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USP em questão: competência, avaliação e reforma estatutária

USP em questão: competência, avaliação e reforma estatutária

Gerhard Malnic

Professor-titular de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Ciências Biomédicas e vice-diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP

O recente Simpósio organizado pelo Instituto de Estudos Avançados, USP: conceito de Universidade: novos conteúdos, novas formas, abordou os mais importantes aspectos da atuação da Universidade; sua relação com a Nação como mola propulsora do desenvolvimento material, político e cultural; as condições para que ela possa produzir; e o papel de seu Estatuto neste processo. Quanto a esta última questão, a importância ou a necessidade de realizar uma revisão ou reforma dos estatutos da Universidade são freqüentemente vistas com bastante ceticismo. Este ponto de vista é uma reação à idéia profundamente arraigada em setores de nossa intelectualidade, que todos os problemas podem ser resolvidos por uma legislação adequada: quando existe alguma dificuldade, elabora-se lei para regulamentá-la e está tudo resolvido. Por causa desta mentalidade o Brasil já foi chamado de país dos bacharéis; a maneira pela qual está sendo abordada a elaboração de nossa nova Constituição é bem um exemplo deste ponto de vista.

O Simpósio procurou avaliar o valor de mudanças estatutárias para a Universidade, debatendo o papel desta na sociedade e, em uma segunda etapa, analisando quais as necessidades mais prementes da Universidade para poder exercer este papel. Cientistas da área experimental, mais precisamente da área Biomédica, defenderam o ponto de vista que o essencial para o estabelecimento de uma instituição universitária de bom nível são cérebros, e que todo o mais é conseqüência da existência de docentes e pesquisadores competentes. Estes têm condições de obter o apoio material necessário junto aos órgãos de fomento do País, como CNPq, FINEP e FAPESP, que não têm deixado faltar recursos, embora não muito generosos, aos que os merecem. O vice-reitor da Universidade, prof. Roberto Lobo, no entanto, mostrou que a USP sofre nítida falta de recursos, o que se percebe comparando o orçamento da USP, de 300 milhões de dólares anuais com o de Harvard, instituição de tamanho equivalente, com uma dotação de 4 bilhões de dólares anuais. Apesar disto, atingiu-se um consenso de que o elemento humano é, na Universidade brasileira em geral, o limitante mais crítico. Em conseqüência, a maior preocupação dos responsáveis por uma Universidade deve ser o nível, a competência de seus docentes. Como chegar a docentes competentes? Vários dos participantes mostraram o caminho: atrair bons valores, dando-lhes condições de trabalho e de vida satisfatórias; tendo critérios adequados para sua seleção e para sua promoção; julgando seus méritos de forma justa e de modo a estimular sua produtividade; e mesmo eliminando da instituição os que demonstraram não ter condições para a ela servirem de forma satisfatória. É aí que entra o Estatuto da Universidade: os critérios de seleção, promoção e avaliação de docentes lá são determinados.

A questão da avaliação de docentes tomou boa parte do debate das duas últimas sessões do Simpósio. Trata-se de assunto que tem causado reações às vezes mesmo violentas e emotivas. No entanto, na mente de todos os presentes estava claro que alguma forma de avaliação dos docentes, bem como das atividades da Universidade, é essencial para se garantir um nível adequado de competência e de produtividade. Este consenso vai desde os representantes discentes e do presidente da ADUSP até ao vice-reitor, presentes ao debate. A controvérsia se inicia quando se tenta estabelecer os mecanismos desta avaliação.

Na realidade, avaliação já existe em muitas formas na Universidade atual. O docente universitário é submetido a inúmeras avaliações durante sua formação, incluindo mestrado e doutorado, e depois, livre-docência, concursos para adjunto, titular, avaliações para recontratações, de afastamentos e estágios etc. Por que então o alarde a respeito de avaliação? Sem dúvida porque as formas de avaliação atualmente utilizadas têm se mostrado insatisfatórias, aparentemente não conseguindo garantir a manutenção de um elenco de pessoal do nível desejado na USP. Ás razões para isto são múltiplas. De um lado, muitos procedimentos de avaliação são anacrônicos, inadequados para os tempos modernos, resquícios muitas vezes dos tempos medievais, como as famosas defesas de tese. A elaboração formal destas teses representa, pelo menos na área das Ciências Exatas e Naturais, pouca utilidade nestes tempos de comunicação científica da forma mais concisa possível, isto é, através de relatos sintéticos em revistas científicas. Esta crítica também serve para muitos concursos, como os de livre-docência, que, além de exigirem uma terceira defesa de tese, ainda incluem provas que privilegiam a erudição estéril dos que a elas se submetem, ao invés de se preocupar com produtividade e criatividade. Outro defeito fundamental de muitas das avaliações existentes é que, em geral, são feitas pelas próprias corporações às quais o avaliado pertence, como departamentos, conselhos e congregações. Há, freqüentemente, a preocupação de não ferir colegas de trabalho, isto é, de não deixar de demonstrar coleguismo, perdendo-se, desta forma, a capacidade de realizar um julgamento isento.

Por outro lado, foi ressaltado no Simpósio que há, mesmo entre nós, sistemas de avaliação que têm funcionado de forma mais adequada. Trata-se de avaliação pelos pares (o sistema de peer review, que é muito usado em todo o mundo), isto é, por especialistas da mesma área de pesquisa ou trabalho, mas que não pertencem à mesma instituição do avaliado. Esta é uma forma já consagrada internacionalmente, e utilizada para a seleção de trabalhos para publicação em revistas especializadas, ou para atribuição de auxílios por parte de agências de fomento à pesquisa científica. Tal mecanismo já está bem institucionalizado em entidades como FAPESP, CNPq e FINEP, bem como em algumas de nossas melhores revistas. Este sistema elimina, salvo acidentes, o corporativismo e diferenças pessoais nestes tipos de julgamento, permitindo, além disso, a multiplicidade de avaliações por especialistas de renome, independentes, em caso de dúvida.

A conclusão desta análise é clara. É necessário modernizar os sistemas de avaliação atualmente existentes na Universidade, expurgando os mecanismos atuais de seu ranço cartorial e de seu corporativismo. E não faltam modelos, ainda não utilizados na Universidade, mas cuja aplicação, sem dúvida, seria altamente benéfica.

Por que então o alarde a respeito de avaliação? Sem dúvida porque as formas de avaliação atualmente utilizadas têm se mostrado insatisfatórias, aparentemente não conseguindo garantir a manutenção de um elenco de pessoal do nível desejado na USP.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Mar 2006
  • Data do Fascículo
    Mar 1988
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