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Tereza: a imagem eletrônica no tempo-espaço carcerário

CRIAÇÃO / VÍDEO

Tereza: a imagem eletrônica no tempo-espaço carcerário

Marcos Ernesto Rogatto

O vídeo Tereza, ao retratar o cotidiano carcerário de uma maneira diferenciada, conseguiu captar um quadro fiel das relações entre os presidiários e se tornou a produção independente mais premiada em festivais do país no ano passado. Mais que um mero registro, o trabalho revela os diversos elementos presentes no espaço privado das celas, sejam eles verbais ou imagéticos. Durante os 16 minutos da fita encontramos uma estrutura que apresenta características tanto do documentário como da vídeo arte, procurando desvendar os códigos e leis internas, acrescentando efeitos digitais no espaço da tela, pensados e conjugados de maneira que não estivessem presentes como simples artifícios de embelezamento.

A abordagem do tema por si só poderia dar margem à idéia de que a escolha do objeto focalizado seria suficiente para garantir o bom resultado da realização. Afinal, pela própria caraterística da produção independente, a palavra dos excluídos ou exóticos é tema recorrente de outras produções premiadas. Porém, o que aponta para as diferenças desse vídeo, pode contribuir para justificar o seu reconhecimento.

O trabalho desenvolvido na pré-produção, através de rigorosas pesquisas e da convivência com os entrevistados – realizadas pelo antropólogo Kiko Goifman – fez emergir falas espontâneas, que demonstram outros aspectos desses espaços de reclusão e não os tradicionais evocados pelo tema, relacionados às condições de carceragem e aos direitos humanos. Junto a isso, o tratamento das imagens na pós-produção, enxertando frases e fusões referentes ao tema, buscava compor um resultado de congregar o experimento e a retratação daquele particular universo de relações.

Em um momento no qual cada vez mais o desenvolvimento tecnológico cria novos equipamentos, contribui para ligeirizar os trabalhos e aprimorar as formas de criação, o que às vezes se nota é um certo abuso na mediação da técnica, em detrimento de uma postura de pesquisa e reflexão. É como se, ao querer desvendar aspectos de uma tribo indígena, acreditássemos que bastaria falar com o pagé pelo celular, redigir um texto no lap-top e mandar para a aldeia os últimos lançamentos do Primeiro Mundo.

Entre os competentes trabalhos dos realizadores brasileiros temos uma diversidade de experiências dentro da produção independente de vídeo. Mas, ao mesmo tempo, nota-se um certo deslumbramento com os botões, com excessivas inclusões eletrônicas, que uma suposta modernidade impõe.

Não se trata de defender a linearidade em uma mera busca de depoimentos para encadeá-los em uma seqüência aparentemente lógica, acreditando que esse deva ser o formato dos documentários. Experiências com o fragmentário, a saturação das imagens e a edição pontuada por efeitos digitais podem trazer resultados interessantes e contribuir com os novos formatos de realização e até com o aprimoramento dos programas de certas emissoras comerciais. É preciso ter em mente que não basta apenas a mediação tecnológica dos equipamentos como mero artifício na busca do diferenciado.

Ao não se limitar a uma coletânea de depoimentos e utilizar as interferências da tecnologia como um complemento das informações visuais do sujeito retratado, o vídeo Tereza buscou revelar o pendor que a palavra congrega, em sua imbricação com as imagens trabalhadas do ambiente retratado.

Ficha técnica - Formato: U-Matic; Padrão de cor: NTSC; Direção: Goifman/Souza; Edição: Goifman/Souza; Roteiro: Goifman/Rogatto; Produção: Pedrosa; Trilha Sonora: Cuidado que mancha; Produtora: Studio Eletrônico.

Marcos Ernesto Rogatto é jornalista, mostrando, no Departamento de Multimeios do Instituto de Artes da Universidade de Campinas e produtor independente de vídeo (Studio Eletrônico, Campinas, SP, Tel. (0192) 52-3011).

O vídeo Tereza (termo que no código dos presidiáros tem vários significados, entre eles o de uma espécie de corda utilizada para fugas) foi realizado entre maio e outubro de 1992, no 5° Distrito Policial e na Penitenciária de Segurança Máxima de Campinas. O trabalho contou com o Premio Estímulo da Secretaria de Cultura de Campiñas e conquistou as seguintes premiações: Melhor Documentário - VI Fest Vídeo de Porto Alegre, 1992; XVI Guarnicê de Vídeo do Maranhão - Melhor Edição e Direção, 1993; XX Jornada Internacional de Cinema e Vídeo da Bahia - Melhor Vídeo, 1993; IX Rio Cine Festival - Melhor Vídeo Média Duração, 1993; Forumbhzvídeo - Prêmio Especial do Júri e Prêmio Júri Popular, 1993; I Festival Vídeo de Presidente Prudenter - Melhor Vídeo em Tema Livre, 1994.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2005
  • Data do Fascículo
    Ago 1994
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