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A noção de estrutura em matemática e física

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A noção de estrutura em matemática e física

Jair Minoro Abe

Introdução

No presente artigo, de caráter expositivo, tratamos do conceito de estrutura e do seu significado para a Matemática e a Física. Como nossa exposição não utilizará a linguagem técnica da matemática, ela será necessariamente pouco rigorosa. Todavia, acreditamos que vale a pena chamar a atenção de matemáticos, físicos e filósofos para a relevância do conceito de estrutura, sem o conhecimento do qual dificilmente se entenderá, de forma sistemática e coerente, os fundamentos da Matemática e da Física.

Não obstante as limitações do presente artigo, as indicações bibliográficas que fazemos são suficientes para que o leitor interessado obtenha informações detalhadas e rigorosas sobre o tema.

O Conceito de Estrutura em Matemática

É sabido que toda a matemática tradicional se fundamenta na Teoria dos Conjuntos. Podemos dizer, na verdade, que todas as idéias matemáticas são de~ finíveis em termos da noção de conjunto e que as linguagens de todas as teorias matemáticas são particularizações da linguagem da Teoria dos Conjuntos.

A Teoria dos Conjuntos baseia-se na Lógica Clássica, para sermos mais precisos, no que se chama Cálculo de Predicados Clássicos de Primeira Ordem (com ou sem igualdade). Quando se fala de Teoria dos Conjuntos, é preciso que se tome cuidado; de fato, desde as investigações de matemáticos como K. Gödel (1906-1978) e P. J. Cohen (1934- ), constatou-se que há várias Teorias de Conjuntos-não equivalentes entre si. Em algumas delas, são válidos certos princípios, como o Axioma da Escolha, que não valem em outras.

Aqui, na verdade, quando falarmos de Teoria dos Conjuntos, estaremos nos referindo implicitamente ao sistema conhecido como Zermelo-Fraenkel ou, simplesmente, ZF, que se fundamenta em axiomas específicos e bem conhecidos, sobre os quais não entraremos em detalhes aqui.

A Matemática Pura atual pode ser definida como o estudo das estruturas conjuntistas. Isto ficou patente, principalmente após os trabalhos de N. Bourbaki (1957 e 1968). Após a obra desse polifacético matemático francês, a Matemática se converteu na investigação de estruturas bem definidas, as quais Bourbaki tratou minuciosamente nos seus Elements de Mathématique, que hoje já possui mais de 30 volumes. .

Se, agora, é lugar-comum o fato de a Matemática ter se convertido no estudo de certas estruturas, não foi simples o caminho percorrido para se chegar a tal conclusão. Com efeito, Bourbaki escreve: "É, portanto, tentador asseverar que a moderna noção de 'estrutura' existia substancialmente por volta de 1900, mas de fato outros trinta anos de preparação se evidenciaram necessários, antes de sua completa aparição. Certamente, não é difícil reconhecer estruturas da mesma espécie quando elas são de natureza suficientemente simples; com as estruturas de grupo, por exemplo, isto se alcançou em meados do século XIX. Porém, no mesmo período, Hankel estava ainda lutando, sem sucesso total, para extrair as idéias gerais de corpo e de extensão de corpo, que ele manejou para expressá-las apenas na forma semimetafísica de um princípio de permanência..., e que foram definitivamente formuladas por Steinitz quarenta anos depois. Mostrou-se especialmente difícil se escapar do sentimento de que os objetos matemáticos são 'dados' junto com suas estruturas, e tardou diversos anos de análise funcional para fazer com que os matemáticos se familiarizassem com a idéia de que, por exemplo, existem Várias topologias 'naturais' no conjunto dos números racionais e várias medidas na reta real. Com esta dissociação, a passagem à definição geral de estrutura... se efetuou finalmente" (Bourbaki, 1968, p. 317-18).

Antes de tentarmos definir o conceito de estrutura matemática1 1 Sobre as estruturas aqui consideradas e outras, cf. Arnold (1978); Grätzer (1978); Greub (1975); Halmos (1948); Jacobson (1964); Kelley (1955) e Rotman (1965). , daremos alguns exemplos:

a) Semigrupo: é uma estrutura formada por um conjunto S sobre o qual está definida uma operação binária o associativa, ou seja, oz, para quaisquer x,y,z e S.

b) Grupo: é um semigrupo que satisfaz as seguintes condições suplementares:

1) existe em G um elemento 1, denominado identidade de G, tal que, qualquer que seja o elemento x de G,

2) para qualquer y pertencente a G, existe um elemento que representaremos por y-1, dito inverso de y, tal que:

Se, além disso, for válida a lei comutativa, isto é, se xoy = yox, quaisquer que sejam x,y e G, o grupo diz-se comutativo ou abeliano.

c) Anel: é uma estrutura constituída por um conjunto A, e duas operações binárias, representadas pelos sinais (+) e , satisfazendo os seguintes postulados:

1) O conjunto A com a operação (+) constitui um grupo comutativo, denominado grupo aditivo do anel;

2) A com a operação é um semigrupo, dito semigrupo multiplicativo do anel;

3) A operação é distributiva à direita e à esquerda relativamente à operação (+), isto é,

Denomina-se zero de um anel o elemento identidade de seu grupo aditivo, isto é, o elemento 0 tal que:

Se o conjunto A excluido o zero for ainda um semigrupo relativamente à operação , o anel é denominado domínio (ou anel) de integridade. Isto implica que se x e y são distintos do zero, é, também, distinto de zero. Exprime-se este fato dizendo que os domínios de integridade não possuem divisores de zero, isto é, não existem elementos x,y distintos de 0, tais que = 0.

Um domínio de integridade K tal que o sistema constituído por K, excluído o zero, e a operação (o) é um grupo abeliano, diz-se corpo.

d) Espaços topológicos: são sistemas constituídos por um conjunto S e uma família de subconjuntos de S, ditos abertos, satisfazendo as seguintes condições:

1) O subconjunto vazio e o próprio S são abertos;

2) A união de uma família qualquer de abertos é aberta;

3) A intersecção de uma família finita de abertos é aberta.

e) Estruturas de ordem (ou sistema parcialmente ordenado): são sistemas formados por um conjunto R sobre o qual está definida uma relação binária £ (que se lê: precede ou menor ou igual) que goza dos seguintes postulados:

1) Reflexiva: se x pertence a R, x £ x;

2) Anti-simétrica: se x,y e R, com x £ y e y £ x, então x=y;

3) Transitiva: se x,y,z e R, com x £ y e y £ z, então x £ z.

Se o sistema parcialmente ordenado é tal que x £ y ou y £ x, para quaisquer x,y e R, então diz-se um sistema totalmente ordenado.

Outro exemplo, muito importante, são os reticulados, para cuja conceituação utilizam-se as noções de ínfimo e supremo. Diz que o elemento a e R é o ínfimo de um subconjunto A de R, se:

1) a £ x, para qualquer x e A;

2) Se y £ x, para todo y e A, então y £ a.

A definição de supremo, inteiramente análoga à de ínfimo, não apresenta dificuldades. Isto posto, os reticulados podem ser definidos como estruturas compostas por um conjunto R e uma relação de ordem parcial em R, tal que cada par de elementos de R possui um ínfimo e um supremo.

f) Variedade diferenciável: uma variedade diferenciável de dimensão n é constituído de um conjunto M e uma família de aplicações injetivas de abertos em M tais que:

1)

2) Para todo par (a , b) com , os conjuntos são abertos em IRn e as aplicações aí definidas são diferenciáveis.

O par denomina-se uma parametrização de M e a família chama-se uma estrutura diferenciável em M.

g) Espaço fibrado tangente a uma variedade diferenciável: seja TM o conjunto de todos os vetores tangentes a M, onde M é uma variedade diferenciável de dimensão n, isto é,

onde TpM indica o espaço vetorial tangente a M no ponto p.

Pode-se mostrar que TM é uma variedade diferenciável de dimensão 2n e é denominada espaço fibrado tangente a M.

Vê-se, por conseguinte, que, grosso modo, uma estrutura matemática se origina quando se definem certas funções, relações ou coleções de conjuntos, a partir de certos conjuntos básicos dados.

Assim, no conceito de grupo, tem-se uma operação definida sobre um conjunto dado. A estrutura de espaço vetorial real se obtém definindo-se certas operações, tendo como ponto de partida dois conjuntos: o dos vetores e o do corpo dos reais. No caso das Variedades diferenciáveis, torna-se patente que se começa com um conjunto básico e a partir daí se define a estrutura.

Todos os capítulos da Matemática Pura se caracterizam pelos tipos de estruturas que ela estuda.

Na Álgebra, nos ocupamos das chamadas estruturas algébricas que, numa primeira aproximação, se reduzem a conjuntos sobre os quais definem-se certas operações determinadas por propriedades convenientes (no caso de grupo, a operação precisa ser associativa, ter elemento neutro e cada objeto do grupo tem que admitir inverso).

A Topologia trata dos espaços topológicos e de algumas outras estruturas aparentadas. Tais estruturas permitem conceituar com rigor as noções intuitivas de continuidade, vizinhança e limite.

Na Teoria das Estruturas de Ordem, ocorrem estruturas nas quais a relação básica é uma relação de ordem, tais como conjuntos totalmente ordenados, reticulados, álgebras de Boole, etc.

Segundo Bourbaki, a Matemática atual se reduz ao estudo das estruturas que se originam das algébricas, das de ordem e das topológicas, quando essas estruturas são combinadas entre si. Facilmente, verifica-se que as várias estruturas acima mencionadas são combinações desses tipos de estrutura. Por exemplo, todas as propriedades comuns dos números reais decorrem do fato deles constituírem um corpo comutativo (conceito algébrico), ordenado (conceito de ordem) e completo (conceito topológico).

Os vários tipos ou famílias de estruturas de mesma natureza chamam-se uma espécie de estrutura.

Em síntese, a Matemática é a ciência das espécies de estruturas.

A Teoria Geral das Estruturas foi muito desenvolvida a partir das obras de Bourbaki, de Alfred Tarski (1902-1983) e seus discípulos. Existe uma parte da Lógica que se intitula Teoria dos Modelos e cujo objetivo é o estudo de certas estruturas denominadas estruturas de primeira ordem. Como a Teoria dos Modelos é uma das mais importantes partes da Lógica, não apenas do ponto de vista lógico-matemático puro, como, também, pelas aplicações na própria Matemática, na Física e nas Ciências Humanas, constata-se o grande significado da Teoria Geral das Estruturas Matemáticas.

Bourbaki tratou das estruturas matemáticas de um ponto de vista sintático, encarando-as como construções lingüísticas. DA COSTA e CHUAQUI (1988, p. 95-112), combinando as idéias de Bourbaki com os princípios fundamentais da Teoria dos Modelos, estão desenvolvendo uma teoria geral das estruturas que engloba aspectos sintáticos e semânticos (semântica lógica é sinônima de Teoria dos Modelos), o que estende e amplia a obra de Bourbaki.

Para o filósofo e o especialista em Fundamentos da Matemática, é imprescindível que ele tenha consciência do fato de que a Matemática se reduz à Teoria das Estruturas Conjuntistas. Com efeito, só se pode fazer hoje em dia uma idéia razoável dessa ciência tendo-se em mente tal fato.

A concepção estrutural da Matemática uniformiza e unifica toda essa ciência, particularmente quando não se perde de vista a dimensão semântica do conceito de estrutura.

Quase todos os grandes teoremas lógicos podem ser reformulados como consistindo em resultados da Teoria das Estruturas. Por exemplo, o célebre primeiro teorema de incompletude de Gödel nos mostra que certos tipos de estruturas, como a aritmética dos números naturais, não são suscetíveis de serem caracterizados de modo completo por determinados sistemas de axiomas.

O Conceito de Estrutura e as Várias Teorias de Conjuntos

Dissemos anteriormente que existem várias Teorias de Conjuntos, todas baseadas na Lógica Clássica mas que não são equivalentes entre si. Dentre essas teorias, existem alguns que seguindo Cohen batizamos de Não-Cantorianas: elas são teorias (ou modelos) que divergem da teoria usual por nelas não serem válidos certos princípios como o Axioma da Escolha, a Hipótese do Contínuo ou a Hipótese de Suslin.

A designação de Não-Cantoriana se justifica por analogia com as Geometrias Não-Euclidianas. Georg Cantor (1845-1918) criou a Teoria dos Conjuntos por volta de 1872. Posteriormente, a teoria de Cantor foi axiomatizada, isto é, codificada de uma maneira rigorosa, especialmente por Ernst Zermelo (1871-1956) e Abraham Fraenkel (1891-1965) que edificaram a chamada Teoria ZF, de Zermelo-Fraenkel (para a construção dessa teoria, as investigações de Tohralf Skolem (1887-1963) foram imprescindíveis e, talvez, fosse mais justo chamá-la de Teoria de Zermelo-Fraenkel-Skolem).

Então, após os trabalhos de Cohen, foram edificadas várias teorias alternativas da clássica, exatamente como as Geometrias Não-Euclidianas foram edificadas como geometrias alternativas da Geometria Euclidiana Clássica.

Dentre as teorias Não-Cantorianas, uma das mais surpreendentes é a de R. Solovay, que construiu um modelo de Teoria dos Conjuntos no qual não vale o Axioma da Escolha na sua forma geral, embora seja válida uma forma particular do mesmo. Nessa teoria, observamos, para quem está familiarizado um pouco com a Análise, que todo subconjunto da reta é mensurável segundo Lebesgue. Por conseguinte, qualquer pessoa que tenha se dedicado à Análise tradicional verifica quão surpreendente é o modelo de Solovay.

A matemática desenvolvida no modelo de Solovay denomina-se Matemática de Solovay.

Surpreendentemente, a referida Matemática não é idêntica à matemática comum. Até há pouco tempo, pensava-se que mesmo que existissem várias sistematizações não-equivalentes da Teoria dos Conjuntos (teorias de ZF, de von-Neutnann-Bernays-Gödel e de Kelley-Morse,...) as matemáticas todas elas eram uma só. O que a Matemática de Solovay mostra é o seguinte: quando a mudança nos fundamentos da Teoria dos Conjuntos é muito grande, ela afeta a própria matemática resultante.

WRIGHT (1973) mostrou que, na Matemática de Solovay, todo operador linear num espaço de Hilbert é limitado, resultado que evidencia a enorme diferença que existe entre a teoria clássica dos espaços de Hilbert e a edificada sobre o modelo de Solovay (SOLOVAY, 1970 e WRIGHT, 1973). Em síntese, chega-se à conclusão de que não somente há várias Teorias de Conjuntos, mas, também, várias Matemáticas alternativas. Claramente, isto tem a mais alta significação para o filósofo e o especialista em Fundamentos; acreditamos que hoje não se pode mais formular uma concepção da Matemática sem se levar o que dissemos em conta.

Presentemente, as técnicas para se obterem modelos ou teorias Não-Cantorianas ou que divirjam da Teoria dos Conjuntos tradicional das formas mais variadas são duas: o Forcing e a Teoria dos Modelos Booleanos (BELL, 1977; COHEN, 1966 e KUNEN, 1980).

As Estruturas na Física

As teorias físicas encerram, em geral, muita matemática. Na realidade, podemos dizer que uma teoria física, em uma primeira aproximação, consta de duas partes: uma espécie de estrutura matemática e um conjunto de regras que nos dizem como se liga essa espécie de estrutura a um domínio de uma experiência ou a uma porção da realidade.

A noção acima de teoria física pode ser burilada, apresentando-se sob uma versão mais trabalhada, que dá melhor conta do papel das teorias físicas (DA COSTA, 1987; DA COSTA e CHUAQUI, 1985; DA COSTA, 1988; DA COSTA e DÓRIA, 1988a,b; MOULINES, 1975; STEGMÜLLER, 1979; SUPPES, 1957 e 1967). Para nós, no entanto, não nos interessam essas versões sofisticadas: consideramos uma teoria física T como um par de uma espécie de estrutura matemática E e um conjunto de regras R que conectam a teoria e suas aplicações possíveis: .

Muitos autores imaginam uma teoria física como uma entidade lingüística: elas se comporiam de uma linguagem apropriada, de certos axiomas básicos e de determinadas regras que interpretariam total ou parcialmente a linguagem em apreço. Esta concepção lingüística de teorias, tão comum aos filósofos, não se mostra conveniente, pois a axiomatização completa de uma teoria como a Teoria Geral da Relatividade é praticamente impossível: ter-se-ia que escolher uma lógica, axiomatizar inteiramente várias partes da Matemática pressupostas pela teoria, estudar-se as diversas categorias de entidades lingüísticas necessárias, tratar-se de questões sintáticas e semânticas complexas, etc. PATRIK SUPPES (1957 e 1967), desde a década de 50, propugna por um model theoretic approach, isto é, uma concepção conjuntista da Física e das ciências empíricas em geral, que consiste em considerá-las como espécies de estruturas matemáticas complementadas com certas regras de aplicação2 2 Para maiores detalhes, cf. Da Costa, N.C.A. e French, S. "The model-theoretic approach in the Philosophy of Science" em: Philosophy of Science, (no prelo). . Essencialmente, a visão de Suppes e de outros filósofos como E.W.Beth consiste em encarar as teorías físicas (e das ciências em geral) como pares, do modo acima indicado.

Para fixar idéias, examinemos alguns exemplos concretos:

a) Mecânica Quântica Clássica

A Mecânica Quântica Clássica, de conformidade com J. von Neumann (1903-1957), não passa da geometria de certos espaços de Hubert suplementada por meio de regras que conectam essa geometria com a realidade. Em poucas palavras, a Mecânica Quântica tradicional tem como espécie de estrutura matemática subjacente, a de espaço de Hubert; e a investigação matemática dos fundamentos da Mecânica Quântica se resume, então, no estudo dos espaços de Hubert e estruturas correlatas.

b) Teoria Geral da Relatividade

A estrutura da Teoria Geral da Relatividade é uma variedade diferenciável Riemanniana que satisfaz certas condições de que não nos ocuparemos aqui. Do prisma matemático, a Relatividade Geral cai dentro do escopo da Geometria das Variedades, em particular, da Geometria Riemanniana. A essa variedade se associam, de maneira normal e tratada na Teoria Geral das Estruturas Matemáticas, outras estruturas deduzidas da variedade diferenciável inicial, como o fibrado tangente e certos espaços vetoriais e tensoriais, que apresentam profundo significado físico.

Como vários autores tem procurado mostrar, as teorias físicas se assentam sob um número relativamente pequeno de estruturas matemáticas (ARNOLD, 1978 e DA COSTA e DÓRIA, 1988a,b). Parece que grande parte da Física tem como estruturas-mãe as de variedade topológica (em particular, de variedade diferenciável), de grupo contínuo (em particular, de Grupo de Lie) e de espaço de medida, bem como determinadas estruturas-extra que delas derivam de modo canônico. Podemos asseverar que a Física Matemática se resume no estudo das estruturas matemáticas subjacentes às teorias físicas.

Mais uma vez se percebe o grande significado do conceito de estrutura para a Filosofia da ciência em geral. Não se pode compreender a natureza das ciências empíricas, em especial, da Física, sem se entender a concepção estrutural da ciência, que é a concepção que acabamos de resumir.

Para sua formação geral, nenhum cientista, e muito menos um filósofo, pode ignorar a tendência estruturalista descrita.

Alguns autores, como P. A. Benioss, DA COSTA e DÓRIA (1988a,b), têm ido além e procurado verificar quais as conseqüências que podem ter para a Física as possíveis mudanças de Teoria dos Conjuntos: já vimos que modificando a Teoria dos Conjuntos subjacente a uma estrutura (deve ter ficado patente que toda estrutura é uma construção conjuntista) ela possui propriedades diversas das que possuía antes. Põe-se, então, a indagação: as transformações das Teorias de Conjuntos têm algum significado físico? Quaisquer que sejam as respostas a esta questão, percebe-se facilmente que se está em face de uma situação absolutamente nova em Fundamentos da Física, anos atrás, nunca sonhada por nenhum pesquisador. Nesta área, tudo está apenas começando e é de prever-se significativos avanços no futuro.

Observações

A teoria das Estruturas pode ser abordada de urna perspectiva totalmente diversa da conjuntista. Referimo-nos à concepção Functorial das estruturas matemáticas, que se baseia no conceito de Categoria, e que teve em Charles Ehresmann o seu fundador (EHRESMANN, 1957). Esta maneira de tratar as estruturas matemáticas é, em boa porção, equivalente à conjuntista. Futuramente tencionamos expô-la, tratando de suas vantagens e desvantagens, especialmente para os Fundamentos da Matemática e da Física.

David Hubert (1862-1943) formulou, em 1900, uma série de 23 problemas que o século XIX legaria aos vindouros; esta lista moldou muito o desenvolvimento da Matemática em nosso século. Parece interessante, pois, lembrarmos aqui, que o sexto problema de Hubert estava relacionado com a axiomatização das teorias físicas, isto é, a questão da obtenção das estruturas matemáticas que subjazem às principais teorias físicas. Hilbert escreve:

"As investigações dos fundamentos da geometria sugerem o problema: Tratar, de maneira semelhante, por meio de axiomas, aquelas ciências físicas nas quais a matemática desempenha um papel importante; em primeiro plano estão a teoria das probabilidades e a mecânica" (grifo do autor).

"Investigações relevantes, feitas por físicos, sobre os fundamentos da meânica, já existem; eu me refiro aos escritos de Mach, ... Hertz, ... Boltzmann ... e Volkmann ... . É, portanto, desejável que a discussão dos fundamentos da mecânica seja levada a efeito também por matemáticos. Assim, o trabalho de Boltzmann sobre os princípios da mecânica sugere o problema de se desenvolver matematicamente os processos-limites, nele meramente indicados, que levam de um ponto de vista atomístico às leis do contínuo. Inversamente, poder-se-ia tratar de derivar as leis do movimento dos corpos rígidos por um processo limite, a partir de axiomas envolvendo a idéia de variação contínua das condições de um material que encha o espaço de forma contínua, condições essas definidas por parâmetros. Porque a questão da equivalência de diferentes sistemas de axiomas é, sempre, de grande interesse teórico."

"Se a geometria deve servir de modelo para o tratamento dos axiomas da física, convém que se tente primeiramente, por meio de pequeno número de axiomas, delimitar uma classe, tão extensa quanto possível, de fenômenos físicos, e, então, pela adição de novos axiomas, chegar-se gradualmente às teorias mais especiais. Ao mesmo tempo, o princípio de Lie da subdivisão talvez possa ser deduzido de uma teoria profunda dos grupos infinitos de transformações. O matemático terá de levar em conta não apenas as teorias próximas da realidade, mas, também, como na geometria, todas as teorias logicamente possíveis. Ele precisa estar alerta para obter um inventário completo de todas as conclusões que são conseqüências do sistema de axiomas assumido;"

"Mais ainda, o matemático tem o dever de testar exatamente, em cada instância, se os novos axiomas são compatíveis com os axiomas previamente admitidos. O físico, quando suas teorias se desenvolvem, muitas vezes se encontra forçado, pelos resultados de suas experiências, a formular hipóteses novas; ele se baseia, para garantir a compatibilidade dessas hipóteses com os axiomas anteriores, somente nas experiências efetuadas ou em certa intuição física, prática essa que na construção rigorosamente lógica de uma teoria não é aceitável. A demonstração desejada de compatibilidade de todas as pressuposições parece-me, também, de relevância, pela circunstância de que o esforço para se obter tal demonstração sempre nos conduz, mais efetivamente, a uma formulação exata dos axiomas." (Hilbert, 1976, p. 1-34).

Referências

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Jair Minoro Abe é professor assistente do Depto. de Ciências da UNESP e coordenador dos seminários do Grupo de Lógica e Filosofia da Ciência do IEA.

Vê-se, por conseguinte, que, grosso modo, uma estrutura matemática se origina quando se definem certas funções, relações ou coleções de conjuntos, a partir de certos conjuntos básicos dados.

Para o filósofo e o especialista em Fundamentos da Matemática, é imprescindível que ele tenha consciência do fato de que a Matemática se reduz à Teoria das Estruturas Conjuntistas.

A Teoria das Estruturas pode ser abordada de uma perspectiva totalmente diversa da conjuntista. Referimo-nos à concepção Functorial das estruturas matemáticas, que se baseia no conceito de Categoria, e que teve em Charles Ehresmann o seu fundador.

  • 1
    Sobre as estruturas aqui consideradas e outras, cf. Arnold (1978); Grätzer (1978); Greub (1975); Halmos (1948); Jacobson (1964); Kelley (1955) e Rotman (1965).
  • 2
    Para maiores detalhes, cf. Da Costa, N.C.A. e French, S. "The model-theoretic approach in the Philosophy of Science" em:
    Philosophy of Science, (no prelo).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Mar 2006
    • Data do Fascículo
      Ago 1989
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