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Como estão as "manchas ácidas" no Brasil?

Resumos

O processo de acidificação da atmosfera vem se intensificando em várias áreas geográficas no mundo e no Brasil, como decorrência do aumento da queima dos combustíveis fósseis e de alguns outros processos industriais. A determinação das responsabilidades pelos prejuízos é um desafio científico e político e a interrupção da formação das " manchas ácidas" no país exige novas disposições de pesquisa e de controle, além de uma reforma energética urgente e profunda.


The acidification of the atmosphere due to growing fossil fuel combustion and some industrial the losses and damages are delicate to establish, what represents a scientific and political challenge; and the reversion of this process requires new contro and research patterns, including an urgent and deep energetic reform.


ARTIGOS ASSINADOS

Como estão as "manchas ácidas" no Brasil?

A. Oswaldo Sevá Filho

RESUMO

O processo de acidificação da atmosfera vem se intensificando em várias áreas geográficas no mundo e no Brasil, como decorrência do aumento da queima dos combustíveis fósseis e de alguns outros processos industriais. A determinação das responsabilidades pelos prejuízos é um desafio científico e político e a interrupção da formação das " manchas ácidas" no país exige novas disposições de pesquisa e de controle, além de uma reforma energética urgente e profunda.

ABSTRACT

The acidification of the atmosphere due to growing fossil fuel combustion and some industrial the losses and damages are delicate to establish, what represents a scientific and political challenge; and the reversion of this process requires new contro and research patterns, including an urgent and deep energetic reform.

Quando apresentei ao Instituto de Estudos Avançados o projeto de pesquisa "Risco Tecnológico e Natureza Alterada", previa a elaboração de um pequeno informe técnico sobre a polêmica em torno da chuva ácida, que sabíamos ser algo cada vez mais importante em alguns países e em algumas regiões mais industrializadas na Europa e na América do Norte, e que apenas se esboçava no Brasil, a partir dos casos de denúncia comprovada em Cubatão e na área carbonífera de Santa Catarina.

Entretanto, desde então vem se tornando mais clara a mudança de patamar, a inflexão qualitativa e espacial que a poluição chamada de atmosférica atingiu no país. No mínimo, caberia a um estudioso universitário acreditar nas pistas sugeridas pelas reclamações locais – nas áreas de refinarias e de algumas siderúrgicas e metalúrgicas, nas áreas de centrais termo-elétricas, nas vizinhanças das fábricas de celulose, por exemplo.

Como os processos desencadeados são em parte latentes, suas repercussões se manifestarão a médio e longo prazo; e como são em parte cumulativos e sinérgicos, os efeitos e seqüelas serão resultados de combinações de alguns processos distintos. Por isto, a própria relação de causalidade, tão cara para o método científico, não está ou não pode ser tão clara e tão exata. Fica sempre a impressão de que, de fato, o problema não existe, ou de que o problema não é assim tão grave.

Os projetos recentes de novas centrais térmicas queimando carvão em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, ou queimando resíduos de processamento de petróleo, ao lado das refinarias de Paulínia e de São José dos Campos, em São Paulo, os projetos de ampliação e de instalação de pólos petroquímicos na Baixada Fluminense, na região de Porto Alegre e no Recôncavo baiano, e alguns projetos de mineração e de metalúrgicas prevendo o processamento de materiais piritosos (com teores importantes de enxofre), ou a utilização de reações químicas e eletroquímicas por meio de compostos ácidos, tudo isto nos impelia, e a alguns outros colegas, a re-considerar a questão da acidez.

Aparentemente, o debate técnico tende para o campo das correções possíveis, através de beneficiamentos adicionais do carvão, do petróleo ou dos minérios, e através da instalação de filtros, neutralizadores ou catalizadores de gases nos tubos de descargas dos motores e nas chaminés das caldeiras e dos fornos. Todavia, o impasse está dado pela qualidade baixa ou péssima de uma boa parte destes combustíveis e destes minérios. No caso do carvão mineral brasileiro, este é um estigma do qual não se pode escapar facilmente; no caso do petróleo, vale registrar que o que é aqui extraído, em geral tem baixo teor de enxofre e de outros componentes prejudiciais, mas, o que é importado é exatamente o contrário.

Prosseguir um estudo neste contexto, e municiar a opinião pública com as advertências e previsões necessárias, pode ser visto como " remar contra a corrente", ou até mesmo como "levantar uma lebre inexistente" , e ainda, como "alarmismo". Ora, a corrente, alhures, vai no rumo das reformas, a lebre existe em várias situações e pode existir nas situações similares, e, diante de um processo latente e em parte desconhecido, parece mais saudável ser alarmista do que ser omisso.

Assim, tomamos como dado de partida que está de fato havendo uma acidificação, senão do planeta todo, mas de várias regiões importantes, e que isto é um campo de fortes pressões:

– uma pressão ambiental propriamente dita, uma combinação de reações e adaptações do próprio ambiente, cuja degradação local extrapola a localidade, se torna regional e em vários casos, se torna continental e trans-marítima; os desdobramentos em termos de corrosão, de alteração dos solos, de stress da vegetação, de dizimação ou contaminação da vida aquática e dos rebanhos indicam uma cadeia de reações e de desequilíbrio graves.

– uma pressão ambientalista, organizada culturalmente em torno do ecologismo, e que está em distintos estágios de organização no âmbito de entidades de solidariedade, de bairros e de regiões, e que se compõe politicamente com movimentos mais amplos, com partidos e grupos políticos, e que se expressa com audiência crescente em todos os países europeus, inclusive no Leste, na América do Norte, no Japão e em alguns outros.

– e uma pressão operária, muitas vezes pela via sindical e das confederações, (como ocorre p.ex. com os Sindicatos dos Químicos do ABC, e dos trabalhadores do pólo de Camaçari, ou com a Central CFDT, na França), quando destacam as condições de trabalho e a insalubridade em suas pautas de reivindicação, e atribuem às Comissões de Prevenção de Acidentes o concernimento também pela poluição que "sai das Fábricas" , pelos riscos que possam afetar a vizinhança.

Um dos títulos que havia pensado para este roteiro era um argumento um tanto simplório, mas quase incontestável: " Se muitos trechos do planeta estão ficando mais ácidos, no Brasil isto também está ocorrendo". Apesar da obviedade, merece um detalhamento, a fim de que os mais céticos aceitem pelo menos a possibilidade de se deduzir algo a partir da experiência alheia.

Além de termos aqui no Brasil uma parte de terrenos e uma parte da atmosfera que são naturalmente mais ácidos do que outras, funcionam aqui também muitas das atividades técnicas na agricultura, na mineração, na indústria e nos transportes, que comprovadamente, produzem mais acidez. Mas isto é percebido pelas pessoas de formas muito variadas, e muitas vezes nem é percebido como tal, como um problema a ser enfrentado. Aliás, em se tratando de percepção individual e social dos riscos, e em geral, das alterações ambientais, a situação é a mesma.

A acidez, na percepção cotidiana, está associada, por exemplo, a certas frutas, que são mais ácidas do que outras, e aos preparados destas frutas como os sucos, os vinagres e vinhos. Ou está associada às várias matérias orgânicas que apodrecem, que se tornam azedas, que têm um cheiro ácido, como ocorre com as comidas que se estragam,com as bebidas e preparados que fermentam; ou também ocorre com as emanações dos mangues, com o húmus das matas.

Para os cidadãos mais instruídos, os ácidos são uma "família"de compostos químicos, incluindo os inorgânicos, quando se trata de componentes ou derivados das matérias inanimadas, das rochas e das águas, os orgânicos, quando se trata de ácidos resultantes de processos biogeoquímicos e biológicos naturais, e os chamados sintéticos quando se trata de compostos produzidos em laboratórios e indústrias.

Mas, mesmo não sendo devidamente instruídos, mesmo sem termos feito cursos de Química, de Biologia ou de Geologia, alguns dos ácidos estão na lista dos produtos e mercadorias que consumimos, e aos quais estamos expostos: os ácidos usados nas oficinas e nas residências para "limpeza" ou para remoção de gorduras, crostas e borras, os ácidos que mancham ou que tiram as manchas das nossas roupas e dos tecidos, os ácidos que estão nas prateleiras das farmácias e nos armários dos banheiros, os ácidos das baterias dos veículos, os ácidos que temperam as comidas, como o limão ou o vinagre....

E não se trata apenas de uma questão de paladar ou de olfato, ou de propriedades sensoriais destes materiais, mas de uma sensibilidade comparativa que vem sendo apreendida e formalizada pelos homens, desde as primeiras civilizações; trata-se, de algum tempo para cá, de uma hierarquização baseada em índices quantitativos. Assim, um biólogo, ou um químico diriam simplesmente que:

– ácido é qualquer material composto cujo índice de concentração de íons de hidrogênio (H+) está abaixo de 7, numa escala exponencial que vai de 7 a 1; e, por simetria:

– alcalino é qualquer material cujo índice de concentração íons hidroxila (OH-) está acima de 7, numa escala exponencial de 7 a 14.

Assim, por exemplo, a água destilada é considerada neutra, com pH igual a 7; o vinagre, com pH igual a 3, é 10.000 vezes mais ácido; a água do mar, o fermento de cozinha, com pH entre 8 e 9, são 10 a 100 vezes mais alcalinos; amônia, com pH igual a 12, é 100.000 vezes mais alcalina.

Apesar desta objetividade científica, desta possibilidade de se medir e de comparar os índices pH de todas as substâncias, através de medições consensualmente aceitas pelos estudiosos, o fato é que as percepções da acidez dependem, como quase tudo, do ponto de vista de quem mexe com os materiais e de quem está exposto às suas possíveis conseqüências danosas ou benéficas.

Um agricultor, por exemplo, ao aplicar calcáreo no seu terreno de plantio, está tentando contrabalançar os efeitos da acidez com o uso de um material alcalino; por exemplo, um médico que receita hidróxido de alumínio ou de magnésio para alguém que está sofrendo de acidez estomacal, está utilizando o mesmo principio:

– ácido mais alcalino reagem formando sais e água; em certas proporções e em certas concentrações, podem se neutralizar reciprocamente, ou pelo menos a sua mistura desloca o índice de pH mais para cima ou mais para baixo. O que parace complicado, e que de fato depende de um conhecimento técnico preciso para ser compreendido, é também a experiência cotidiana de pessoas que operam as estações de tratamento de águas, que mantêm as piscinas, que revelam filmes fotográficos, que fabricam doces de frutas, que respiram ou tocam materiais ácidos em seus postos de trabalho.

Em outros casos, a acidez é relacionada com a dita ferrugem, com a corrosão, pois os ácidos atacam as superfícies metálicas, os revestimentos, as pinturas, as partes submersas em água ou em contato com a água, embora a corrosão possa ser explicada também pela simples oxidação em contato com o ar, ou pela ação da maresia e da bruma marinha. A acidez é milenarmente atribuída aos fenômenos naturais, ou telúricos, como ocorre nos dias de tempestades,quando o ar fica mais ácido com as descargas dos raios, como ocorre durante e após as erupções dos vulcões que vomitam bastante enxofre, ou como ocorre nas épocas de maior fermentação dos fundos dos pântanos e das lagunas e mangues.

Em resumo, temos que formular algumas definições e argumentações que representem a convergência destes variados pontos de vista, que incorporem a experiência passada e as constatações atuais:

– há regiões e zonas do planeta que são mais suscetíveis, trechos que são " normalmente" mais ácidos, trechos onde as emanações ácidas são mais freqüentes e trechos onde os efeitos da acidificação são mais imediatos ou mais marcantes;

– há processos orgânicos, geoquímicos e bioquímicos naturais, que produzem mais acidez ou que concentram mais os compostos ácidos ou acidificáveis;

– há processos técnicos, de laboratório ou industriais que produzem ou que se utilizam de ácidos, ou que emitem ácidos ou compostos acidificantes nos seus coquetéis de emissões e de dejetos;

– e há combinações técnicas e territoriais inéditas entre processos distintos que provocam ou que favorecem a acidez, e durante os quais a acidez se combina com outras alterações ambientais.

São estes os mecanismos e as situações históricas e geográficas que este texto pretende apresentar; as informações aqui coligidas são preliminares, e foram obtidas de fontes secundárias publicadas aqui e em outros países e, às vezes, obtidas de referências e observações " in loco". a idéia central, e que finalmente foi para o título do texto – a pressão ambiental aponta para a via da reforma energética – pode parecer inusitada ou prematura, e as demonstrações podem ser criticadas por falta de uma amostragem maior ou por ausência de medições e equações feitas diretamente pelo pesquisador; mas, é este o desafio deste texto.

A Opção Energético-Intensiva Leva à Alteração Biogeoquímica

A acidificação pode ser caracterizada como um processo múltiplo e cumulativo de degradação ambiental, provocado em primeiro lugar pela emissão de poluentes ácidos ou de poluentes que sejam acidificantes após reações químicas na atmosfera (ou no solo, nas águas e nos organismos vivos). Atualmente, esta emissão supera em intensidade e amplia espacialmente as emanações ou reações químicas naturais que também são acidificantes.

Antes de entrarmos na descrição de como isto está ocorrendo no Brasil, é necessário que se estabeleça uma argumentação geral, que englobe todas as manifestações técnicas da acidificação no planeta, é necessário especificar como a acidificação atual é uma decorrência intrínseca de determinados processos produtivos e de determinados modos de consumo.Resumidamente, propomos o seguinte:

– o processo histórico do desenvolvimento capitalista, desde a fase inicial do mercantilismo, mas principalmente no último século, significou também um movimento de concentração populacional em aglomerações urbanas e um movimento combinado de expansão geoeconômica e populacional, com grandes deslocamentos de populações humanas e incorporando regiões antes desabitadas ou habitadas por povos nativos;

– ao mesmo tempo em que se aprofundou e se disseminou a exploração dos recursos vegetais, animais, minerais e hidráulicos, multiplicaram-se os efeitos dos riscos telúricos naturais, e aumentou bastante o grau de risco sanitário-epidemiológico nas cidades e nas áreas densamente povoadas.

O motor deste processo histórico do capitalismo tem sido a acumulação de capital a partir da exploração do trabalho assalariado, e esta acumulação vem significando a intensificação da proporção de máquinas e instalações fixas, e do uso de energia das fontes naturais, em relação à proporção de trabalho humano vivo. Para tanto, o poder econômico e político baseado nesta acumulação privada de capital tenta manter prioridades tais como:

– prioridade da valorização das mercadorias sobre as condições de trabalho e as condições de vida da grande maioria;

– prioridade da apropriação destrutiva da natureza e da exploração intensiva do trabalho humano sobre a segurança e a integridade individuais e coletivas.

Assim, o aumento do risco e da degradação deve ser visto como uma característica estrutural do regime capitalista contemporâneo; e, ao mesmo tempo, o risco e a degradação são também decorrências do uso de certas tecnologias nos países onde este regime foi historicamente limitado ou derrotado.

Neste contexto mais amplo, vejamos como se dão, em linhas gerais, a produção e o consumo de energéticos:

1) os empreendimentos são privados, estatais ou mistos, de grande porte e bastante centralizados.

2) a sustentação dos empreendimentos se baseia numa divisão técnica e hierárquica do saber, a qual, apesar das evidências e das promessas do avanço do conhecimento científico, restringe e dificulta a compreensão dos processos técnicos e das alterações que eles provocam na dinâmica ambiental e na saúde humana.

3) e se isto ocorre no âmbito das empresas, temos também, em todo o conjunto da sociedade, uma centralização do poder político,que é exercido pelas alianças entre os conglomerados empresariais, os oligopólios financeiro-industriais e alguns aparelhos do Estado.

Para manter e aperfeiçoar o seu comando social e político, estas alianças vão retardando ou neutralizando as possibilidades de controle dos investimentos e da produção por parte dos próprios assalariados, por parte das populações próximas, dos usuários, e por parte dos cidadãos em geral.

Retomando então a nossa argumentação principal: se quisermos avaliar o que ocorre no Brasil, ou em outro país capitalista, temos que nos fundamentar numa interpretação histórica como esta que resumimos antes; e, em seguida, considerar a quantas anda o próprio conhecimento científico e profissional a respeito dos processos de degradação ambiental, e em particular, a respeito do processo de acidificação.É o que discutiremos com mais detalhe a seguir.

Poucas Certezas Científicas: A Alteração Biogeoquímica Provocada pela Queima e a Mudança no Patamar dos Riscos

A ciência atual, apesar de toda a sofisticação e de todo o aparato em uso, pode ter poucas certezas a respeito das repercussões de sua própria aplicação à produção de mercadorias; esta auto-avaliação fica ainda mais difícil quando a mesma ciência se aplica também no aperfeiçoamento da dominação social.

Sabe-se, é claro, que a dinâmica natural está bastante alterada em várias regiões do mundo, e que há sintomas e alarmes indicando prováveis alterações da dinâmica planetária. Se abandonarmos a ilusão precedente de que é sempre possível e sempre benéfico o "domínio do homem sobre a natureza", podemos então avaliar com maior dose de realismo, e também de preocupação, o fato de que estas dinâmicas regionais e planetária estão sendo postas à prova em sua capacidade de sustentação, e nos seus limites de diluição. Podemos então reconhecer que se estão desafiando as possibilidades de recuperação e as alternativas de re-equilíbrio destas dinâmicas naturais já alteradas e em fase de alteração.

Uma destas poucas certezas científicas é de que a produção e o consumo de combustíveis em grande escala, por meio das modalidades técnicas em vigor, desencadeia algumas das principais alterações biogeoquímicas que estão em curso: aumento da concentração dos gases carbônico e metano, diminuição das camadas protetoras das radiações solares, acidificação. Poderão estas alterações significar a degradação final ou a morte das regiões, ou mesmo do planeta?

Depende, e, para começar, depende de como se concebe a vida no planeta, de como se concebe o único planeta com vida neste sistema solar.

Se supusermos que as eras e os processos geológicos se sucedem lentamente (comparando com o tempo da vida humana) e que a sua evolução inexorável se dá com pouca ou nenhuma interferência da população humana e das suas intervenções técnicas:

– neste caso, poderia haver a convicção de que, afinal, a humanidade neste mundo será eterna, poderia se cultivar a esperança de que, afinal, o planeta não vai piorar tanto, e talvez até melhore...

Preferimos supor, como fazem dentre outros os pesquisadores Barry Commoner, Enzo Tiezzi, Ter-Stepanian, que:

– a ação humana tecnificada é hoje um agente geológico de primeira grandeza;

– é a vida que regula o planeta que permite a vida.

Com isto, abandona-se a ilusão de que o domínio do homem sobre a natureza, da forma como vem sendo praticado há poucos séculos, possa se ampliar para todos os povos, em todos os locais e indefinidamente. Particularmente no caso de queima de combústiveis fósseis e no caso de alguns processos químicos e metalúrgicos, que estão na origem da acidificação, a idéia de "domínio" deve ser substituída pelas idéias de "risco crescente" e de "degradação violenta ou até irreversível".

Numa retrospectiva mais longa na história do homem,não podemos abstrair o fato de que "sempre" se trabalhou com o fogo e com a combustão. Mas desde que se passou a ganhar dinheiro com a produção de mercadorias energéticas, obtidas pelo trabalho humano, a tendência é que todos os compostos de carbono, ou seja,todo o mundo orgânico vivo, em decomposição e fossilizado, se tornem potencialmente combustível e fonte de lucros.

a) O que Significa de fato Queimar?

Significa desencadear reações poderosas, muitas delas irreversíveis; significa basicamente oxidar o carbono e alguns outros elementos (inorgânicos e metálicos), consumindo o ar, portanto consumindo o oxigênio e o nitrogênio do ar.

Queimar não é somente esquentar muito, mas esquentar rapidamente, mudar pressões e densidades dos materiais, modificar combinações químicas e moleculares, mantendo-se entretanto a soma total de massa e energia constante, conforme os princípios da termodinâmica. Os estudiosos das ciências naturais consideram a queima como uma reintrodução dos elementos, de seus íons e compostos nos ciclos bioquímicos prevalecentes, uma reintrodução de origem antropogênica.

A queima lança no ar e deixa no chão, nos locais da queima e nas instalações onde se deu a queima, três tipos principais de substâncias e de compostos:

1) os hidrocarbonetos – CxHy -,inciusive os aromáticos e os policíclicos aromáticos (P.C.A.), os óxidos (CO,CO2) e os fotos oxidantes, como o peroxi-acetil-nitrato (P.A.N.).

2) os elementos inorgânicos, (Enxofre – S -, o Nitrogênio -N -, o Potássio – K -, o Flúor – F – dentre outros) mais os seus compostos oxidados (SO2, NO, NO2, p.ex.) ou combinados com hidrogênio (p.ex.HF.HNO3) ou com metais (nitratos, sulfatos).

3) pequenas proporções de metais pesados, ou de íons, sais e óxidos destes metais (p.ex.Al, as,Cu,Hg,Pb,Cd,Cr,Sb).

Estas substâncias e compostos provêm da queima dos numerosos materiais há muito tempo queimados pelos homens: lenha, carvão vegetal, turfa; óleos e tortas obtidos das carnes e vísceras animais, das sementes e dos grãos; bagaços, palhas, cascas e fibras dos gêneros alimentícios beneficiados ou processados.

Mas os atuais coquetéis poluentes provêm principalmente da queima de carvão de pedra, (antracita, hulha, linhita), dos óleos minerais e dos gases do subsolo, e provêm da queima de qualquer um dos seus derivados, inclusive das sucatas e resíduos destes produtos (p.ex. queima dos restos de plásticos e borrachas).

b) E o que Resulta da Queima?

O resultado imediato de cada queima é portanto a produção de outros compostos, gases, misturas de gases, vapores, líquidos e partículas em suspensão, cinzas, borras. Mas o resultado acumulado de todas as queimas é uma enorme desproporção entre as quantidades e as concentrações hoje emitidas – e aquelas quantidades e concentrações estimadas para a nossa era geológica, até um ou poucos séculos atrás. Isto vale para o CO, para o CO2, para os CxHy (destacando-se o metano e o benzeno), vale para os SOx e NOx, para a grande maioria dos compostos inorgânicos e para alguns dos compostos foto-oxidantes; esta desproporção é um verdadeiro salto qualitativo inédito.

A mudança de patamar pode ser demonstrada qualitativamente, como faz Ter-Stepanian, declarando já iniciada a era pós-quaternária ou era tecnogênica; e pode também ser aferida por meio dos grandes números, de que os cientistas se utilizam e que as redes institucionais e de comunicação divulgam para o público:

– a concentração de CO2, que estava abaixo de 280 partes por milhão na era pré-industrial, chega a 330 ppm na metade do século XX e já deve ter ultrapassado os 350 ppm;

– a emissão total de dióxido de enxofre por meios técnicos passou de 50/60 milhões de toneladas por ano na primeira metade deste século para a faixa de 150/160 Mt SO2/y atualmente;

– áreas geográficas saturadas após decadas e até séculos de deposição de SO2, hoje estão hoje recebendo 10,20 ou mais toneladas por km quadrado por ano, e estão sujeitas a chuvas ácidas e a smogs fotoquímicos, com índices de pH abaixo de 5,0 e até abaixo de 4,0, quando o patamar histórico das chuvas estava provavelmente entre 6.5 e 5.5.

A mesma mudança de patamar pode também ser verificada por meio das estimativas globais de consumo de petróleo e de carvão mineral, cujos processamento e queima são as principais fontes de acidificação:

– petróleo: aproximadamente 3 bilhões de toneladas/ano são extraídas, processadas e queimadas,das quais 2/5 partes na URSS, nos EUA e na China; se tudo isto fosse queimado, supondo um teor médio de 2% de S, a emissão anual de SO2 chegaria a 120 milhões t.

– carvão: aproximadamente 3 bilhões de toneladas/ano são extraídas e processadas, das quais 2/3 partes na China, EUA e URSS; se tudo isto fosse queimado, supondo um teor médio de 3% de S, a emissão poderia chegar às 180 Mt SO2/y (ref. Kohier, 1985. Para os dados agregados; a estimativa é nossa).

E, mesmo esta outra certeza científica, a da mudança do patamar de riscos, pode ser contestada pelos que são mais confiantes no sucesso da tecnologia e por aqueles mais comprometidos com a continuidade e com o aperfeiçoamento desta imposição enérgetico-intensiva. De fato, para estes interlocutores, o chamado efeito estufa ainda não mostrou uma elevação sensível e duradoura das temperaturas, nem o nível dos mares subiu ainda... de fato, a acidificação afinal só está comprovada em alguns pontos da Europa e da America do Norte... além disto, a tecnologia e a vontade política tudo podem solucionar...

A este propósito, é oportuno recomendar o ensaio de Remi Barré, "Les pluies acides en Europe – Un avenir ecologique en forme de scenarios geopolitiques et scientifiques", onde ele registra os esforços e os desencontros entre os governos e as forças sociais dos vários países para conter a emissão de SO2 e dos NOx; ele aponta, ao mesmo tempo:

– uma grande oportunidade política para estas sociedades se entenderem sobre uma alteração irreversível e sobre os prejuízos crecentes em seus próprios territórios e nos territórios vizinhos ou distantes; ou

– uma via de declínio econômico e político, de piora lenta mas inexorável das condições de vida, se a primeira oportunidade não for aproveitada.

A questão da acidificação, lá onde o processo vai sendo comprovado, deixou de ser apenas uma reclamação de alguns setores da população, extrapolou a bandeira do ecologismo nórdico, abriu uma importante controvérsia científica, e está se tornando um campo de pressões sociais, internamente aos países, e de pressões político-estratégicas, nas relações entre países vizinhos próximos e mesmo entre países distantes.

Agora podemos lançar mão destas duas certezas científicas – a alteração biogeoquímica já desencadeada, e a mudança do patamar de riscos – para iniciar a nossa avaliação sobre o processo de acidificação que está certamente em curso no Brasil.

No Brasil, Causa e Efeito Esclarecem ou Escondem a Responsabilidade?

Para encaminhar o debate sobre a acidificação no Brasil, já tomamos uma primeira precaução, que foi explicitar os mecanismos gerais que associam o risco e a degradação a determinados processos produtivos e a certas modalidades técnicas. Porém, a seqüência de nossa argumentação daqui em diante irá frequentemente esbarrar em limitações intelectuais e políticas presentes em nossa "cultura desenvolvimentista" tão peculiar.

Uma limitação é a idéia tão repetida de que são somente os países mais ricos que provocam a poluição; um argumento comum que se segue a esta idéia é o de o nosso problema é primeiramente chegar a produzir tanto quanto eles, e depois então ir adaptando e regulamentando a nossa indústria para evitar os erros dos europeus e dos norte-americanos.

Esta argumentação se assemelha a uma ideologia: destina-se a realçar o senso comum ( de fato, o acúmulo de poluição nas regiões mais industrializadas é impressionante) e a escamotear alguma consequência ou implicação grave (se adotarmos as mesmas tecnologias e ampliarmos a indústria local, sofreremos riscos e prejuízos comparáveis aos deles).

Ora, as instalações que queimam óleo e carvão mineral aqui no Brasil, as que beneficiam e fundem metais e ligas, as que produzem celulose, cimento, fertilizantes, têm escalas de produção, potências, vazões, parâmetros de fabricação e de emissão de dejetos comparáveis às instalações similares no exterior. E mais: apesar das várias distinções técnicas e organizacionais que certamente existem, a aparelhagem básica, as receitas industriais e os tipos de materiais processados são os mesmos ou semelhantes aqui e no exterior.

Não estamos com isto dizendo que a indústria aqui é igual à de lá; apenas insistimos no fato de que, nestes setores aqui comentados, o parque técnico instalado no Brasil é de primeira grandeza em termos internacionais. Mas há nuances, e elas devem ser citadas: algumas destas instalações aqui têm menos tempo de funcionamento do que as européias ou norte-americanas, o que é um trunfo relativo, pois, em geral, quanto mais velhas, são mais arriscadas e mais poluidoras.Porém, há também agravantes, pois as competências técnicas e profissionais mobilizadas para a operação e a manutenção destas instalações são aqui mais baixas, e, pior, o quanto se despende aqui com medidas e com atividades preventivas e de segurança é muito menos do que o que se despende lá, o que é um handicap negativo, pois as depreciações serão mais rápidas e as panes técnicas mais prováveis.

De toda forma, as verdadeiras dimensões do problema, a amplitude e os ritmos destes mecanismos não são conhecidos no Brasil, nem por mim, nem por nenhum outro estudioso isoladamente, e talvez não o sejam nem pelos institutos de pesquisa, universidades ou agências governamentais. Quando alguns mecanismos ou alguns efeitos são investigados e os seus resultados são divulgados, coloca-se a questão da validade das explicações e das mensurações efetuadas.E aí, a controvérsia vai se instalar, de duas maneiras:

1) Deve-se restringir as explicações somente para a poluição atmosférica de tal região em tal época? deve-se associá-la necessariamente ao funcionamento de determinadas modalidades técnicas ali existentes?

Num certo sentido, tais perguntas se justificam, pois cada combinação entre modalidades técnicas/populações humanas concernidas/dinâmicas naturais local e regional é uma combinação única. Todavia, destacar a singularidade de cada degradação poderia bloquear o avanço da investigação: nada se poderia afirmar a respeito das situações onde não se mediu nada, ou onde se mediram apenas tais variáveis em tais condições. No limite, esta atitude levaria à negação da própria especulação científica, à negação da possibilidade de dedução e de avaliação comparativa, pois... o "fenômeno" só existiria quando devidamente registrado e mensurado.

2) Deve-se levar em conta os sintomas observáveis e mensuráveis como indicadores da existência do processo de degradação? Ou, ao contrário, deve-se considerar a acidificação como certeira e inevitável a partir da simples existência das modalidades técnicas que a provocam?

Bem, se nos mantivermos no quadro teórico em que nos formamos como profissionais e como pesquisadores, teríamos apenas uma trajetória válida para os raciocínios:

– a busca de um mecanismo lógico que relacione causas e efeitos, com a definição de variáveis e de dimensões físicas que permitam elaborar parâmetros teóricos ou experimentais, os quais por sua vez, seriam aceitos como critérios para dimensionar, projetar e pôr em funcionamento os sistemas técnicos.

Entretanto, o avanço da degradação e do risco é cada vez mais observável, e mais do que isto, seus prejuízos e suas ameaças são vivenciados pelas pessoas de tal forma que o drama não pode simplesmente ser apagado da memória dos indivíduos e dos grupos humanos. Quando os tais "custos do progresso" vão se tornando mais claros, maiores, mais freqüentes, a tendência é que aquela trajetória, tão cara aos engenheiros e aos aplicadores da ciência à produção, seja colocada sob suspeita, ou desconfiança; nos estágios mais complicados do problema, esta mesma lógica cartesiana passa a ser rejeitada ou combatida por alguns setores sociais.

Alem disto, na compreensão do processo de acidificação, muita coisa depende da visibilidade espacial e da percepção temporal que uns e outros têm a respeito da mesma situação; e muita coisa depende da possibilidade de se deduzir (a partir das situações mais conhecidas) explicações válidas, ou pelo menos pistas frutíferas para a investigação das situações menos conhecidas. Já vimos, com os relatos dos pescadores, dos fazendeiros e dos guardas florestais, que o conhecimento popular e profissional é uma fonte fundamental para a ciência.

O problema contudo não é meramente técnico, nem se explica apenas por argumentos lógicos cientificamente aceitos, pois estamos no campo das relações sociais. Se a produção de mercadorias, se a apropriação dos espaços e das formas de vida se dão cada vez mais sob o comando empresarial e/ou estatal, é bastante plausível atribuir a estas esferas institucionais e a estes grupos dirigentes a responsabilidade pela opção energético-intensiva e portanto, pelo desencadeamento das causas da acidificação, e também da concentração de gás carbônico e de outros de riscos tecnológicos.

Além disto, sabendo que os efeitos da acidificação são variados, combinados, que alteram as condições estruturais dos solos, das águas, da cobertura vegetal, prejudicando a saúde e a integridade dos homens e de todos os seres vivos, seria também plausível que definíssemos a população em geral, não somente a atual, mas as gerações sucessivas, o seu patrimônio comum, a sua base territorial, como aqueles que suportam os prejuízos da acidificação e dos demais processos de degradação.

Neste ponto, algo crucial vem à tona e passa a dominar a cena: a chamada verdade científica pode ou não, qualificar as relações sociais? O veredito técnico pode ou não se tornar também um veredito jurídico?

Recapitulemos novamente: a relação entre a atividade técnica da produção mercantil, com as suas formas organizacionais próprias e as condições gerais de vida dos trabalhadores e de toda a população significou historicamente uma sucessão de conflitos duros a respeito do acesso e do uso dos recursos físicos e biológicos do planeta, e um emaranhado de litígios em torno dos valores, das proporções entre os valores, em torno dos prejuízos e das responsabilidades por tais prejuízos.

Supostamente, havendo vítimas e prejudicados em decorrência de decisões ou de omissões das empresas, deveria haver uma responsabilização que levasse, ao mesmo tempo, ao socorro das vítimas, ao ressarcimento dos prejuízos, e deveria haver uma reavaliação que levasse à modificação ou à reforma, que evitasse ou diminuísse a ocorrência de novas vítimas e novos prejuízos.

Entretanto, a responsabilidade empresarial vem sendo em boa parte mercantilizada, por meio da atribuição de valores monetários à insalubridade e à periculosidade do trabalho, e, em alguns casos, por meio da atribuição de valores de indenização a serem pagos aos indivíduos ou aos próprios poderes públicos. Esta mesma responsabilidade vem sendo transferida das empresas para estes mesmos poderes públicos, supostamente aptos a tratar da insalubridade e dos riscos dentro e fora dos estabelecimentos, supostamente preparados para tratar dos padrões de qualidade do ambiente alterado pelo funcionamento destes estabelecimentos, e para tratar das situações mais críticas.

Em muitos casos graves e cada vez mais freqüentes, os prejuízos e os crimes afetaram trabalhadores, usuários, vizinhos, consumidores, individualmente, em pequenos grupos e em coletividades inteiras e numerosas, e as causas não foram esclarecidas ou não foram tornadas públicas. O que se viu e o que se vera ainda por algum tempo, é a escamoteação, a invenção dos bodes expiatórios e, em certos casos, a própria fraude; não faltam explicações do tipo: a culpa é do piloto, do operador, do maquinista... não há como responsabilizar a direção empresarial... não há como puni-la ou como obrigá-la a fazer reparações e reformas necessárias...

Ainda assim, os acidentes graves, os traumatismos coletivos de maior repercussão são melhor esclarecidos do que os processos lentos ou latentes de degradação, como é a acidificação. Por exemplo, em alguns estados brasileiros, os organismos de controle da poluição ambiental (p.ex.Cetesb, em SP; Feema; RJ; Fatma, SC; Copam, MG) pretendem regulamentar as emissões de SO2 por meio de valores máximos da concentração do dióxido na atmosfera, nas imediações das chaminés e em círculos de alguns quilômetros em torno; estes organismos especificam as taxas máximas de 80 microgramas por metro cúbico como média anual, e de 300 ug/m3 como média díaria,decretando que estes são os valores suportáveis, quando já se sabe que nas regiões mais castigadas da Europa o depósito anual médio de SO2 está na faixa de 20/30 ug/m3 .

Ora, é melhor do que nada, pode-se replicar. Mas pode ser até pior, conforme o ponto de vista: com este método burocrático que se reveste de aparência científica, ignora-se que as chaminés emitem coquetéis poluentes e que estes coquetéis reagem quimicamente na atmosfera. A aparência científica, por meio do uso de designações técnicas e de unidades de medida, pode desabar quando entramos mais no mérito do problema.

Com um método que prioriza as medidas de concentrações do gás SO2 ou dos NOx na atmosfera ou no rés do chão próximo das chaminés, omite-se o fato elementar de que os íons ácidos (H+) são formados após as reações do coquetel na atmosfera, com as nuvens, a umidade, e com o terreno e a vegetação onde caem; despreza-se o fato hoje bastante conhecido de que as precitações ocorrem nas imediações da chaminé e em todos os percursos dos ventos e das chuvas, em distâncias às vezes muito grandes (dezenas, e até centenas de kilômetros longe dos focos emissores).

E mais: ao se priorizar as medidas de concentração (ug/m3 ou ppm, p.ex.) pode-se estar atendendo às recomendações de ordem médica, pois os efeitos sobre a saúde humana são mais prováveis quando se respira um ar mais densamente contaminado. Porém está se desprezando um fato crucial para a compreensão da acidificação, pois a acidez que finalmente retorna à terra é diretamente proporcional às toneladas de compostos de S e de N emitidos e não à concentração do gás SO2 ou NOx.(Isto porque cada molécula do gás, após reagir na atmosfera, produz dois íons H+, e cada molécula de NO ou No2, nas mesmas condições, produz um ion H+, e todos os íons caem)

* * *

Estes comentários bastam, a nosso ver, para que se consiga relacionar o caso brasileiro com os casos europeus e norte-americanos: é comum se ouvir por aqui que a acidificação não ocorre, que as emissões estão abaixo dos limites admissíveis, e que não há como comprovar cientificamente que tal indústria está prejudicando tal região de tal forma.

A disposição intelectual e ética de quem diz ou escreve tais coisas é comparável às disposições do governo Thatcher (quando argumenta que não está devidamente comprovado que os coquetéis das chaminés das Ilhas Britânicas acabam precipitando na Escandinávia) ou do governo Reagan (quando argumentou anos em seguida que não estava ainda suficientemente comprovado que tais lagos ou florestas canadenses estavam sendo prejudicados pelos coquetéis das chaminés de certas regiões dos EUA), ou do governo Gonzalez, na Espanha (que resiste a seguir os critérios já aprovados pela Comunidade Econômica Européia para o controle das emissões das termoelétricas).(v. Acid. Magazine 1984, Cruz 1989).

Estamos assim diante de um jogo ideológico e político de grandes proporções, mais um dos vários jogos criados pelas relações entre a indústria e as coletividades humanas; a busca científica das relações comprovadas e detalhadas entre causa e efeito, que tem sido essencial para estabelecer vereditos jurídicos em tantos casos, pode funcionar também como um amortecedor das pressões sociais e diplomáticas que exigem reformas energéticas e controles ambientais.

Cremos que o desafio maior, no caso do Brasil, talvez não seja o estabelecimento da relação causa e efeito, mas, sim, a abertura das informações empresariais e técnicas necessárias para que se consiga quantificar e qualificar as múltiplas dimensões dos prejuízos. O desafio vai alem, é a busca da compreensão da sinergia entre processos técnicos e processos naturais, é a busca de uma demarcação temporal e espacial suficiente para que se possa enfim, nomear as estruturas institucionais e as equipes dirigentes responsáveis pelos prejuízos.

Deduzindo, e, se Possível, Medindo as nossas Manchas Ácidas

O lançamento de dióxido de enxofre é provavelmente o componente principal da acidificação da atmosfera em várias regiões brasileiras. Um patamar mínimo de lançamento anual poderia ser obtido a partir das quantidades de petróleo e carvão queimados e processados e de seus teores de enxofre:

– mais de 60 milhões t/y de petróleo, local e importado, com teores entre 0,1% e 5% de S; entre 15 e 20 milhões t/y de carvão e coque mineral, com teores entre 1% e 8%; somente estes dois componentes indicam, por meio de cálculo teórico, algo entre 2,5 e 3,5 Mt SO2/y.

Este seria um patamar mínimo, pois deve-se acrescentar os compostos de enxofre lançados pelo processamento de minérios metálicos que contêm algum teor de enxofre, e pelo processamento químico do próprio enxofre e de seus ácidos comercializados. Neste caso, poderíamos chegar à faixa das 4,0 Mt/y, próxima aos valores de emissão dos principais países poluidores da Europa. O fato de estarmos numa superfície muito maior do que estes países poderia parecer uma vantagem, mas, na realidade, as regiões onde estão os focos somam uma pequena parte deste imenso território, a conclusão é que: onde ocorre acidez, o patamar pode ser o mesmo da Europa Central e das Ilhas Britânicas.

Nos oito e meio milhões de quilômetros quadrados do território brasileiro certamente funcionam milhares de chaminés cujos coquetéis são acidificantes, e milhões de canos de descarga de motores cujos coquetéis também são acidificantes. São as chamadas fontes estacionárias e móveis, e quase todas são devidamente cadastradas: atividades industriais, minerais, energéticas, agrícolas; automóveis, caminhões, ônibus, tratores, motocicletas; trens, embarcações e aeronaves. Para o que nos interessa aqui, são todos pontos de queima de combustíveis fósseis ou pontos de emanações e descargas de materiais acidificantes, que designamos como focos emissores de acidificação e de outros processos degradantes.

Comecemos por uma primeira discriminação destes focos emissores, agrupando-os conforme as modalidades técnicas empregadas e indicando suas localizações, e eventualmente, suas denominações:

– muitos dos focos emissores formam verdadeiras faixas e trajetos de contaminação atmosférica de baixa altitude, ao rés do chão ou quase isto, acompanhando os deslocamentos dos meios de transporte equipados com motores a combustão interna;as estimativas apontam estes focos como responsáveis por mais de 70% da emissão dos NOx no país , por mais de 85% da emissão de CO, e mais de 65% da emissão dos CxHy.

– os outros focos formam zonas de concentração ou de proximidade de processos produtivos que contaminam a atmosfera média e a alta, cujas chaminés e descargas respondem por mais de 90% da emissão de SO2 no país, por mais de 80 % da fuligem (material particulado), por cerca de 20% dos CxHy e quase 30% dos NOx.

Os principais processos produtivos que devem ser especialmente associados à acidificação no Brasil incluem, pelo menos, os seguintes:

1) as indústrias químicas e laboratórios que produzem os próprios ácidos comercializados, e mais aquelas que os empregam em grandes quantidades, ou em concentrações altas, ou em condições propicias às emanações, aos vazamentos e às reações químicas com a atmosfera (p.ex.fábrica de ácidos clorídrico – HCL, ou sulfúrico – H2SO4);

2) usinas de beneficiamento e de fundição de metais e de ligas que trabalham com minérios sulfurosos (p.ex.carvão mineral piritoso, sulfatos de Cobre), ou com minérios alcalinos que são atacados por ácidos nos vasos de reação, ou com misturas fundentes que podem liberar compostos ácidos (p.ex.criolita nas cubas de eletrólise do alumínio, liberando HF – ácido fluorídrico).

3) processamento de bio-massa, cujos procedimentos de fermentação liberam ácidos orgânicos (p.ex.na fabricação do álcool), ou cujos procedimentos de clarificação utilizam sulfitos ou sulfatos para neutralizar as lavagens de soda (p.ex.fabricação de pasta de celulose e de papel, que emite gás sulfídrico – H2S – ou compostos orgânicos sulfurosos, as mercaptanas).

4) caldeiras, fornos industriais, torres e reatores de processamento termoquímico que queimam ou processam carvão mineral,petróleo e os seus derivados, destacando-se aí as instalações de todo o circuito do petróleo/petroquímica, as centrais termo-elétricas, uma parte das fábricas de fertilizantes minerais e de cimento, e uma parte das usinas de processamento de alimentos e bebidas.

Quando se tem numa mesma zona geográfica alguma combinação entre duas ou mais destas modalidade, estão dadas as condições para que se chame uma certa região de foco regional de acidez. e, a cada foco regional de acidez, corresponderá certamente alguma mancha ácida, ou seja, alguma superfície de terras e de águas que recebe preferencialmente as precipitações provenientes de um ou mais de um foco emissor.

Se o parque industrial, ou mesmo única grande instalação,se combina com uma área urbana de médio ou grande porte, ou se está a uma distância pequena das aglomerações (p.ex.de 10 a 50 km), ou se está a uma distância pequena ou média de outros focos emissores (p.ex.até 150 km.), temos aí uma situação local/regional bastante comparável às áreas européias, norte americanas e canadenses uma zona de deposição alta ou máxima (p.ex. mais de 5, ou mais de 20 ton.SO2/Km2/y).

Um primeiro rastreamento da indústria nacional pode se iniciar pelas instalações de produção de energéticos e dos processos energético-intensivos, e apontaria já algumas dezenas de focos regionais de acidificação, e, portanto, algumas dezenas de manchas ácidas formadas a partir destes focos (esclarecemos que nesta versão parcial não foram ainda consideradas as principais indústrias químicas fabricando ácidos ou utilizando quantidades ou concentrações importantes de ácidos fabricados pelas primeiras; se isto fosse feito, seriam acrescentados de dez a quinze novos focos neste primeiro mapeamento, e na maioria dos casos estes focos estariam dentro ou próximos dos que estão aqui assinalados).

Grupo I – Circuito de Petróleo/Petroquímica

Incluam-se todas as refinarias de petróleo, agrupadas p.ex. em três "famílias": as grandes, em Paulínia e em São José dos Campos, SP; em Duque de Caxias, RJ e em Araucária, PR; as médias em Mataripe, Ba (acrescente-se a fábrica de asfalto nas proximidades e a Carbono Coloidal em Candeias); em Canoas, RS; em Betim, MG; em Cubatão, SP (acrescente-se a fábrica de coque metalúrgico); e as pequenas, em Rio Grande, RS; Capuava, SP; em Manguinhos, Rio de Janeiro. Incluam-se também a fábrica de asfalto de Fortaleza, a fábrica de borracha sintética no Cabo, PE e o processamento do xisto betuminoso em São Mateus do Sul, PR; e acrescentem-se os parques petroquímicos principais em Camaçari, BA, em Paulínia, SP, em Capuava, SP, em Triunfo, RS;acrescentem-se as centrais termo-elétricas médias e grandes queimando óleos pesados em Santa Cruz, Rio de Janeiro, em Guarapiranga, São Paulo, em Igarapé, MG, em Manaus, aM.

Grupo II – Circuito do Carvão Mineral

Incluam-se as duas principais áreas de mineração e beneficiamento no Sul de Santa Catarina (Crisciúma e municípios vizinhos) e no sul do Rio Grande do Sul (Bagé), onde também foram instaladas e estão sendo ampliadas centrais termo-elétricas de médio e grande porte queimando carvão. Acrescente-se, em Imbituba, SC a indústria carboquímica; incluam-se os principais pontos de queima de carvão e coque metalúrgico de origem brasileira e estrangeira, ou seja: as siderúrgicas de grande porte em Cubatão, SP; em Sepetiba, e em Volta Redonda e Barra Mansa, RJ; em Monlevade, Sabará, Ipatinga e Timóteo, MG; em Tubarão e Vitória, ES; em Aratu, BA, e na área metropolitana do Recife, PE.

Grupo III – Circuito da Bio-Massa

Destacamos, por enquanto, as zonas de maior concentração geográfica das destilarias de álcool, nos vales dos rios Piracicaba e Mogi-Guaçu, em SP, no norte fluminense, no Recôncavo baiano e nas terras baixas do Nordeste Oriental, passando por Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. Incluam-se pelo menos as maiores fábricas de celulose e papel no vale do Rio Doce: Cenibra e Santa Terezinha próximas de Governador Valadares, MG e Aracruz, próxima de Linhares, ES; Champion, em Mogi-Mirim, Ripasa, em Limeira, SP; em Suza-no e Jacareí, também em SP; Klabin em Telêmaco Borba, PR e próximo a Lages, SC; a Riocell, defronte a Porto Alegre, RS; a Jari, fronteira PA/AP.

Grupo IV – Circuito da Mineração/Metalúrgica

Além das siderúrgicas grandes já citadas, incluam-se as instalações de beneficiamento e fundição de alumínio em Sorocaba, SP; Poços de Caldas e Ouro Preto, MG; em Santa Cruz, Rio de Janeiro; em Aratu, BA; na ilha de São Luiz, MA e em Barcarena, próximo e Belém PA; as de cobre em Camaquã, RS, em Jaguarari e em Camaçari, BA e as de zinco (em Vazante, em Três Marias, e próximo de Além Paraíba, MG). Acrecente-se a mineração e beneficiamento do urânio próximo a Poços de Caldas, MG, e também algumas instalações importantes de ferro-ligas, como as de Várzea da Palma, Pirapora e Montes Claros, MG, a de Pojuca, BA, a de Tucuruí, PA, dentre outras.

A relação é naturalmente incompleta e sujeita a críticas e reparos, mas serve de base para iniciar uma delimitação das manchas ácidas no Brasil;vale dizer que o detalhamento e o aperfeiçoamento deste mapeamento somente seriam possíveis no quadro de uma equipe de pesquisa multiprofissional, dedicada durante um bom tempo a abrir novas fontes de informação e a cruzar os dados técnicos e geográficos em função desta meta.

Se pretendermos passar deste mapeamento indicativo dos focos de emissão alta para um mapeamento indicativo das áreas geográficas atingidas pelo processo de acidificação, teremos muitas dificuldades teóricas e empíricas. Por enquanto, comentaremos apenas alguns dos principais mecanismos e algumas das possibilidades que consideramos as mais prováveis.

A intensidade da acidificação em curso depende primeiramente dos tipos de combustíveis e de minérios processados, e, mais diretamente, depende dos teores de enxofre destes materiais e da forma como são queimados e ou processados.

Já os efeitos difusos e cumulativos da acidificação dependerão de numerosos fatores e circunstâncias locais e regionais, de ordem técnica ou relativos à dinâmica natural, e dependerão de processos históricos diferenciados. Se nos restringirmos aqui às modalidades técnicas citadas, e às fontes estacionárias de médio e grande porte, podemos seguir as seguintes pistas:

a) as chaminés que emitem estes coquetéis têm características de projeto que pré-determinam, em parte, as dimensões dos prejuízos: a composição dos coquetéis poluentes, ou a proporção de gases , vapores, gotículas e partículas; a vazão, a velocidade e a temperatura de saída destes coquetéis.

b) o caminho aéreo de um coquetel poluente dependerá particularmente da altura da chaminé, de sua posição relativa no relevo local e regional, e das direções e altitudes das massas atmosféricas que aí se deslocam.

c) a dinâmica meteorológica e as reações químicas na atmosfera são bastante variadas no tempo e no espaço, e na acidificação parecem influir muito as variações de umidade e os ventos locais; e, um dos fatores-chaves é a relação entre as cotas da base e do topo da chaminé e a sua posição na geomorfologia local/regional.

d) as precipitações íons H + (e dos óxidos e ácidos que podem formá-los posteriormente) cairão evidentemente a jusante dos ventos e das chuvas, mas, o formato e a superfície das áreas de precipitação variam, para o mesmo foco emissor, durante o dia e durante o ano.

e) os efeitos são também bastante distintos se estes terrenos se estendem numa planície, num planalto ou num relevo ondulado com poucas diferenças de cotas, ou se o caminho dos ventos e chuvas estiver afunilado por uma garganta de serra, ou se houver uma chapada, uma falésia, ou uma crista montanhosa que funcione como barreira orográfica, em cujas vertentes serão recolhidas muitas das chuvas provenientes dos focos de acidificação.

Estes seriam os passos mínimos para que se possa deduzir e equacionar o que se passa nas manchas ácidas brasileiras. E claro que são feitas medidas que direta ou indiretamente comprovariam a existência destas manchas e as condições atuais de degradação, mas são muito poucas medições. Por isto caberia, numa proposta de investigação mais ampla e duradoura, cruzar as informações provenientes de pesquisas acadêmicas com dados dos centros de meteorologia e das empresas de águas, com as medições e foto-interpretações provenientes p.ex. do INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, do NMA – Núcleo de Monitoramento Ambiental da Embrapa, da Cetesb, da Feema e órgãos similiares. Por enquanto, avançaremos alguns indicadores ou números que estão citados em artigos acadêmicos, em relatos oficiais e em matérias de jornais .

Quando a CESP – empresa estatal de eletricidade – anunciou dois novos projetos de usinas termo-elétricas em Paulínia (próximo a Campinas) e em São José dos Campos, SP, uma das reações a este anúncio previa o aumento da acidez nas chuvas das regiões ameaçadas (ref.Sevá e Ferreira, 1989).

Posteriormente a própria empresa divulgou alguns dados do " back ground "de SO2 já existente na região de Paulínia: os principais focos de emissão, a refinaria da Petrobrás e o complexo químico da Rhodia, jogavam 20.000 e 10.000 t SO2/y. Nas proximidades, as indústrias da cidade de Americana jogavam mais 30.000 t, e a estimativa para a região de Campinas estava na faixa das 80.000 toneladas.

Se compusermos aqui um quadrilátero de 150 km por 150 km que englobe esta região mais a Região Metropolitana de São Paulo, e as regiões de Cubatão e de São José dos Campos, poderiámos ter uma estimativa aproximada bastante alarmante:

Esta ordem de grandeza já obrigaria a incluir esta quadrícula no grupo das zonas críticas de emissão, se seguirmos a metodologia do NIAR (Oslo), já citada. E se todo o SO2 cair na mesma quadrícula, com 22.500 km2, obteríamos 13,3 ton SO2/km/Y, o que nos faria incluir esta área entre as áreas de deposição alta (usando a metodologia da OCDe, já citada).

Não por acaso, medidas efetuadas na Serra da Cantareira entre 1977 e 1979 já indicavam chuvas com pH entre 6,6 e 4,15, das quais 86% das amostras podiam ser consideradas ácidas, abaixo do pH histórico de 5,6 (ref.Fonseca César, 1986 e Tuffani, FSP, 13.04.1990).

Uma região brasileira castigada pela acidez é a zona carbonífera do sul de Santa Catarina, onde as denúncias de degradação ambiental vêm junto com as tragédias dos acidentes dentro das minas e das doenças ocupacionais, desde mais de uma década atrás. O minério ali extraído tem alta proporção de pirita (Sulfetos de Ferro), o que provoca acidez desde a fase inicial de extração e lavagem: numa amostragem de 160 pontos de medição nos cursos d'água, técnicos do DNPM encontraram mais da metade dos pontos com pH menor ou igual a 3,0, principalmente no interior das minas, nas minas abandonadas, nas drenagens, infiltrações e águas pluviais dos montes de rejeito (chamados de "poluição sem dono") e nas saídas das águas de lavagem (ref. Cortes e Anjos, 1989).

Uma forma original de acidez também se encontra aí em Santa Catarina, pois as pilhas de material rejeitado com alto teor de pirita entram em combustão espontânea com a atmosfera e liberam grandes quantidades de SO2; além disto, com o funcionamento da ICC-Carboquímica em Imbituba e da Central térmica Jorge Lacerda, próximo dali, a acidez vêm também da forma clássica,pelas chaminés destas caldeiras. Em Imbituba, já há muitos anos, fez-se um acordo pelo qual a ICC somente soltaria os gases quando o vento não soprasse na direção da cidade e de suas praias; na área de Crisciúma, a dificuldade de abastecimento d'água potável é crescente, pois até os lençóis subterrâneos estão comprometidos e há casos em que a água tem que ser trazida de longe em caminhões-pipa...

O patamar de acidificação aí é praticamente o mesmo das piores regiões européias; o pesquisador Humeres ("Ciência Hoje", março 1990), da UFSC calcula as emissões em mais de 100.000 t/y de SO2; se tomamos a zona carbonífera com uma superficie da ordem de 10.000 km2, o índice seria maior do que 10 t.S02/Km2 por ano.

As condições para um impasse social comparável aos das áreas carboníferas da Europa também estão dadas: já se começa a contrapor o fantasma do desemprego e do fechamento das minas às reclamações crescentes e justas sobre a piora das condições de vida.

Uma das regiões mais castigadas pela poluição atmosférica e onde as denúncias e litígios se avolumam é a área de Vitória, ES. Dados oficiais publicados em jornal (JB, 01/07/90)indicam, somente para as instalações de beneficiamento de minério da CVRD e para a siderúrgica de Tubarão, uma emissão anual de 23.000 toneladas de SO2.

É provável que estimativas semelhantes a estas já estejam ou venham a ser comprovadas nas demais manchas ácidas aqui indicadas; de toda forma, alguns dos sintomas estão visíveis na paisagem para quem quiser ver e, se possível, medir:

– as florestas de pinus na saída de norte de SP (via Bandeirantes) mostram ponteiras ralas e de galhos desencontrados, exatamente como as florestas de pinus na Escandinávia;

– os engenheiros florestais de Viçosa e de Piracicaba foram convocados pelas empresas do Vale do Rio Doce em MG para esclarecer qual a "doença" responsável pela calcinação e pelos disturbios de crescimento das árvores em inúmeras áreas florestais na região, onde os sintomas também são de acidificação cumulativa;

– as imediações do polo petroquímico de Camaçari e da fundição de cobre Caraiba (norte de Salvador) a jusante dos ventos, estão visivelmente stressadas pela queima e desaparecimento de vegetação e pela erosão generalizada, e a causa certamente é a acidez atmosférica, eventualmente agravada pela maresia;

– as populações residentes na direção dos ventos provenientes das fábricas de celulose já sabem quando vai chover, ou quando mudou o vento, pois são obrigados a respirar um dos piores odores industriais (mercaptanas, H2S),que o digam os moradores de Porto Alegre, RS, de Mogi Mirim, de Jacaréí e Mogi das Cruzes, em SP, e de várias outras cidades.

Esta é uma visão parcial da situação. Há desafios científicos e políticos de primeira grandeza para que se compreenda e para que se reverta o processo: novas estratégias e novas práticas de informação social; questões regionais e internacionais; a avaliação ou previsão dos efeitos ainda não avaliados e dos processos latentes.

A acidificação somente seria revertida se fossem atendidas duas demandas bastante complicadas na atual conjuntura: a responsabilização dos prejuízos, e antes que seja muito tarde, uma reforma energética, uma inflexão marcante no equacionamento da produção e do consumo de combustíveis.

É neste rumo que pretendemos contribuir com este texto, e é nesta direção que convocamos os colegas pesquisadores e os setores da sociedade que se organizam ou que se organizarão em defesa de seus direitos e de seus projetos e utopias.

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A. Oswaldo Sevá Filho é professor na área de Planejamento Energético da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp. No biênio 1989-90, realizou pesquisa de pós-doutorado no IEA, com o apoio da Ford Foundation.

Entidades estrangeiras de mobilização e de pesquisas sobre a acidez

Suécia:

Swedish NGO Secretariat on Acid Rain - Miljövard, Valgatan 22 S 411. Box 33031 S400 33, 16 Göteborg, Sweden. Edita a revista Acid News, editor Christer Agren.

Holanda:

Rijkslnstitut voor Volksgezondheid en Milieuhygiene RIVM (National Institute of Public Health and Environmental Hygiene) PO Box 1, 3720 BA Bilthoven, The Nederlands. Pesquisadores sobre acidez:ERISMAN, J-W., DE LEEUW, F. VAN AALST, Roel. Laboratory for Waste Materials and Emissions, resp. R. THOMAS.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Fev 2006
  • Data do Fascículo
    Abr 1991
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