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A formação do bibliotecário jurídico no Brasil: uma análise das disciplinas sobre informação jurídica das universidades federais brasileiras

The education of law librarians in Brazil: an analysis of subjects on legal information at the Brazilian federal universities

Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar as disciplinas sobre informação jurídica dos cursos de biblioteconomia de universidades federais brasileiras com o intuito de verificar se elas apresentam conteúdos recomendados pela literatura. Como método, realizou-se uma comparação entre os conteúdos descritos nas ementas das disciplinas analisadas e um conjunto de 14 temas tidos como recomendados pela literatura nacional e internacional para a formação de bibliotecários jurídicos; como resultado, das universidades federais brasileiras que oferecem cursos de biblioteconomia, cinco possuem disciplinas voltadas à área jurídica. Entre elas, apenas uma oferece mais de uma disciplina acerca do tema. Todas são definidas como optativas e não fazem parte da grade obrigatória dos cursos. As disciplinas analisadas não conseguiram abranger o conjunto de 14 assuntos recomendados para a formação do bibliotecário jurídico, abrangendo-os apenas parcialmente. Percebe-se que as disciplinas se preocupam mais com assuntos voltados à formação técnica, e geralmente estão ausentes aspectos relacionados ao treinamento de usuários e ao uso da informação jurídica por usuários não especializados, como o cidadão comum. O bibliotecário brasileiro possui muita dificuldade em se especializar na área jurídica. Há pouca oferta de disciplinas sobre biblioteconomia jurídica na graduação e na pós-graduação. A formação na área é geralmente alcançada pela prática diária ou por atividades de educação continuada, como cursos e eventos. Apesar disso, o número de disciplinas encontradas e analisadas pela pesquisa demonstra um pequeno avanço no cenário nacional. A falta de padrões ou diretrizes de conteúdo para a formação desse profissional contribui para aumentar as dificuldades da oferta de educação formal nacionalmente.

Palavras-chave
Biblioteconomia especializada; Documentação jurídica; Educação; Formação Profissional; Formação universitária

Abstract

This articled aims to analyze the subjects on legal information of library science courses at Brazilian federal universities to verify if they teach contents recommended by the literature. Methods: a comparison was made between the contents described in the menus of the subjects analyzed and a set of 14 topics considered recommended by national and international literature for the training of legal librarians. Results: five Brazilian universities have subjects focused on the legal information area. One of them offers more than one subject on the topic. All subjects are defined as optional and are not part of the mandatory course curriculum. The analyzed subjects were not able to cover the set of 14 topics recommended for the training of law librarians, covering them only partially. It is noticed that the subjects are more concerned with issues related to technical training and aspects related to user training and the use of legal information by non-specialized users, such as ordinary citizens, are generally absent. Conclusions: Brazilian librarians have great difficulty in specializing in the legal area. There is no significant offer of courses in law librarianship at the undergraduate level, nor in graduate courses. Training in the area is usually achieved through daily practice or continuing education activities, such as courses and events. Despite this, the number of subjects found and analyzed by the research demonstrates a small advance in the national scenario. The lack of standards or content guidelines for the training of this professional contributes to increasing the difficulties of offering formal education in the country.

Keywords
Specialist librarianship; Academic education; Legal information; Education; Professional certification

Introdução

O volume de informação jurídica produzida no Brasil é enorme. O Congresso Nacional, as assembleias legislativas estaduais e distrital, bem como as câmaras municipais de todos os 5.570 municípios do país produzem leis e diversos tipos de atos normativos diariamente. Os tribunais brasileiros, por sua vez, produzem jurisprudência na mesma intensidade, desde os tribunais estaduais, passando pelos tribunais federais de segunda instância até os superiores. Por fim, os operadores e pesquisadores da área do direito produzem a doutrina, traduzida em um grande volume de livros, teses e artigos científicos publicados.

Tornar essa quantidade de informação recuperável e disponível tanto para os operadores do direito quanto para o cidadão comum é a missão do bibliotecário jurídico. Diante disso, é natural inferir que, para a realização dessa tarefa, o bibliotecário que atua na área do direito precise de uma formação sólida e específica voltada para o tratamento adequado das informações jurídicas, sendo imprescindível formação e capacitação para lidar com o conhecimento produzido nas ciências jurídicas.

Contudo, não existe no Brasil um pré-requisito educacional formal para o exercício da profissão de bibliotecário jurídico. Os bibliotecários formados pelas universidades brasileiras possuem formação generalista e, a princípio, podem atuar em qualquer área especializada do conhecimento. Se, porventura, sentirem a necessidade de uma formação adicional, muitas vezes precisarão buscar formação continuada por meio de cursos livres ou do estudo individual.

No entanto, apesar de não ser obrigatório, alguns cursos de graduação em biblioteconomia oferecem disciplinas voltadas ao ensino da informação e documentação jurídicas, levando aos futuros bibliotecários uma educação formal bastante rara no campo. Sendo assim, a presente pesquisa teve como objetivo geral avaliar se as disciplinas acerca da informação e documentação jurídicas ministradas aos estudantes estão aplicando temas e conteúdos recomendados pela literatura da área e, como objetivo específico, a construção de um conjunto de conhecimentos e temas essenciais para a formação desse profissional. Buscou-se, por fim, responder à seguinte questão-problema: os conteúdos aplicados por tais disciplinas estão em sintonia com os conhecimentos e atribuições demandados dos bibliotecários jurídicos de acordo com a literatura da área?

Procedimentos Metodológicos

O percurso metodológico se iniciou com uma revisão de literatura sobre a formação do bibliotecário jurídico a nível nacional e internacional. Com base nessa revisão, foi construído um conjunto de quatorze tópicos recomendados para a formação do bibliotecário atuante na área do Direito e que, portanto, deveriam estar presentes em disciplinas voltadas ao ensino da informação e documentação jurídicas. A construção desse conjunto de temas baseou-se especificamente nos grupos de atividades dos bibliotecários jurídicos propostos por Passos e Barros (2009)Passos, E.; Barros, L. V. Fontes de informação para pesquisa em Direito. Brasília: Briquet de Lemos, 2009., nas principais áreas de conhecimento especializado em direito para bibliotecários da área identificadas por Corrall e O’Brien (2011)Corrall, S.; O’brien, J. Developing the legal information professional: a study of competency, education and training needs. Aslib Proceedings: New Information Perspectives. v. 63, n. 2/3, p. 295-320, 2011. Doi: https://doi.org/10.1108/00012531111135718.
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e nas orientações para os programas de pós-graduação em biblioteconomia jurídica da American Association of Law Libraries (1988)American Association of Law Libraries. AALL guidelines for graduate programs in Law Librarianship. Chicado: AALL, 1988. Disponível em: https://www.aallnet.org/bok_profleadership/aall-guidelines-for-graduate-programs-in-law-librarianship/. Acesso em: 18 set. 2022.
https://www.aallnet.org/bok_profleadersh...
.

Após a construção desse repertório, seguiu-se a identificação dos cursos de graduação que possuem disciplinas relacionadas à informação, documentação ou biblioteconomia jurídicas. A identificação foi feita consultando-se as matrizes curriculares e os projetos político-pedagógicos dos cursos de biblioteconomia oferecidos por universidades federais brasileiras, disponíveis online. Identificadas as universidades e as disciplinas, foram analisadas as ementas de cada uma delas. A análise das disciplinas foi realizada confrontando-se os conteúdos apresentados nas ementas e o conjunto de quatorze conteúdos recomendados, criados a partir da literatura consultada, na tentativa de verificar em que medida as ementas contemplavam todos eles.

A formação do bibliotecário jurídico

Como mencionado, não existe exigência educacional formal para a atuação do bibliotecário jurídico no Brasil. O único pré-requisito de formação existente para o exercício da profissão é aquele direcionado a todos que desejam ser bibliotecários: a graduação no curso de biblioteconomia. Essa obrigatoriedade é garantida pela Lei Federal nº 4.084, de 30 de junho de 1962, que assegura que a profissão de bibliotecário é privativa dos bacharéis em biblioteconomia.

Consequentemente, a transformação do bibliotecário generalista em bibliotecário jurídico ocorre “[...] em função do emprego. Aqueles que passam a prestar serviços em bibliotecas jurídicas aprendem no trabalho diário as noções básicas do Direito e seu vocabulário próprio” (Passos, 2001Passos, E. Bibliotecário jurídico: seu perfil, seu papel. In: ENCONTRO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO JURÍDICA, 3., 2001, Rio de Janeiro. Anais [...] Rio de Janeiro: GIDJ/RJ, 2001. Disponível em: http://www.infolegis.com.br/wa_files/perfilbibjuridico.pdf. Acesso em: 18 set. 2022.
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, p. 3). O conhecimento adquirido na prática profissional soma-se àquele obtido através da educação continuada. É essencialmente através de cursos livres, leitura de livros e periódicos da área e da participação em congressos de biblioteconomia e direito que os profissionais da informação que atuam no campo jurídico obtêm a atualização profissional necessária para exercer suas funções, uma vez que a oferta oficial de cursos em instituições de ensino universitárias é muito rara.

A busca por uma educação formal no âmbito da pós-graduação stricto sensu encontra diversas dificuldades. De acordo com o Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Educação Superior do Ministério da Educação (Brasil, 2022Brasil. Ministério da Educação. Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Educação Superior do Ministério da Educação: cadastro e-MEC. Brasília: MEC, 2022. Disponível em: https://emec.mec.gov.br/. Acesso em: 18 set. 2022.
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), existem atualmente 27 programas de pós-graduação em Ciência da Informação e/ou biblioteconomia em funcionamento no país; contudo, em nenhum deles há linhas de investigação ou grupos de pesquisa que tenham foco na biblioteconomia Jurídica.

Também é extremamente reduzida a oferta de cursos de especialização lato sensu nesse campo de estudo (Barbosa, 2012Barbosa, B. H. Novo perfil profissional: o bibliotecário jurídico em foco. 2012. 125 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Biblioteconomia) — Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2012. Disponível em: https://repositorio.bc.ufg.br/bitstream/ri/4476/7/TCCG-BIBLIOTECONOMIA-BRUNA%20BARBOSA.pdf. Acesso em: 18 set. 2022.
https://repositorio.bc.ufg.br/bitstream/...
). A baixa oferta de educação formal termina gerando um cenário de bibliotecários jurídicos pós-graduados em outras áreas que não a jurídica. É o caso dos bibliotecários jurídicos de Belo Horizonte, em que 63,6% possuem curso de pós-graduação cujos temas se focam nas áreas de gestão estratégica da informação, arquitetura da informação e arquivos e sistemas de informação (Rosa, 2007Rosa, R. C. Caracterização do trabalho do bibliotecário no campo jurídico em Belo Horizonte. 2007. 155 f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) — Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007. Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/BUBD-A35GWB/1/disserta__o_regina_c_lia_rosa.pdf. Acesso em: 18 set. 2022.
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) ou, ainda, dos bibliotecários dos Tribunais de Justiça brasileiros, os quais 58% possuem especialização lato sensu em bibliotecas universitárias, automação de bibliotecas, gestão da informação em bibliotecas, português jurídico ou direito administrativo (Costa, 2010Costa, J. R. O perfil do bibliotecário que atua nas bibliotecas dos tribunais de justiça do Brasil. 2010. 94 f. Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação em Biblioteconomia) — Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2010. Disponível em: www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/27836/000766902.pdf?sequence=1. Acesso em: 18 set. 2022.
www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183...
).

Aos profissionais bibliotecários que sentem a necessidade de complementar o conhecimento na área do direito com algum tipo de educação formal, a graduação na área jurídica aparece como opção, porém há que se considerar o custo e o tempo demandados por essa alternativa. Um bibliotecário que pretende obter dupla formação (graduação em biblioteconomia e em direito) levará, no mínimo, nove anos na universidade. A literatura diverge sobre a necessidade da dupla formação. Passos (2017)Passos, E. Fragmentos de um retrato: o perfil do bibliotecário jurídico por meio de quatro pesquisas. Cadernos de Informação Jurídica, v. 4, n. 1, p. 116-145, 2017. Disponível em: https://www.cajur.com.br/index.php/cajur/article/view/130. Acesso em: 18 set. 2022.
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menciona que existe uma percepção do senso comum de que a dupla formação é fundamental para o exercício da profissão do bibliotecário jurídico.

No entanto, Geraldo e Vitorino (2017)Geraldo, G.; Vitorino, E. V. A competência em informação jurídica dos bibliotecários de Florianópolis-SC. Revista ACB, v. 22, n. 2, p. 238-256, 2017. Disponível em: https://revista.acbsc.org.br/racb/article/view/1314. Acesso em: 18 set. 2022.
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observam que a graduação em direito não é vista como pré-requisito fundamental, na opinião dos próprios profissionais. Em investigação sobre a competência em informação jurídica de bibliotecários, os autores constataram que 80% dos profissionais possuíam apenas a graduação em biblioteconomia:

Fica evidente, de acordo com esses profissionais, que não há necessidade de obter graduação em Direito para melhor desenvolver seu trabalho. Contudo, é preciso que o profissional se especialize e busque ampliar seus conhecimentos por meio de cursos, eventos e trocas de experiências com colegas da área

(Geraldo; Vitorino, 2017Geraldo, G.; Vitorino, E. V. A competência em informação jurídica dos bibliotecários de Florianópolis-SC. Revista ACB, v. 22, n. 2, p. 238-256, 2017. Disponível em: https://revista.acbsc.org.br/racb/article/view/1314. Acesso em: 18 set. 2022.
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, p. 253).

O panorama internacional da formação do bibliotecário jurídico também se mostra desafiador. Diferentemente do Brasil, em países como Estados Unidos e Canadá, a formação do bibliotecário se dá no âmbito da pós-graduação, através do mestrado (Master of Library and Information Science) ou da especialização em biblioteconomia e ciência da informação. No entanto, problemas como a falta de critérios educacionais para o exercício da profissão de bibliotecário jurídico também estão presentes. Caulfield (2014)Caulfield, E. Is this a profession? estabilishing educational criteria for law librarians. Law Library Journal, v. 103, n. 3, p. 287-328, 2014. Disponível em: https://www.aallnet.org/llj_article/is-this-a-profession-establishing-educational-criteria-for-law-librarians/. Acesso em: 18 set. 2022.
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alerta que a falta de uma padronização faz com que profissionais constantemente sejam impelidos a obter uma dupla formação, aliando a formação em Biblioteconomia (Master of Library and Information Science) com a formação em Direito (Juris Doctor degree), ainda que já possuam uma graduação prévia em outra área, o que pode ser altamente custoso, sobretudo no contexto norte-americano.

Apesar disso, menos de 20% dos postos de trabalho para bibliotecários jurídicos exige a dupla formação em direito e biblioteconomia, segundo a Associação Americana de Bibliotecas Jurídicas:

Cerca de um terço de todos os bibliotecários jurídicos também possui um diploma em direito (JD ou LLB) de uma faculdade de direito credenciada pela American Bar Association (ABA), mas menos de 20% das posições de bibliotecário jurídico que estão sendo preenchidas exige os dois graus. A maioria das posições exige um MLS ou equivalente. Algumas, principalmente bibliotecas de faculdades de direito, também declaram uma preferência, ou mesmo uma exigência, por um diploma em direito

(American Association of Law Libraries, 2020American Association of Law Libraries. Become a legal information professional. Chicago: AALL, 2020. Disponível em: https://www.aallnet.org/careers/about-the-profession/education/. Acesso em: 18 set. 2022.
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, online, tradução nossa).

Se a dupla formação é questão comum de discussão no cenário brasileiro e norte-americano, o papel central da educação continuada na formação de bibliotecários também se mostra um importante ponto de encontro. Shin (2014)Shin, J. The Role of Legal Education in Law Librarianship: a Canadian survey. Canadian Law Library Review, v. 39, n. 3, p. 19-26, 2014. Disponível em: https://www.callacbd.ca/Resources/Documents/CLLR/39/cllr_39_3_web.pdf. Acesso em: 18 set. 2022.
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, ao indagar bibliotecários jurídicos atuantes no Canadá sobre qual a melhor maneira de se obter conhecimento jurídico, obteve como resultado que 41,10% deles acham que é através de cursos de educação continuada.

A falta de uma presença forte e constante de cursos universitários que dispõem de disciplinas voltadas para a biblioteconomia jurídica pode ser um fator importante para a centralidade da educação continuada também no contexto norte-americano. Caulfield (2016)Caulfield, E. Here comes your new colleagues: are they ready? A survey of U.S. Library and Information Science Programs’ Education of aspiring law librarians. Law Library Journal, v. 108, n. 4, p. 535-577, 2016. Disponível em: https://www.aallnet.org/llj_article/here-come-your-new-colleagues-are-they-ready-a-survey-of-u-s-library-and-information-science-programs-education-of-aspiring-law-librarians/. Acesso em: 18 set. 2022.
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afirma que são poucas as instituições creditadas pela American Library Association (ALA) que oferecem disciplinas voltadas ao tema nos programas de pós-graduação em biblioteconomia e ciência da informação.

Os Conteúdos Necessários

O nível de conhecimento do direito, por parte do bibliotecário jurídico, é o ponto central do qual derivam as discussões acerca da oferta de cursos formais, da necessidade de dupla formação ou, ainda, de critérios educacionais mínimos para o exercício da profissão. Dessa forma, cabe analisar o que a literatura consagra como os conteúdos que devem fazer parte da formação desse profissional.

O exato conhecimento necessário para o bibliotecário jurídico é discutido desde, pelo menos, o início do século XX, quando Feazel (1909)Feazel, E. E. Status of the law librarian. Law Library Journal, v. 2, n. 2, p. 21-25, 1909. Disponível em: https://www.aallnet.org/llj_article/status-of-the-law-librarian/. Acesso em: 18 set. 2022.
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, no contexto dos Estados Unidos, já mencionava que esses profissionais deveriam possuir conhecimentos sobre três áreas: a Ciência do Direito, a Biblioteconomia e a Bibliografia Jurídica. Um dos primeiros programas a contemplar conteúdo específico voltado à biblioteconomia jurídica foi o da Escola de Biblioteconomia da Universidade de Columbia, que ofereceu no currículo de seu mestrado uma disciplina de 3 créditos em verões alternados (Caulfield, 2016Caulfield, E. Here comes your new colleagues: are they ready? A survey of U.S. Library and Information Science Programs’ Education of aspiring law librarians. Law Library Journal, v. 108, n. 4, p. 535-577, 2016. Disponível em: https://www.aallnet.org/llj_article/here-come-your-new-colleagues-are-they-ready-a-survey-of-u-s-library-and-information-science-programs-education-of-aspiring-law-librarians/. Acesso em: 18 set. 2022.
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).

Em 1988, a AALL publicou as suas orientações para os programas de pós-graduação em biblioteconomia jurídica (AALL, Guidelines For Graduate Programs In Law Librarianship). As orientações foram divididas entre gerais e específicas, sendo essas últimas aquelas que descrevem as competências relacionadas ao conhecimento jurídico que os bibliotecários devem possuir, conforme o Quadro 1:

Quadro 1
Competências específicas do bibliotecário jurídico.

É importante ressaltar que as orientações elaboradas pela AALL são utilizadas pela ALA no credenciamento de programas de pós-graduação em biblioteconomia nos Estados Unidos, e refletem, portanto, uma visão institucional daquilo que os profissionais devem possuir de conhecimentos jurídicos para exercer a profissão.

Partindo de outro ponto de vista, Corrall e O’Brien (2011)Corrall, S.; O’brien, J. Developing the legal information professional: a study of competency, education and training needs. Aslib Proceedings: New Information Perspectives. v. 63, n. 2/3, p. 295-320, 2011. Doi: https://doi.org/10.1108/00012531111135718.
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, em pesquisa realizada no Reino Unido, propuseram a 62 profissionais que dessem notas de 1 a 5 em 21 áreas de conhecimento jurídico diferentes que seriam necessárias ao bibliotecário jurídico, em que 1 seria uma área “não necessária”, e 5, “essencial”. Os 10 campos de conhecimento jurídico mais apontados como “essenciais” foram os indicados no Quadro 2:

Quadro 2
Áreas de conhecimento jurídico essenciais para o bibliotecário jurídico de acordo com profissionais britânicos.

É possível observar que os itens “Conhecimento do sistema legal” e “Literatura jurídica” das orientações da AALL estão bastante contemplados nos conhecimentos elencados pelos bibliotecários jurídicos britânicos, sobretudo naquilo que diz respeito aos conhecimentos sobre o sistema jurídico, legislação, jurisprudência e terminologia/vocabulário jurídico. No entanto, o foco em aspectos éticos da informação e em pontos como liberdade de expressão e direitos autorais, salientados nas orientações da AALL, está ausente no quadro de conhecimentos de Corral e O’Brien (2011)Corrall, S.; O’brien, J. Developing the legal information professional: a study of competency, education and training needs. Aslib Proceedings: New Information Perspectives. v. 63, n. 2/3, p. 295-320, 2011. Doi: https://doi.org/10.1108/00012531111135718.
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. Não obstante, a ausência de itens que contemplam conhecimentos sobre organizações profissionais de advogados também pode ser notada.

As diferenças nos destaques dados pelas orientações da AALL e pelos profissionais britânicos espelham, por um lado, a falta de consenso da comunidade bibliotecária sobre requisitos educacionais. Contudo, diferenças de orientações entre países são naturais, tendo em vista que sistemas jurídicos podem diferir dependendo de país e/ou região.

No contexto brasileiro, Passos e Barros (2009, p. 109)Passos, E.; Barros, L. V. Fontes de informação para pesquisa em Direito. Brasília: Briquet de Lemos, 2009., baseados em documentos da AALL e no trabalho de Loureiro (2005)Loureiro, R. C. C. A especialidade do bibliotecário jurídico: bases para uma interação com o usuário operador do Direito. Campo Grande: Infolegis, 2005. Disponível em: http://www.infolegis.com.br/wa_files/loureiro-especialidade.pdf. Acesso em: 18 set. 2022.
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, oferecem-nos um panorama de competências do bibliotecário jurídico no Brasil. Os autores identificaram as atribuições que podem ser exercidas pelos bibliotecários jurídicos, de onde se infere que os conteúdos necessários à formação desses profissionais são aqueles essenciais para a boa execução dessas atividades. O Quadro 3 mostra em detalhes essa relação:

Quadro 3
Atividades desenvolvidas pelo bibliotecário jurídico brasileiro.

O quadro brasileiro tem semelhanças e disparidades com os quadros americanos e ingleses até aqui apresentados. Podemos citar como semelhanças a convergência dos autores para a necessidade de forte competência em pesquisa jurídica, fontes de informação e publicações jurídicas/oficiais. Por outro lado, as singularidades do quadro brasileiro podem ser notadas na inclusão de atividades socioculturais, educativas e de promoção de acesso à informação para usuários que não são operadores do direito, reforçando uma preocupação com o papel social do bibliotecário jurídico.

Sendo assim, através da comparação dos quadros apresentados, podemos tecer um elenco de conhecimentos indispensáveis à formação do bibliotecário jurídico. As sobreposições e similaridades já expostas dos Quadros 1 e 2 sugerem como essenciais os conhecimentos sobre: (1) terminologia jurídica; (2) legislação; (3) jurisprudência; (4) sistema jurídico; (5) publicações oficiais; (6) citação de documentos jurídicos; (7) complexidades legais do acesso e uso da informação.

Por sua vez, o Quadro 3, com seus grupos de atividades de pesquisa, de produtor de informações, de avaliador, socioculturais, educativas, tecnológicas e éticas, sugere que são necessários, respectivamente, conhecimentos em: (8) pesquisa em fontes de informação jurídicas; (9) criação de recursos jurídicos personalizados voltados para o usuário; (10) avaliação de fontes de informação; (11) divulgação de material para os usuários; (12) treinamento de usuários; (13) uso e atualização de bases de dados jurídicas; (14) elaboração de serviços para acesso ao público não especializado à informação jurídica.

Portanto, na análise das ementas das disciplinas voltadas à informação jurídica, buscou-se encontrar os 14 itens aqui elencados, entendendo-os como essenciais à luz dos autores citados.

Resultados e Discussão

Os resultados foram apresentados em duas seções diferentes. A primeira está dedicada a mostrar os resultados referentes à coleta de dados nos sites das universidades, como o número, as características e o contexto em que estão inseridas as disciplinas encontradas. Já na segunda, são demonstradas as análises das ementas, em comparação com os quatorze conteúdos elencados como recomendados para a formação dos bibliotecários jurídicos.

A Formação Jurídica Na Universidade Pública Federal Brasileira

As universidades federais são as instituições que mais oferecem cursos de graduação na área de Biblioteconomia no país. O primeiro curso de biblioteconomia do Brasil, criado pela Biblioteca Nacional, hoje está inserido em uma delas: a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Além disso, são elas que oferecem o maior quantitativo de vagas para ingressantes em cursos presenciais nacionalmente. Em grande medida, são as universidades federais que garantem a formação dos bibliotecários brasileiros e asseguram a oferta desse profissional no mercado de trabalho. Por essa importância crucial para a área, é que foram escolhidas como foco empírico desta pesquisa.

De acordo com o Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Educação Superior do Ministério da Educação, existem hoje 28 cursos de graduação em biblioteconomia ativos nas universidades federais brasileiras. O levantamento de dados sobre disciplinas voltadas à informação jurídica nessas universidades foi feito com base nas matrizes curriculares disponíveis no sítio eletrônico de cada instituição, além da consulta à literatura da área.

Na análise das matrizes curriculares disponíveis online, foram encontradas cinco disciplinas voltadas para o ensino da informação jurídica em quatro Instituições de Ensino Superior diferentes: Universidade Federal do Rio Grande (FURG); Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); e Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). O curso de biblioteconomia da UNIRIO foi o único que exibiu duas disciplinas voltadas ao tema em sua matriz curricular.

Foi identificada ainda a presença de uma disciplina na Universidade Federal do Pará (UFPA), através da consulta ao projeto pedagógico do curso de biblioteconomia da instituição e à literatura da área. Dessa forma, foram contabilizadas, no total, seis disciplinas em cinco instituições de ensino superior diferentes. O Quadro 4 detalha as disciplinas, suas nomenclaturas e a carga horária de cada uma:

Quadro 4
Disciplinas voltadas à área jurídica dos cursos de biblioteconomia de universidades federais.

Nenhuma das disciplinas identificadas faz parte do currículo obrigatório dos cursos, aparecendo sempre como optativas nas matrizes curriculares consultadas. A carga horária das disciplinas varia significativamente, dependendo da instituição, porém a maioria delas lhes dedica mais do que 45 horas durante o semestre. A diferenciação de carga horária foi apresentada por sugerir maior ou menor grau de profundidade dado aos aspectos da informação jurídica em sala de aula.

Apesar de o número de instituições que oferecem cursos na área jurídica ser pequeno, ele revela um aumento na oferta de disciplinas especializadas em aspectos da biblioteconomia jurídica. Levantamento feito por Barros (2017)Barros, L. V. Reflexões sobre o ensino da Documentação Jurídica no Brasil: a experiência da disciplina no currículo do Curso de Biblioteconomia da UFPa. Cadernos de Informação Jurídica, v. 4, n. 2, p. 214-231, 2017. Disponível em: https://www.cajur.com.br/index.php/cajur/article/view/152. Acesso em: 18 set. 2022.
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menciona que só havia três disciplinas voltadas ao tema no Brasil, oferecidas pelos cursos de biblioteconomia da UFPA e da UFRGS, além do curso de Gestão da Informação da UFPR. No entanto, esse tipo de disciplina não é mais mencionado na matriz curricular do curso da UFPR.

A excepcionalidade desses cursos de graduação em oferecer disciplinas relacionadas à informação jurídica pode ser explicada pelo caráter mais especializado de seus currículos, uma vez que é notória a preocupação em inserir disciplinas em que a informação é estudada dentro do contexto de uma área do conhecimento específica, como Direito, Saúde, Artes etc. Disciplinas sobre informação na área da saúde, por exemplo, podem ser encontradas nos cursos da FURG, da UFPE e da UNIRIO, assim como disciplinas sobre informação e meio ambiente podem ser encontradas na UFPE e na FURG. Informação em Ciências Sociais e em Ciência e Tecnologia também possuem disciplinas específicas nos cursos da UNIRIO e da UFRGS.

Já a presença da disciplina Documentação Jurídica no currículo da UFPA é exposta por Barros (2017)Barros, L. V. Reflexões sobre o ensino da Documentação Jurídica no Brasil: a experiência da disciplina no currículo do Curso de Biblioteconomia da UFPa. Cadernos de Informação Jurídica, v. 4, n. 2, p. 214-231, 2017. Disponível em: https://www.cajur.com.br/index.php/cajur/article/view/152. Acesso em: 18 set. 2022.
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como possuindo raízes históricas nos cursos ministrados no Pará, durante a década de 70, por Cecília Atienza, autora paradigmática da área no país, bem como nos apontamentos feitos por Teresa Ione, professora do curso de biblioteconomia sobre referência legislativa na disciplina que ministrava à época:

Os ensinamentos da professora Atienza sobre documentação jurídica influenciaram gerações. Durante toda a década de 1980, a professora Teresa Ione ministrou a disciplina Tratamento de Multimeios (antiga Tratamento de Materiais Especiais), incluindo no conteúdo um tópico sobre referência legislativa [...] Pode-se dizer, que o ensino de referência legislativa ministrada em Multimeios, com especial enfoque no seu tratamento técnico, pode ser considerado o embrião precursor da disciplina documentação jurídica ministrada hoje no Curso de Biblioteconomia da UFPA

(Barros, 2017Barros, L. V. Reflexões sobre o ensino da Documentação Jurídica no Brasil: a experiência da disciplina no currículo do Curso de Biblioteconomia da UFPa. Cadernos de Informação Jurídica, v. 4, n. 2, p. 214-231, 2017. Disponível em: https://www.cajur.com.br/index.php/cajur/article/view/152. Acesso em: 18 set. 2022.
https://www.cajur.com.br/index.php/cajur...
, p. 223).

A existência de disciplinas sobre informação jurídica nos cursos de biblioteconomia das universidades federais brasileiras não parece, portanto, um fato que se concretizou por acaso, mas antes um reflexo de diversos fatores, como a preocupação curricular em dar destaque à informação especializada e ao legado do desenvolvimento de estudos e cursos sobre documentação jurídica iniciados décadas atrás.

Análise das ementas das disciplinas voltadas para a formação jurídica

A análise das ementas das disciplinas sobre informação jurídica oferecidas pelos cursos de biblioteconomia das universidades federais brasileiras foi realizada levando-se em consideração os 14 conhecimentos essenciais ao bibliotecário jurídico já definidos, baseados nos quadros da American Association of Law Libraries (1988American Association of Law Libraries. AALL guidelines for graduate programs in Law Librarianship. Chicado: AALL, 1988. Disponível em: https://www.aallnet.org/bok_profleadership/aall-guidelines-for-graduate-programs-in-law-librarianship/. Acesso em: 18 set. 2022.
https://www.aallnet.org/bok_profleadersh...
), de Passos e Barros (2009)Passos, E.; Barros, L. V. Fontes de informação para pesquisa em Direito. Brasília: Briquet de Lemos, 2009. e de Corrall e O’Brien (2011)Corrall, S.; O’brien, J. Developing the legal information professional: a study of competency, education and training needs. Aslib Proceedings: New Information Perspectives. v. 63, n. 2/3, p. 295-320, 2011. Doi: https://doi.org/10.1108/00012531111135718.
https://doi.org/10.1108/0001253111113571...
. No Quadro 5, podemos verificar a íntegra de todas as ementas:

Quadro 5
Ementas das disciplinas sobre informação jurídica dos cursos de biblioteconomia das universidades federais brasileiras.

A disciplina Fontes de Informação Jurídica, da UNIRIO, possui uma ementa composta por conteúdos exclusivamente voltados ao domínio e à utilização de fontes de informação especializadas em direito. Com isso, consegue abranger os itens 8 (pesquisa em fontes de informação jurídicas) e 10 (avaliação de fontes de informação jurídicas) do elenco de conhecimentos necessários ao bibliotecário jurídico.

Já a disciplina Referência Legislativa, também da UNIRIO, exibe em sua ementa tópicos voltados ao ensino da legislação (seus tipos e hierarquia), do processo legislativo e da jurisprudência, assim como menciona tópicos acerca de publicações oficiais (diário oficial) e de citações e referências. Contempla, portanto, os itens 2 (legislação), 3 (jurisprudência), 5 (publicações oficiais) e 6 (citação de documentos jurídicos).

A disciplina oferecida pelo curso da UFRGS, Gestão de Sistemas de Informação Jurídica, cita, em sua ementa, conhecimentos sobre legislação e o processo legislativo, assim como a jurisprudência e repositórios oficiais onde ela pode ser encontrada. Ainda, cita a disseminação da informação jurídica, contemplando assim os itens 2 (legislação), 3 (jurisprudência), 13 (uso e atualização de bases de dados jurídicas) e 11 (divulgação de material para os usuários). É interessante notar que essa ementa cita conhecimentos sobre o acompanhamento de processos judiciais, algo que não foi explorado pelos autores, mas que pode ser bastante útil para bibliotecários que atuam, por exemplo, no Poder Judiciário.

Por sua vez, a disciplina Informação e Documentação Jurídica, oferecida pelo curso da FURG, cita o conhecimento das tipologias dos documentos jurídicos e as fontes de informação jurídicas. Abrange, em seu conteúdo, portanto, os itens 5 (publicações oficiais), 8 (pesquisa em fontes de informação jurídicas) e 10 (avaliação de fontes de informação). A ementa também cita tópicos que não foram elencados pelos autores, como a representação documentária da informação jurídica (classificação e indexação), as particularidades do desenvolvimento de coleções na área e o perfil do bibliotecário jurídico. Apesar de não trabalhados, esses temas poderiam agregar conhecimentos importantes ao bibliotecário jurídico, tendo em vista que a área do direito carrega peculiaridades que influenciam, dentre outras coisas, a escolha de um sistema de classificação ou, ainda, os critérios e métodos de seleção e aquisição de acervos.

A ementa da disciplina oferecida pelo curso de biblioteconomia da UFPE registra conteúdo sobre disseminação da informação jurídica, domínio das fontes de informação, legislação, jurisprudência e doutrina. Além disso, também há a presença de tópico sobre bases de dados jurídicas. Quanto aos conhecimentos essenciais ao bibliotecário jurídico, essa ementa contempla os itens 2 (legislação), 3 (jurisprudência), 8 (pesquisa em fontes de informação jurídicas), 10 (avaliação de fontes de informação jurídicas), 11 (divulgação de material para usuários) e 13 (uso e atualização de bases de dados jurídicas).

Finalmente, a ementa da disciplina da UFPA preocupa-se em mostrar conteúdos voltados à legislação e ao processo legislativo, assim como também cita a tipologia de documentos jurídicos e conhecimentos sobre sistemas automatizados de informação legislativa. Essa descrição sugere que a disciplina contempla os itens 2 (legislação), 5 (publicações oficiais) e 13 (uso e atualização de bases de dados jurídicas). Mais uma vez, foram mencionados tópicos que fogem aos 14 conhecimentos elencados como essenciais ao bibliotecário jurídico, como a representação temática e a representação descritiva de documentos jurídicos. A presença de tópico sobre representação temática da informação jurídica, que já havia aparecido na ementa da FURG, parece indicar que o tema é caro às universidades brasileiras e poderia agregar conteúdo ao grupo de conhecimentos elencados com base nos quadros da American Association of Law Libraries (1988), de Passos e Barros (2009)Passos, E.; Barros, L. V. Fontes de informação para pesquisa em Direito. Brasília: Briquet de Lemos, 2009. e de Corrall e O’Brien (2011)Corrall, S.; O’brien, J. Developing the legal information professional: a study of competency, education and training needs. Aslib Proceedings: New Information Perspectives. v. 63, n. 2/3, p. 295-320, 2011. Doi: https://doi.org/10.1108/00012531111135718.
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A análise das ementas terminou por revelar que nenhuma das disciplinas identificadas emprega os 14 conteúdos tidos como essenciais ao bibliotecário jurídico. A disciplina oferecida pela UFPE foi a que mais contemplou os conteúdos elencados, citando tópicos relativos à legislação, pesquisa em fontes de informação jurídicas, avaliação de fontes de informação jurídicas, divulgação de material para usuários e ao uso e atualização de bases de dados jurídicas.

Foi possível verificar também que há uma maior predominância de conteúdos voltados a desenvolver competências técnicas no profissional, como o ensino da legislação e do processo legislativo, da jurisprudência, da análise de documentos e publicações jurídicas e oficiais, do uso e avaliação de fontes de informação e de bases de dados jurídicas. A ênfase nesse tipo de conteúdo não deixa de ser benéfica, uma vez que essas competências são muito demandadas no dia a dia do bibliotecário jurídico.

Por outro lado, a ausência de conteúdos que promovem o treinamento de usuários e o acesso do público não especializado à informação jurídica se mostrou preocupante. A falta desse tipo de conteúdo pode esmaecer o papel social do bibliotecário jurídico em prover informação ao cidadão, sobretudo aqueles bibliotecários que atuam em instituições governamentais. Não obstante, isso também afeta diretamente o papel do bibliotecário jurídico no desenvolvimento da competência em informação dos usuários da informação jurídica.

Conteúdos que envolvem uma compreensão geral do sistema jurídico, complexidades legais do acesso e uso da informação (direitos autorais, liberdade de informação, privacidade etc.) e a criação de recursos personalizados voltados para o usuário também se fizeram ausentes das ementas. Esse tipo de conteúdo poderia contribuir sobremaneira para uma melhor compreensão do campo jurídico por parte do bibliotecário, para o reconhecimento dos limites éticos da profissão e para o fornecimento de melhores serviços para os seus usuários. Finalmente, cabe salientar que é necessário lançar um olhar atento aos conteúdos citados pelas ementas que não estavam presentes no conjunto de 14 conhecimentos trabalhados. Tópicos como a representação temática (citada por mais de uma ementa) e descritiva da informação jurídica, particularidades do desenvolvimento de coleções da área e o perfil do bibliotecário jurídico devem ser considerados como possíveis candidatos a fazer parte do conjunto de conhecimentos essenciais, haja vista que têm sido aplicados nas escolas de biblioteconomia do país.

Conclusões

A formação do bibliotecário jurídico vem sendo debatida há muito tempo na literatura nacional e internacional. Antes de se procurar por um consenso fechado e utópico sobre conteúdos formadores, uma abordagem flexível, que permita a troca de experiências entre diferentes localidades, parece ser mais proveitosa na busca por uma formação mais sólida desse profissional. Nesse sentido, buscou-se cotejar as experiências de três países distintos (Brasil, Estados Unidos e Inglaterra), no esforço de compreensão daquilo que seria uma adequada formação para o bibliotecário jurídico.

No esteio dessa discussão, esta pesquisa buscou analisar em que medida as disciplinas relacionadas à informação jurídica oferecidas pelos cursos de biblioteconomia das universidades federais brasileiras estão em consonância com os conhecimentos necessários para o exercício da profissão à luz da literatura da área. Para tanto, foi elaborado um conjunto de 14 conhecimentos necessários ao bibliotecário jurídico baseados nos trabalhos da American Association of Law Libraries (1988), de Passos e Barros (2009)Passos, E.; Barros, L. V. Fontes de informação para pesquisa em Direito. Brasília: Briquet de Lemos, 2009. e de Corrall e O’Brien (2011).

Os resultados mostraram que as disciplinas tendem a valorizar com mais ênfase conhecimentos voltados a uma formação mais técnica, com foco no uso de fontes de informação e bases de dados, identificação de documentos oficiais, legislação e jurisprudência. Por outro lado, conteúdos relacionados a atividades éticas e socioculturais, como a promoção do acesso à informação jurídica por parte da população em geral e o fomento da competência em informação do usuário da informação jurídica, estão sendo negligenciados. Não obstante, foram identificados conteúdos nas ementas que não estavam presentes no conjunto de conhecimentos necessários ao bibliotecário jurídico, e, dessa forma, eles foram considerados como possíveis candidatos a integrar o grupo de conhecimentos entendidos como fundamentais.

Sugere-se que novas investigações possam contribuir para um exaustivo mapeamento das atividades e das competências necessárias ao bibliotecário jurídico, sobretudo no contexto brasileiro. Pesquisas sobre o papel social do bibliotecário jurídico também podem ser de grande valia para o fortalecimento desse aspecto na formação do profissional. Nesse sentido, a criação de uma associação nacional de bibliotecas jurídicas que possa definir conteúdos e competências do bibliotecário poderia ser um objetivo a ser perseguido pelos profissionais da área. De forma alternativa, a reativação da Comissão Brasileira de Documentação Jurídica (CBDJ) junto à Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários, Cientistas da Informação e Instituições (FEBAB), já discutida desde o 4º Seminário Nacional de Documentação e Informação Jurídicas, ocorrido em 2013, poderia cumprir tarefa semelhante.

  • Como citar este artigo/How to cite this article: Corrêa, J.G.M. A formação do bibliotecário jurídico no Brasil: uma análise das disciplinas sobre informação jurídica das universidades federais brasileiras. Transinformação, v. 35, e227170, 2023. https://doi.org/10.1590/2318-0889202335e227170

Referências

Editor

César Antônio Pereira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    01 Dez 2022
  • Aceito
    05 Jun 2023
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