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Desafios à ciência e às políticas de desenvolvimento regional: reflexões e recomendações sobre o futuro desenvolvimento da Amazônia

ARTIGOS ASSINADOS

Desafios à ciência e às políticas de desenvolvimento regional: reflexões e recomendações sobre o futuro desenvolvimento da Amazônia* * Esta contribuição, versando sobre a missão da pesquisa científica e o desenvolvimento futuro racional da Amazônia, integra, também, considerações que os participantes do simpósio proferiram em conferências e debates ou que, em parte, apresentaram por escrito. Porém, o autor só assume a responsabilidade por estas linhas.

Gerd Kohlhepp

Tendo em vista os resultados reduzidos, os impactos negativos para a população indígena e o meio ambiente — e em especial para as florestas tropicais — e em face da marginalização de largas camadas da população regional e das crescentes tensões sociais, justificam-se as fortes dúvidas nas estratégias do desenvolvimento que se vem adotando para a Amazônia.

Sendo nove os países que participam da bacia amazônica, e considerando que cada um por si elabora concepções de desenvolvimento diferenciadas, as afirmações aqui apresentadas não podem ser generalizadas. As explanações que se seguem são expressões da co-responsabilidade que cientistas das mais diversas disciplinas e nacionalidades sentem pela conservação dos ecossistemas amazônicos, bem como pela população ali existente.

As presentes observações compactas não se atrevem a querer interferir nas decisões autônomas e políticas regionais de desenvolvimento dos diversos governos e países, mas questionam o conceito de desenvolvimento como tal. Não se apresenta aqui um pleito por uma Reserva Amazônica, favorecendo uma extinção da região, que nem seria viável devido aos processos em curso desde há 20 anos até a presente data. Muito ao contrário, as idéias aqui expostas querem ser entendidas como contribuição científica crítica — mas construtiva — para o bem do homem e da natureza na Amazônia.

A região da Amazônia constitui um desafio para a ciência, o planejamento e a política de desenvolvimento. Apresentamos, a seguir, algumas respostas a estes desafios, completando-as com recomendações para o desenvolvimento futuro da Amazônia.

Desafio à Ciência

Em face da complexidade dos ecossistemas, bem como dos crescentes conflitos de interesses no decurso da ocupação e exploração econômica da Amazônia, a primeira tarefa fundamental dos cientistas constitui fazer um esforço máximo para analisar as condições naturais subjacentes e a sua estrutura funcional, assim como as alterações introduzidas ultimamente pelo elemento humano e suas respectivas causas e conseqüências.

Isso implica a necessidade de forte intensificação das pesquisas científicas nas diversas disciplinas, mas muito especialmente uma abordagem do trabalho científico, em bases multi e interdisciplinares, a sua fundamentação metodológica, bem como o seu alargamento e ancoragem no âmbito institucional. Para essas metas já se lançaram inícios positivos. Compete à comunidade científica exercer a pressão necessária à criação de condições de quadro e infra-estrutura qualificada para as atividades da pesquisa.

Entendemos sob estas exigências não só a alocação de maiores verbas financeiras para projetos de pesquisa que deveriam ser colocadas à disposição sem condições preestabelecidas, por fontes nacionais e internacionais, mas também o reforço institucional das instalações de pesquisa. Referimo-nos a universidades e institutos de pesquisa especializada, no que diz respeito ao equipamento técnico e aos recursos humanos. Para fomento da infra-estrutura científica regional e para a aquisição de intensivos conhecimentos regionais, bem como para efeitos de integração dos cientistas e técnicos nativos da região, este reforço deveria concentrar-se sobretudo em locais da própria Amazônia. Neste contexto, tem igual importância a criação de quadro funcional adequadamente remunerado como também a de novos cursos superiores de estrutura interdisciplinar, que incluam longos exercícios práticos in loco.

A coordenação das pesquisas será de grande significado, pois visará a melhor integração das questões abertas no planejamento dos estudos, em nível nacional ou supranacional, de todos os estados amazônicos.

A intensificação das pesquisas não pode significar, porém, que a impaciência dos tecnocratas e a falta de compreensão para as necessidades da ciência — condicionadas pelas pressões da situação política — possam já estar à espera de rápidos resultados ou receitas patenteadas para o desenvolvimento da Amazônia. Não se discute que, em face de processos que se vêm desenrolando atualmente na Amazônia, a enorme pressão do tempo pese sobre todos os elementos intervenientes. Porém, isso não deve levar à interpretação politicamente desejada de reconhecimentos superficiais devido à pressão de prioridades estabelecidas pela política regional. Ao contrário, os projetos de pesquisa de longa duração, com equipes multidisciplinares e boas condições de trabalho in loco, com financiamento contínuo assegurado, são necessários para fazer análises abrangentes da interação de causas e efeitos. Só assim se poderão avaliar corretamente os porquês de projetos malogrados.

Para alcançar este efeito será imprescindível o acesso a todos os dados, resultados e experiências dos planos em curso, em prol da elaboração de novos projetos e da continuação do debate científico. Isso não só para aprender com os erros, mas também para dispor de bases adequadas para a análise da compatibilidade com o meio ambiente com vistas aos processos de autorização, a um monitoramento a longo prazo ou à avaliação e ao cálculo da rentabilidade econômica, que inclua os custos ecológicos e sociais.

Para tanto, seria necessário instalar um banco de dados integrado com os institutos de pesquisa internacionais e um centro de documentação e informação, que, tratando-se do campo científico, até se poderia conceber em nível supranacional.

Entretanto, será de importância fundamental que os estudos prévios dos projetos se iniciem muito cedo e que se providenciem os respectivos pré-requisitos, ao contrário do que vem acontecendo até o presente momento. Numerosas pesquisas requerem duração multianual e estratégias preventivas em todos os campos. O processo em uso, infelizmente, é de começar as pesquisas somente com o início do projeto e, a seguir, limitar apressadamente os danos já causados.

Já há muito que os cientistas são unânimes na opinião de que não podem continuar as generalizações devido à diferenciação dos condicionamentos ecológicos e sócio-econômicos, mas que só valem pesquisas intensas em espaços limitados, processo este que não pode negligenciar a eventual integração de condições e estruturas existentes nos respectivos contextos regionais ou supra-regionais, ou os estudos comparativos de espaços similares.

... os projetos de pesquisa de longa duração, com equipes multidisciplinares e boas condições de trabalho in loco, com financiamento contínuo assegurado, são necessários para fazer análises abrangentes da interação de causas e efeitos.

A pesquisa com base na respectiva escala espacial visará ao necessário zoneamento ecológico e sócio-econômico. Isso significa que a dimensão espacial terá tendência a se apresentar em mosaico de pequenos espaços muito diversos, entre si iguais na sua estrutura natural e/ou sócio-cultural, fato que indica que as estratégias generalizantes de desenvolvimento para grandes regiões terão poucas chances de êxito.

A preponderância atual das pesquisas puramente setoriais deverá ceder lugar à pesquisa integrada, com peso na interação entre ciências naturais e sociais, especialmente com vistas à sua aplicação prática.

Não cabe a esta exposição a enunciação detalhada de projetos científicos desejáveis. Mas é certo que, além das pesquisas fundamentais e multidisciplinares sobre os sistemas ecológicos terrestres e aquáticos e sobre a avaliação dos recursos naturais e dos ciclos biogeoquímicos, haverá necessidade de se elaborar os critérios ecológicos do planejamento regional.

Atenção especial deverá ser dada aos estudos de avaliação e transferibilidade dos agro-ecossistemas dos índios aos sistemas agrícolas atuais e à sua capacidade de manter-se a longo prazo. O mesmo é válido para as pesquisas sobre as limitações ecológicas às diferentes formas de utilização dos recursos naturais renováveis, dos sistemas de manejo e da pequena agricultura sustentada.

Ademais, impõem-se investigações sobre colonização, comportamento migratório, urbanização, desenvolvimento urbano, interação entre cidade e o seu hinterland, bem como o processo da degradação ambiental decorrente das condições sociais, econômicas e políticas no interior e exterior da região.

Além disso, será preciso reconhecer o eminente valor dos estudos detalhados sobre as conseqüências dos desenvolvimentos realizados até a presente data, como, por exemplo, a avaliação ecológica do desmatamento por queima e suas repercussões sobre o clima regional, a sua influência no teor de CO2 da atmosfera e a quantificação das respectivas conseqüências. Será necessário investigar também as possibilidades de restauração e reabilitação das regiões degradadas.

Todos estes conhecimentos devem projetar-se na organização sistemática do estado atual.

Será indispensável começar, imediatamente e com grande intensidade, um zoneamento espacial da Amazônia que obedeça a critérios ecológicos e socioeconômicos. Para tal zoneamento até os valiosos estudos do Projeto RADAM no Brasil já não são suficientes, em virtude do seu nível de agregação e processos de interpretação hoje ultrapassados.

As regiões mais afetadas pelas interferências do homem devem ter prioridade no zoneamento.

Nunca é demais acentuar a necessidade do intercâmbio contínuo dos resultados científicos. Neste sentido, já se realizaram vários esforços, por exemplo, na forma de simpósios interdisciplinares, mas ainda requerem maior intensificação, pois a quantidade enorme de dados e informações cresce continuamente.

Entretanto, não é somente tarefa para cientistas compreender que a natureza e o homem são partes integrantes de um sistema interdependente e discutir os resultados de pesquisas nos seus próprios círculos. Pesquisas científicas têm uma finalidade social no sentido mais lato. Assim sendo, a obrigação dos cientistas também é a de garantir o acesso aos resultados de pesquisas em todos os níveis do grande público, contribuindo, assim, para o entendimento da complexidade regional. Garantir este entendimento implica na formação de professores e na educação ambiental nas escolas, no sentido de proteção do meio ambiente e das suas bases naturais; na discussão nos meios de comunicação, bem como na integração destas questões nos currículos do ensino dos quadros técnicos. No seio das instituições e autoridades do Estado, competentes para o desenvolvimento regional, não se deverá fomentar o crescimento econômico sem critérios, sendo que do quadro dos peritos devem fazer parte as disciplinas mais sensibilizadas para as necessidades regionais e os diversos elementos do quadro técnico deverão dispor de experiência interdisciplinar.

Desafio do Desenvolvimento Regional da Amazônia: a políticos e planejadores

Podemos pressupor que todos estão de acordo em que não existe um modelo único para o desenvolvimento da grande região da Amazônia. Portanto, será necessário conceber projetos de desenvolvimento regionalmente diferenciados, espacialmente limitados, adaptados na sua estrutura ecológica, social, tecnológica, econômica, financeira e política, correspondentes às condições naturais e antropológicas e às necessidades regionais específicas. Esta abordagem do desenvolvimento, necessariamente mais individualizadora, não só exige um estilo novo dos responsáveis, como também nova disposição de aprender e uma compreensão profunda da natureza e do elemento humano da região. Tal reviravolta do pensamento também deverá produzir repercussões no setor institucional, no sentido das superintendências regionais deixarem de proceder segundo um padrão único, macro-regional, em favor do trabalho funcionalmente descentralizado, mantendo-se o centro de coordenação.

Pesquisas científicas têm uma finalidade social no sentido mais lato. Assim sendo, a obrigação dos cientistas também é a de garantir o acesso aos resultados de pesquisas em todos os níveis do grande público, contribuindo, assim, para o entendimento da complexidade regional.

Não há dúvida de que existem necessidades primordiais de planejamento e desenvolvimento de interesse nacional com projeção nas metas do planejamento regional. Governos autoritários — aliás, em todo o mundo — costumam executar projetos, que na sua visão centralista lhes parecem necessários, sem discussões nem compromissos, tanto na fase de planejamento como de execução. As medidas são impostas ao homem e ao ambiente na região afetada. As conseqüências são conhecidas também na Amazônia.

Sob condições democráticas, a avaliação do grau de qualidade na realização de projetos de desenvolvimento será realizada pelo processo aberto da discussão pública sobre as metas e a consistência substancial dos planejamentos, com participação da população afetada e cuidadosa ponderação das vantagens e desvantagens. Tal processo exige diligências da parte dos governos no sentido de conferir especial proteção a direitos e necessidades fundamentais de minorias e camadas sociais mais pobres, bem como ao meio ambiente da população regional.

A conservação da identidade regional, no sentido ecológico e sócio-cultural, constituirá o centro de todos os esforços, o que requer uma sensibilização especial para as necessidades urgentes e alta responsabilidade pelas conseqüências sociais e ecológicas, possivelmente negativas, tanto no nível das decisões políticas como da parte dos órgãos encarregados pelas medidas de execução e do seu pessoal. E isso, já durante o processo preliminar no nível do cui bono?, e não só posteriormente para confinar os prejuízos.

Ao mesmo tempo se impõe a descentralização administrativa para admitir a mais efetiva participação das populações diretamente afetadas. Os estados federais, departamentos e territórios da Amazônia deveriam ganhar o máximo grau de autonomia pela abolição dos numerosos órgãos específicos, em parte de origem não-democrática sob controle das autoridades federais; o que não significa apoiar a criação de regiões completamente autônomas. Mas as superposições de jurisdição em grande parte da Amazônia, sobretudo no Brasil, acarretaram efeitos altamente negativos pelos numerosos problemas de competências indefinidas.

Assim, como a ciência tem de coordenar o seu trabalho entre disciplinas, o Estado é solicitado a criar as pré-condições para a cooperação multi e transinstitucional, que funcione com máxima flexibilidade, mas sem querelas de competência, o que pressupõe condicionantes funcionais e organizativos que estejam sujeitos ao controle contínuo da sua operacionalidade.

É evidente que o planejamento se desenrola sob determinada conjuntura política e certas condições de quadro funcional. O que é decisivo é a intenção política. Nos regimes autoritários, a liberdade de ação dos planejadores é naturalmente muito reduzida. Mesmo assim, seria grande erro subestimar o significado da qualificação técnica dos planejadores, descreditá-los como simples auxiliares de execução da respectiva vontade política, ou até negar o valor de qualquer planejamento em geral, estando, como estamos, em face dos problemas atuais. O importante é a responsabilidade social do planejamento e dos planejadores e a ponderação das condições e necessidades sociais e ecológicas, bem como o controle contínuo dos projetos. O planejamento é um processo que se vai desenrolando e que freqüentemente impossibilita qualquer êxito a curto prazo.

Para o planejamento regional é de grande importância, entre outros, o conhecimento intenso da região por parte dos planejadores, por exemplo, dos movimentos sociais de camponeses e das reações da população afetada após as medidas implantadas.

Para o planejamento regional é de grande importância, entre outros, o conhecimento intenso da região por parte dos planejadores, por exemplo, dos movimentos sociais de camponeses e das reações da população afetada após as medidas implantadas. Da parte dos planejadores é preciso desenvolver uma consciência crítica para com os projetos inadequados, irrealistas, idealizados, estáticos, importados e para com as visões pouco praticáveis de perpetradores de mesa-redonda. A população regional — índios ou caboclos — não deve ser considerada fator perturbador para os planejamentos-modelo, ou fator que se opõe ao progresso. Há novas concepções de vida que nasceram precisamente das contradições do planejamento feito por métodos autoritários. A população regional deverá, pelo contrário, ser vista como participante ativa e crítica de um processo de desenvolvimento integrado que a afeta e de cujas metas quer partilhar no processo da decisão. Só assim o planejamento converterá os afetados não em vítimas, mas em beneficiados.

A participação da população afetada tem um sentido direto e indireto. Significa também que o know how regional deverá ser respeitado e integrado nas ponderações atuais. Aludimos aqui aos sistemas agrícolas da população indígena, ecologicamente adaptados às condições regionais, e que são largamente desconhecidos por principiantes amazônicos - colonos e agrônomos. A transferência de experiências e conhecimentos destes agroecossistemas indígenas para uma pequena agricultura sustentada seria de máxima importância para o desenvolvimento da agro-silvicultura sob o leitmotiv do ecodesenvolvimento. É evidente que em muitas regiões não se podia partir dos valores da densidade populacional hoje já atingidos.

É muito importante que os políticos responsáveis pelo desenvolvimento regional, os competentes pelo planejamento e os encarregados da sua execução prática, e também os órgãos de financiamento — sejam nacionais ou internacionais — possam entender melhor as condições de quadro, naturais e humanas, que veiculam o desenvolvimento. Os cientistas são chamados a fornecerem os resultados de pesquisas, sintetizados em informações de base aproveitáveis e aplicáveis à política do desenvolvimento, fornecendo, assim, apoio às decisões no melhor sentido.

Precisamente, são as análises multidisciplinares das pesquisas que podem contribuir para a problematização dos projetos e, assim, para a reflexão sobre o sentido e a finalidade das metas almejadas. Oferecem a possibilidade de lançar uma advertência a modelos de desenvolvimento importados e estandardizados, concebidos em outra situação ecológica, conjuntura social, econômica e política, com outros valores básicos subjacentes e outras necessidades de desenvolvimento. Análises científicas, porém, não se destinam somente à avaliação crítica de projetos atuais, mas também devem visar à elaboração de soluções alternativas.

Além disso, também constitui atribuição da ciência pôr a descoberto as deficiências nas pesquisas e a conseqüente falta de conhecimentos básicos, sobretudo em face das ações relâmpago no planejamento, a fim de impedir uma ocupação planejadora de regiões, cujos dados básicos ainda não estão suficientemente estudados, desconhecendo-se ainda as possíveis conseqüências negativas.

Não nos podemos esquecer de que as decisões da política regional se desenrolam sob condicionamentos específicos da política interior e coações da política econômica exterior.

A Reforma Agrária

Não quero aqui entrar na discussão política interna dos países envolvidos nas medidas de desenvolvimento da bacia amazônica, ou na concentração destas medidas às restantes partes do país. As respectivas decisões cabem ao povo e seus representantes eleitos naqueles países.

A efetivação da reforma agrária, que certamente acarreta grandes dificuldades em nível de política interna, é de máxima importância, embora só possa proporcionar solução parcial para a Amazônia.

Mas parece-me essencial chamar atenção ao fato de haver muitos problemas na Amazônia, os quais lhe foram impostos de fora. Tanto se pode dizer sobretudo da problemática complexa da reforma agrária que, na maior parte dos países da América do Sul, não foi posta em prática, ou não foi efetivada atendendo às necessidades da clientela-alvo. Porém, sob o fundo cia inexistência de quaisquer medidas de política populacional, a falta de reforma agrária nas outras partes do País dá origem à crescente e assustadora pressão das massas populacionais migrantes, sem terra, às portas da Amazônia. Os problemas agro-sociais ainda não solucionados fora da Amazônia levam à reprodução das deformações agro-sociais dentro da Amazônia. A efetivação da reforma agrária, que certamente acarreta grandes dificuldades em nível de política interna, é de máxima importância, embora só possa proporcionar solução parcial para a Amazônia. O adiamento ou fracasso da reforma agrária levará ao agravamento catastrófico da pressão pela ocupação das terras na Amazônia, sobretudo no Brasil.

Muitos dos atuais problemas do desenvolvimento da Amazônia estão condicionados pelos laços da região com a economia mundial que constrange a liberdade de movimento dos governos e, muitas vezes, desencadeia processos difíceis de canalizar, nem prognosticáveis em pormenor. É nesse contexto, que ocorre o momento oportuno dos países industrializados de não só fazer o papel de consumidores de matérias-primas, sob os terms of trade desfavoráveis para os países produtores, mas também, de arcar com a responsabilidade financeira das medidas associadas necessárias para compensar a extração na região originária.

Por outro lado, houve omissões em nível nacional no sentido de elaborar estratégias claras para o desenvolvimento regional da Amazônia. As medidas de desenvolvimento efetuadas, que parcialmente tiveram caráter de emergência para abrandar as tensões sociais (em jogos de geopolíticos e de estrategos militares na mesa-redonda ou em ciclos da economia extrativa para ganharem divisas, rapidamente, na base de projetos de grande porte) só em raríssimos casos estiveram integradas em programas de desenvolvimento realizáveis a longo prazo. É precisamente a população regional afetada que hoje, e com razão, exige informação antecipada e participação nos planejamentos e nas decisões, e plena voz durante a respectiva execução. Também exige indenizações pelos prejuízos sofridos nos projetos anteriores.

Em nível supranacional, como por exemplo no âmbito do Pacto Amazônico, acordado em 1978, ainda não se passou do estado de declarações de boas intenções, de modo que não se está delineando ainda qualquer medida comum de planejamento e desenvolvimento regional harmonizados.

Existe amplo consenso sobre a conveniência de estrita redução ou até abolição dos incentivos fiscais para a região amazônica, sobretudo para projetos grandes e atraentes pelas reduções fiscais, que até agora incentivaram as tendências especulativas na Amazônia e provocaram conseqüências negativas.

Para os futuros planejamentos não se impõe somente a prova da sua necessidade urgente, mas, também, da sua compatibilidade ambiental e do seu significado social, não só retórico, mediante a apresentação de todos os fatores criteriosos. A análise custo-benefício não deve somente confirmar a vantagem econômica (que, aliás, beneficia a quem?) mas introduzir critérios acentuadamente morais nesta equação. A autorização de projetos e dos respectivos créditos nacionais, e sobretudo internacionais, só deve ser concedida com base nos mais profundos estudos prévios, ecológicos e sócio-econômicos.

Sobretudo em caso de projetos chamados economicamente imprescindíveis devem aplicar-se novos critérios de avaliação dos custos e do fator tempo: os custos ecológicos e sociais, diretos e indiretos, devem entrar na equação; os projetos devem ser examinados pela sua eficácia positiva a médio e longo prazos.

É certo que todas estas medidas só podem ser introduzidas gradualmente, mas irão criar uma mentalidade correspondente e, além disso, originar notável retardamento do assalto à Amazônia.

Há muitos casos de grandes projetos que, segundo os critérios acima descritos, também não provaram rentabilidade econômica a longo prazo, ou pelo menos tiveram uma rentabilidade questionável. É que, parcialmente, os grandes projetos se tornam imprevisíveis nos seus complexos efeitos negativos e nos danos subseqüentes irreparáveis. O que é viável tecnicamente não tem, necessariamente, de fazer sentido ecológico e social, e nem sequer afetar as contas econômicas nacionais. Altas subvenções do Estado para a produção de energia e para projetos industriais dos mais diversos ramos são muitíssimo problemáticas, tendo-se em vista a falta de recursos financeiros noutros setores ou regiões.

Na Amazônia a tecnologia moderna e o alto investimento de capital têm arruinado mais, até agora, do que jamais o conseguiu a população regional subdesenvolvida — do ponto de vista arrogante extra-amazônico. Além disso, os projetos de grande porte têm tendência a desenvolver autodinamismos, a causar segregação espacial e social e a formar enclaves com os correspondentes efeitos negativos de sucção sobre os seus arredores. Neste sentido contribuem notavelmente para o agravamento das disparidades intra-regionais — afirmação igualmente aplicável aos chamados pólos de desenvolvimento e às zonas francas. Essa problemática é uma realidade na organização espacial, assumindo significado largamente maior do que os efeitos médios fictícios das taxas de crescimento dos chamados indicadores de desenvolvimento, que parcialmente se baseiam em cálculos estatísticos de toda a grande região e se esforçam por provar a diminuição das disparidades intra-regionais. A dificuldade de controlar os projetos grandes se deve, em parte, também às competências maldefinidas.

É precisamente a população regional afetada que hoje, e com razão, exige informação antecipada e participação nos planejamentos e nas decisões, e plena voz durante a respectiva execução. Também exige indenizações pelos prejuízos sofridos nos projetos anteriores.

Resumindo: por via de regra, será conveniente no futuro evitar a instalação de projetos de grande porte na Amazônia. O acompanhamento destes projetos já iniciados, que aliás deveriam concentrar-se e reduzir-se às suas partes essenciais, requer a harmonização das finalidades dos planejamentos dos estados federais, das microrregiões e dos municípios e um gerenciamento apropriado.

Em vez de projetos hiperdimensionados e espetaculares, cuja função é fazer vista, seria necessário fomentar projetos pequenos em todos os ramos, bem concebidos e espacial e financeiramente limitados. Isso aplica-se tanto ao setor agrícola como ao setor energético, onde pode fazer muito sentido erigir miniusinas hidroelétricas que não destruam — ao contrário das represas enormes — grande parte do espaço vital.

No campo da colonização agrária, conviria cancelar a propaganda oficial, difundida por todos os meios de comunicação, sobre a concessão de terras na Amazônia, e que, aliás, visa mais ao deslocamento dos problemas do que à sua solução. A maneira de apresentar a colonização agrária das florestas tropicais como solução alternativa em vez da reforma agrária não é só errada no seu teor e do ponto de vista de política agrária, mas também trágica do ponto de vista da estratégia do desenvolvimento. A distribuir lotes de 50 hectares, nem toda a extensão da Amazônia seria suficiente para satisfazer a todas as famílias à procura de terra nos países que integram a bacia amazônica. É imperativo diminuir fortemente a migração interna para a Amazônia através de medidas apropriadas fora da região (reforma agrária, providências econômicas no setor urbano que requerem mão-de-obra, planejamento familiar, etc.).

Os projetos de colonização agrária em curso devem ser fortemente controlados e voltados para o cultivo intensivo e ecologicamente adequado. Não deve haver mais expansão da área nos projetos, uma vez que nas regiões fora da Amazônia ainda existem bastantes possibilidades de intensificação com melhores condições de vida. Não há razão nenhuma de assentar dezenas de milhares de famílias em regiões com altíssimo índice de malária.

Condição fundamental na bacia amazônica será a segurança jurídica e o alistamento inequívoco da propriedade em cadastros. Conflitos de terra requerem solução. Só assim a insegurança caótica terá remédio e será possível reduzir e impedir o escalonamento assustador dos conflitos violentos originados pela ocupação das terras.

A fim de impedir a especulação, urge introduzir critérios específicos como sejam: elevada tributação da venda de terras antes de decorrido determinado prazo; proibição do absentismo; participação do comprador de terras em cursos de formação agrícola, etc.

Futuros projetos de colonização só devem ser autorizados e postos em prática após intenso estudo prévio dos condicionamentos naturais e medicinais da área e das condições de quadro sócio-econômicas — também nos arredores, abrangendo número limitado de colonos para fixação em terras favoráveis. Estes coloros, tal como os agrônomos, devem beneficiar-se de formação prática específica para melhor aproveitamento dos recursos naturais locais e compreensão das condições ambientais da nova terra onde viverão.

A legislação sobre a posse da terra deve ser modificada: nem a concessão do título definitivo, nem a concessão de créditos devem depender da quantidade da derrubada. Créditos para os colonos já existentes na região devem ser concedidos segundo o sistema agrícola aplicado, na base da pequena agricultura sustentada.

A maneira de apresentar a colonização agrária das florestas tropicais como solução alternativa em vez da reforma agrária não é só errada no seu teor e do ponto de vista de política agrária, mas também trágica do ponto de vista da estratégia do desenvolvimento.

A viabilização de uma pequena agricultura sustentada pelo aproveitamento de sistemas nativos é de máxima importância: uso intensivo e conservacionista de pequenas áreas; sistemas agrícolas adaptados às condições ecológicas, ao contexto cultural e à capacidade gerencial do agricultor; tecnologia apropriada, para assegurar a fertilidade do solo; culturas perenes de alto valor comercial e produtos animais.

A produtividade será decisiva, não a expansão das áreas cultivadas. Os resultados das pesquisas sobre os agro-ecossistemas, que continuam a necessitar de forte promoção, e da agro-silvicultura, devem ser postos a serviço da pequena agricultura. Urge estabelecer uma organização cooperativa funcional e possibilitar um armazenamento melhorado para os produtos agrícolas.

A concentração do apoio do Estado à pequena agricultura e a projetos de desenvolvimento rurais integrados e limitados deve constituir o núcleo da ação política a ser coordenada com o planejamento em nível municipal. Não seria a empresa rural que dominaria o quadro, mas pequenos centros de inovação e difusão, dispostos em mosaico, destinados à pequena agricultura sustentada.

O "small is beautiful" (E.F. SCHUHMACHER, 1973) terá de ocupar nova posição na escala dos valores. A tecnologia moderna, as espécies de alta rentabilidade e, grandes investimentos em meios de produção não são necessários, e sim impulsos na escala pequena que exigem alto nível de conhecimentos, mas que poucas vezes produzirão êxitos espetaculares.

Esforços especiais devem empreender-se para bem aproveitar as várzeas, a zona mais produtiva da Amazônia, mas que possuem características bem diferenciadas entre si. No Brasil, por exemplo, já se lançaram as bases neste sentido pelo Programa PROVÁRZEAS.

No campo da exploração agrícola já há uma certeza geral: uma produção da grande biomassa em área extensa é inviável.

Uma vez que o processo da colonização, ocupação de terras e exploração econômica da Amazônia já não pode ser detido, mas sim retardado, é de vital importância que se proceda a partir de bases científicas para selecionar e excetuar determinadas zonas dignas de proteção.

Isso aplica-se sobretudo às reservas indígenas, cuja demarcação deve ser efetuada segundo critérios antropológicos com participação direta dos caciques dos grupos indígenas. A adjudicação de áreas suficientes não se pode reger pelo simples número da população nativa, mas pelas necessidades espaciais dos sistemas agrícolas, incluindo-se previsões de ligeiro aumento da população. Estas medidas, discutidas durante anos, mas executadas, asseguradas e supervisionadas só em casos excepcionais (devido à incompetência ou falta de interesse das entidades responsáveis e das pressões exercidas por meios econômicos), são urgentes e constituem dever moral para qualquer governo. Devem excluir-se, de regra, posteriores alterações nas delimitações das reservas ou até reassentamentos forçados de grupos da população indígena. Ao argumento de efeito de jardins zoológicos das reservas, freqüentemente utilizado por adversários da população indígena e por meios econômicos interesseiros que pretendem lançar mão dos territórios índios, opõe-se o alto valor da proteção dos índios. Turismo em reservas indígenas deve ficar estritamente interdito.

Aliás, não corresponde a qualquer critério ético pagar indenizações pela destruição do espaço indispensável para a sobrevivência de minorias.

Embora as reservas indígenas sejam necessárias para a sua proteção contra exploração, conselheiros falsos e contaminação de doenças, a população indígena sempre deve ter o direito de escolher o seu futuro com plena autonomia.

Uma vez que a atual legislação para a proteção das florestas não funcionou (nem com a cláusula dos 50%, pois os controles eram suficientes), a definição e delimitação de reservas florestais e biológicas e parques nacionais não só deve ser protegida pela lei, mas também ser posta em prática por gerenciamento apropriado e permanente fiscalização, na base de boa infra-estrutura e penalização rigorosa da inobservância das leis de conservação. Isso, certamente, também implica na reorganização e reforço institucional no sentido funcional, qualitativo e financeiro.

Já há muito que passou o tempo de ações simbólicas ou só cosméticas contra os impactos ambientais. A seguir o exemplo da CVRD, as grandes empresas com atividades na região devem ser obrigadas a efetuar, às suas expensas, projetos de proteção ambiental sujeitos a rigoroso controle governamental.

Não se pode abusar da Amazônia como uma espécie de colônia interna para a valorização incondicional de uma política orientada pelo centro, sem consideração das condições ecológicas e sociais e sem que a população regional tenha possibilidades de articular as suas necessidades.

Como já dissemos anteriormente, há necessidade fundamental de tomar medidas fora da região, em escala nacional e internacional, como seja, por exemplo, o desestímulo ao consumo de madeiras tropicais por taxas de tributação pesadas ou por interdição parcial da sua importação e conseqüente modificação do comportamento do consumidor nos países industrializados.

Em face da complexa problemática da Amazônia opõem-se máximas dúvidas aos mais recentes planejamentos no Brasil, sobretudo ao "Projeto Calha Norte", não só por parte de círculos eclesiásticos, mas também científicos. Este projeto, ao longo da fronteira setentrional do Brasil prevê a "compatibilização da política indigenista com a política de segurança nacional" (Ministro do Interior; Folha de S. Paulo, 23-11-1986) pela instalação de oito novos batalhões de fronteira ao longo duma faixa de 6.500 km de comprimento por 160 km de largura. Muito embora seja absolutamente honesta a intenção declarada do governo de disciplinar conflitos reais ou latentes nessa "última faixa descolonizada" e a política de proteção ao índio, a ser garantida pela presença das tropas militares, os riscos para os 50.000 índios da região e para o meio ambiente são enormes. Também neste caso menos talvez seria mais.

Conclusão

Não se pode abusar da Amazônia como uma espécie de colônia interna para a valorização incondicional de uma política orientada pelo centro, sem consideração das condições ecológicas e sociais e sem que a população regional tenha possibilidades de articular as suas necessidades.

A Amazônia não pode continuar a ser considerada a região periférica com recursos naturais, tantas vezes erradamente chamados ilimitados, que exporta estes mesmos recursos não-renováveis, sob os mais desfavoráveis terms of trade para fins do abastecimento nacional e internacional com matérias-primas. Muito ao contrário, os refluxos dos lucros financeiros extraídos devem retornar à Amazônia sob a forma de meios adequados de fomento a favor de medidas sociais e ambientais em nível estadual, microrregional e municipal.

A Amazônia não se deve converter em objeto de especulação e investimento para fins de reduções fiscais e para bem de interessados extra-amazônicos, cujas manipulações oficialmente subvencionadas levam a perdas na renda nacional que fazem falta noutros ramos.

As florestas tropicais amazônicas não podem continuar a ser campo de experiência para modelos de desenvolvimento ecológica e socialmente inapropriados ou espaço de ação para conflitos de interesses extra-amazônicos deslocados para a periferia.

Em face dos obstáculos ecológicos, sócio-econômicos e da política regional, pode constatar-se que a Amazônia não se presta para forma alguma de projetos espetaculares com lucros rápidos de longa duração; nem para projetos industriais de grande porte, nem energéticos, nem para grandes projetos na agricultura ou pecuária, nem na silvicultura com monoculturas orientadas para a exportação ou em reflorestamentos com espécies não adaptadas à região. Tampouco a Amazônia pode suportar a colonização de autênticos exércitos de pequenos colonos. A Amazônia nem pode ter função de válvula espacial para as massas populacionais de outras regiões rurais e urbanas, nem função de celeiro.

A Amazônia tampouco é apropriada para a exploração e destruição dos recursos naturais a curto prazo, visto que as conseqüências iam vingar este procedimento pela intensidade do seu custo.

Em vez de subvenções, incentivos fiscais e múltiplas prestações oficiais antecipadas para projetos de grande porte impõem-se prestações posteriores em prol da população já residente e desfavorecida até a data: índios, caboclos e colonos imigrados. Cortando todo e qualquer incentivo oficial e particular à imigração na Amazônia, importa melhorar simultaneamente a qualidade de vida da população existente, sobretudo nos campos de saúde, alimentação e educação.

Urge que os países que comparticipam da bacia amazônica criem medidas de proteção adequadas e providenciem a coordenação de todos os planejamentos. As ações dos diversos grupos sociais e as suas reivindicações espaciais e de utilização do solo devem concentrar-se em desenvolvimento regional adequado às condições ecológicas e às necessidades das populações locais.

O planejamento do futuro, atacando os problemas reais, deverá desvanecer as tentações de se orientar mais pelos grupos econômicos interesseiros e de criar mais problemas do que solucioná-los. As instituições participantes devem atingir melhor continuidade de teor nos seus trabalhos. Há necessidade de contratos prolongados para peritos e membros do quadro. Mas o mais importante no futuro serão a criação e continuidade de marcos da política regional para o planejamento e ordenamento do espaço. A ciência não se poderá subtrair ao assessoramento dos planejadores. Deverá manifestar-se como aquela parte da opinião pública que está em condições de proferir a sua opinião desinteressada e deveria possuir autoridade moral para isso.

Para o futuro, o planejamento do desenvolvimento regional terá de arranjar-se com projetos de pequeno porte, espacialmente limitados e orientados pela clientela-alvo, destinados à população regional residente. Com base em conhecimentos científicos e integrando as metas autonomamente determinadas em cada comunidade, nascerá, então, um modelo de planejamento espacial, ecológica e socialmente adaptado, necessariamente heterogêneo, e que ofereça soluções diferentes para condições e problemas diferentes.

A organização espacial terá de visar à instalação de projetos de pequeno porte, orientados pelas necessidades básicas, num mosaico de unidades pequenas, homogêneas, mas de grande diversidade entre si. Estes projetos seriam lançados com base no potencial natural, considerando a fragilidade ecológica, uma tecnologia ecológica e sócio-culturalmente adequada de sistemas agrícolas idôneos, e que satisfaça às correspondentes necessidades sociais. Deverão ficar claramente definidos pelas suas metas e apoiados por assessoramento intenso em quadro cooperativo, inserindo-se ao mesmo tempo nos programas municipais do desenvolvimento integrado. É esse o ponto de partida para futuros planos diretores realistas que — sempre que possível — deverão recomendar alternativas não-predatórias. Erros de decisão em projetos anteriores devem ser corrigidos. Admite-se que essa tarefa será de solução difícil e apenas parcial, devido aos danos já causados e às obrigações jurídicas.

A organização espacial terá de visar à instalação de projetos de pequeno porte, orientados pelas necessidades básicas, num mosaico de unidades pequenas, homogêneas, mas de grande diversidade entre si.

Não só o planejamento nacional, mas também os organismos de financiamento internacional e — caso seja considerada desejável por parte dos estados amazônicos — a cooperação estrangeira no desenvolvimento terão de familiarizar-se com a concretização prática dos termos em escala pequena e ecodesenvolvimento. Estas metas devem formar parte integrante de estratégias do planejamento espacial integrado, cuidadosamente concebido, limitado e cientificamente fundado, assente em novo relacionamento adequado entre poder decisório e comunidade.

Urge a concepção de nova dimensão qualitativa do desenvolvimento regional específico e dirigido aos grupos-alvo de uma região que, sendo espaço vital de grupos populacionais dignos de proteção, abriga ecossistemas da maior riqueza em espécies e gêneros da flora e fauna mundiais, e que não pode ser sacrificada sem critério ao "progresso" malguiado e orientado pelo lucro a curto prazo de poucos indivíduos. Um progresso que aos respectivos países, ou, antes se diga, à sua população, só causa elevados custos em prestações antecipadas da parte do Estado, sem falar dos custos diretos e indiretos imprevisíveis que pode acarretar futuramente.

Desejamos que os resultados do simpósio sejam entendidos como apelo à responsabilidade ética de cientistas e órgãos decisórios, políticos competentes para a Amazônia, que ajudem a diminuir a discriminação desta região pelo surgimento de melhor entendimento para as suas necessidades reais e contribuam para a conservação desta região única como patrimônio nacional dos países comparticipantes.

Porém, considerando a situação econômica atualmente dificílima dos países em questão, a capacidade de movimento financeiro dos governos afetados pode provar-se insuficiente para implantar medidas efetivas sem o apoio desinteressado internacional. Mas, sob a condição de haver vontade política para fixar os parâmetros decisivos do desenvolvimento regional segundo melhor saber e critério, o futuro da Amazônia não deverá ficar comprometido por impasses financeiros.

Seria ingênuo pensar que tudo se pode concretizar e, mais ainda, imediatamente. Mas seria irresponsável da parte da ciência evadir-se à sua obrigação de prestar, já hoje, a sua contribuição por recomendações fundadas. E seria igualmente irresponsável adiar as decisões políticas do planejamento territorial e da organização espacial da Amazônia, confiando na extensão enorme desta região.

A natureza e o homem na Amazônia já não podem aturar o status quo e ainda menos o adiamento das medidas necessárias.

Gerd Kohlhepp é professor doutor do Geographisches Institut Universität Tubingen, Alemanha.

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    Esta contribuição, versando sobre a missão da pesquisa científica e o desenvolvimento futuro racional da Amazônia, integra, também, considerações que os participantes do simpósio proferiram em conferências e debates ou que, em parte, apresentaram por escrito. Porém, o autor só assume a responsabilidade por estas linhas.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Mar 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 1989
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