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Einstein, cientista e filósofo?

Resumos

A física, como prática filosófica, designa a escolha de ângulo de abordagem sob o qual é possível perceber características fundamentais da física. Assumimos que os papéis do físico e do filósofo não são tão demarcados e que a tarefa do físico é inseparavelmente enunciar a significação dos conceitos, estabelecendo sua identificação lógico-matemática, e ligá-los à experiência. Nesta perspectiva, a análise da atividade de Einstein, especialmente o exame da gênese da teoria da Relatividade restrita e das significações nos conceitos e enunciados da Relatividade restrita e geral nos leva à afirmação da tese expressa no epíteto Einstein filósofo. Para este percurso foi necessário então a crítica da corrente filosófica - Círculo de Viena - aparentemente mais próxima da atividade einsteniana, mas que só o tomou como referência na condição de físico. Em especial é analisada, e recusada, a tese de Reichenbach da separação entre o contexto de justificativa - ao qual se aplica a análise filosófica - e o contexto de descoberta - relegado exclusivamente ao campo da psicologia. Para esta crítica buscamos, nos processos de descoberta, não uma rígida estrutura lógica mas a noção mais ampla de racionalidade.


Physics as philosophical practice points out the option of an approach which enables us to perceive fundamental features of physics. We maintain that the physicist and the philosopher play roles not so disjuncted and that the physicist's task is as much to enunciate the meaning of the concepts, establishing its logical and mathematic identification, as to link them to experience. With this point of view we analyze Einstein's activity with emphasis on the rise of Special Relativity Theory and the meaning of the concepts of Special and General Relativity. This analysis carries us to the thesis expressed in the title Einstein, philosopher. To this way we have needed to criticize that philosophical movement - Vienna's Circle - which was apparently the nearest one to Einstein's activity. However the Vienna's Circle only took him as physicist but not as philosopher. We analyze, and criticize, in particular Reichenbach's thesis on the separation between the context of justification and the context of discovery, this last one being left to the psychological camp. Through this criticism, we are looking, in discovery procedures, not a rigid logical structure but the larger notion of rationality.


DOSSIÊ FILOSOFIA DA CIÊNCIA

Einstein, cientista e filósofo?

Michel Paty

RESUMO

A física, como prática filosófica, designa a escolha de ângulo de abordagem sob o qual é possível perceber características fundamentais da física. Assumimos que os papéis do físico e do filósofo não são tão demarcados e que a tarefa do físico é inseparavelmente enunciar a significação dos conceitos, estabelecendo sua identificação lógico-matemática, e ligá-los à experiência. Nesta perspectiva, a análise da atividade de Einstein, especialmente o exame da gênese da teoria da Relatividade restrita e das significações nos conceitos e enunciados da Relatividade restrita e geral nos leva à afirmação da tese expressa no epíteto Einstein filósofo. Para este percurso foi necessário então a crítica da corrente filosófica – Círculo de Viena – aparentemente mais próxima da atividade einsteniana, mas que só o tomou como referência na condição de físico. Em especial é analisada, e recusada, a tese de Reichenbach da separação entre o contexto de justificativa – ao qual se aplica a análise filosófica – e o contexto de descoberta – relegado exclusivamente ao campo da psicologia. Para esta crítica buscamos, nos processos de descoberta, não uma rígida estrutura lógica mas a noção mais ampla de racionalidade.

ABSTRACT

Physics as philosophical practice points out the option of an approach which enables us to perceive fundamental features of physics. We maintain that the physicist and the philosopher play roles not so disjuncted and that the physicist's task is as much to enunciate the meaning of the concepts, establishing its logical and mathematic identification, as to link them to experience. With this point of view we analyze Einstein's activity with emphasis on the rise of Special Relativity Theory and the meaning of the concepts of Special and General Relativity. This analysis carries us to the thesis expressed in the title Einstein, philosopher. To this way we have needed to criticize that philosophical movement – Vienna's Circle – which was apparently the nearest one to Einstein's activity. However the Vienna's Circle only took him as physicist but not as philosopher. We analyze, and criticize, in particular Reichenbach's thesis on the separation between the context of justification and the context of discovery, this last one being left to the psychological camp. Through this criticism, we are looking, in discovery procedures, not a rigid logical structure but the larger notion of rationality.

Parece findo o tempo no qual os dentistas eram também filósofos, ou o inverso. A época não é mais dos Descartes e dos Leibniz. Já a filosofia natural de Newton inclina-se decididamente para o lado científico; mas devemos reconhecer que Newton colocou conceitos que alimentaram de forma duradoura as filosofias dos séculos seguintes (o tempo, o espaço, a causalidade) e regras de metodologia científica que servem em parte, ainda hoje, de referência.

Em seguida a clivagem ocorre de forma mais brutal e parece que se pode, daí em diante, classificar os pensadores em categorias separadas e mesmo, logo depois, estanques. No século XVIII d'Alembert figura como exceção, embora ainda seja muito pouco considerado como um filósofo importante. Já no século XIX nós enumeramos muitos casos de cientistas-filósofos nos diversos ramos da ciência; da lógica com Bolzano ou Frege e da matemática de Riemann a Clifford, Peano ou Poincaré, às ciências naturais em transformação e sem falar nas ciências sociais nascentes ainda estreitamente ligadas à terra mãe da filosofia. Para nos restringir à física e aos físicos ou físico-matemáticos mais notórios, Ampère, von Heimholtz, Kirchhoff, Hertz, Boltzmann, Mach, Poincaré de novo e Duhem respondem a esta qualificação.

Mas são estes cientistas realmente considerados como filósofos no sentido pleno? Eles mesmos não o reivindicaram, porque tinham consciência da clivagem. De seu lado, os filósofos que se interessam pelo pensamento destes cientistas se satisfazem em geral com as partes filosóficas destas obras que lhes dizem respeito diretamente, à medida em que elas podem contribuir para instruir seus próprios debates. Raramente preocupam-se com a relação entre estes escritos epistemológicos ou filosóficos e o trabalho científico que os acompanha. Sobre o pensamento destes dentistas-filósofos pesa, em geral, a suspeição de não ser nem sistemático nem de alcance suficientemente geral; e de demonstrar excessiva precisão em suas análises das proposições da ciência. Em suma, estes pensadores não caracterizaram suficientemente a divisão do trabalho entre o filósofo e o sábio (1 1 N.T. O autor usa o vocábulo savant para denominar os cientistas referidos, como Descartes, Newton e Einstein, e o vocábulo scientifique como uma forma contemporânea, quando o saber científico requer maior grau de especialização, mas de significado semelhante. A língua portuguesa não facilita esta distinção porque sábio ou erudito não significam sempre elaboradores de conhecimentos científicos. Optamos portanto por traduzir tanto savant quanto scientifique por cientista. ) (ou, mais modestamente, o cientista, como dizemos hoje).

O século XX conta igualmente com cientistas preocupados com a filosofia e, dentre eles, Einstein. Diferentemente dos pensadores precedentes, porém, não são tanto suas concepções epistemológicas que retêm de sua contribuição às idéias filosóficas, mas certas implicações de sua própria obra científica considerada sobretudo sob o aspecto das novas concepções do espaço e do tempo, e da causalidade relativística.

Sobre a filosofia propriamente dita de Einstein, existe uma opinião corrente, formada sobre um conhecimento indireto e vago de seu pensamento, que lhe atribui todas as características do ecletismo. Isto é acentuado na França, onde a filosofia esteve largamente afastada, desde a segunda guerra mundial, da ciência e de seus problemas. Ele é reconhecido, nos meios melhor informados, como dentista-filósofo (aliás um livro com este título foi publicado em 1949, sob a forma de uma coletânea de contribuições de cientistas e filósofos a propósito de Einstein e, em alguns casos, dialogando com ele) (2 2 Albert Einstein, philosopher-scientist, editado por Paul-Arthu Schilpp (conforme Schilpp, 1949). Esta obra faz parte de uma coleção consagrada aos grandes filósofos contemporâneos. ). Mas alguns, duvidando que seu pensamento filosófico tenha sido sempre coerente (ele teria feito, segundo Holton (3 3 Holton, 1967a e b, 1970. Nós retornaremos a este ponto no capítulo VIII. N.T. Mantivemos, na tradução deste primeiro capítulo, as referências a outros capítulos da mesma obra. ), de sua juventude à maturidade uma verdadeira peregrinação filosófica através das posições as mais variadas, do positivismo ao realismo e do empirismo ao racionalismo), chegam a afirmar que ele professava um oportunismo epistemológico (4 4 Feyerabend, 1975. Ver igualmente o capítulo VIII ) e então deve-se compreender filosófico, segundo o qual todas as concepções são válidas, ao menos no que diz respeito à sua relação com as ciências.

A relação entre pensamento científico e pensamento filosófico

Uma obra científica de alcance filosófico

O que impressiona na obra de Einstein, a ponto de ocultar os outros aspectos de seu pensamento, é o alcance considerável das modificações que ela causou nas visões que tanto cientistas como filósofos estavam acostumados a ter. Mais que seu pensamento propriamente dito, foi sobretudo o conteúdo científico de sua obra que prendeu a atenção. Caso excepcional entre os cientistas-filósofos, ele não interessava aos filósofos profissionais pelo que escreveu mas pelo que fez: ele lhes teria entregue, de todo modo, o material bruto de conceitos e teorias novas, do qual estavam eles a decifrar a significação profunda.

Não há dúvida que os temas filosóficos ligados às transformações da física – como de toda ciência – escapam aos primeiros atores para desenhar um espaço que lhes é próprio, e no qual se exerce livremente a reflexão crítica. Mas o próprio pensamento do criador tem um interesse não menor, e talvez um interesse muito particular para os olhos do filósofo, pois aquele soube, qualquer que tenha sido a maneira, e conscientemente, ou não – trazer à luz objetos de pensamento tão ricos de implicações. Por esta razão provavelmente, os autores do Manifesto do Círculo de Viena mencionam em variadas ocasiões, entre os inspiradores e os representantes do movimento que eles querem promover, o nome de Einstein. Mas, precisamente o Círculo em suas origens reivindicava para seus membros a condição de não serem filósofos e de terem trabalhado em um ou outro dos domínios da ciência. E proclamava, por outro lado, afirmando a necessidade de pesquisas filosóficas sobre os fundamentos, que "não há filosofia como ciência fundamental e universal, ao lado ou acima dos diferentes domínios da única ciência da experiência". Os escritos epistemológicos do cientista citados pelo Manifesto são pouco numerosos – e vão até 1921 – mas é afirmado, com precisão e de maneira significativa, que "importantes considerações filosóficas se encontram igualmente nos trabalhos originais de Einstein" (5 5 Wiener Kreis, 1929, tr. fr., p. 113,127. ) (esta última observação nos aproxima da perspectiva que queremos apresentar).

Pela estatura de sua obra e por sua situação na história do desenvolvimento das idéias, Einstein ocupa um lugar privilegiado que o impõe à atenção do filósofo. Mas, através e para além dele, são as ciências contemporâneas em seu conjunto, por seus conteúdos, suas modalidades, e pelo papel a que se vêem destinadas no campo social, que parecem determinar uma nova relação com a filosofia. Com freqüência as transformações nas representações e teorias científicas pareceram implicar mudanças de alto a baixo nas nossas concepções sobre o conhecimento, em sua natureza e condições de possibilidade. As redistribuições de questões tradicionalmente consideradas como sendo de natureza filosófica parecem responder, não só como eco mas como conseqüência em profundidade, às crises sofridas pelos conhecimentos positivos, sejam das ciências formais (ver a questão dos fundamentos da matemática), ou da natureza (física, biologia), ou relativas às ciências humanas e sociais (das quais este século registra o crescimento).

Com relação a este estado de coisas, o caso do pensamento e da obra de Einstein não é único, mas exemplar e significativo. Ele é igualmente particular, e nós evitaremos, com todo o cuidado, erigir em conclusões universais os elementos de significação que poderemos nele encontrar. A questão preliminar que se encontra colocada desde o início no nosso estudo é a da relação entre ciência e filosofia na formulação e solução de problemas colocados por uma dada ciência, seja considerando estes problemas em si mesmos, tal como eles são postos ao exame de cada um, ou o caminho particular adotado por um criador individual na sua abordagem.

A mais próxima corrente filosófica: o Círculo de Viena ?

A perspectiva adotada a este propósito por um movimento de pensamento como o Círculo de Viena, e seus próximos, pode aqui nos servir, provisoriamente, de fio condutor. A anexação – muito relativa – de Einstein pelo Círculo nao o faz um adepto mesmo que momentâneo. Mas se é preciso designar, nos debates de idéias que acompanharam as renovações da física, uma corrente que seria mais próxima que outras da atitude de Einstein – senão do conteúdo preciso de seu pensamento–, por suas intenções gerais, a escolha dirigir-se-ia de bom grado para aquela reunida em torno dos Círculos de Viena e de Berlim.

Moritz Schlick, animador do primeiro, foi, aliás, quem propôs (bem antes da constituição do Círculo) logo após a publicação dos trabalhos que estabeleciam a teoria da Relatividade geral, a crítica, fundada nesta teoria, do a priori kantiano. Crítica retomada e desenvolvida notadamente por Hans Reichenbach – figura de proa do segundo. E Schlick teve certamente influência, à época, sobre a evolução das concepções epistemológicas de Einstein, como testemunha sua correspondência (6 6 Hentschel, 1986; Howard, 1984. Ver os capítulos VII e VIII. Sabemos, por outro lado, que o pensamento de Schlick conheceu dois períodos: é somente o primeiro, antes do positivismo lógico, que aqui é referido. ); não poderíamos falar de uma influência semelhante de Reichenbach apesar de o último ter mantido com Einstein seguidos intercâmbios filosóficos desde seu período comum em Berlim, até suas últimas conversações em Princeton (7 7 Ver, sobre estes últimos, o testemunho de Maria Reichenbach em suas memórias sobre seu marido, in Reichenbach, 1978, v. I, p. 78-86, e em seu prefácio à tradução inglesa de Reichenbach, 1920, aparecida em 1965. ).

É um traço do perfil intelectual de Einstein ter, ao longo de sua vida, dialogado com filósofos contemporâneos ou do passado, através de intercâmbios diretos ou de leituras. Desde seu período de formação ele leu, e mais tarde releu, Kant (este muito cedo, ao que parece com a idade de dezesseis anos), Hume, Mill, Mach, Poincaré e os cientistas-filósofos ja citados, mas também Schopenhauer, que invocava de bom grado e, sobretudo, Spinoza, do qual ele se sentia tão próximo. Isto posto, é antes de tudo à própria filosofia de Einstein, considerada em seu movimento e sua estrutura, que nós nos prenderemos.

Einstein, o cientista, pode ser igualmente considerado como filósofo? E, em caso afirmativo, quais lições podemos disto extrair para a filosofia em sua relação com as ciências? Mais precisamente: que espécie de questões filosóficas encontramos estudando um pensamento científico criador? Tal é, de fato, a questão que nós nos esforçaremos para responder nesta obra: admitiremos, preliminarmente à questão colocada nestes termos, que as ciências e a filosofia estão, por sua natureza, em uma relação estreita e que, sem se confundir, elas podem se encontrar aplicadas à consideração de objetos comuns. Esta solidariedade da ciência com a filosofia, afirmada anteriormente com força pelos filósofos das Luzes, ao mesmo tempo que estes reavaliavam as relações anteriores sobre tal questão, parecia, à primeira vista, ter sido afirmada com uma força comparável, em nosso tempo, pelos adeptos do movimento da concepção científica do mundo promovido pelos Círculos de Viena e de Berlim (8 8 "A verdadeira ciência aspira sempre à altura da filosofia, e a verdadeira filosofia não se eleva a não ser sobre o terreno firme das ciências" escrevia Moritz Schlick (Schlick, 1921 b ) a propósito de von Helmholtz e em particular de sua doutrina da geometria (ver os capítulos VI e VII). ) – os quais, aliás, se reclamavam herdeiros das Luzes. Nisto, ao menos, eles podiam invocar sem abuso a companhia de Einstein; ao que se junta a influência imediata de sua obra sobre eles.

Mas não era da natureza de Einstein deixar-se alistar por um movimento, qualquer que fosse, mesmo que, em geral, ele não tomasse o cuidado de reafirmar sua independência ou desacordo eventual por ocasião de tal anexação ou interpretação. Muitos aspectos o separavam do positivismo e do empirismo lógico. Se o Wiener Kreis escolheu Einstein um dos três mentores e representantes oficiais e ativos da concepção científica do mundo, com Russell e Wittgenstein, o fez sob o título de físico. Na tríade é, com efeito, a Russell e a Wittgenstein que é atribuído o papel de inspiradores filosóficos, um relativamente à lógica, o outro à linguagem – e são estes dois aspectos que determinam, como o sabemos, a orientação da nova filosofia. A Einstein é expressamente atribuído o papel de inspirador científico (pela física e geometria), e seu pensamento é requisitado à medida em que elaborou uma obra de alcance fundamental em física. De resto, pouco tempo depois, a orientação filosófica do movimento iria se enrijecer, e uma nova diferenciação das tarefas entre o cientista e o filósofo se instituir, finalizando com a abertura afirmada precedentemente.

"Filósofo por implicação ?"

Em sua obra de 1951, O advento da filosofia científica, Reichenbach expõe como, depois do fim da filosofia dos sistemas cujo último representante verdadeiro foi o kantismo, ocorreu o nascimento de uma outra filosofia, oriunda do terreno de uma ciência nova, aparecida no século XVIII nas matemáticas, na física e na biologia, e elaborada de início pelos cientistas como subproduto de suas pesquisas científicas. É então, a seu ver, que ciência e filosofia se reencontraram a ponto de se confundir, pela necessidade, de certo modo, do momento histórico. "O matemático, o físico ou o biólogo", escreve ele, "buscando resolver os problemas técnicos de sua ciência, se via na incapacidade de encontrar uma solução a não ser que respondesse a certas questões mais gerais e filosóficas." Como não eram filósofos, estes cientistas não estavam, em absoluto, embaraçados nos sistemas e, "arrastados pela lógica dos problemas", eles puderam assim encontrar respostas "das quais não se tinha jamais ouvido falar na história da filosofia".

Tal foi, segundo Reichenbach, a implicação da ciência na filosofia para os tempos modernos: ela assegurou a possibilidade de fazer nascer uma nova filosofia. "Com o quadro (9 9 Synopsis. ) das respostas científicas às questões filosóficas", prossegue ele, "é uma nova filosofia que se encontra desenhada, um sistema filosófico não mais no sentido de uma criação especulativa feita fantasiosamente por um pensamento, mas no sentido de uma totalidade ordenada à qual só um trabalho de grupo pode chegar" (10 10 Reichenbach, 1951, p. 119. ).

Contudo, uma vez realizada para a filosofia, esta passagem de uma era à outra, de uma concepção à outra, vem um estágio no qual o trabalho a ela concernente deve ser efetuado para ela mesma, por ela mesma, independentemente do trabalho científico, por novos profissionais da filosofia. Mas, sendo instaurada esta nova época da filosofia, o problema da relação desta com a ciência não se encontra colocado, desde então, em termos semelhantes, no final das contas, àqueles do período findo? Em particular, a questão do aspecto filosófico de uma obra científica como aquela de Einstein não perde doravante – ou de novo – todo interesse? Á revolução filosófica teria feito tabula rasa do passado e das próprias circunstâncias que presidiram seu advento.

Reichenbach admite, é certo, que o processo pode se reproduzir. "Parece", escreve ele a propósito da física em um outro texto da mesma época, "ser uma lei geral que fazer uma nova física precede uma nova filosofia da física"; e "a evolução das idéias filosóficas é guiada por aquela das teorias físicas" (11 11 Reichenbach, 1949, p. 291 e 301. ). Mas seriam apenas tantos reajusta -mentos periódicos deixando intocado o problema de uma verdadeira dinâmica das relações da ciência com a filosofia, destinadas a saltos bruscos resultando de implicação nova, seguida de separação radical.

Reichenbach nos confirma assim que, fazendo obra científica, os cientistas da época a que se refere, fizeram, por isto, e nisto mesmo, obra de filósofos. Mas não era isto feito ao simples título de subproduto, como ele o diz? E se, longe de se encontrar restrita a um momento histórico ocasional (portanto comprometida a caducar, para a filosofia no sentido de Reichenbach, que quer ignorar deliberadamente a história), esta dimensão filosófica era inerente ao próprio trabalho de pesquisa científica, consubstancial a ele, por assim dizer, em numerosas circunstâncias senão em todas, que ultrapassam, por sua significação, o caso descrito como sendo exceção? Nós não nos decidiremos agora sobre isto, mas vemos bem como a resposta formulada por Reichenbach e os defensores do positivismo e do empirismo lógico permanece tributária dos limites de seu sistema.

Em sua contribuição à obra coletiva Einstein cientista e filósofo, Reichenbach prende-se ao caso particular deste cientista e se interroga sobre o fato de saber se ele era realmente filósofo e em quê. Sublinha de início que "a significação filosófica da teoria da relatividade"(

A Relatividade restrita é, segundo uma interpretação difundida tanto entre filósofos quanto entre os físicos que elaboraram a mecânica quântica no fim dos anos vinte, apenas uma conseqüência da necessidade de pensar os conceitos de espaço e de tempo em termos de sua verificação operacional, isto é: da possibilidade de medi-los através da transmissão de sinais? E ela realmente edificou-se, como uma vulgata o fez crer por muito tempo e como o próprio Reichenbach dá a entender (14 14 Reichenbach, 1949, p. 291: "O físico [se trata efetivamente de Einstein] que queria compreender a experiência de Michelson devia esposar uma filosofia para a qual a significação de um enunciado é redutível à sua possibilidade de verificação." Sobre o verdadeiro papel da experiência de Michelson na gênese da Relatividade, ver o capítulo III. ), sobre o resultado negativo da experiência de Michelson? Sobre a base de tal interpretação, Reichenbach não encontrou dificuldades em consignara Einstein uma posição filosófica empirista (15 15 Reichenbach, 1949, p. 291, em seguida à citação da nota precedente: "É este compromisso positivista ou, para melhor dizer, empirista, que determina a posição filosófica de Einstein." Sobre a real posição filosófica de Einstein em sua juventude, ver o capítulo VIII e, no que diz respeito à Relatividade restrita, os capítulos II a IV. ). Fundamenta esta atribuição não sobre a filosofia que Einstein propõe em seus escritos, mas sobre sua suposta caminhada, reconstituída em função de seus objetivos.

Eis aqui, então, o que bastaria para justificar nosso projeto de examinar mais de perto seus escritos: no encaminhamento real que conduziu Einstein à formulação de suas teorias, pelo que seja possível de reconstituir delas elementos significativos, e em suas análises ulteriores que abordam também de maneira mais geral a natureza e os processos do conhecimento. Nestas duas direções uma interpretação como a de Reichenbach padece de seus pressupostos, a saber: a eliminação, em suas considerações filosóficas, dos caminhos efetivos da pesquisa e da descoberta, e a idéia que a filosofia deve não somente ser homogênea à teoria científica mas dela decorrer por via de conseqüência lógica.

Sem parecer se aperceber que o próprio Einstein propôs, entre outras considerações sobre o conhecimento, uma concepção completamente diferente da significação filosófica da Relatividade, Reichenbach lhe faz, em nome de um suposto ponto de vista da filosofia, a seguinte censura: "Não encontramos em seus escritos nem exposição nem argumentação substancial de uma teoria filosófica" (16 16 Reichenbach, 1949, p. 291. ). Einstein, segundo ele, não tinha sentido a necessidade de se entregar a uma análise aprofundada de sua posição filosófica e dos fundamentos de seu pensamento, juntando-se simplesmente à corrente de físicos que o precedia, aquela dos Kirchhoff, Hertz e Mach, e deixando a outros o cuidado de destacar "a filosofia que implicavam suas equações" (17 17 Ibid, p. 292. ).

Se se trata exclusivamente de filosofia segundo sistemas nós devemos parar aqui nossa investigação concordando, aliás, de bom grado, com Reichenbach que "a filosofia de Einstein não é tanto um sistema filosófico mas sim uma atitude filosófica". Ainda seria necessário nos interrogarmos sobre o caráter coerente, e mesmo sistemático, de uma tal atitude, e sobre o grau de profundidade ao qual chegou no exame e a posição dos problemas aos quais ela se aplica. Não admitiremos portanto, sem uma investigação detalhada, que Einstein seria apenas um filósofo por implicação, como Reichenbach o propõe. Esta atitude filosófica reconhecida por ele, teria podido influenciar apenas um momento, restrito em suma, da atividade, e permanecer estranha aos seus primeiros tempos, que Reichenbach remete exclusivamente à física ? E se, nestes primeiros tempos, o físico e o filósofo estiveram estreitamente mesclados ?

Uma nova separação entre ciência e filosofia. Descoberta e justificação

Se as tarefas respectivas do cientista e do filósofo são inevitavelmente distintas, pela necessidade das especializações, os argumentos invocados para justificar sua dissociação não são irrespondíveis. Para Reichenbach, é normal que não sejam aqueles que tornaram possível, por seu trabalho em física, a nova filosofia, os que a desenvolvam, ainda que ela esteja implícita em suas construções. E é verdade que eles não têm, freqüentemente, esta oportunidade; o trabalho filosófico tem, também, sua técnica, como o trabalho científico. É verdade, igualmente, que isto não corresponde realmente a seus objetivos (notadamente se se trata de estabelecer um sistema). Mas já é menos seguro que um e outro requeiram disposições de espírito totalmente diferentes (18 18 Rcichenbach, 1949, p. 292: "A divisão do trabalho entre o físico e o filósofo parece bem ser uma conseqüência inevitável da organização do espírito humano." A crer nisto, o filósofo entregaria, sob este título, exclusivamente ao cientista a capacidade de criar, já que sua própria atitude crítica isto lhe interditaria (ibid., p. 310). Mais recentemente Paul Feyerabend propôs uma dicotomia análoga, mas fundada sobre sua concepção anarquista da criação científica, e desta vez em benefício do cientista contra o filósofo (ver o capítulo Philosophy of science versus scientific practice, de Feyerabend, 1981, v. 2, p. 8098). ): aquele que se aplica às ciências empíricas preocupando-se, segundo Reichenbach, em adivinhar e em predizer (o que ele opõe – não sem algum arbítrio – ao método da análise crítica), ao contrário do filósofo, cuja atividade seria toda analítica e exata, dirigindo-se apenas às relações lógicas, e preocupando-se, aliás, com a justificação, não com a descoberta.

Esta descrição da atividade do físico apoia-se na idéia que a física, enquanto ciência empírica,, propor-se-ia apenas, partindo de certos fatos da experiência, a prever outros fatos verificáveis. Mas é assim que funciona, universalmente, a busca de uma explicação teórica? Aqui vale a pena, também, ver diretamente no processo de raciocínio do físico, tal qual este efetivamente se produz, no contexto da descoberta, tão rápido remetido exclusivamente à psicologia.

Excluir a descoberta, por princípio, da atenção da filosofia não é excluir de fato todo trabalho de pesquisa científica? E separar de maneira tão decidida o espírito do cientista e do filósofo não é igualmente negar a existência, na atividade do pesquisador, de motivações e procedimentos de ordem racional, possíveis de serem descritos de outra forma que pelo apelo a simples crenças, a exemplo da idéia de harmonia que teria presidido o espírito das pesquisas de Einstein, segundo seu próprio testemunho? (19 19 Reichenbach, 1949, p. 292: "Quando em uma certa ocasião, eu perguntei ao Professor Einstein como tinha descoberto a teoria da Relatividade, ele me respondeu que ele o tinha feito porque estava completamente convencido da harmonia do universo." Reichenbach quer crer que poderíamos nos apoiar nesta observação lapidar sobre as motivações conscientes de Einstein, e comenta: "Uma crença não é uma filosofia!" Outras análises do pensamento de Einstein (cf. por exemplo, Holton, 1981c), aí se satisfazem igualmente para invocar esta convicção como propulsora de sua atividade. ) Sem minimizar sua importância, uma idéia tão geral e " metafísica " não é suficiente, evidentemente, para dar conta do encaminhamento do pensamento do pesquisador quando ele se aplica a problemas precisos – a não ser considerando este pensamento como totalmente irracional. Que ela seja subjacente, de forma mais ou menos distante, à motivação e à atividade não elimina em nada as exigências propriamente epistemológicas características deste pensamento e que o próprio Einstein freqüentemente analisou.

Assim, a corrente de idéias que, à primeira vista, dava a impressão de ser a mais capaz de compreender o aspecto filosófico do pensamento de um cientista como Einstein, revela-se, de fato, limitada e deformante. As razões disto são a restrição do papel e do método da filosofia àqueles da filosofia analítica, a eliminação da consideração da elaboração teórica (a " descoberta ") do campo da filosofia e, no final das contas, a esterilização do pensamento científico a que chegou uma filosofia que, contudo, se pretendia tão próxima da ciência. Tão próxima, a ponto de propor que "não há acessos separados à verdade para os filósofos" e que "a via do filósofo é indicada pela do cientista" ("tudo o que pode fazer o primeiro, acrescenta, é analisar os resultados da ciência, construir suas significações e discutir sua validade"), e ao ponto de concluir que "a teoria do conhecimento é a análise da ciência" (20 20 Reichenbach, 1949, p. 310. ). Este cuidado muito cioso da filosofia para com a ciência conduziu a fazer desta última um objeto asséptico, estático, simples esquema formal cobrindo um dado empírico, e a interditar-se de compreender seus movimentos e sua gênese.

Tendo colocado a compreensão da ciência real no leito de Procusto da filosofia assim concebida, Reichenbach pode aliás, apenas estranhar em certos casos, como naquele da Relatividade, se "a análise lógica da teoria coincide com a interpretação original de seu autor", tal como este último a deixa ver no seu trabalho. Reconheceremos, com ele, é certo, que não é freqüente, em ciências, o caso de uma teoria cujo esquema lógico coincide a este ponto "com o programa que controlou sua descoberta" (21 21 Ibid, p. 293. ). Mas um caso tão significativo deveria suscitar dúvidas sobre a conformidade à razão de interdições metodológicas, que aliás desmente involuntariamente a expressão utilizada. Como um programa controlaria a descoberta se esta última só dependeria da psicologia, e sua motivação somente da metafísica? Tal programa não é intencionalmente racional por definição? Sem parecer se aperceber da contradição, Reichenbach a resolveu, ao fim, invocando a idéia de exceção. Mas esta, de um pensador do qual a "clareza filosófica o distingue (...) de numerosos físicos cujos trabalhos tornaram-se a fonte de uma filosofia diferente da interpretação que eles deram" (22 22 Reichenbach, 1949, p. 293. ), que soube "ser o primeiro a ver todas estas relações [os efeitos filosóficos de sua teoria] ainda que ele não as tenha sempre formulado de maneira explícita", cujo trabalho em física "contém mais filosofia implícita que muitos dos sistemas filosóficos" (23 23 Ibid. "Deve ser uma física bem filosófica, e de maneira eminente, esta que conduziu a tais implicações ...", e "não é freqüente que se nos apresente sistemas físicos de uma tal significação filosófica" (ibid., p. 310). ) e que, sob este aspecto, é o sucessor de Newton.

De fato, os raciocínios que levaram Einstein à teoria da Relatividade mostram bem o quanto a análise lógica pertence, ela mesma, ao trabalho original da teoria. Reichenbach sublinha este aspecto a propósito da análise da simultaneidade, e deste estado de coisas mais geral segundo o qual as definições da teoria da Relatividade são todas do tipo coordenativas (24 24 "Definições coordenativas" querendo dizer, na terminologia de Reichenbach, que "elas coordenam um objeto ou um processo físico a algum conceito fundamental" (Reichenbach, 1949, p. 294). Reichenbach credita a Einstein ter sido o primeiro a analisar sob este ângulo a simultaneidade temporal, o que ele qualifica aliás de "descoberta lógica" ( ibid ). ). Mas isto apenas designa, nele, uma concepção do espaço e do tempo que tem por efeito notável (e filosoficamente decisivo) ocasionar a "dissolução do sintético a priori (25 25 Reichenbach, 1949, p. 309. ). Podemos, ao contrário, nos perguntar se a teoria da Relatividade é somente uma doutrina do espaço-tempo, e se sua elaboração somente implicou a reflexão sobre estes conceitos como momento filosófico. E se a abordagem de Einstein não é melhor caracterizada por uma posição própria (e de natureza filosófica) com referência aos princípios e conceitos, a seus papéis em uma teoria, à relação desta última com os fenômenos dados na experiência (ver-se-ia que aí o papel da análise lógica não é menor). Estudá-la será tentar entrar nas razões que levam à descoberta.

De outro lado, quando Reichenbach qualifica o pensamento de Einstein de empirista, como o são aliás, a seus olhos, a física teórica, a construção das matemáticas e o método da própria ciência moderna, no sentido que elas reconheceriam apenas "a percepção sensorial e os princípios analíticos da lógica como fontes do conhecimento" (26 26 Reichenbach, 1949, p. 309-310. Einstein respondeu à análise de Reichenbach no mesmo volume (Einstein, 1949, p. 676-679), opondo a suas concepções categóricas argumentos que, precisamente, contestam o empirismo radical afirmado por Reichenbach (ver, sobre este ponto, os capítulos VII, VIII e IX, da presente obra). ), ele nos provoca também a nos interrogar sobre a filosofia de Einstein, tal como este próprio a concebe, além desta – ao menos implícita – que acompanhou o seu caminho através dos problemas de física.

A dimensão filosófica do trabalho científico (27 27 N.T. Esta segunda parte do artigo foi parcialmente publicada em Novos Estudos - CEBRAP, 28, 1990, p. 127-36, em tradução de Fernanda Peixoto Massi. )

Filosofia e construção de conceitos científicos

"A filosofia não é uma das ciências da natureza", não se situa no mesmo plano; está "acima ou abaixo", escreve Wittgenstein (28 28 Wittgenstein, 1921, p. 4111 e 4112. ), para quem a filosofia não é um corpo de doutrinas, mas uma atividade. Se admitirmos também, com o autor do Tractatus, que seu propósito, ou pelo menos um de seus propósitos, é a clarificação lógica dos pensamentos, e o seu resultado a evidência das proposições (29 29 Wittgenstein, 1921, p. 4112. ), a filosofia diz respeito à atividade científica à medida em que esta última é uma forma de pensamento. Precisamente, a clarificação das proposições faz parte em grau elevado do método de Einstein, de seu estilo científico próprio.

Nesse sentido, não vemos por que conceitos científicos como espaço, tempo e causalidade seriam mais pertinentes à filosofia que outros aspectos da física e de sua construção. Além disso, privilegiá-los nessa ordem não significaria conceder-lhes o status de objetos, quando seria preciso considerar, ao contrário, com Gilles G. Granger, ser a filosofia uma "disciplina sem objeto" (30 30 Cf., por exemplo, Granger, 1968. ), que não se preocupa tanto com a descrição, mas em destacar ou "interpretar as significações", substituindo os fenômenos, seus conceitos e esquemas representativos, "na perspectiva de uma totalidade", por oposição à ciência no sentido estrito, que "constrói estruturas de objetos" e, para fazê-lo, fragmenta (31 31 Ver também Granger, 1989. Mas, reconhece G. Granger, se a ciência não substitui a filosofia e se a filosofia não produz ciência, existe comunicação entre elas: "A análise filosófica das significações pode levar à posterior constituição de objetos de conhecimento científico". ) e simplifica?

Podemos nos perguntar, entretanto, se a distinção é tão nítida em todos os casos e se a constituição de objetos de ciência não está, quase sempre, acompanhada de uma elucidação que tem por objeto, precisamente, as significações. Não é somente em uma fase ultrapassada da história do pensamento que filosofia e ciência se confundem até determinado ponto, em um terreno comum (32 32 Como escreveu G. Gusdorf: "Inúmeros acontecimentos intelectuais, dentre os mais decisivos, encontram seu domínio de eleição no território de passagem, onde a ciência se quer filosofia e a filosofia se pretende ciência. As inspirações mestras, em estado embrionário, se situam nos limites onde os modos de afirmação da verdade implicam-se mutuamente, antes de qualquer especialização e dissociação" (Gusdorf, 1966, p. 158). ). O fato de uma implicar a outra tem a ver tanto com o momento de surgimento de uma concepção teórica nova (a descoberta ), como com o de reorganização do esquema teórico, no qual nos esforçamos para exprimir a significação das proposições.

É aqui que a relação entre ciência, como descrição, e filosofia, como expressão e ordenamento das significações, aparece em toda a sua complexidade, já que a ciência (por exemplo, uma dada teoria) traz em si mesma a necessidade de sua própria interpretação. Todos os debates sobre a física contemporânea versam sobre a natureza desta interpretação e da instância à qual as significações das proposições devem estar relacionadas. A contribuição do próprio Einstein nesses debates destaca-se por sua preocupação em distinguir o mais nitidamente possível o que, na interpretação, provém estritamente da física (quer dizer, da ciência como descrição e interpretação) e o que depende de uma posição filosófica (mais geral e totalizante). É, em particular, o caso de suas considerações sobre a mecânica quântica. Esclarecendo a significação das proposições, no caso, as da teoria física – segundo a missão conferida por Wittgenstein à atividade filosófica –, Einstein distingue ciência e filosofia ao invés de mesclá-las indevidamente. Com esse procedimento, ele demonstra, ainda melhor, a verdadeira natureza de sua implicação comum.

A física, como toda ciência particular, toma emprestado da filosofia elementos de significação. Este é, principalmente, o caso das categorias gerais como as de ordem, lei, causalidade e determinismo, mas também as de teoria e princípio, sem as quais esta ciência não poderia definir seus objetos e procedimentos, nem mesmo ser pensada (33 33 Essas "noções de dupla entrada" (científica e filosófica), como lembra G. Gusdorf, "parecem ter sido constituídas entre a meditação filosófica e a pesquisa científica" (Gusdorf, 1966, p. 153), e possuem origens diversas. ). Os conceitos que são aparentemente os mais ligados à experiência são entidades abstratas que possuem uma função num conjunto, no qual recebem sua definição operatória e adquirem sentido (físico, no caso dessa ciência). São, por isso, devedores das categorias gerais mencionadas e a reflexão sobre eles, fosse esta precisa e técnica, sobre sua ligação com a experiência e sua significação teórica, possui uma parte ligada à atividade filosófica ao mesmo tempo que ela faz parte do trabalho científico propriamente dito.

Vejamos isto através de um exemplo. Quando em sua obra de 1917, A teoria da Relatividade restrita e geral (34 34 Einstein, 1917, p. 14 ), Einstein escreve que "o conceito existe para o físico somente quando temos a possibilidade de encontrar no caso concreto, se o conceito se aplica ou não", ele deixa intocada a questão da natureza e da origem do conceito, e dá apenas uma indicação relativamente geral sobre sua significação para a física: a aplicação no caso concreto, isto é mais amplo que a consideração exclusiva da experiência (referência exclusiva do positivista) e remete à situação física, objeto de estudo do físico. Mas, apesar de sua imprecisão, a estipulação permite ver o que constitui o caráter físico de um conceito, submetido a especificações precisas, ditadas pela natureza e propriedades do sistema físico que consideramos.

Esta observação de Einstein – feita a propósito do espaço e do tempo – forneceu a Ernst Cassirer a ocasião de aprofundar a questão da significação dos conceitos. Para Cassirer, "os papéis respectivos da física e da filosofia situam-se sobre as duas vertentes de uma mesma exigência de unidade do abstrato e do concreto, neste sentido que a teoria [entendamos: a física] vai da experiência à idéia, enquanto que a outra [a filosofia] vai da idéia à experiência". Mesmo quando o físico limita-se a considerar (por exemplo, para os conceitos evocados) a coincidência de acontecimentos no espaço e no tempo, ele mantém, segundo Cassirer, na definição destes acontecimentos, uma dimensão lógico-matemática que é de todo modo a condição de possibilidade de seu pensamento; os conceitos que comparecem (número, espaço-tempo, função) são conhecidos do físico apenas por sua combinação recíproca. Mas é papel do filósofo do conhecimento analisar os elementos desta combinação; ele não admite que a significação do conceito seja identificável à sua aplicação concreta, ao contrário, ele sublinha que a significação deve ser estabelecida para que uma aplicação possa ser feita (35 35 Cassirer, 1921, p. 419. ).

"O pensamento do espaço e do tempo em suas significações como formas de colocação em relação de ordem", escreve Cassirer, "não é criado inicialmente pela medida; ele é somente mais estreitamente caracterizado por esta última, que lhe dá um conteúdo definido. Nós devemos ter apreendido o conceito de evento como alguma coisa de espaço-temporal, nós devemos ter compreendido a significação que nisto se expressa, antes de poder nos interrogar sobre a coincidência dos eventos e de procurar estabelecê-la por métodos particulares de medidas" (36 36 Cassirer, 1921, p. 420. Sobre o pensamento de Einstein quanto aos conceitos de espaço e de tempo, ver nossos capítulos II e IV. ). Insistindo a propósito da teoria da Relatividade, sobre o fato que a significação dos conceitos precede à experiência, e que esta significação reside em sua imbricação lógico-matemática, Cassirer quer sublinhar uma ligação estreita entre a física e a filosofia. Reivindica para a filosofia esta clarificação (restringindo o papel da física à relação que faz passar da experiência ao conceito, ele junta-se à concepção positivista), e vê então esta ligação como uma dependência da física com relação à filosofia, pois é a esta que cabe o papel de revelar a significação que precede a experiência. Mas, se abstrairmos uma divisão de trabalho tão acentuada quanto a vista por Cassirer, e se, por outro lado, nos interrogarmos o que foi mesmo a atividade de Einstein, nos apercebemos que o papel do físico comporta também, pelo menos em parte, esta tarefa que Cassirer atribui exclusivamente à filosofia. De fato Einstein estava longe de simplesmente remeter o conceito do físico à medida.

Ao final das contas, os papéis do físico e do filósofo não são tão demarcados e, desembaraçando-a de suas concessões ao positivismo suposto na atividade do pesquisador, podemos exprimir de outro modo a idéia levantada por Cassirer: a tarefa do físico é, inseparavelmente, enunciar a significação dos conceitos, estabelecendo sua identificação lógico-matemática, e ligá-los à experiência.

Poderíamos dizer que os conceitos em questão não são realmente de natureza filosófica e que sua significação é dada no próprio sistema teórico, isto é, pela física. Mas, de maneira geral, as ciências, mesmo consideradas em seu aspecto mais formal, puramente lógico-teórico, não podem ser concebidas como fechadas nelas mesmas (veja a importância, desse ponto de vista, do teorema da incompletude de Godel), e a significação de seus conceitos e de suas proposições ultrapassa a ordem lógico-teórica que Cassirer parece lhe atribuir: ela requer os metaconceitos da filosofia (37 37 Cf. Granger, 1988. ). De modo que, a afirmação por Cassirer de uma ligação entre ciência e filosofia é ainda válida, mesmo que deslocada devido à atribuição diferente do papel da definição teórica em relação ao trabalho do físico. Por outro lado, a questão da significação dos conceitos e das proposições de uma teoria é de natureza complexa: exige clarificação e distinção entre o que pertence, respectivamente, à física (mais geralmente, à ciência) e à filosofia. Ora, tal clarificação e distinção supõem uma atenção aos metaconceitos e evidenciam a sensibilidade filosófica do físico que os utiliza, isto é, destacam o lado filosófico desse trabalho teórico.

O enunciado das significações – inclusive seu ordenamento segundo uma perspectiva que as relaciona à unidade do conhecimento – faz parte da atividade do físico, que recebe daí uma dimensão diretamente filosófica. O que, é preciso frisar, não substitui o trabalho posterior do filósofo no sentido de desvendar os significados num desenho mais amplo. Mas a clivagem não é tão nítida e vemos que a física, por ter algo de fundamental, é também filosofia.

Além dessa atividade com os conceitos, existem outros aspectos filosóficos consubstanciais à ciência – nem exteriores a ela, nem posteriores – que participam igualmente do pensamento e do trabalho científicos, que se encarnam neles e que constituem, por assim dizer, o estofo do questionamento científico cotidiano (38 37 Cf. Granger, 1988. ). Tais são, principalmente, as questões referentes à natureza e a validade do conhecimento científico, à estrutura formal ou lógica das teorias, à determinação de sua relação com a experiência. Tais são, da mesma forma, certas disposições que Einstein atribui ao pesquisador, cujo conjunto pareceria eclético aos olhos do filósofo sistemático, mas que não são menos filosóficas pelo fato de cada uma delas não constituir um sistema: o projeto de representar uma realidade independente, a parte de convenção nesta construção, sua justificação pelo elo que possui com as experiências dos sentidos, a escolha do critério de simplicidade lógica... (39 39 Einstein, 1949. Ver nosso capítulo VIII. ) A filosofia do conhecimento pode, certamente, considerar essas questões abstraindo a pratica particular de cada pesquisador relativamente a um problema dado, para alcançar – ou, pelo menos, para problematizar – as características gerais dessa forma de pensamento que é a ciência. Mas, de outro lado, essas concepções, sejam conscientes e críticas, ou não formuladas ou simplesmente herdadas, fazem parte do material a partir do qual trabalha o pesquisador: incorporadas às suas ferramentas intelectuais, elas influem sobre sua investigação mesma, representando, segundo o caso, um papel heurístico ou de bloqueio... Constituem elementos de seu programa, (40 40 Sobre a noção de programa epistemológico, ver Paty, 1988a, capítulo 1. ), e é quase sempre com referência a elas que um cientista julga o êxito, ou não, do que conseguiu (ele mesmo ou a ciência à qual está ligado).

Como tal, a filosofia se encontra na ciência, no seu movimento e textura e não somente na avaliação posterior de seus resultados. Compreendemos, então, como a atividade filosófica – mesmo considerada como simples atitude, predisposição ou sensibilidade particular a estes aspectos – pode estar presente no seio do trabalho científico. Esta atividade filosófica pode ser bastante explícita e adquirir importância decisiva na investigação científica, através da reflexão crítica do cientista sobre questões epistemológicas de natureza conceituai ou metodológica (41 41 "Em momentos deste gênero, escreve M. Wartofsky a esse respeito, o cientista pode muito bem tornar-se, em seu trabalho, filósofo das ciências. Pode fazê-lo mal, se ele é filosoficamente ingênuo ou pouco crítico. Ou pode fazer uma obra filosófica do nível da de Descartes, Newton, Leibniz, Planck ou Einstein, que ajudaram, todos eles, a redesenhar não somente os quadros do pensamento da ciência mas também os conceitos fundamentais da filosofia" (Wartofsky, 1968, p. 19). ). O filósofo e o cientista, neste caso, constituem um só, não pela ocasião, mas pela natureza do conhecimento científico.

Se é preciso distinguir ciência e filosofia – distinção necessária mesmo após o que foi dito –, não é porque elas têm muito a ver uma com a outra e porque possuem implicações mútuas? Quando Alexandre Koyré declara que "está fora de dúvida que foi uma meditação filosófica que inspirou a obra de Einstein" – e que, portanto, "poderíamos dizer que, como Newton, ele foi filósofo tanto quanto físico" –, é a esta ligação constitutiva que ele faz referência. Ele remete tal ligação à afirmação de um "princípio metafísico" (42 42 Koyré, 1961, em sua conferência sobre "Filosofia e Teorias Científicas" (cf. p. 268-269). ), que fez com que Einstein escolhesse alguns absolutos e rejeitasse outros. Absolutos esses (invariância, certos tipos de leis), fundados na "natureza que é a medida das coisas tal como elas são", e não mais em Deus (Newton) ou no sujeito cognoscente (Kant). Podemos, certamente, discutir, no detalhe, a argumentação de Koyré e encontrar alguma ambigüidade em sua afirmação segundo a qual "hoje como no tempo de Descartes um livro de física começa por um tratado filosófico" (43 43 Porque, nos debates sobre a interpretação física, "são as filosofias que se opõem" (Koyré, ibid. ), o que é exato no caso mencionado da física quântica, que ele menciona, mas que pode dar a idéia de que a atividade científica estaria submetida ao pensamento filosófico. Einstein mesmo indicará como a atividade científica não pode se submeter a uma filosofia sistemática: ver nosso capítulo VIII. Por outro lado, não posso deixar de ser sensível à opinião de Koyré, para quem – contra tantas autoridades contrárias – "a interpretação corrente – positivista – de sua obra é completamente inadequada" . Isto aparecerá claramente em todos os níveis do presente trabalho. ). Ela se presta a mal-entendidos se pensarmos que o trabalho científico começa pelo enunciado de uma posição ou de um problema filosófico. E o próprio conteúdo das questões científicas, consideradas em suas especificidades e nas tecnicidades de suas formulações, que revela ao mesmo tempo sua dimensão e seu alcance filosófico.

De sorte que pensamento físico e pensamento filosófico mantém estreita relação, da atividade criadora aos debates sobre interpretação. Mas as considerações gerais sobre a natureza exata desta relação são ainda imprecisas e somente o exame de situações efetivas, e dos pensamentos dos cientistas eles próprios, em sua diversidade, podem nos instruir.

A idéia de filosofia permanece ligada à modalidade de ser, ao mesmo tempo, uma atitude e uma atividade, com o que isto supõe de investigação pessoal e de " busca ". Era desse modo, como uma investigação que o engajava inteiramente, sem garantia alguma de chegar a um resultado visível, que Einstein concebia sua própria atividade científica. Ele emitiu, a este propósito, considerações sobre a oposição entre esta busca desinteressada e o ofício necessário para viver, invocando Spinoza, que vivia do ofício de artesão polidor de lentes (44 44 Ver os discursos relatados por Nathan, Norden, 1960, p. 613, assim como em Cranberg, 1979, p. 9-11. Cf. Paty, 1986 a.p. 276. ). Einstein é, evidentemente, filósofo neste sentido geral, além das especializações. Mas é também na acepção mais precisa do termo filosofia, como questionamento racional desenvolvendo conceitos, buscando compreendê-los e ordenando suas significações, que nós consideraremos o pensamento de Einstein enquanto pensamento filosófico: de um lado, pelo objeto (de ciência) ao qual ele aplica seu pensamento e pela sua abordagem particular deste objeto; de outro lado, por sua reflexão epistemológica e filosófica a respeito da atividade do conhecimento científico. Este projeto apela a duas hipóteses de trabalho ligadas às considerações que precedem.

Racionalidade da descoberta

Trata-se de saber, antes de mais nada, se a filosofia como pensamento crítico deve dar atenção apenas às proposições finais de uma ciência (finais no sentido provisório, quer dizer pelo que sua formulação lhe tenha deixado momentaneamente estabilizada), e de questionar se a legitimidade da filosofia não se adequaria igualmente bem ao exame desses momentos eminentemente transitórios da formulação de problemas científicos, considerados em seus momentos constitutivos, transitórios e singulares (transitórios porque estes problemas e suas soluções ver-se-ão reformulados, e singulares porque esta elaboração é fruto de reflexões individuais).

Admitiremos que sim, contra a opinião daqueles que, com Reichenbach, remetem esta consideração a uma psicologia da descoberta, excluindo por princípio um tal objeto da aproximação crítica da filosofia (45 45 A distinção entre contexto de descoberta e contexto de justificação proposta por Reichenbach (1938) foi, em seguida, amplamente aceita. "A epistemologia trata unicamente de construir o contexto de justificação", reafirma Reichenbach em L' avènement de la philosophie scientifique (1951, p. 6-7). ). Renunciar ao exame dos problemas da descoberta seria, para a filosofia, abandonar um imenso campo de problemas que dizem respeito ao conhecimento racional, ocultando a fase de elaboração de uma ciência entre seus primeiros tateios e sua formalização. Além disso, esta fase recobre, algumas vezes, um amplo espectro temporal (como, por exemplo, no caso da teoria quântica). Na verdade, poucos trabalhos filosóficos tratam realmente da descoberta: sociólogos e historiadores (relativistas ) das ciências contemporâneas têm todas as condições para apropriar-se disso, no terreno que lhes foi concedido, longe da racionalidade (46 46 Cf., por exemplo, Kuhn, 1962, e os defensores do relativismo sociológico em história das ciências. ).

Karl Popper, em Lógica da pesquisa, ou da descoberta científica, considera somente os desenvolvimentos da ciência e não a descoberta em si mesma (47 47 O título em alemão da primeira edição de 1935 é na realidade Lógica da pesquisa (Forschung), que virou, na tradução inglesa, Lógica da descoberta (discovery) científica (Popper, 1935, trad, inglesa aum. 1959. Trad, fr., 1973). ). Ele descarta esta última da " análise lógica " da ciência, como fazem os positivistas e empiristas lógicos, e remete-a, do mesmo modo, à "psicologia empírica ". Popper rejeita também todo esforço de reconstruir o processo de " inspiração ", invocando o que ele possui de " elemento irracional " (48 48 Popper, 1935, ed. ingl. 1968, p. 31-32, 40. ). Esta rejeição liga-se à sua epistemologia: não existe lógica da descoberta, já que não existe indução, ou seja, inferência lógica de uma proposição geral a partir de asserções singulares.

Mas se por esta razão é possível aceitar que não existe uma " lógica " da descoberta propriamente dita, o problema de uma racionalidade da descoberta, logo da pertinência desta última para a filosofia das ciências, permanece de pé. O termo " lógica ", a se fixar nele, implica uma visão estreita, não deixando outra escolha senão entre um esquema obrigatório fixo, rígido, de mão única e um fator, ou elemento irracional, sobre o qual nada podemos dizer (49 49 É esta atenção exclusiva à lógica, e não a uma racionalidade mais ampla, que caracteriza a estreiteza do critério de demarcação popperiana da cientificidade pela refutabilidade ou falseabitidade. ). Colocar, ao invés da lógica, a questão da racionalidade – da qual a lógica é apenas o esqueleto – da descoberta, permite levar em consideração um objeto de determinações mais complexas, admitir o papel da intuição, ao menos em uma certa acepção do termo e, mesmo deixando sua parte aos elementos contingentes ou irracionais, fazer jus ao caráter fundamentalmente racional do trabalho de criação científica. De resto, este caráter se revela imediatamente nisto que a fase mesma da elaboração comporta a cada passo, da parte do pesquisador, reorganizações racionais (senão "reconstruções " ) como ordenações dos elementos que estuda, para os compreender. Á tentativa de Lakatos (50 50 Lakatos, 1970 a, 1978. ), de dar conta do desenvolvimento da ciência e de seu progresso propondo sua " metodologia dos programas científicos de pesquisa", mantém uma " lógica da, descoberta " (ao menos para os períodos de " crise ") que lembra, em certo sentido, tais reorganizações comandadas por um programa. Mas a " reconstrução " de Lakatos, injetando racionalidade em seu objeto de estudo ao invés de aí procurá-la, toma liberdades com a exatidão histórica e deixa largamente aberta a questão da racionalidade do processo efetivo de descoberta e do trabalho científico (51 51 Elie Zahar propôs recentemente (Zahar, 1989; ver também Zahar, 1983), na linha de pensamento de Lakatos, uma metodologia mais precisa da heurística dos programas de pesquisa que, fazendo mais jus à precisão histórica, se propõe a reduzir, no trabalho relativo à descoberta, a parte deixada ao irracional. Ele mostra, assim, como, a partir de metaprincípios universalmente aceitos, esse trabalho é , em boa parte, de natureza dedutiva. Sua abordagem, diferente da aqui adotada (ele quer ilustrar uma metodologia, enquanto eu adoto um ponto de vista histórico; ele privilegia o aspecto lógico-dedutivo, enquanto eu tenho uma concepção mais fluida de racionalidade), converge entretanto com esta pela afirmação da importância da racionalidade na descoberta. Mas os pontos de partida e os métodos de nossas respectivas análises da teoria da Relatividade são muito diferentes. ).

De fato, enquanto os filósofos da ciência mandavam interdições ou debatiam em torno do princípio (52 52 É conveniente mencionar aqui um estudo recente de Angelo Maria Petroni (1988) dedicado ao exame de diversos trabalhos sobre a questão da descoberta. Além da obra de Popper – da qual ele observa que suas posições posteriores à Logik der Forschung, por exemplo, em Objective Knowledge (Popper, 1972), dão mais conta da complexidade dos dados do problema – são as pesquisas de Norwood R. Hanson e de Herbert Simon que tratam da possibilidade, ou não, de uma lógica desse processo. A.M. Petroni diagnostica e critica também a redução do problema a uma única lógica e invoca a noção mais ampla de racionalidade. ), a história da ciência, assim como a observação direta dos trabalhos científicos contemporâneos, revelaram a racionalidade dentro do campo dos problemas e do trabalho de elaboração, sem que fosse necessário esperar o momento das reorganizações ou das reconstruções racionais.

Quando examinamos a fase de elaboração, não encontramos um número menor de questões pertinentes do ponto de vista da epistemologia e da filosofia do conhecimento, do que quando nos interrogamos sobre proposições fixadas, com a vantagem suplementar de poder, eventualmente, apreender algo da dinâmica dos problemas responsável pelo movimento da ciência e da realidade do pensamento científico em trabalho. Ás relações entre os conceitos não estabilizados não são, por isso, menos estruturadas racionalmente, seja do ponto de vista da lógica de suas conexões, ou por sua relação com os dados de experiência, mesmo se a lógica destas conexões é menos transparente. Esta estruturação provisória, ainda que diferente da forma final, se esclarece na análise em elementos de significação, que permitem melhor discernir o caráter racional do pensamento científico, assim como certos traços da evolução dos conceitos e das teorias. Os debates sobre interpretação, que acompanham freqüentemente a aparição de uma nova concepção, ou teoria, sem esperar a formulação final, são, sob este aspecto, reveladores (53 53 Por exemplo, no caso da termodinâmica ou da teoria quântica. ).

Concluímos, então, que a racionalidade jamais deixa de impregnar a atividade intelectual do pesquisador mesmo se, em seu movimento efetivo, esta seja tributária de outros fatores. Não se trata de explicar ou de dar conta da totalidade do processo de descoberta, mas de esclarecer sua racionalidade sem, por isso, reconstituí-la racionalmente.

Por outro lado, o estudo das condições de possibilidade de uma concepção teórica, ou de uma ciência, não pode fazer a economia da consideração das circunstâncias que acompanhassem seu estabelecimento. Isto é mais verdadeiro à medida em que a filosofia do conhecimento, tal como é requisitada em nossos dias, e diferentemente da filosofia transcendental, não se propõe a fundar uma ciência constituída e de proposições imutáveis, mas considerando a ciência da maneira como está dada, quer dizer, como conteúdo (provisório) e como processo, sabendo que ela está sempre em gênese, interroga-se sobre a sua significação e seu o conteúdo de verdade. A legitimidade mesma da filosofia do conhecimento está em jogo na possibilidade, por ela, de poder se interrogar sobre a gênese da ciência e que esta seja, em certo grau, racional. Tal é, pois, a primeira hipótese subjacente ao nosso estudo.

A segunda é que a filosofia não se encontra somente pelo olhar que lança do exterior sobre as ciências, considerando estas seja em suas proposições estáticas ou no movimento que estabelece e transforma essas proposições. Ela existe também – se não sempre e de modo sistemático, pelo menos em numerosos e significativos casos – como atitude e como atividade, no movimento do conhecimento científico e, particularmente, no momento em que aparece um elemento de novidade, que vai se mostrar decisivo (54 54 Sobre a novidade em ciência, cf. Paty, 1990, capítulo 1. ). E o que, na seqüência, nos esforçaremos para esclarecer.

Semelhante hipótese está relacionada à precedente: se existe uma racionalidade da descoberta e se a clarificação dos problemas submetidos a exame, a atualização e o ordenamento das significações dela participam, não é possível dizer que o trabalho correspondente a todo esse processo é também de natureza filosófica? Neste caso, a filosofia compreenderia também o movimento que estabelece as proposições fundamentais da ciência. Observemos, como um dos efeitos desta hipótese, que é possível entender como em alguns casos, por raros que sejam, a " lógica " do raciocínio da "descoberta" corresponde à da "justificação", como notava Reichenbach a respeito da Relatividade, estranhando o fato.

Problemas de física, objetos de reflexão filosófica

Uma das teses deste livro é precisamente que a atividade de Einstein (como atitude e como pensamento) é de natureza profundamente filosófica. Isto não quer dizer, evidentemente, que ele teria sido menos físico que filósofo, como se tomássemos ao pé da letra esta confissão um amigo – apesar de reveladora quanto à natureza fundamental de suas preocupações: "Eu não sou verdadeiramente um físico, mas sim um filósofo, e mesmo um metafísico." Não entendemos tampouco por isto que ele seria um filósofo do espaço-tempo, e depois da unidade das coisas, e que o resto da física não o interessaria verdadeiramente: seus críticos, os físicos quânticos, eles mesmos, não pensavam assim.

Mas se devíamos dar uma qualificação lapidar de sua atitude intelectual, do tipo de questões que ele se colocava, e de sua maneira de resolvê-las, o termo que se imporia mais imediatamente seria o de filosofia. No momento mesmo em que ele se interessava pelos problemas de física, e sendo físico plenamente, Einstein pensava também como filósofo : o espaço-tempo não sendo aqui senão um dos objetos de sua atenção, entre outros cujas implicações são totalmente filosóficas, e estes objetos, submetidos ao pensamento do físico, sendo em si mesmos, e não somente por suas conseqüências, objetos de uma reflexão da qual veremos que bem pode ser dita filosófica.

Esta qualificação não é subsidiária ou simples questão de gosto. Para o nosso projeto, que é de compreender o pensamento de Einstein nos diferentes domínios aos quais ele se aplicou, e notadamente a relação entre seu pensamento físico, em seu trabalho de físico, e suas concepções mais gerais, isto é sua filosofia, Ao conhecimento, ela é – pelo que ela seja justificada – de uma importância considerável. O alcance da questão colocada estende-se além do caso particular de Einstein, atingindo a natureza mesma da física e, mais geralmente, da ciência. Ela indaga, a partir da obra dos pesquisadores, sobre a natureza profunda do conhecimento científico. Qual é a forma de pensamento da física? Que gênero de trabalho é o do físico? O que é, exatamente, um objeto de ciência? Que espécie de questões o pesquisador se coloca sobre tal objeto? Qual é, em profundidade, sua natureza? Não é casual que este mesmo objeto suscite, além de sua elucidação por uma ciência, o interesse da filosofia que se interroga sobre o conhecimento deste objeto de ciência. A filosofia se interessaria pelo objeto, da maneira como faz, se este não estivesse impregnado por suas questões desde o seu nascimento e constituição?

A filosofia que a atividade científica implica apresenta-se, então, no próprio movimento desta última, e compreende tanto o período da descoberta quanto da interpretação de seus problemas, resultados e proposições, nos diferentes níveis nos quais podemos examinar esta interpretação.

Talvez seja a consciência da dupla implicação de seu objeto de estudo que dá ao pensamento dos dentistas-filósofos seu interesse particular. Não é uma coincidência que os torna pesquisadores em sua ciência e filósofos ao mesmo tempo; talvez não tenhamos prestado suficiente atenção à relação entre o seu trabalho científico e suas contribuições filosóficas (55 55 Ver, por exemplo, Paty, 1986b. ). Estudando diversos casos, vemos que a dependência dos dois não é unívoca: não é uma filosofia inicial que determina o trabalho científico, nem este último que engendra, pela via da conseqüência, as concepções filosóficas. Deixando de lado as concepções herdadas (e, em particular, as pressuposições de natureza filosófica na formação científica), parece, mais profundamente, que a atividade científica e a interrogação filosófica que a acompanha nesses pensadores manifestam-se juntas, sem uma defasagem importante entre elas, como se surgissem de uma só fonte de problemas, cuja natureza seria inicialmente indistinta, filosófica e científica de uma só vez, ainda que a atenção se encontre dirigida a um objeto de ciência circunscrito e preciso. Este objeto excede a simples positividade de sua própria descrição bem como do resultado do qual ele é a ocasião.

Isto não quer dizer que, posteriormente, não exista distinção a ser feita entre o caráter científico e o filosófico; compete à epistemologia assinalar o que, no estudo de um problema ou conceito, pertence estritamente à disciplina científica considerada e o que aparece como sua dimensão, ou suas implicações filosóficas. A clarificação é necessária se queremos assegurar a autonomia da teoria científica em seu campo próprio. Sem autonomia, a ciência estaria em um estado de dependência arbitrária com relação à filosofia. Mas em um contexto em que se desenha uma situação inédita para os elementos teóricos – e principalmente quando aparecem novos, irredutíveis aos antigos –, a distinção não é sempre possível imediatamente, e só o é após uma decantação, que corresponde à assimilação da novidade ou da diferença. Apesar da diferença de natureza, ciência e filosofia acompanham-se de perto, a ponto de parecerem produzidas uma com a outra, se não uma pela outra, indissociavelmente: um mesmo movimento as envolve em seu surgimento. Este parece ser o caso, ao menos nos momentos profundamente criadores das ciências particulares.

É preciso deixar claro que os problemas científicos não são homogêneos e uns são mais predispostos que outros à atenção filosófica. Notamos também semelhante diversidade entre os cientistas, sobretudo na época das especializações, na qual a tecnicidade pode mascarar uma dimensão mais ampla. Mas, na verdade, nem especialização nem tecnicidade se opõem ao alcance geral (no sentido de significação em uma totalidade) ou filosófico, como os problemas tratados por Einstein fazem ver. Se existe uma oposição entre uma atividade cientifica correspondente a uma prática filosófica e uma outra que lhe corresponderia menos, ou lhe seria estranha, não é nesses termos que a exprimiremos.

Não prejulgaremos a natureza real de uma tal oposição, ou do que faz a diferença entre as diversas atitudes, ou estilos científicos. Sem identificar ciência e filosofia, será suficiente investigar o que as aproxima, no caso de um pensamento criador particular, tentando ver como um problema considerado científico revela algo que tem a natureza de um problema filosófico e vice-versa. E, talvez, contribuir para esclarecer com isso a natureza da ciência como pensamento.

Uma origem comum de qualificação no pensamento criador

E a busca desta origem comum de qualificação que nos interessa aqui, em primeiro plano: origem comum no objeto de investigação, assim como na motivação e no estilo de procedimento do pesquisador.

O estilo é o que constitui a marca própria da individualidade de um pesquisador na sua abordagem do problema científico. Esta abordagem tende à objetividade, mas seu trabalho não é apenas de natureza lógica e dedutiva. O objeto de investigação, mesmo quando suficientemente circunscrito – por exemplo, no período 1900-1905 a necessidade, para a teoria física, de uma formulação satisfatória da eietrodinâmica –, não se deixa descrever de forma unívoca: a diversidade de suas possíveis determinações define um campo de raionalidade no qual o trabalho científico individual se efetua (56 56 Sobre a noção de campo de racionalidade, bem como sobre a questão dos estilos, cf. Paty, 1989, capítulo I. ).

O exame comparativo dos trabalhos de diferentes pesquisadores sobre um mesmo problema, ou objeto, em uma mesma época, permite caracterizar as diferenças de abordagens entre os pesquisadores, a particularidade de cada um de seus estilos. Semelhante estudo pode evidenciar a racionalidade da descoberta: ele indica como escolhas distintas foram feitas na diversidade das que eram possíveis entre os elementos suscetíveis de conduzir à determinação do objeto, e que devem pouco ao acaso e ao irracional. Tais escolhas não existem num espaço ideal abstrato, ao contrário, são postas a pensamentos individuais, e a cada um deles, sob diferentes modalidades: cada um desses pensamentos lê diferentemente o problema estudado. O procedimento de cada pesquisador é deliberadamente racional, orientado para um objeto que lhe é exterior e, ao mesmo tempo, marcado por características que definem sua individualidade: o estilo corresponde, precisamente, a esta integração do individual em um trabalho do pensamento que visa a objetividade.

Esta noção, tal como é desenvolvida por G. Granger em sua Philosophie du style (57 57 Granger, 1968, ed. 1988. Gilles-G. Granger definiu a noção de estilo como "modalidade de integração do individual no processo concreto que é trabalho" (este último concebido como "dialética efetiva e eficaz de formas e conteúdos", p. 8). O estilo pode ser percebido, nas obras, pelos elementos redundantes (de modo análogo ao que ocorre na linguagem de um indivíduo), pelo "resíduo não explorado", cuja determinação não depende univocamente da estrutura (objeto do olhar científico); em relação a ela, "o efeito do estilo não é senão a conseqüência segunda de um constrangimento de individualização" (p. 299). ), permite visualizar a dialética do individual e do objetivo no processo de trabalho intelectual, preservando assim a racionalidade, ao invés de dissolvê-la como faz a concepção objetivante (58 58 Entendo-a no sentido que ela imobiliza e reduz os elementos que considera: sejam proposições acabadas, seja um pensamento criador concebido como puramente subjetivo e irracional. ), que prende-se a uma dualidade estática e fechada entre o lógico e o irracional. Os níveis de individualização da prática científica, nos quais os efeitos de estilo aparecem, ligam-se, de um lado, à multiplicidade de estruturas (ou representações teóricas) possíveis, de outro, à caracterologia das abordagens científicas (diferenças dos perfis intelectuais, escolhas metateóricas etc.); enfim, relacionam-se à contingência das situações (59 59 Nesse sentido, Granger fala do cientista como "ator que se apropria praticamente de uma conjuntura" (Granger, 1968, p. 15). ).

Podemos considerar que o estilo do pesquisador é a carne mesma da racionalização (60 60 O estilo pode ser visto "como um certo modo de introduzir os conceitos de uma teoria, de encadeá-los, unificá-los" e "como uma certa maneira de delimitar a participação intuitiva na determinação desses conceitos" (Granger, 1968, p. 20). ), que finaliza por cristalizar uma estrutura, uma teoria constituída, capaz de redesenhar o objeto inicialmente escolhido. O estilo tem a ver, de maneira evidente, com as significações (61 61 Granger nota que "as variações estilísticas correspondem muito geralmente a diferenças de significação" (Granger, 1968. Cf. p. 301-302). ), principalmente quanto à interpretação das proposições teóricas. No caso das ciências de conteúdo empírico, como a física, as estruturas ou representações teóricas possíveis diante de um problema dado são múltiplas, e é particularmente interessante relacionar o estilo próprio do pesquisador, e o tipo de teoria por ele obtido, com o significado correspondente à teoria em questão. Se a análise do estilo, que diz respeito às significações, pertence à filosofia, não é menos verdadeiro que o estilo, com as significações que comporta, compreende a filosofia prática do pesquisador. Reencontramos com ele a impregnação filosófica conscientemente marcada, em maior ou menor grau, da atividade científica.

O caráter filosófico da pesquisa de Einstein, assemelhada a uma verdadeira busca, é legível desde seus primeiros trabalhos e é responsável, em boa parte, por sua originalidade: podemos nos perguntar sobre o seu efeito na natureza dos resultados que ele obtém. A relação entre a perspectiva adotada, ou entrevista (que determina uma maneira própria de colocar o problema) e o resultado (levado em seguida a uma dimensão universal) não implica, para além da contingência do percurso individual, que a filosofia seja suscitada pela própria natureza do objeto (científico) da investigação? Uma perspicácia particular na consideração dos objetos da ciência não seria o que caracteriza um estilo, que nós poderíamos qualificar neste sentido de prática filosófica? Tal perspicácia não lhe daria uma espécie de faro (que Einstein chamava de sua intuição ou instinto) que lhe permite destacar objetos de efeitos desencadeadores (para o pensamento) consideráveis (os da Relatividade restrita e geral, da cosmologia e, em física quântica, a introdução da análise estatística, ou o diagnóstico de certos traços específicos como a dualidade onda-partícula) ou, ao menos, pressentir com acuidade o que ainda falta para ir em frente, com maior profundidade (notadamente nesta mesma física quântica)? Sobre isto, somente a análise dos trabalhos evocados poderá nos instruir: daí a necessidade de ir, desde o início, aos trabalhos científicos de Einstein, descobridores de objetos de pensamento e fundadores de ciência, ou críticos de soluções propostas.

Em verdade, o caso de Einstein, mesmo sendo particular, revela um aspecto universal da atividade e do pensamento científico, por pouco que eles sejam de natureza fundamental. Que este aspecto não se apresente sempre sob aparências tão claras não diminui sua importância essencial nos outros casos, se queremos compreender o que é a natureza da ciência

O pensamento filosófico de Einstein: relatividade, geometria, física dos quanta, epistemologia

O pensamento de Einstein é um universo no qual ainda não demos a volta. Os numerosos escritos do cientista, dos quais uma grande parte permanece inédita (62 62 A obra já publicada é contudo considerável (ver bibliografia I). Os escritos inéditos, entre os quais uma monumental correspondência, estão reunidos nos Arquivos Einstein (ver o prefácio). Nós fizemos figurar em nossa bibliografia os artigos inéditos mais importantes; as cartas aos correspondentes não publicadas são somente mencionadas nas notas, em função de sua utilização. O primeiro tomo da edição (cronológica) das obras completas de Einstein (compreendendo os inéditos) apareceu quando este trabalho estava em curso, e nós pudemos tê-lo em conta (Einstein, 1987): ele abrange seus anos de juventude e seus primeiros trabalhos (ver em particular nosso capítulo II). Um segundo acaba de aparecer (Einstein, 1990) e numerosos outros seguirão. Ver, por outro lado, a Observação que introduz nossa bibliografia. ), suscitarão durante muito tempo os esforços dos pesquisadores, cientistas, filósofos, historiadores das ciências e das idéias. Nosso propósito, neste livro, é contribuir para um melhor conhecimento deste pensamento e da filosofia que o anima, segundo a perspectiva esboçada pelas observações que precedem: um conhecimento em profundidade, sem pretensão à exaustividade, nem dos temas, nem da obra estudada. Pelo menos, nos esforçaremos para ser tão completos quanto possível sobre os aspectos que escolhemos para examinar. Nós nos deteremos na filosofia de Einstein tal qual ela aparece através de suas contribuições científicas e seu pensamento da física e da ciência, deixando essencialmente de lado as questões que dizem respeito a outros domínios sobre os quais ele tanto se preocupou, como a ética, a política, a metafísica (63 63 Estudos parciais sobre tais questões foram apresentados em Paty, 1979, 1984b, 1986 a, c e d, 1987b. ).

Nossa investigação está orientada em torno de três temas. O primeiro é o do trabalho científico, das contribuições em física e da descoberta, nos quais se manifesta o estilo do pesquisador e sua impregnação filosófica. O segundo dirige-se ao pensamento dos conceitos e das proposições da física, que diz respeito às significações, isto é, dirige-se a epistemologia desta ciência segundo Einstein. Estes dois aspectos temáticos estão ligados, em razão de sua imbricação, em seu trabalho de pesquisa em física, de elaboração teórica e de crítica epistemológica, mais também na sua epistemologia propriamente dita, que se nutre de sua experiência pessoal e é inseparável de seu pensamento físico em suas preocupações mais atuais (64 64 Ver, sobre este ponto, o capítulo VIII. ). O terceiro tema é o da sua filosofia do conhecimento, considerada em geral e em sua relação com seu pensamento físico.

Sobre as contribuições de Einstein em física, como sobre seu pensamento dos conceitos, nós tínhamos a escolha, dos primeiros trabalhos sobre a física molecular, sobre a radiação, sobre a eletrodinâmica e a Relatividade restrita, àqueles da maturidade sobre a Relatividade geral, a cosmologia, a teoria do campo unitário. Freqüentemente são opostas as duas séries, como dois períodos distintos e totalmente contrastados de sua atitude em seu trabalho de pesquisador: às preocupações puramente físicas do jovem Einstein, suceder-se-iam aquelas, de natureza mais filosófica e metafísica, do autor da teoria da Relatividade geral convertido a uma concepção da física especulativa e formal, em nome da qual ele se colocou em crítica irredutível da mecânica quântica. As obras de juventude, Relatividade restrita compreendida, que manifestam uma impressionante fecundidade científica nos domínios mais diversos, seriam, segundo esta visão, a obra de um físico mais conforme a norma da disciplina, preocupado antes de tudo em explicar os fenômenos e dar conta das experiências (movimento browniano, efeito fotoelétrico, calores específicos, e até a emissão estimulada – sem esquecer o resultado de Michelson sobre o vento de éter, já mencionado) (65 65 Nestes termos designamos freqüentemente as correspondentes contribuições de Einstein. Mas a explicação (ou a previsão) destes fenômenos foi obtida em realidade como conseqüência de abordagens teóricas mais gerais versando sobre as grandezas da termodinâmica e da teoria cinética ou sobre a natureza da radiação (cf. Paty, 1992 a ), ou sobre a eletrodinâmica e o princípio da relatividade (cf. capítulos II e III). ), e, por outro lado, despidas de prejulgamentos filosóficos, até mesmo de preocupações coerentes desta ordem.

Nós escolhemos examinar estas seguintes questões controversas: para os caminhos da descoberta, a gênese da teoria da Relatividade restrita (66 66 A física molecular e a teoria dos quanta poderiam também ser estudadas de maneira análoga (como nós o esboçamos para a segunda, em Einstein, les quanta e le réed, Paty, a ser publicado). ) e, para o pensamento das significações, os conceitos e os enunciados da Relatividade, restrita e geral. A física quântica fornece igualmente um rico campo de estudos no que diz respeito tanto ao trabalho levando à descoberta quanto à interpretação. Ela é o objeto de uma outra obra, Einstein, les quanta et le réel, que obrigamo-nos a separar desta por razões de espaço.

A questão da gênese racional da Relatividade restrita é ainda largamente aberta, apesar dos numerosos trabalhos históricos sobre o assunto. A análise dos documentos disponíveis, a começar pelo artigo de 1905 o qual, veremos, contém muitos elementos da solução do enigma, e os recursos do estudo comparativo com relação a outros trabalhos vizinhos e praticamente simultâneos (os de Lorentz e Poincaré), revelar-se-ão próprios para nos esclarecer sobre a especificidade da abordagem de Einstein, sobre os traços de seu estilo de pensamento cientifico que caracteriza sua formulação original dos problemas. Esta conduziu a evidenciar uma dificuldade que ele é o único a designar como tal e que determina o caminho da solução. A recepção da teoria e sua assimilação verão preservar apenas a solução sem seu problema, isto é, a nova concepção do espaço e do tempo; como se tinha esquecido que ela interviu apenas – tão revolucionária que ela foi – para resolver um problema anterior, expresso em termos de uma confrontação de princípios teóricos, resultando de uma escolha prioritária destes últimos, e que é antes de tudo a esta formulação que a teoria deve sua origem. Podemos considerar que esta escolha é de natureza metateórica, sob a condição de não esquecer que ela refere-se a princípios que são, eles mesmos, teóricos (no caso, o princípio da relatividade e o da constância da velocidade da luz), e que são considerações físicas que são invocadas para justificá-la (a saber, as proposições da mecânica e do eletromagnetismo que permanecem universalmente válidas apesar das limitações destas teorias). Parece bem difícil separar sem arbítrio, em um raciocínio desta natureza, a teoria e a metateoria, a física e a epistemologia.

Estas condições racionais particulares da gênese da teoria da Relatividade no trabalho de Einstein não são somente circunstanciais: o desenvolvimento ulterior da teoria não as tornou caducas. As exigências que elas exprimem reconhece-se guiar, efetivamente, tão bem a interpretação original que Einstein lhe deu quanto aquela que foi adotada, geralmente, em seguida. São elas que fazem, precisamente, que se trate de uma teoria da Relatividade, diferentemente das abordagens paralelas de Lorentz e de Poincaré cujos resultados são tão vizinhos e, contudo, tão diferentes quanto à sua significação (abordagens igualmente reveladoras, por outro lado, de escolhas metateóricas, quer dizer, filosóficas no final das contas). Elas preparam além do mais uma etapa ulterior do raciocínio, no sentido da generalização da teoria.

Tanto quanto, senão mais, do que a solução em termos de espaço e de tempo, este trabalho do pensamento e a escolha efetuada, aparecem plenos de significação, neles mesmos como marca individual ou efeito de estilo, bem como pelo problema objetivo que eles revelam. Pois podemos nos interrogar sobre o alcance desta maneira particular de formular os problemas, que – tanto no caso da relatividade e da teoria do campo quanto no da física dos quanta – implica em pensar a relação da teoria física com o seu objeto segundo uma qualificação muito precisa, e que acompanha a preocupação constante para com o que é fundamental. Esta marca do estilo está em correspondência direta com uma filosofia – explicitada mais tarde – que é, essencialmente, pensamento da realidade do mundo e da possibilidade de conhecer esta realidade. Einstein tinha consciência desta dimensão imediatamente filosófica de suas pesquisas, e sua obra, a qual se propõe ir diretamente ao essencial quanto à estrutura profunda da natureza e quanto ao método de pensamento empregado para aí chegar, pode ser vista como uma pratica filosófica.

Estando estabelecidos os fatos racionais relativos à descoberta (67 67 Ver o capítulo II. ), o exame do pensamento de seu autor sobre a significação das estruturas teóricas e conceituais, desta maneira elaboradas ou reorganizadas, ajuda a melhor compreendê-los (68 68 Ver os capítulos III e IV. ). As duas considerações se sustentam mutuamente sem se confundir, a epistemologia permitindo esclarecer as razões da história – o desenvolvimento de um processo de pensamento – sem a desnaturar. E igualmente o que resulta do exame, no mesmo espírito, da transformação que se opera no pensamento de Einstein, sobre o objeto destas elaborações teóricas: este objeto passando, depois da reformulação da eletrodinâmica, da covariância para os sistemas de inércia à covariância geral e à dinâmica da gravitação (69 69 Ver o capítulo V. ).

A teoria da Relatividade geral oferece, com a geometrização da gravitação, um tema particularmente significativo para a filosofia da ciência, sobre o qual nós nos concentraremos: a questão da natureza da geometria, isto é, de sua relação com o espaço do mundo físico, aberta desde o conhecimento das geometrias não euclideanas e doravante posta em novos termos. Para compreender o pensamento de Einstein na geometria é necessário situá-lo com relação às idéias e aos debates anteriores, de Gauss e Riemann a Helmholtz e Poincaré. Aqui ainda, o estudo enriquece-se pela abordagem comparativa: nós examinaremos o que o pensamento de Einstein deve às concepções destes matemáticos e filósofos, e no que eles diferem, e sua originalidade. Não podemos, por outro lado, separá-lo do debate sobre a interpretação da geometria que mobilizou em seguida os protagonistas das diversas correntes filosóficas, notadamente os neocriticistas e os positivistas e empiristas lógicos, e seus sucessores.

Com estes problemas, nos quais a interpretação das significações ultrapassa o plano estritamente científico e pertence de pleno direito à filosofia, nós encontraremos uma situação de todo modo inversa e complementar à que nós encontramos anteriormente, considerando a elaboração teórica e a descoberta, em que a filosofia impregnava a física. Nós veremos que a física, na realidade de seu processo e no seu conteúdo de significado, não pode ser omissa ou dissociada da análise filosófica das significações gerais feitas a partir de suas proposições formais. Tal pelo menos nos parecerá o fundo do problema da interpretação (física da geometria) do qual a abordagem unilateral, por filosofias afastadas da consideração da ciência efetiva, faz esquecer a realidade da construção (geométrica da física). O pensamento de Einstein se revela, aqui ainda, como um cadinho no qual se unem estas exigências constitutivas: a interpretação filosófica não pode fazer abstração do conteúdo, ou significado físico, das estruturas teóricas (70 70 O conjunto destas questões é o objeto dos capítulos VI e VII. ).

É ainda um outro nível das relações da física com a filosofia que nós poderíamos abordar em seguida, com a questão das críticas de Einstein à mecânica quântica, pois que se trata de fato não tanto da própria teoria mas da sua interpretação (71 71 Cf. Paty (a ser publicado). ), isto é, da significação (física e filosófica) que convém atribuir a suas proposições. Einstein tinha, ele próprio, largamente contribuído no nascimento e desenvolvimento da física dos quanta, antes dela adquirir seu estatuto de teoria formalizada e autônoma com referência às teorias anteriores, o que ela atingiu próximo de 1927, sob a forma da mecânica quântica. Se cotejamos suas pesquisas na fase construtiva – de 1905, e mesmo antes, até 1925 – e a natureza de suas críticas na fase ulterior, impressionamo-nos pela continuidade de suas preocupações e mesmo pela constância do estilo de sua pesquisa (72 72 Ver Einstein, les quanta et le réel (Paty, a ser publicado). ). Einstein mostra aí seu cuidado com o caráter fundamental ou não da teoria, e desenvolve considerações e critérios que permitem julgá-la e se pronunciar sobre a interpretação dos conceitos e das proposições teóricas. Ele afirma a necessária autonomia da interpretação física, sempre reclamando da teoria física que ela satisfaça certas exigências teóricas e metateóricas, das quais é útil examinar as características e as relações: um tal exame mostra que elas se apresentam em uma ordem de prioridade na qual o realismo é estritamente requerido, enquanto a questão do determinismo é apenas subseqüente (73 73 Ibid. A ordem de prioridade destas exigências é a seguinte: postulado de uma realidade física existindo independentemente da observação, completude teórica (entendida em certo sentido), caracterização espaço-temporal desta realidade física, separabilidade e localidade de seus elementos, determinismo. Evidentemente todos estes termos requerem ser definidos e analisados. ).

O que precede deixa ver o sentido no qual nós utilizamos a expressão a física como prática filosófica. Não o entendemos, evidentemente, no sentido que a física, segundo Einstein, seria um capítulo da filosofia – mesmo que fosse natural. Isto não é uma definição unívoca da física: outras seriam possíveis que acentuariam outros aspectos diferentes desta ciência, outras maneiras de considerar a natureza de suas proposições, as atividades intelectuais que a elaboram ou a fazem evoluir, ou ainda sua relação com o mundo dos fenômenos, que pode ser muito instrumental. De resto esta expressão não seria suficiente para qualificar de maneira exata e exaustiva a abordagem de Einstein, e a esgotar tudo isto que representa de específico, de preciso e de técnico, o trabalho em física.

A física como prática filosófica é expressão que quer designar a escolha de um ângulo de abordagem sob o qual é possível perceber certos traços característicos e, cremos nós, fundamentais, da física, e em particular da maneira segundo a qual Einstein trabalhava neste domínio ou pensava seus problemas. Nós o entendemos neste sentido que a física é vivida, até mesmo concebida, também como um exercício filosófico, tanto pelo objetivo que ela se propõe quanto pelo método de discernimento racional que ela emprega, pelo qual ela elabora seus conceitos e enuncia e compreende suas proposições fundamentais. Isto exprime que a física – como as outras ciências – possui um alcance que não perde em nada para as reivindicações mais fortes do projeto de conhecer, que ela tem a vocação de constituir uma imagem do mundo, para tomar os termos do próprio Einstein.

Este olhar filosófico, dirigido aos problemas da física de uma maneira por assim dizer imediata, se faz naturalmente mais e mais consciente. E quando o ato filosófico implícito que é o trabalho científico como busca e como método de pensamento – ao menos no caso que nos ocupa –, se reflete e se percebe como tal, em uma consciência individual que o coloca, encontramo-nos desde então no domínio da filosofia propriamente dita.

A filosofia que o pesquisador foi levado a desenvolver doravante é parte integrante de sua pesquisa, da qual ela tende a exprimir o sentido no mesmo movimento que fez surgir a forma. Isto não confere a suas análises qualquer superioridade sobre aquelas feitas por outros, e nada aliás garante que a perspicácia para os objetos da ciência seja acompanhada de lucidez epistemológica e filosófica comparável. Nós não estamos obrigados a admitir sem questionar o que os cientistas, mesmo criadores, dizem de sua ciência: relembrando-o, Einstein convidava a examinar os trabalhos próprios dos cientistas em lugar de crer no que dizem quando eles falam de seus métodos (74 74 Einstein, 1933a. ). Resta que, tendo-o dito, e cada um sendo deixado em sua liberdade, ele não recusava propor sua própria reflexão sobre a natureza da ciência e do trabalho científico. E nada nos obriga a negligenciar esta reflexão, e a lhe preferir ensaios mais sistemáticos. Ao contrário: tendo observado o que o físico fazia, e encontrado bastante filosofia neste trabalho, nos interessa muito particularmente saber o que ele pensava quando filosofava no sentido próprio.

Einstein filósofo, isto designa não somente o pensador, criador e crítico, da física em sua realidade profunda, mas também o epistemólogo e o filósofo das ciências, formulando, em correlação com seu trabalho sobre os objetos de ciência propriamente ditos, considerações mais gerais sobre a natureza e as condições do conhecimento que procuram explicitar as significações mais essenciais. Pouco depois da elaboração da teoria da Relatividade geral, Einstein começou a exprimir suas concepções sobre o conhecimento e suas posições filosóficas, ao mesmo tempo aliás que ele desenvolvia suas análises epistemológicas através do exame crítico dos conceitos e das teorias (suas reflexões sobre a geometria ocupam, nesta transição., um importante lugar).

Nós tentaremos em primeiro lugar delimitar seu percurso epistemológico, isto quer dizer, as etapas do desenvolvimento de seu pensamento a este respeito e os componentes reflexivos que o constituem. Estes últimos compreendem uma concepção das relações entre a ciência e a filosofia, a reflexão sobre sua própria experiência intelectual, o exame das motivações para a busca do conhecimento e a relação deste com a ética. Nós reconheceremos então as premissas que condicionam sua filosofia do conhecimento, e que são uma definição da inteligibilidade e da verdade, e uma posição com relação ao par antagônico do empírico e do fundamental (75 75 Ver o capítulo VIII. ).

Nós examinaremos enfim esta filosofia em si, centrada sobre o essencial: o problema da realidade e de sua representação, a teoria como construção levada em direção à primeira. Em torno deste eixo diretor articulam-se as categorias fundamentais do conhecimento, segundo Einstein. Estas são os princípios e os conceitos, que desenham a teoria e carregam seu conteúdo; a unidade e a simplicidade, que resumem seu objetivo e seu método; o real, objeto verdadeiro e último da teoria, mas jamais atingido, e por isto programa e referência; enfim, a completude teórica, conceito eminentemente einsteiniano, que mantém uma ligação estreita com os problemas de significação das proposições e hipostasia no limite assintótico a relação da representação teórica abstrata com o mundo dos fenômenos e do empírico (76 76 Ver o capítulo IX. ).

Notas

Referências bibliográficas

Michel Paty é diretor de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), da França e da Université Paris VII e chefe da equipe Rehseis (Recherches Épistémologiques et Historiques sus les Sciences Exactes et les Institutions Scientifiques) do CNRS.

Este texto é o primeiro capítulo de seu livro Einstein Philosophe – Lit physique comme pratique philosophise, editado este ano pela Presses Universitaires de France. As principais idéias do livro foram expostas e debatidas em aulas e seminários no Departamento de Filosofia da USP e, especialmente, no Instituto de Estudos Avançados (IEA), onde o autor coordenou, em 1990, um ciclo de debates sobre "Ciência e filosofia", ministrando três seminários sobre "Einstein, física, matemática e filosofia". Neste texto, as chamadas aos capítulos referem-se ao livro.

O original em francês – "Einstein, savant et philosophic" – encontra-se à disposição do leitor no IEA para eventual consulta.

Tradução de Olival Freire Jr., professor do Instituto de Física da UFBa. Revista pelo autor.

  • 12 Seu texto tem por título precisamente: The philosophical significance of the theory of relativity (Reichenbach, 1949).
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  • ___________. Einstein 's revolution. A study in heuristics. La Salle (Ill.), Open Court, 1989.
  • aspectos fundamentais do espaço e do tempo,

    12) não é suficiente para fazer de seu inventor um filósofo, pelo menos quanto à sua intenção inicial, pois que "seus primeiros objetivos se encontravam todos no domínio da física". E com vistas a resolver problemas físicos que o cientista se dirigiu para questões filosóficas: o físico, no caso em tela, só tornou-se filósofo devido à ocasião, porque os problemas físicos que ele se colocava requeriam uma análise lógica de certos conceitos, o que gerava conseqüências sobre a teoria do conhecimento. Avaliamos desde já os limites da implicação segundo esta visão: ela é restrita, com respeito à análise dos conceitos, aos e inclinada de maneira unilateral e forçada para uma determinada filosofia, pois o
    reajustamento que esta análise pressupõe consiste, segundo Reichenbach, em adotar a "teoria verificacionista da significação" (
  • 13),

    isto quer dizer: "uma filosofia para a qual um enunciado é redutível à possibilidade de sua verificação" (experimental ou observacional).
  • 1
    N.T. O autor usa o vocábulo
    savant para denominar
    os cientistas referidos, como Descartes, Newton e Einstein, e o vocábulo
    scientifique como uma forma contemporânea, quando o saber científico requer maior grau de especialização, mas de significado semelhante. A língua portuguesa não facilita esta distinção porque
    sábio ou
    erudito não significam sempre elaboradores de conhecimentos científicos. Optamos portanto por traduzir tanto
    savant quanto
    scientifique por cientista.
  • 2
    Albert Einstein, philosopher-scientist, editado por Paul-Arthu Schilpp (conforme Schilpp, 1949). Esta obra faz parte de uma coleção consagrada aos grandes filósofos contemporâneos.
  • 3
    Holton, 1967a e b, 1970. Nós retornaremos a este ponto no capítulo VIII. N.T. Mantivemos, na tradução deste primeiro capítulo, as referências a outros capítulos da mesma obra.
  • 4
    Feyerabend, 1975. Ver igualmente o capítulo VIII
  • 5
    Wiener Kreis, 1929, tr. fr., p. 113,127.
  • 6
    Hentschel, 1986; Howard, 1984. Ver os capítulos VII e VIII. Sabemos, por outro lado, que o pensamento de Schlick conheceu dois períodos: é somente o primeiro, antes do positivismo lógico, que aqui é referido.
  • 7
    Ver, sobre estes últimos, o testemunho de Maria Reichenbach em suas memórias sobre seu marido,
    in Reichenbach, 1978, v. I, p. 78-86, e em seu prefácio à tradução inglesa de Reichenbach, 1920, aparecida em 1965.
  • 8
    "A verdadeira ciência aspira sempre à altura da filosofia, e a verdadeira filosofia não se eleva a não ser sobre o terreno firme das ciências" escrevia Moritz Schlick (Schlick, 1921
    b ) a propósito de von Helmholtz e em particular de sua doutrina da geometria (ver os capítulos VI e VII).
  • 9
    Synopsis.
  • 10
    Reichenbach, 1951, p. 119.
  • 11
    Reichenbach, 1949, p. 291 e 301.
  • 14
    Reichenbach, 1949, p. 291: "O físico [se trata efetivamente de Einstein] que queria compreender a experiência de Michelson devia esposar uma filosofia para a qual a significação de um enunciado
    é redutível à sua possibilidade de verificação." Sobre o verdadeiro papel da experiência de Michelson na gênese da Relatividade, ver o capítulo III.
  • 15
    Reichenbach, 1949, p. 291, em seguida à citação da nota precedente: "É este compromisso positivista ou, para melhor dizer, empirista, que determina a posição filosófica de Einstein." Sobre a real posição filosófica de Einstein em sua juventude, ver o capítulo VIII e, no que diz respeito à Relatividade restrita, os capítulos II a IV.
  • 16
    Reichenbach, 1949, p. 291.
  • 17
    Ibid, p. 292.
  • 18
    Rcichenbach, 1949, p. 292: "A divisão do trabalho entre o físico e o filósofo parece bem ser uma conseqüência inevitável da organização do espírito humano." A crer nisto, o filósofo entregaria, sob este título, exclusivamente ao cientista a capacidade de criar, já que sua própria atitude crítica isto lhe interditaria
    (ibid., p. 310). Mais recentemente Paul Feyerabend propôs uma dicotomia análoga, mas fundada sobre sua concepção
    anarquista da criação científica, e desta vez em benefício do cientista contra o filósofo (ver o capítulo
    Philosophy of science versus scientific practice, de Feyerabend, 1981, v. 2, p. 8098).
  • 19
    Reichenbach, 1949, p. 292: "Quando em uma certa ocasião, eu perguntei ao Professor Einstein como tinha descoberto a teoria da Relatividade, ele me respondeu que ele o tinha feito porque estava completamente convencido da harmonia do universo." Reichenbach quer crer que poderíamos nos apoiar nesta observação lapidar sobre as motivações conscientes de Einstein, e comenta: "Uma crença não
    é uma filosofia!" Outras análises do pensamento de Einstein (cf. por exemplo, Holton, 1981c), aí se satisfazem igualmente para invocar esta convicção como propulsora de sua atividade.
  • 20
    Reichenbach, 1949, p. 310.
  • 21
    Ibid, p. 293.
  • 22
    Reichenbach, 1949, p. 293.
  • 23
    Ibid. "Deve ser uma física bem filosófica, e de maneira eminente, esta que conduziu a tais implicações ...", e "não é freqüente que se nos apresente sistemas físicos de uma tal significação filosófica"
    (ibid., p. 310).
  • 24
    "Definições coordenativas" querendo dizer, na terminologia de Reichenbach, que "elas coordenam um objeto ou um processo físico a algum conceito fundamental" (Reichenbach, 1949, p. 294). Reichenbach credita a Einstein ter sido o primeiro a analisar sob este ângulo a simultaneidade temporal, o que ele qualifica aliás de "descoberta lógica" (
    ibid ).
  • 25
    Reichenbach, 1949, p. 309.
  • 26
    Reichenbach, 1949, p. 309-310. Einstein respondeu à análise de Reichenbach no mesmo volume (Einstein, 1949, p. 676-679), opondo a
    suas concepções categóricas argumentos que, precisamente, contestam o empirismo radical afirmado por Reichenbach (ver, sobre este ponto, os capítulos VII, VIII e IX, da presente obra).
  • 27
    N.T. Esta segunda parte do artigo foi parcialmente publicada em
    Novos Estudos -
    CEBRAP, 28, 1990, p. 127-36, em tradução de Fernanda Peixoto Massi.
  • 28
    Wittgenstein, 1921, p. 4111 e 4112.
  • 29
    Wittgenstein, 1921, p. 4112.
  • 30
    Cf., por exemplo, Granger, 1968.
  • 31
    Ver também Granger, 1989. Mas, reconhece G. Granger, se a ciência não substitui a filosofia e se a filosofia não produz ciência, existe comunicação entre elas: "A análise filosófica das significações pode levar à posterior constituição de objetos de conhecimento científico".
  • 32
    Como escreveu G. Gusdorf: "Inúmeros acontecimentos intelectuais, dentre os mais decisivos, encontram seu domínio de eleição no território de passagem, onde a ciência se quer filosofia e a filosofia se pretende ciência. As inspirações mestras, em estado embrionário, se situam nos limites onde os modos de afirmação da verdade implicam-se mutuamente, antes de qualquer especialização e dissociação" (Gusdorf, 1966, p. 158).
  • 33
    Essas "noções de dupla entrada" (científica e filosófica), como lembra G. Gusdorf, "parecem ter sido constituídas entre a meditação filosófica e a pesquisa científica" (Gusdorf, 1966, p. 153), e possuem origens diversas.
  • 34
    Einstein, 1917, p. 14
  • 35
    Cassirer, 1921, p. 419.
  • 36
    Cassirer, 1921, p. 420. Sobre o pensamento de Einstein quanto aos conceitos de espaço e de tempo, ver nossos capítulos II e IV.
  • 37
    Cf. Granger, 1988.
  • 38
    Wartofsky, 1968, p. 16-19. A ontologia, ou a lógica considerada em si mesma, são, por exemplo, aspectos filosóficos exteriores a ciência.
  • 39
    Einstein, 1949. Ver nosso capítulo VIII.
  • 40
    Sobre a noção de programa epistemológico, ver Paty, 1988a, capítulo 1.
  • 41
    "Em momentos deste gênero, escreve M. Wartofsky a esse respeito, o cientista pode muito bem tornar-se, em seu trabalho, filósofo das ciências. Pode fazê-lo mal, se ele é filosoficamente ingênuo ou pouco crítico. Ou pode fazer uma obra filosófica do nível da de Descartes, Newton, Leibniz, Planck ou Einstein, que ajudaram, todos eles, a redesenhar não somente os quadros do pensamento da ciência mas também os conceitos fundamentais da filosofia" (Wartofsky, 1968, p. 19).
  • 42
    Koyré, 1961, em sua conferência sobre "Filosofia e Teorias Científicas" (cf. p. 268-269).
  • 43
    Porque, nos debates sobre a interpretação física, "são as filosofias que se opõem" (Koyré,
    ibid. ), o que é exato no caso mencionado da física quântica, que ele menciona, mas que pode dar a idéia de que a atividade científica estaria submetida ao pensamento filosófico. Einstein mesmo indicará como a atividade científica não pode se submeter a uma filosofia sistemática: ver nosso capítulo VIII. Por outro lado, não posso deixar de ser sensível à opinião de Koyré, para quem – contra tantas autoridades contrárias – "a interpretação corrente – positivista – de sua obra é completamente inadequada" . Isto aparecerá claramente em todos os níveis do presente trabalho.
  • 44
    Ver os discursos relatados por Nathan, Norden, 1960, p. 613, assim como em Cranberg, 1979, p. 9-11. Cf. Paty, 1986 a.p. 276.
  • 45
    A distinção entre
    contexto de descoberta e
    contexto de justificação proposta por Reichenbach (1938) foi, em seguida, amplamente aceita. "A epistemologia trata unicamente de construir o contexto de justificação", reafirma Reichenbach em
    L' avènement de la philosophie scientifique (1951, p. 6-7).
  • 46
    Cf., por exemplo, Kuhn, 1962, e os defensores do relativismo sociológico em história das ciências.
  • 47
    O título em alemão da primeira edição de 1935 é na realidade
    Lógica da pesquisa (Forschung), que virou, na tradução inglesa,
    Lógica da descoberta (discovery) científica (Popper, 1935, trad, inglesa aum. 1959. Trad, fr., 1973).
  • 48
    Popper, 1935, ed. ingl. 1968, p. 31-32, 40.
  • 49
    É esta atenção exclusiva à lógica, e não a uma racionalidade mais ampla, que caracteriza a estreiteza do critério de demarcação popperiana da cientificidade pela refutabilidade ou
    falseabitidade.
  • 50
    Lakatos, 1970 a, 1978.
  • 51
    Elie Zahar propôs recentemente (Zahar, 1989; ver também Zahar, 1983), na linha de pensamento de Lakatos, uma metodologia mais precisa da heurística dos programas de pesquisa que, fazendo mais jus à precisão histórica, se propõe a reduzir, no trabalho relativo à descoberta, a parte deixada ao irracional. Ele mostra, assim, como, a partir de metaprincípios universalmente aceitos, esse trabalho é , em boa parte, de natureza dedutiva. Sua abordagem, diferente da aqui adotada (ele quer ilustrar uma metodologia, enquanto eu adoto um ponto de vista histórico; ele privilegia o aspecto lógico-dedutivo, enquanto eu tenho uma concepção mais fluida de racionalidade), converge entretanto com esta pela afirmação da importância da racionalidade na descoberta. Mas os pontos de partida e os métodos de nossas respectivas análises da teoria da Relatividade são muito diferentes.
  • 52
    É conveniente mencionar aqui um estudo recente de Angelo Maria Petroni (1988) dedicado ao exame de diversos trabalhos sobre a questão da descoberta. Além da obra de Popper – da qual ele observa que suas posições posteriores à
    Logik der Forschung, por exemplo, em
    Objective Knowledge (Popper, 1972), dão mais conta da complexidade dos dados do problema – são as pesquisas de Norwood R. Hanson e de Herbert Simon que tratam da possibilidade, ou não, de uma lógica desse processo. A.M. Petroni diagnostica e critica também a redução do problema a uma única lógica e invoca a noção mais ampla de racionalidade.
  • 53
    Por exemplo, no caso da termodinâmica ou da teoria quântica.
  • 54
    Sobre a
    novidade em ciência, cf. Paty, 1990, capítulo 1.
  • 55
    Ver, por exemplo, Paty, 1986b.
  • 56
    Sobre a noção de
    campo de racionalidade, bem como sobre a questão dos
    estilos, cf. Paty, 1989, capítulo I.
  • 57
    Granger, 1968, ed. 1988. Gilles-G. Granger definiu a noção de estilo como "modalidade de integração do individual no processo concreto que é trabalho" (este último concebido como "dialética efetiva e eficaz de formas e conteúdos", p. 8). O estilo pode ser percebido, nas obras, pelos elementos redundantes (de modo análogo ao que ocorre na linguagem de um indivíduo), pelo "resíduo não explorado", cuja determinação não depende univocamente da estrutura (objeto do olhar científico); em relação a ela, "o efeito do estilo não é senão a conseqüência segunda de um constrangimento de individualização" (p. 299).
  • 58
    Entendo-a no sentido que ela imobiliza e reduz os elementos que considera: sejam proposições acabadas, seja um
    pensamento criador concebido como puramente subjetivo e irracional.
  • 59
    Nesse sentido, Granger fala do cientista como "ator que se apropria praticamente de uma conjuntura" (Granger, 1968, p. 15).
  • 60
    O estilo pode ser visto "como um certo modo de introduzir os conceitos de uma teoria, de encadeá-los, unificá-los" e "como uma certa maneira de delimitar a participação intuitiva na determinação desses conceitos" (Granger, 1968, p. 20).
  • 61
    Granger nota que "as variações estilísticas correspondem muito geralmente a diferenças de significação" (Granger, 1968. Cf. p. 301-302).
  • 62
    A obra já publicada é contudo considerável (ver bibliografia I). Os escritos inéditos, entre os quais uma monumental correspondência, estão reunidos nos Arquivos Einstein (ver o prefácio). Nós fizemos figurar em nossa bibliografia os artigos inéditos mais importantes; as cartas aos correspondentes não publicadas são somente mencionadas nas notas, em função de sua utilização. O primeiro tomo da edição (cronológica) das obras completas de Einstein (compreendendo os inéditos) apareceu quando este trabalho estava em curso, e nós pudemos tê-lo em conta (Einstein, 1987): ele abrange seus anos de juventude e seus primeiros trabalhos (ver em particular nosso capítulo II). Um segundo acaba de aparecer (Einstein, 1990) e numerosos outros seguirão. Ver, por outro lado, a Observação que introduz nossa bibliografia.
  • 63
    Estudos parciais sobre tais questões foram apresentados em Paty, 1979, 1984b, 1986 a,
    c e
    d, 1987b.
  • 64
    Ver, sobre este ponto, o capítulo VIII.
  • 65
    Nestes termos designamos freqüentemente as correspondentes contribuições de Einstein. Mas a explicação (ou a previsão) destes fenômenos foi obtida em realidade como conseqüência de abordagens teóricas mais gerais versando sobre as grandezas da termodinâmica e da teoria cinética ou sobre a natureza da radiação (cf. Paty,
    1992 a ), ou sobre a eletrodinâmica e o princípio da relatividade (cf. capítulos II e III).
  • 66
    A física molecular e a teoria dos quanta poderiam também ser estudadas de maneira análoga (como nós o esboçamos para a segunda, em
    Einstein, les quanta e le réed, Paty, a ser publicado).
  • 67
    Ver o capítulo II.
  • 68
    Ver os capítulos III e IV.
  • 69
    Ver o capítulo V.
  • 70
    O conjunto destas questões é o objeto dos capítulos VI e VII.
  • 71
    Cf. Paty (a ser publicado).
  • 72
    Ver
    Einstein, les quanta et le réel (Paty, a ser publicado).
  • 73
    Ibid. A ordem de prioridade destas exigências é a seguinte: postulado de uma realidade física existindo independentemente da observação, completude teórica (entendida em certo sentido), caracterização espaço-temporal desta realidade física, separabilidade e localidade de seus elementos, determinismo. Evidentemente todos estes termos requerem ser definidos e analisados.
  • 74
    Einstein, 1933a.
  • 75
    Ver o capítulo VIII.
  • 76
    Ver o capítulo IX.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Dez 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 1993
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