em que momento devem os tribunais exercerem seu papel de zelar pelos princípios constitucionais, incluindo aí o princípio da igualdade entre homens e mulheres, em momentos políticos e de fiscalizar o cumprimento da Lei? Até onde e como tais atribuições se coadunam com a não ingerência na autonomia partidária para definir, de acordo com os contextos, suas necessidades de alianças e perfis de candidaturas?

De fato, alianças entre lideranças femininas de partidos ou da sociedade civil e setores do Judiciário parecem ser mais próximas do que entre tais lideranças e as suas direções partidárias. A lacuna entre presença de mulheres e de homens na representação é um problema de direitos que precisam ser reparados, garantidos e estimulados e, portanto, na arquitetura constitucional é uma questão de justiça. Mas como problema de equilíbrio e expressão social da representação, é essencialmente questão da política em seu sentido estrito. Contudo, fato é que as engenharias eleitorais pautadas pela premência imediata dos votos seguem submetendo possíveis compromissos democráticos partidários ao ritmo de cada eleição, de modo que as ações afirmativas terminam sendo mais figuras de retóricas do que políticas de longo prazo, conforme observam vários autores (NORRIS; LOVENDUSKY, 2003NORRIS, P.; LOVENDUSKY, J. (orgs.). Gender and Party Politics. Londres: Sage, 2003.; SANTOS; PAULA; SEABRA, 2012SANTOS, F; PAULA, C.; SEABRA, J. Cotas e movimentos sociais nas estratégias partidárias de inserção das mulheres na vida parlamentar: os casos do Rio de Janeiro e Ceará nas eleições 2010 para a Câmara dos Deputados. In: ALVES, José Eustáquio Diniz; PINTO, Céli Regina Jardim; JORDÃO, Fátima (orgs.). Mulheres nas eleições de 2010. São Paulo: ABCP, 2012. p. 283-313.; MORGAN; HINOJOSA, 2018MORGAN, J.; HINOJOSA, M. Women in political parties: seen but not heard. In: SCHWINDT-BAYER, L. (org.). Gender and representation in Latin America. New York: Oxford, 2018.). Com efeito, o que se observa é que um tema da política por excelência, que é o imenso desequilíbrio de gênero nas organizações partidárias e nas esferas de representação, ainda necessita que tribunais sejam acionados para produzir alterações efetivas. Mas se são os partidos os mediadores da participação política que permitem que indivíduos interessados em pleitear a representação o façam, e um dos princípios básicos da representação é que ela, de algum modo “espelhe” a nação, é necessário e urgente que tais organizações revejam suas práticas e investimentos nas mulheres, assim como em outros segmentos sociais. Pois, em tese, aos tribunais caberia apenas observar se os princípios constitucionais democráticos estão sendo cumpridos, e não serem os promotores desses princípios. Se isto se torna necessário de acontecer, algo precisa ser revisto na própria política.

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  • 3
    Entre 2010 e 2019 há mais de 30 registros de arguições ao TSE acerca das cotas (OLIVEIRA, 2019OLIVEIRA, J.P. Fraude na cota de gêneros e ação de impugnação ao mandato eletivo: um estudo da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral. Revista Populus, Salvador, n. 7, p. 143-161, 2019.).
  • 4
    Se considerarmos a vereança, o percentual de 30% de candidaturas de mulheres já havia sido superado nas eleições municipais de 2012.
  • 5
    Este foi o caso da França que, na década de 1980, chegou a discutir e aprovar proposta de cotas, mas estas foram consideradas inconstitucionais pela Suprema Corte.
  • 6
    Esses autores definem como “laranjas” não apenas candidatos com zero votos, mas também com poucos votos, considerados os coeficientes eleitorais dos partidos. Algumas autoras feministas preferem o termo “fictícias”, pois em muitos casos as mulheres sequer sabiam que seus nomes estavam sendo utilizados, o que difere da compreensão comumente associada à palavra “laranja”, que indicaria um conhecimento mútuo da ação (LAENA, 2020LAENA, R. Fictícias: candidaturas de mulheres e violência política de gênero. Ceará: Editora Radiadora, 2020.). Assim, em geral, vamos nos referir às fictícias, ou “laranjas” entre aspas.
  • 7
    Foram seis vereadores, incluindo 2 mulheres, além de suplentes. A deliberação final diz que “A fraude da cota de gênero em eleições proporcionais implica a cassação de todos os candidatos registrados pela legenda ou pela coligação” (OLIVEIRA, 2019OLIVEIRA, J.P. Fraude na cota de gêneros e ação de impugnação ao mandato eletivo: um estudo da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral. Revista Populus, Salvador, n. 7, p. 143-161, 2019.).
  • 8
    O TSE decidiu na Resolução Nº 23.568, de 24/05/2018 que, para receberem os recursos do FEFC, os partidos teriam de indicar previamente os critérios sobre distribuição do valor a ser recebido.
  • 9
    Neste caso, para 35 partidos. O PSTU indicou o uso apenas com majoritárias. Já o NOVO não utiliza recursos do FEFC.
  • 10
    No FEFC foram levantados 34 partidos. Apenas proporcionais: DC, PATRI, PCO, PMB, PMN, PPL, PROS, PRTB, PSD, PSL, PTB, PV, SDD. Proporcionais e majoritárias: PCdoB, PP, PPS, PSTU, PTC, REDE. Usaram também para candidatas a vices e suplentes de senadores e senadoras: DEM, MDB, PCB, PDT, PHS, PR, PRB, PSB, PSC, PSDB, PSOL, PT. Não cumpriram nenhum dos cenários: AVANTE, PODEMOS e o PRP.
  • 11
    No Fundo Partidário foram identificados 33 partidos. Só proporcionais: DC, PATRIOTAS, PCB, PMN, PODE, PPL, PPS, PRB, PRP, PSD, PSL, PSOL, PTB e REDE. Proporcionais e majoritários: PCdoB, PHS, PROS, PTC e PV. Usaram também com candidatas a vice, suplentes e senadoras: DEM, MDB, PCB, PDT, PHS, PR, PRB, PSB, PSC, PSDB, PSOL, PT. Em nenhum cenário: AVANTE, PDT, PMB, PRTB, PSB, PSC, SDD e PSTU.
  • 12
    O escândalo envolvendo o deputado federal Marcelo Álvaro Antônio, do PSL/MG, vai nesse sentido. Após investigações, algumas mulheres informaram terem recebido oferta para se candidatar e repassar o dinheiro para o deputado, então presidente do PSL no estado.
  • 13
    A vereadora Jalusa Fernandes, eleita pelo PP, teria recebido R$ 20.000,00 do Fundo Partidário e destinado R$ 10.000,00 ao candidato a prefeito e R$ 2.000,00 para outro candidato a vereador do mesmo partido, Afonso Vasconcelos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    07 Fev 2022
  • Aceito
    16 Nov 2022
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