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Desenvolvimento regional adaptado: o caso da Amazônia brasileira

DOSSIÊ AMÉRICA LATINA

Desenvolvimento regional adaptado: o caso da Amazônia brasileira

Gerd Kohlhepp

O rápido aumento da destruição das florestas tropicais, já previsto há anos por cientistas de organizações ambientais nacionais e internacionais bem como pela população atingida (Sioli, 1983; Goodland & Irwin, 1975; Fearnside, 1982, 1985; Moran, 1983; Engelhardt & Fittkau, 1984; Bruenig, 1987; Mahar, 1979, 1989; Ab'Saber, 1989; Valverde, 1989; Kohlhepp, 1976, 1990, entre outros), tornou-se cada vez mais o foco de discussões em níveis interno e externo ao país. Tais discussões giram principalmente em torno da Amazônia brasileira, devido aos acontecimentos alarmantes ocorridos naquela região.

No âmbito político a discussão iniciou-se mais tarde, intensificando-se apenas após a Conferência Mundial sobre o Clima, realizada pela ONU em Genebra no ano de 1979.

O ponto de partida para o diálogo político estabelecido foi a problemática da interdependência entre a crescente poluição ambiental por emissões de gases e a ameaça à atmosfera terrestre, assim como as alterações climáticas daí decorrentes, colocando em perigo a vida do planeta, ou, ao menos, comprometendo seriamente o habitat humano.

No centro desta questão podem ser localizados dois complexos fenômenos:

— a destruição da camada de ozônio na atmosfera;

— o efeito estufa.

A causa para ambos os fenômenos pode ser detectada na liberação de gases em decorrência de atividades humanas.

Responsáveis pelo assim chamado efeito estufa, ou seja, aumento de temperatura na troposfera, identificam-se os seguintes gases de origem antropógena:

—

Dióxido de carbono (CO2), com cerca de 50% de participação no efeito estufa, causado por combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás natural, além de queimada de florestas tropicais.

—

Metano com cerca de 19%, liberado por emissões na exploração de jazidas de gás natural, carvão e petróleo, assim como na agricultura (sobretudo no cultivo de arroz e na pecuária) e em depósitos de lixo.

—

Clorofluorcarbono com 17%.

—

Outros gases com 14% (ozônio na troposfera, dióxido de nitrogênio, H2O, vapor d'água na estratosfera).

Em alguns países industrializados, sobretudo na Alemanha, esforços para a redução dos clorofluorcarbonos, e assim para a preservação da camada de ozônio, já se encontram em avançado estágio devido a medidas voluntárias de redução, específicas a cada produto. No entanto a problemática da emissão de CO2, desencadeadora principal do efeito estufa, ainda se encontra completamente fora de controle. Apesar de iniciados acordos internacionais, os E.U.A., especialmente, negaram sua cooperação.

Os posicionamentos políticos dos países industrializados com relação às crescentes concentrações de CO2 na atmosfera, que atualmente apresentam aumento de 0,4 a 0,5% por ano, causando o aquecimento global com suas graves conseqüências (elevação do nível do mar etc.), foram rapidamente reduzidos ao problema da liberação de anidridos carbônicos pela queimada de florestas tropicais, quando tal fator tornou-se conhecido.

Os países latino-americanos com florestas tropicais, liderados pelo Brasil, protestaram com veemência contra as acusações unilaterais provenientes da Europa e dos E.U.A., quanto a serem responsáveis diretos pelas conseqüências globais da mudança climática. Não se pode negar que, no ano de 1986, os países industrializados causaram aproximadamente 80% das emissões globais de CO2 liberadas por combustíveis fósseis, enquanto a participação da América Latina foi de apenas 4,6% (Deutscher Bundestag = Parlamento Alemão, 1989, p.486).

Em junho de 1980, na Conferência Mundial The changing atmosphere realizada em Toronto, foi recomendado ao setor energético a redução de 20% das emissões mundiais de CO2 até o ano de 2005 e de pelo menos 50% até 2050.

Esse procedimento significaria uma taxa de redução maior que 50% nos países industrializados, tendo em vista que as necessidades de desenvolvimento dos países do Terceiro Mundo não permitiriam tal nível de redução.

Relativamente à participação das queimadas de florestas tropicais e emissão de CO2, os dados científicos são ainda bastante divergentes, variando entre 7 e 32% da quantidade liberada pelos combustíveis fósseis. A América do Sul é responsável por 40% do CO2 liberado nesse tipo de atividade, classificando-se o Brasil em primeiro lugar (Deutscher Bundestag, 1989, p.538; 1990, p.433-434).

Sem menosprezar a parcela de responsabilidade da destruição das florestas tropicais nas temidas mudanças climáticas, constata-se que a ligação entre a questão dessas florestas e a catástrofe climática global poderia ter sido feita de modo mais estratégico sob o ponto de vista da política de desenvolvimento.

Desde o início, as estratégias relativas ao diálogo ambiental quanto às florestas tropicais deveriam ser mais voltadas à persuasão, no sentido de mostrar que as conseqüências da destruição das florestas far-se-ão sentir primeiro e mais fortemente em nível regional e nacional.

Apenas atualmente vem sendo salientado, no âmbito da discussão ambiental, que a destruição das florestas tropicais não constitui somente um problema climático de alcance global, ou seja, um problema ecológico (sobretudo no tocante à perda de recursos genéticos), mas também social e, a médio e longo prazos, econômico dos países e das populações atingidas.

Principalmente as reações do governo brasileiro (1985-1990) à discussão internacional sobre a destruição das florestas e sobre as soluções para o problema iam desde a rejeição (Sarney: campanha de difamação ), assim como ocorrera 15 anos antes nas reações dos governos militares relativamente à questão indígena. As proposições vindas do exterior foram consideradas como intromissões nos assuntos internos do país e ameaça à soberania nacional e — mais uma vez — trazida à tona a internacionalização da Amazônia (Kohlhepp, 1977). Créditos atrelados a condições submetidas a controle internacional foram repugnados e modelos de conversão da dívida que favoreciam a floresta tropical rejeitados. Faltas do governo eram justificadas pelo argumento de que já existiam leis regulamentando a proteção.

Surgimento e reorganização da política ambiental brasileira e o tratamento da problemática da floresta tropical na década de 80

Embora alguns países do Terceiro Mundo — entre eles o Brasil — tenham declarado a proteção ambiental como empecilho ao desenvolvimento durante a Primeira Conferência sobre o Meio Ambiente das Nações Unidas realizada em Estocolmo em 1972, esta conferência motivou, também no Brasil, um primeiro impulso quanto ao surgimento de atitudes preliminares para uma política ambiental nacional.

A criação da SEMA (Secretaria Especial do Meio Ambiente) em outubro de 1973, durante a fase mais repressiva da ditadura militar, quando questões ambientais eram tratadas pelo Conselho de Segurança Nacional e pelo SNI (Guimarães, 1989), surpreendeu a opinião pública. No entanto, a instalação da SEMA foi concebida como resposta às críticas internacionais ao Brasil e medida tática para fazer jus ao requerimento formal de medidas de proteção ambiental na concessão de créditos internacionais (Viola, 1988).

Com a criação do SISNAMA (Sistema Nacional para o Meio Ambiente) em 1981 e do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) estavam estabelecidos o quadro e os parâmetros direcionando a política ambientai brasileira, que agora dispunha de um sistema institucionalizado e dividido verticalmente em diferentes níveis de ação (governos federal, estadual e municipal). No entanto, faltava a disposição política de dispor deste instrumento de maneira eficiente. A SEMA continuava em posição marginalizada e nunca, até a segunda metade dos anos oitenta, chegou a exercer influência nos planos de desenvolvimento do Governo. A problemática ecológica não se tornou fator decisivo nos planos de desenvolvimento governamentais (Guimarães, 1986, 1989).

Em fevereiro de 1989, após a extinção dos órgãos IBDF, SUDEPE, SUDHEVEA e SEMA foi criado o IBAMA, como novo órgão central para o meio ambiente e os recursos naturais renováveis, responsável pela articulação, coordenação, execução e controle da política ambiental nacional. Além disso o IBAMA foi incumbido da execução do PNMA (Programa Nacional do Meio Ambiente), financiado, entre outros, pelo Banco Mundial com 200 milhões de dólares.

Ante as crescentes discussões em torno do baixo grau de aceitação da legislação ambiental a nível nacional e em função das pressões externas sobre o governo brasileiro visando melhoria na proteção das florestas amazônicas, ficou estabelecido dever o IBAMA dedicar-se com maior intensidade que seu antecessor — a SEMA — ao controle dos recursos naturais e das atividades econômicas. Esse controle referia-se especialmente ao combate a desmatamentos ilegais e ao impedimento do tráfico ilegal de animais silvestres e de peles. Pela primeira vez o IBAMA tentou, numa ampla campanha, reduzir as queimadas na Amazônia ou, pelo menos, fiscalizar o caráter legal destas atividades.

Ainda que, em vista das imensas dimensões do território em questão só se pudesse contar com sucesso restrito relativo a controle, os vôos de inspeção já causaram insegurança considerável junto aos infratores.

Em 1989, no âmbito da reformulação de várias leis, foi também estabelecido que as áreas florestais existentes em cada propriedade deveriam ser cadastradas, para evitar a sua venda com posterior desmatamento. No entanto, há alguns aspectos que até hoje permanecem obscuros, entre os quais principalmente a discrepância entre regiões com 50% de reserva florestal obrigatória (Amazônia) e aquelas com 20% em áreas extra-amazônicas como, por exemplo, na Mata Atlântica, igualmente ameaçada.

Além dessa tarefa de controle, extremamente difícil de ser efetuada, caberia ao IBAMA a função de rever os planos de aproveitamento de florestas primárias e secundárias além de sintonizá-los com as disposições legais em vigor.

No âmbito das reestruturações administrativas que levaram à criação do IBAMA na fase finai do Governo Sarney, estabeleceu-se uma reorientação temática da política ambiental brasileira: o Programa Nossa Natureza, lançando com grandes recursos propagandísticos (Schipulle, 1989) e amplamente discutido na Constituinte. Os objetivos do programa, cujas metas principais foram incluídas na Constituição (Constituinte, 1989; MINTER/IBAMA, 1989), são a proteção dos grandes complexos ecossistêmicos do Brasil, a organização sistemática da proteção ambiental, a elaboração de estratégias evitando atividades que comprometam a proteção, o desenvolvimento da educação ambiental, a conscientização com relação à questão ambiental, a organização de colonização e aproveitamento racional de recursos naturais nos parâmetros de ordenação territorial a ser estabelecida, a regeneração de ecossistemas comprometidos pela atuação do homem e, finalmente, baseada na proteção dos recursos naturais, a proteção dos grupos indígenas e extrativistas (Diário Oficial, 13.10.1988).

Assim como seus antecessores SEMA e IBAMA, também o Programa Nossa Natureza deve ser compreendido, mais do que uma concepção autônoma, como reação a veementes críticas feitas por instituições internacionais, governos estrangeiros e organizações não-governamentais (ONGs), bem como a críticas formuladas em âmbito nacional, especialmente por parte do movimento ambientalista brasileiro em formação (Padua, 1989; Padua et alii, 1987). O caráter estratégico da questão ambiental foi também percebido pelos militares brasileiros, já que, antecedendo a proclamação do Programa Nossa Natureza houve na mídia nacional polêmica discussão de militares de alto escalão sobre a internacionalização da Amazônia e suas possíveis implicações para a segurança nacional. Mesmo para os membros civis do Governo, como o Presidente do IBAMA, o conteúdo do programa permanecera em parte desconhecido até a data de seu lançamento (Jornal do Brasil, 7.4.1989).

Na Constituição de 1988 a problemática ambiental é tratada no Artigo 225. Nele, reconheceu-se o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e a uma qualidade de vida sadia, sendo asseguradas pelo Estado a implementação das medidas necessárias. Embora estas afirmações guardem caráter extremamente geral e as modalidades da implementação permaneçam em aberto, o Artigo foi, após duras discussões na Constituinte, incluído na Constituição. Aos grupos ambientalistas brasileiros cabe grande parte da responsabilidade pela inclusão inédita de disposições sobre o meio ambiente na Constituição da República.

O Artigo 225, parágrafo 4º, reza que a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal e a Zona Costeira serão doravante considerados Patrimônio Nacional, o que eqüivale dizer encontrarem-se sob proteção ambiental e sua utilização deve ocorrer "dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente".

No entanto, a expressão Patrimônio Nacional não se encontra definida até o presente momento, tampouco as delimitações geográficas específicas das regiões em questão, muito menos ainda ocorreu a elaboração de planos de aproveitamento. Não existe também legislação específica para manejo ecológico dos solos.

As diversas tentativas de elaborar divisão detalhada do espaço físico e econômico de regiões como a Amazônia devem seguramente ser vistas como estudos científicos fundamentados visando a política regional. Os esboços para ordenação territorial da região amazônica, apresentados por várias instituições (entre outras FAO, IBGE) até o momento, utilizaram critérios diferentes (zoneamento agro-ecológico, ecológico-econômico etc.), em parte completamente incompatíveis com a realidade regional (Ab'Saber, 1989). Essas tentativas demonstram o dilema central da aplicação de disposições legais no âmbito ambiental e a impossibilidade de seu controle quando há conflitos de interesse.

Devido a enormes problemas econômico-sociais o Brasil encontrava-se em situação praticamente inviável ao final do Governo Sarney. Apesar de todas as declarações oficiais e do vasto catálogo de leis e medidas constantes do Programa Nossa Natureza, a contradição entre aspiração e realidade no campo ambiental cresceu consideravelmente. Apenas um terço das verbas federais que, com cerca de 180 milhões de dólares, já eram bastante reduzidas, estava disponível no início de 1989. Faltava vontade política para realizar as medidas necessárias relativas à proteção das florestas tropicais.

Diretrizes da política ambiental no Governo Collor a partir de março de 1990

Empossado desde março de 1990 o Governo Collor, em seus primeiros pronunciamentos sobre o programa de governo, soube incluir de maneira astuta em suas estratégias parte significativa das exigências de cientistas e integrantes de grupos ambientalistas, assim como temas em voga na discussão pública.

Foram mencionadas como premissas para futuras medidas, entre outras (Governo Collor, 1990):

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desenvolvimento econômico não deve mais ser tratado independentemente da proteção ambiental;

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proteção ambiental, a que se atribui grande importância, deve atuar como fator de coesão entre ministérios, secretarias, setor privado e grupos ambientalistas em busca de uma solução;

—

estrutura administrativa de órgãos federais encarregados da questão ambiental deve ser reorganizada para um trabalho mais eficiente.

Para tanto foi criada, como órgão político central, a Secretaria do Meio Ambiente (SEMA), diretamente subordinada ao Gabinete Presidencial, cuja função seria dirigir a elaboração de uma concepção de política ambiental e a coordenação das medidas ambientais, além do controle de sua aplicação através do IBAMA.

A continuidade do Programa Nacional do Meio Ambiente (PNMA) seria garantida, sob o ponto de vista financeiro, por um fundo nacional para o meio ambiente. A descentralização da política ambiental seria promovida através de ampliação sucessiva dos órgãos ambientais em nível estadual e municipal. As idéias das ONGs deveriam ser inseridas na discussão pelo estabelecimento de metas regionais e setoriais da política ambiental.

Os problemas ambientais deveriam ser melhor esclarecidos para o público através dos Estudos de Impactos Ambientais (EIA) e de sinópticos Relatórios dos Impactos sobre o Meio Ambiente (RIMA), os quais auxiliariam a pesar e classificar os riscos ambientais.

O programa de proteção ambiental do Governo Collor tem enfoque regional que abrange os ecossistemas brasileiros mais importantes, incluindo as Florestas Amazônicas e a Mata Atlântica. Paralelamente foi ainda desenvolvido um enfoque setorial, em que são elaboradas diretrizes e exigências de participação em uma política ambiental eficaz para cada ministério.

Para garantir a proteção dos ecossistemas a SEMA também pretende, junto com os governos estaduais, elaborar planos de zoneamento agro-ecológico e econômico, conduzidos por desenvolvimento de orientação ecológica em função da população regional. O setor público terá como diretriz básica privilegiar o financiamento de projetos ecológicos.

O destaque, na opinião pública nacional e internacional coube à nomeação de José Lutzenberger para Secretário do Meio Ambiente, o qual se tornara conhecido como um dos iniciadores do movimento ecológico no Brasil. Sendo um dos críticos mais violentos da política ambiental brasileira (Lutzenberger, 1977, 1987), estendendo esta crítica também às constelações de poder em torno dos candidatos à Presidência e às suas idéias desenvolvimentistas no período eleitoral, a indicação de seu nome para o mais alto cargo no campo ambiental foi grande surpresa.

Com a nomeação do mais conhecido crítico, a nível internacional, da política ambiental dos governos brasileiros, Collor manifestou sinais de cooperação em direção ao exterior, tanto no âmbito governamental quanto no das ONGs, e ao movimento ecológico nacional. Tal decisão, astuta e corajosa, certamente deve ser considerada no contexto das ofertas internacionais para financiamento da proteção das florestas tropicais, enquanto a 3ª Conferência Mundial do Meio Ambiente realizada em junho de 1992, sediada no Brasil, ofereceu amplas possibilidades propagandísticas internacionais ao Presidente.

Após dois anos de governo os problemas financeiros ultrapassam em muito as prioridades ambientais anunciadas. Várias medidas ainda não foram colocadas em prática, ou foram adiadas, em função de problemas tanto de ordem financeira como de recursos humanos.

Relativamente às estratégias de proteção às florestas amazônicas, deve-se ressaltar como fator positivo o corte de incentivos fiscais para projetos problemáticos do ponto de vista ecológico, atingindo sobretudo estabelecimentos pecuários. O IBAMA também anuncia redução de 27% das queimadas na Amazônia em 1990. Por outro lado o governo ainda não revogou os planos militares para a fronteira setentrional, no âmbito do Programa Calha Norte. Neste aspecto, revelam-se contradições tão fundamentais quanto nos pronunciamentos do chefe da SEMA a respeito dos conflitos de interesses na Região Grande Carajás e da problemática do carvão vegetal, até hoje insolúvel.

Atualmente, o programa de austeridade monetária autoproclamado do Governo Collor não permite a realização das medidas ambientais planejadas. Em vista da situação econômica extremamente precária, fica claro que o programa de saneamento financeiro dará tratamento secundário — se é que dará — às prioridades estatais para a proteção ambiental incluídas em suas declarações iniciais. Tal situação aumenta a necessidade de apoio internacional dirigido à proteção das florestas tropicais, hoje encontrando grande disposição ao diálogo por parte do Brasil.

Iniciativas internacionais para a proteção de Floresta Amazônica

As medidas internacionais abrangem amplo espectro e vão desde planos de diretrizes globais até projetos isolados. Nelas participam diversos governos e organizações governamentais bilaterais, além das ONGs nacionais e internacionais.

O mais importante acordo internacional formalizado neste sentido foi o Plano de Ação para o Manejo Florestal nos Trópicos (TFAP — Tropical Forestry Action Plan), lançado por iniciativa da FAO em 1985 e apresentado ao público internacional por FAO, Banco Mundial, Plano de Desenvolvimento da ONU (UNDP) e World Resources Institute em 1986/87. O TFAP é um plano global, sem caráter de compromisso do ponto de vista do Direito Internacional, que fornecerá diretrizes para elaboração e implementação de estratégias para o setor florestal em nível dos diferentes países com florestas tropicais, funcionando como base para a coordenação dos auxílios internacionais para o desenvolvimento da defesa florestal nos trópicos. A meta deste plano é elaborar, em esforço conjunto, planos de ação nacionais para todos os países e organizações interessados.

Os principais setores de atuação do TFAP são:

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integração da silvicultura e do manejo de solos;

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desenvolvimento da economia florestal e madeireira através de medidas que promovam indústrias florestais e madeireiras ecologicamente adaptadas;

—

preservação dos ecossistemas florestais nos trópicos;

—

fortalecimento das instituições públicas e privadas (ONGs) envolvidas.

A avaliação do TFAP na discussão internacional e bastante controvertida: Seus adeptos argumentam que:

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o manejo sustentado de longo prazo das florestas tropicais terá conseqüências positivas (empregos, salários, assistência social);

—

o aumento das exportações de produtos florestais acarretará, além do aumento do PIB, melhora na situação cambial dos respectivos países;

—

com o aproveitamento econômico a população local desenvolverá interesse pela preservação das florestas.

Os críticos duvidam que estas vantagens possam ser realmente alcançadas, fundamentando-se em experiências negativas com planos nacionais já existentes e ponderando principalmente que:

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o TFAP concentra-se sobretudo em aspectos silviculturais, especialmente no aproveitamento industrial das florestas, ou seja, dando prioridade ao interesse comercial em detrimento da defesa florestal;

—

a implementação do TFAP implicará emprego de recursos financeiros consideráveis, o que sugere a ocorrência de efeitos negativos, entre os quais deve ser incluída a consolidação das estruturas de poder existentes;

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os povos da floresta e os que dela dependem não foram devidamente levados em consideração.

O principal argumento desses críticos está ligado à idéia do manejo sustentado de longo prazo que, através da exploração econômica, contribuiria para a destruição das florestas tropicais (cf., por exemplo a discussão entre Oberndörfer, 1989a e b; Lamprecht, 1989; Bruenig, 1989; Weidelt, 1989). Outro dos pontos fracos do TFAP refere-se ao fato de não estar vinculado a medidas como reforma agrária, planejamento familiar e problemática do endividamento.

Até setembro de 1990 havia, por parte do Brasil, apenas pedido de informações, enquanto 23 países já haviam elaborado planos nacionais e outros 35 realizado estudos sobre o setor florestal.

O Acordo Internacional sobre Madeiras Tropicais (ITTA) refere-se à matéria prima, assinado por 36 países produtores e 34 consumidores em 1983, e visa, seguindo a sua função, primordialmente a metas econômicas. No entanto, objetiva também a garantia de aproveitamento e proteção das florestas tropicais e sua diversidade genética, a fim de preservar o equilíbrio ecológico das respectivas regiões. Os 44 países-membros (incluindo o Brasil) representam 75% do total de florestas tropicais existentes e realizam 95% do comércio mundial de madeiras tropicais. Dessa forma certamente o ITTA não constitui base para a política mundial de proteção das florestas tropicais.

Entre as atividades de organizações internacionais devem ser mencionados sobretudo a UNESCO e seu programa O Homem e a Biosfera (MAB), iniciado em 1971, que desencadeou pesquisas sobre os impactos das atividades do homem sobre os diferentes ecossistemas. Atualmente os ecossistemas florestais tropicais e subtropicais formam o centro de interesse neste sentido.

A UNESCO pretende desenvolver principalmente as concepções de manejo agrícola sustentado, conciliando noções tradicionais e condições de vida da população com os sistemas ecológicos. E também de seu interesse o reflorestamento e a regeneração de ecossistemas degradados nos trópicos úmidos.

Aqui a concepção das Reservas da Biosfera, que ressalta a proteção do meio ambiente e das espécies (UNESCO, 1984; v.Droste & Dogsé, 1990), prevê a criação de uma rede internacional de áreas de proteção que demonstre o valor das medidas conservacionistas, procurando atingir a inter-relação entre proteção ambiental, pesquisa, manejo de solos, controle ambiental, formação de profissionais, educação ambiental e participação da população atingida.

A proteção às florestas tropicais é também ambicionada pelo World Heritage Trust-Fond, que visa a inserção harmônica do homem na natureza, cuja base legal é a Convenção fará a Preservação da Herança Cultural e Natural do Homem, elaborada pela UNESCO em 1973. O objetivo desse fundo é a preservação de áreas de importância fundamental que já formam parques nacionais dentro das respectivas legislações nacionais. Neste contexto discute-se criação de pagamentos compensatórios aos países com florestas tropicais pela não-utilização destas florestas (Deutscher Bundestag, 1990, p.617-618); Oberndörfer, 1989a).

No âmbito das iniciativas governamentais internacionais cabe especial importância às reuniões de cúpula do Grupo dos Sete:

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Reunião de Toronto (junho de 1988)

Primeira declaração sobre a necessidade de preservação das florestas tropicais a nível dos chefes de governo.

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Reunião de Paris (junho de 1989)

A questão ambiental, especialmente a preservação das florestas tropicais, recebe prioridade máxima por parte dos chefes de governo. Os países do grupo comprometem-se a apoiar financeira e tecnicamente as iniciativas dos países com florestas tropicais. A iniciativa alemã foi tomada como base para a ação comunitária neste setor. Outra afirmação da Reunião de Paris foi a inclusão de aspectos ambientais nas decisões econômicas do futuro. Neste contexto também foi mencionada a redução de dívidas em função de medidas ambientais, beneficiando os países altamente endividados.

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Reunião de Houston (junho de 1990)

A Alemanha confirma seu papel de vanguarda no que toca à preservação de florestas tropicais. O Banco Mundial, a Comissão da CE e os chefes de governo do Grupo dos Sete oferecem ao Brasil um programa piloto para a preservação florestal, aceito em seus princípios pelo Governo Collor.

Enquanto as iniciativas da CE no âmbito direto da proteção de florestas tropicais — exceção feita a alguns projetos florestais — ainda não tenham abandonado o estágio do esboço (mesmo na iniciativa com relação a Grande Carajás), a República Federal da Alemanha já se destacou através de auxílios financeiros em diversos níveis.

A contribuição da Alemanha para a proteção das florestas tropicais no Brasil

Em fins de 1989 o governo brasileiro, o Banco Mundial e o governo da República Federal da Alemanha concordam em financiar o Programa Nacional do Meio Ambiente (PNMA), realizado pelo IBAMA.

Os objetivos do PNMA, em cujo planejamento também foram ativamente integradas as ONGs nacionais e internacionais, são:

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a garantia de reservas florestais, especialmente na região amazônica: parques nacionais, reservas biológicas e ecológicas etc., através da criação de Unidades de Conservação (Padua, 1988);

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a preservação de ecossistemas em perigo, como Mata Atlântica, manguesais, Pantanal etc.;

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o fortalecimento das Secretárias do Meio Ambiente em nível federal e estadual.

Para a primeira fase do PNMA foram colocados à disposição 200 milhões de dólares (Banco Mundial, 58%; Brasil, 23%; Alemanha, 19%).

Segundo informações do BMZ (Ministério da Cooperação Econômica), a parcela alemã (63,5 milhões de marcos concedidos em 1988 e 1989) é composta de 60 milhões para a cooperação financeira (50% empréstimos e 50% doações) e de 3,5 milhões para a cooperação técnica, a serem empregados sobretudo para garantia de reservas florestais (30 milhões), preservação da Mata Atlântica no Estado de São Paulo (30 milhões) e fortalecimento do IBAMA (3,5 milhões).

Outros 40 milhões (doação) foram concedidos em 1990, objetivando medidas para a utilização ecológica de recursos florestais na região amazônica. No período de 1991 a 1993 foi aprovada nova doação no valor de 150 milhões de marcos, significando que até 1993 a Alemanha colocará 250 milhões de marcos à disposição do Brasil para a proteção de suas florestas tropicais.

O financiamento alemão concentra-se em geral sobre zonas de proteção e parques florestais, e florestas residuais no estado de São Paulo.

Há, no Brasil, centenas de zonas de proteção florestal, tanto em âmbito federal quanto estadual, que ainda não receberam a devida proteção. Até 1993 intenciona-se garantir e consolidar 50 das 100 zonas de proteção sob jurisdição federal, selecionando-se as mais ameaçadas, das quais 75% (cerca de 80.000 km2) encontram-se na Amazônia. Trata-se sobretudo da demarcação dos territórios e da instalação de um sistema de controle eficiente. Além disso está prevista a elaboração de um instrumentário alternativo de proteção para cinco das áreas especialmente ameaçadas (entre elas o Parque Nacional Pacaás Novas e a Reserva Biológica Guaporé em Rondônia) e uma contribuição para o sistema nacional de zonas de conservação SINUC (informações do BMZ).

No caso das florestas nacionais, diferentemente das zonas de proteção florestal, trata-se de questões de aproveitamento produtivo, ou seja, formas de utilização sustentadas e não-destrutivas.

As reservas extrativistas deverão ser instaladas para grupos autóctones, visando a utilização tradicional e ecológica. Um dos grupos beneficiados será o de seringueiros, que ocupa partes da Amazônia há mais de 110 anos. A preservação e consolidação das reservas extrativistas é importante contribuição para a proteção das florestas.

Segundo informações do BMZ, a mais recente concessão de 150 milhões de marcos deverá apoiar, entre outros, o reflorestamento em áreas degradadas na Amazônia, um dos problemas centrais e extremamente difícil de ser solucionado. Ao mesmo tempo, deverão ser tomadas medidas para a preservação da Mata Atlântica fora do Estado de São Paulo. Finalmente está prevista a participação do financiamento da segunda fase do PNMA, com ampliação das reservas florestais na Amazônia (1988/93).

Todas estas medidas e propostas concretas foram tomadas para encorajar o Brasil a forçar a criação dos devidos parâmetros legais, institucionais, sociais e econômicos. A participação alemã na elaboração de concepções deve ser vista no contexto de acordos internacionais para a proteção das florestas tropicais, incluída ainda a troca de dividas externas por medidas de proteção ambientai (debt-for-nature-swaps).

A comissão Parlamentar de Inquérito Prevenção para a proteção da atmosfera, do Deutscher Bundestag, constituída por representantes de todos os partidos que compõem o parlamento alemão e por pesquisadores apresentou, após três audiências com participação internacional em 1989 e um ano de debates, incluindo as ponderações de vários especialistas, o seu 2º Relatório ao Parlamento Alemão, dedicada à proteção de florestas tropicais: uma meta prioritária internacional (Deutscher Bundestag, 1990).

Com base em detalhado levantamento de causas e dimensão da destruição das florestas tropicais, foi aconselhado um amplo espectro de medidas, incluindo diversas estratégias políticas, calibradas e concretizadas, em nível nacional e internacional. As propostas para a atuação do Parlamento Alemão serão submetidas a votação no Parlamento.

Condições preliminares para o desenvolvimento regional ecológico na Amazônia

Em vista das novas propostas ambientais do Banco Mundial, o Governo Collor aprovou expressamente as iniciativas internacionais para a proteção das florestas tropicais e sinalizou afirmativamente sua cooperação (Goodland, 1990). Mesmo assim, as grandes expectativas surgidas em vista da reorganização dos órgãos estatais não foram correspondidas. A SEMA e o IBAMA, que funcionariam como órgãos executores no setor do meio ambiente, ainda se encontram em fase de reestruturação e serão confrontados com uma gama de funções extraordinariamente difíceis.

Devido à complexa problemática o IBAMA não se encontra em condições de apresentar, a curto prazo, projetos fundamentados que correspondam às exigências dos órgãos financiadores internacionais (informação pessoal do presidente do IBAMA em 4.10.1990). Certamente esse procedimento ocasionará atrasos na elaboração de acordos bilaterais e internacionais. Da mesma maneira ocorrem atrasos na implantação da descentralização das atividades do IBAMA, devido a questões de ordem política e pessoal.

Além disso, os governadores de alguns estados — Amazonas, por exemplo —, praticamente fizeram declarações de guerra ao planejamento ambiental da Federação, procurando impor seus interesses regionais e comerciais particulares sem qualquer colaboração com as tentativas do governo federal.

A participação cada vez maior de organizações não-governamentais (ONGs) nas atividades dos órgãos ambientais constitui inovação na política ambiental brasileira. Isto vale para a discussão do planejamento, e igualmente quanto a elaboração de soluções para certas regiões (entre outras, concepção de reservas extrativistas). Enquanto em nível político foram alcançados consideráveis sucessos (parcialmente em cooperação com ONGs estrangeiras) na denúncia de projetos de desenvolvimento nocivos através de protestos, trabalho de publicidade e elaboração de projetos alternativos, poucas ONGs brasileiras encontram-se em condições financeiras, institucionais e devidamente habilitadas para poder aplicar concepções de projetos praticáveis.

Como ainda não foi verificada qualquer coordenação entre as atividades ambientalistas e as ONGs no Brasil, a tendência mais recente é um processo de monopolização das atividades nas mãos de alguns grandes grupos. E o que ocorre, por exemplo, no chamado Consórcio — agrupamento de cerca de uma dúzia de ONGs — visando a transformação de parcelas da dívida externa em projetos ambientalistas, ou sua utilização no fortalecimento institucional das referidas organizações. A verba requerida para esses projetos até meados de 1990, no âmbito do programa debt-for-nature, alcança aproximadamente 360 milhões de dólares.

Devido ao crescente entrelaçamento das atividades neste setor, ultimamente o apoio às organizações ambientalistas tem aumentado. Assim, como exemplo, por parte do movimento independente dos seringueiros que, após a morte de seu líder — Chico Mendes — em dezembro de 1988, passou a ter papel destacado na discussão pública, do mesmo modo que organizações indígenas e círculos eclesiais progressistas.

São amplamente conhecidas as causas da destruição das florestas, decorrentes de medidas de planejamento regional fracassadas, as quais conferiam à periferia amazônica apenas uma função complementar em relação ao centro, e de processos espontâneos cada vez mais intensos que foram, em parte, ocasionando degradações irreversíveis (Kohlhepp, 1987a, 1991b):

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pecuária em latifúndios e especulação fundiária agressiva;

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megaprojetos agrícolas e florestais;

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colonização agrícola de pequenos produtores com crescente descontrole na apropriação da terra;

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projetos industriais e de mineração;

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alta mobilidade da população e efeitos de irradiação de desenvolvimento das cidades (spread-effects);

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aproveitamento energético da biomassa (produção de carvão vegetal);

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aproveitamento energético através da instalação de usinas hidrelétricas com grandes barragens.

Salienta-se não ser somente interna a natureza destas causas, mas que elas são, em diferentes graus, condicionadas e dependentes de fatores externos (Nitsch 1989).

Sob pressão do crescente agravamento no quadro de destruição das florestas amazônicas e diante da escalada da concorrência pela utilização do solo, manifestada de maneira cada vez mais violenta, e da magnitude das conseqüências ecológicas em nível regional e global, urge a tomada de medidas diretas e indiretas para a proteção das florestas tropicais. Para a sua realização torna-se necessária a ajuda financeira internacional e a manifestação de disposição política para a sua ampliação, na maioria dos casos, ainda aguardada, sobretudo por parte do atual governo brasileiro.

Desnecessário frisar que a lista de medidas a seguir relacionadas compreende um programa de urgência em todos os seus componentes; entretanto, não terá chances de ser imediatamente realizado ou inteiramente financiado.

Medidas políticas diretas para a preservação das florestas amazônicas (em combinação com medidas sócio-econômicas e ecológicas adaptadas):

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renúncia a projetos de implantação de grandes rodovias de penetração;

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redução de interesses especulativos na Amazônia através do corte de benefícios fiscais diretos e daqueles destinados a projetos de desenvolvimento social e ecologicamente inadaptados em áreas de floresta tropical (Binswanger, 1987) (em parte já realizado);

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interdição da implantação de grandes projetos de pecuária em áreas desmatadas (já ocorrido);

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embargo à implantação de novos projetos de colonização agrícola com sistemas tradicionais (rotação de terras), impedindo assim o avanço da frente pioneira;

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consolidação de projetos de colonização agrícola já existentes através da introdução de metodologia de ecodesenvolvimento (Sachs, 1980), como economia agroflorestal em pequenos projetos adaptados a fim de garantir a sustentabilidade a longo prazo;

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reavaliação dos impactos ambientais e sociais de grandes projetos em andamento e tratamento restritivo para novas autorizações, mesmo de projetos parciais. Em todos os casos é necessária reavaliação dos custos. Precisam ser incluídos custos ecológicos e sociais e recalculada a rentabilidade a longo prazo;

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apoio a pequenos projetos para aproveitamento da energia hidrelétrica e a projetos de emprego de fontes energéticas alternativas;

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redução da mobilidade dos garimpeiros (cerca de um milhão e meio na Amazônia) a fim de evitar destruição florestal, ameaça ao espaço indígena e contaminação dos rios pelo emprego de mercúrio na mineração de ouro. Esta medida constitui um dos maiores desafios à Federação e aos Estados, como pôde ser verificado no caso dos enfrentamentos no território Yanomami em Roraima;

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definição territorial, implantação, garantia e controle constante de áreas de proteção florestal (grandes áreas de floresta primária) e parques nacionais em regiões ecologicamente favoráveis, assegurando ao mesmo tempo a sobrevivência de grupos indígenas em reservas de suficiente extensão. Esta concepção, já existente, precisa ser ampliada através de medidas de segurança e consolidada através de medidas imediatas;

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implantação de reservas extrativistas, seguindo os critérios elaborados em 1985 (Allegretti, 1990). Esta concepção já esta sendo aplicada para os seringueiros independentes que, sendo habitantes tradicionais da região (em parte desde os anos 1870), praticam exploração ecológica não só da havea brasiliensis, mas também de outras espécies da flora. Nesta caso, no entanto, é preciso observar um padrão territorial satisfatório (cerca de 500 hectares por família = densidade populacional de l hab/km2), assim como estrutura organizacional (cooperativa). A questão da rentabilidade de reservas extrativistas deve partir do raciocínio de que economia de subsistência e reduzidas possibilidades de plantar cash-crops (forte dependência do preço da borracha) ainda são melhores que expulsão e migração às cidades saturadas;

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elaboração e aplicação de uma concepção de aproveitamento do espaço diferenciada regional, ecológica e socialmente, incluindo participação e defesa da população em questão no sentido de responsabilidade social. É imprescindível desenvolver modelos de aproveitamento de solo em função dos grupos atingidos e da população de baixa renda;

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reflorestamento de regiões desmatadas e degradadas com espécies nativas e fortalecimento da pesquisa neste setor (IEA, 1990);

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intensificação de programas e projetos de pesquisa direcionadas para o levantamento das interações homem-meio ambiente.

Medidas a serem tomadas fora da Amazônia

As chances de realização de desenvolvimento regional ecológico e socialmente adaptado da Amazônia devem aumentar consideravelmente com as medidas retro mencionadas. Cabe especial importância, no entanto, à criação de um quadro político favorável e de medidas econômicas e sociais que se coadunem, objetivando redução das pressões populacional e econômicas sobre a Amazônia, onde o potencial de conflito já assumiu traços violentos.

Entre estas medidas indiretas fora da região, necessárias para a proteção das florestas tropicais, figuram:

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programas agrícolas alternativos nas áreas extra-amazônicas à base de medidas direcionadas de reforma agrária (incluindo a preparação organizacional e a realização de retaliações com auxílio financeiro externo) e implantação de projetos de auxílio para pequenos produtores a fim de reduzir a migração interna e assim também a pressão populacional sobre as regiões de floresta tropical da Amazônia;

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medidas de política agrícola visando o impedimento dos processos de expulsão da população rural de pequenos produtores, ocorrida no âmbito da modernização da agricultura em outras regiões brasileiras;

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estas medidas precisam ser acompanhadas de programas de desenvolvimento regional em regiões de colonização antiga, vinculados a iniciativas para suster a população rural;

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a nível internacional deve ser reavaliada a questão da troca de parcelas da dívida externa por medidas ambientais de proteção florestal, concentrada nas ONGs até o presente momento, e aplicada apenas em alguns países (entre outros, Bolívia, Equador, Costa Rica). Banco Mundial, FMI, bancos de desenvolvimento regionais, assim como governos dos países industrializados deveriam dispender esforços para encaminhar a questão da dívida externa a um órgão internacional, cuja criação também foi reivindicada pelo Congresso dos EUA (Oberndörfer, 1989a). Ainda fora da Amazônia, as soluções alternativas mencionadas e as questões de retaliação financeira para a renúncia ao aproveitamento devem ser consideradas e vistas como ação internacional de abrangência global — mesmo além dos limites das florestas tropicais.

O apoio técnico e financeiro internacional a estas medidas básicas devem acarretar — juntamente com a redução dos booms especulativos na Amazônia — visível alívio do stress ecológico e socioeconômico na região.

Em vista dos índices anuais de destruição das florestas tropicais, que assumem mundialmente as dimensões da área da Alemanha, é imprescindível atuação imediata. Para o governo alemão, que deverá coordenar suas ações com a Comunidade Européia e com as organizações internacionais, foi elaborado detalhado plano financeiro e cronométrico, com fundamentação científica, por uma Comissão de Inquérito especializada, que confere chance real à manutenção das florestas tropicais.

O atual governo brasileiro já manifestou sua disposição ao diálogo quantos ao tema e, à vista do perigo da perda irreversível dos ecossistemas florestais na Amazônia, também deu sinais de cooperação.

Certamente a atenção que será dada ao Brasil como sede da 3ª Conferência Mundial do Meio Ambiente da ONU em junho de 1992, também contribuirá para gerar novas iniciativas quanto à aplicação de soluções internas. A ajuda financeira internacional para a proteção das florestas tropicais deverá caminhar passo a passo com uma nova estratégia nacional de desenvolvimento regional ecológico e socialmente adaptado.

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Gerd Kohlhepp é professor de Geografia Humana do Instituto Geográfico da Universidade de Tubingen (Alemanha).

Tradução de Monika Roper em colaboração com Lautiana Cardoso de Oliveira.

Este texto foi aprovado para publicação em junho de 1992.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Jan 2006
  • Data do Fascículo
    Dez 1992
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