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Departamento de Ciência Política

ORIGENS E ATUAIS LINHAS DE PESQUISA

HUMANIDADES

Departamento de Ciência Política

Célia Quirino

A Ciência Política, como todas as ciências humanas que se desenvolveram no interior da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, como era então denominada por ocasião de sua fundação, teve a sua marca francesa. Não se configurou de inicio como ciência, nem possuía luz própria. Sua origem foi sociológica com forte influência filosófica. Seu ensino nasceu no interior da Cadeira de Sociologia I e era apenas uma parte do curso de Sociologia Especial, enquanto Sociologia Política. Nessa matéria, os temas ensinados diziam respeito ao "Estado na sociedade contemporânea, ao problema do Estado de Natureza e do Estado de Sociedade do século XVIII até o século XX'' (1 1 Anuário da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (Universidade de São Paulo — 1939-1949), v. H, p. 667. ). Apesar disso, foi a Cadeira de Direito Político que, tendo passado por várias transformações, deu origem ao atual Departamento de Ciência Política. Essa passagem, entretanto, não foi direta. Muitas foram as etapas. Primeiro, tornou-se Cadeira de Política, no interior de um Departamento de Sociologia e Antropologia. Depois, com o fim da Cátedra e como parte integrante do Departamento de Ciências Sociais, Área de Política. Finalmente em 1988, extinguindo-se o Departamento de Ciências Sociais, é que passou a se constituir como Departamento de Ciência Política.

Os primeiro anos

Nos primeiros anos, é bom lembrar que mesmo as Ciências Sociais, como um todo, não eram estrela de primeira grandeza. Havia duas grandes seções nessa nova Faculdade: a de Filosofia e a de Ciências. O curso que, de 1934 a 1941, se chamava Ciências Sociais e Políticas era apenas uma subseção de Ciências, juntamente com a Matemática e Física, a Química, a História Natural, e a Geografia e História.

Por suas origens, portanto, poder-se-ia dizer que a Política teve suas raízes no Direito e na Sociologia. Mas seu juridicismo logo desapareceu e, ao contrário, se sua dependência formal e burocrática da Sociologia não teve longa duração, seus laços com essa matéria, sobretudo os teóricos, sempre se mantiveram. A dominação mais ampla e mais geral, porém, válida para quase todos os demais cursos, era a da Filosofia. Era o curso de Filosofia que dava o tom do que se deveria ler, para se estar atualizado e, sobretudo, para que se pudesse desenvolver a boa discussão metodológica e teórica. A culpa, se é que houve alguma, ainda em boa parte, deve-se aos franceses fundadores, mas também aos próprios alunos. Ambos transitavam tranqüilamente de uma seção a outra. Os alunos matriculados, ou simplesmente aqueles que vinham apenas para ouvir os mestres, assim se comportavam, por imensa sede de conhecimento ou por puro modismo, atraídos por essa grande oportunidade que se apresentava de adquirirem novos saberes, de poderem, talvez, pela primeira vez, aprender esses ensinamentos como um todo, mas também, de poderem se sentir participando dessa moderna intelectualidade européia que lhes parecia tão distante e de tão difícil acesso.

A organização dos cursos

Quando os cursos da Faculdade de Filosofia começaram a se organizar, a partir de 1934, a subseção de Ciências Sociais abrangia cinco matérias obrigatórias em seu currículo. Os professores deveriam estar alocados às seguintes Cadeiras: primeira e segunda de Sociologia; Economia Política, Finanças e História das Doutrinas Econômicas; Direito Político e Estatística. A primeira Cadeira de Sociologia foi, desde o início, ocupada pelo professor Arbousse-Bastide (o Bastidão, pois era fisicamente alto e forte), enquanto a segunda coube a Claude LéviStrauss, ambos importados diretamente da França. Já para a Cadeira de Direito Político foi escolhido, em 1936, um nacional, Antônio de Sampaio Dória, jurista, professor de Direito Constitucional da Faculdade do largo de São Francisco.

O professor Paul Arbousse-Bastide era responsável pelos cursos de Sociologia Geral e Sociologia Especial. Neste último, a Sociologia Política aparecia como uma pequena parte do programa, da mesma forma que a Sociologia Doméstica, Estética etc. Nos cursos do professor Sampaio Dória, de Direito Político, estudavam-se o Estado, Direito Constitucional e Direito Administrativo. Ambos os professores não tinham formação em Ciência Política, se é que consideravam esta e as outras disciplinas sociais como ciências. Sem dúvida, este era um dos temas centrais das aulas e discussões entre alunos e professores. Arbousse-Bastide, licenciado em Letras e agregé de Filosofia, buscava apresentar em seus cursos o clássico debate sobre questões como: "Pode a sociedade ser objeto de estudo científico? Fatos sociais e processo social podem ser considerados como fenômenos específicos do estudo sociológico? A Sociologia, enquanto ciência, pode ter métodos próprios de análise?''

Com relação às demais Ciências Sociais, entre elas a Política e a Antropologia, embora estudadas no âmbito das Cadeiras de Sociologia, já se buscava também compreendê-las à luz de alguma autonomia. Por isso, é possível afirmar que havia, por um lado, a tentativa de se estabelecer uma discussão sobre a possibilidade de se poder criar um approach científico em relação à Sociologia em geral, porém, por outro, desenvolvia-se a discussão sobre a necessidade e as dificuldades de se encarar a individualidade de cada Ciência Social estudada e a especificidade de seus métodos.

As ciências fundamentais

História e Filosofia eram também ensinamentos fundamentais. Além da História e da Filosofia Geral, aprendia-se História da Filosofia e Psicologia Social. Apesar dessa maneira mais teórica e filosófica de se aproximar das Ciências Sociais, em geral, e da Política, em particular, o Brasil não era esquecido. Se era necessário conhecer os fundamentos teóricos e filosóficos da Política, como as questões sobre Poder, Dominação e Estado, estudar as idéias políticas de alguns pensadores considerados clássicos, discutir os problemas levantados pelo jus-naturalismo e pelo contratualismo ou discorrer historicamente sobre a formação do Estado Moderno, era também necessário pensar e pesquisar o Brasil.

Apesar de existir e ter-se mantido por algum tempo grande preconceito em relação a alguns autores brasileiros, por serem não científicos e considerados conservadores, Gilberto Freire, Silvio Romero, Oliveira Vianna eram lidos e estudados. Mas esses autores não eram encarados como bons analistas da realidade brasileira. Sobretudo, o que se percebia, era a grande falta de bibliografia sobre o Brasil e a necessidade de se realizar pesquisas que tivessem um caráter científico sobre o país. Antônio Candido e Décio de Almeida Prado relatam, em suas entrevistas sobre a formação da Faculdade de Filosofia, como foram realizadas algumas dessas primeiras pesquisas (2 2 Sonia Maria de Freitas, Reminiscências. São Paulo, Maltese, 1993. ). Em geral, o tema e a forma de coletar os dados eram sempre indicados pelo próprio professor francês, interessado, ele também, em conhecer e analisar o Brasil. Era o momento em que se aprendia a trabalhar com as fontes primárias e se começava a freqüentar os arquivos e a levantar o material in loco.

Em 1938, com o afastamento do professor Sampaio Dória da Cadeira de Direito Político, esta passa a ser regida por dois outros professores da missão francesa: Pierre Froment (por curto espaço de tempo) que era especialista em Direito Financeiro e Roger Bastide (que na Faculdade ficou mais conhecido como Bastidinho, pois em oposição ao outro Bastide, era magro e baixo). Preocupou-se este em discutir em seus cursos a questão da Soberania, salientando, dessa forma, uma das questões centrais da Política, ao mesmo tempo em que realizava análises críticas das teorias políticas contemporâneas. Os dois Bastides, ao longo dos anos que permaneceram no Brasil ocupando ambos ora a Cadeira de Sociologia ora a de Política, quando esta passou a existir, dedicaram-se a realizar importantes estudos sobre o país. Bastidão terminará, já na França, por escrever vários artigos sobre o positivismo no Brasil e Bastidinho, que havia começado pesquisando o barroco brasileiro, nos seus últimos anos na Faculdade de Filosofia, desenvolveu uma pesquisa sobre as possíveis relações entre as origens nacionais e culturais de imigrantes estrangeiros no Brasil possuidores de doenças mentais, e os tipos de doenças que apresentavam.

Por um curto período — 1939-1941 — a Cadeira de Direito Político foi ocupada pelos padres Leopoldo Aires (primeiro semestre de 1939) e Luiz de Abreu (até junho de 1941). Os dois padres enfocaram seus trabalhos na Filosofia Jurídica e Política de filiação predominantemente tomista (3 3 Anuário da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, op. cit. p. 668. ).

A consolidação: 1941-1964

Em julho de 1941, os cursos da Faculdade são ajustados aos padrões federais, isto é, são obrigados a se enquadrar no que é definido pelo Decreto 12511, como curso de Ciências Sociais. As modificações burocráticas e administrativas que o regulamento federal impôs, apesar de não transformarem o conteúdo dos cursos já existentes, consolidaram certa autonomia do ensino da Política ao estabelecer a criação da Cadeira de Política. Na Faculdade, esta Cadeira nasce como contrapartida da extinção daquela de Direito Político. Promove-se também uma dança de cátedras entre os dois Bastides. Roger Bastide passa para uma das Cátedras de Sociologia e Arbousse-Bastide vai para a Cadeira de Política que acabara de ser implantada. Bastidão leva consigo, para a Política o seu já primeiro assistente na Sociologia, Lourival Gomes Machado. Esses dois professores serão, juntamente com Gurvitch e Morazé, os responsáveis pela consolidação da forma e do conteúdo do ensino da Política na Faculdade.

Bastidinho e Bastidão, apesar de franceses, são também responsáveis pela introdução de boa parte da Teoria Política, americana, inglesa e alemã. Isso se refletirá no primeiro doutorado realizado na Cadeira de Política pelo primeiro assistente, Lourival Gomes Machado. Sua tese, defendida em 1942, sobre Alguns aspectos atuais do problema do método, objeto e divisões da Ciência Política apresenta como bibliografia básica, em meio aos seus quarenta títulos, 23 autores, entre ingleses e americanos, muitos destes bem recentes, isto é, publicados durante os anos trinta, alguns alemães, outros franceses. Por essa bibliografia é possível perceber um pouco o que se lia na época com relação à Ciência Política. Pode-se destacar entre outros: Georges Cattlin, A study of the principles of politics; Raymond Gettell, Political science; R. M. MacIver, The modern State; Charles E. Merriam, History of political theories e Recent tendencies of political thought; Francis G. Wilson, The elements of modern politics; Georges Gurvitch, Sociology of law;K. Mannheim, Ideologia y utopia, em tradução do Fondo de Cultura Economica. Como lembra muito bem Antonio Candido, em sua entrevista já citada, foi por muitos anos responsável por boas traduções em espanhol de obras alemãs, que podem, por exemplo, permitir a algumas gerações de cientistas sociais brasileiros ler Weber antes mesmo que os franceses o tivessem traduzido; e muitos outros como Jellineck, Pollock, Sabine e, evidentemente, artigos recentíssimos, de professores da casa, como o de Lévi-Strauss Sommaire du cours de méthodologie sociale e o de Arbousse-Bastide Introduction à un cours de politique.

Sem dúvida, essa primeira tese apresentada e defendida na Cadeira de Política é uma tentativa de marcar a importância e definir o papel que essa ciência passa a ter no conjunto das Ciências Humanas. Percebe-se nessa obra, nitidamente, a preocupação em mostrar a necessidade do conhecimento dos fenômenos políticos, para se chECAr ao entendimento da sociedade como um todo e estabelecer métodos de análise que possam ser mais adequados a essa ciência. Por isso, procura Gomes Machado encaminhar o problema da especificidade do objeto da Ciência Política em contraponto à Sociologia Política, que já vinha sendo colocado por alguns especialistas, e da questão do método, tão cara aos mestres franceses. Assim, ao discutir e apresentar algumas conclusões acerca das tendências metodológicas e do objeto da Ciência Política procura fazê-lo sempre de maneira comparativa, em relação às demais Ciências Sociais.

Esse tipo de discussão servia também para mostrar a importância de as aulas de Política serem introduzidas somente quando os alunos já possuíssem conhecimento básico de Sociologia e de outras Ciências Humanas. Dessa forma, quando da reorganização do currículo dos cursos de Ciências Sociais, a matéria Política irá aparecer a partir do terceiro ano, após o aluno ter tido dois anos de Sociologia e Economia Política e um de História da Filosofia, de Geografia Humana, Estatística, Antropologia, Ética e Psicologia Social.

É também no começo dos anos 40 que tem início a organização dos cursos de especialização. Estes eram realizados em uma só Cadeira e tinham a duração de dois anos, quando o aluno, após ter realizado uma pesquisa da escolha e sob a orientação do Catedrático, deveria apresentar sua dissertação para uma banca examinadora. Era o momento de o aluno se integrar aos trabalhos de pesquisa da Cadeira. Essa fórmula é, sem dúvida, o germe dos futuros mestrados.

De 1941 a 1943, os dois professores Arbousse-Bastide e seu assistente procuraram, nos cursos de Política, discutir o estudo científico das realidades políticas. Por um lado, buscavam desenvolver ''a definição sociológica dos fenômenos políticos'' enquanto, por outro, "abordavam, pela leitura crítica de textos, a evolução das idéias e doutrinas''. Em 1941, "uma vez feita uma introdução teórica sobre as relações entre morfologia social e os fatos políticos, os dois professores iniciam dois novos cursos intensivos: um sobre o desenvolvimento geral da ideologia democrática e outro destinado especialmente às leituras do Contrato Social de Rousseau" (4 4 Idem, p. 669. ).

Em 1944, quando o professor Arbousse-Bastide se afasta para prestar serviços especiais à embaixada francesa no Rio de Janeiro, o professor Gomes Machado, já com um doutorado que versava especificamente sobre a Ciência Política, o substitui assumindo as funções da Cátedra. Para o cargo de assistente, por um pequeno espaço de tempo, é nomeado Benedito Ferri de Barros.

Por essa época, os cursos de Política já são estruturados em torno de três grandes unidades didáticas. O Anuário da Faculdade referente a esse período informa que essas três unidades são assim distribuídas: "I — Curso sistemático de introdução à ciência política: visão panorâmica dos problemas políticos (organização constitucional e administrativa, fundamentos sociais, econômicos e ideológicos do Estado; história e geografia das idéias políticas; relações internacionais; as ciências políticas em sua multiplicidade) e sistematização da ciência política (principais interpretações; quadros gerais de uma introdução: a ciência política como estudo sistemático das instituições e dos regimes políticos); II — Lições sobre a história das idéias políticas'' (5 5 Ibidem. ). Este curso, desde então, dedicou-se a desenvolver estudos interpretativos do pensamento político clássico. Podia-se discutir um único pensador, ou mesmo uma única obra durante um ano letivo, como poder-se-ia trabalhar sobre vários autores durante apenas um semestre; "III — Seminário de leituras e comentários, bem como de apresentação, debate e crítica de trabalhos de alunos" (6 Ibidem. 6 ). Esse seminário, aos poucos, vai se transformando em discussões das pesquisas realizadas por alunos e professores da Cadeira e acabará por ser o ponto de apoio que dará sustentação, no futuro, em meados dos anos cinqüenta, à criação dos cursos de Instituições Políticas Brasileiras. Com pequenas transformações, é em torno desses três temas fundamentais que se define o tripé que por longos anos foi a base e a marca da Ciência Política da USP.

Hoje, fazendo um levantamento retrospectivo dos cursos de Política na Faculdade de Filosofia, pode-se afirmar que o item I passou por várias denominações, embora por muito tempo tenha sido designado como Introdução Conceitual, permitindo, por essa vaga definição, que se enfatizasse ora um, ora outro conceito ou autor. Muitas vezes a ênfase em um tema ou autor dependeu tanto da atualidade dos conceitos e de certos autores, como das situações políticas concretas em que se encontrava o país. Por isso, podia abranger, por exemplo, um aprendizado mais teórico dos ensinamentos sobre poder, dominação, soberania, Estado, capitalismo, democracia, em Weber, Marx, Mannheim, Gurvitch, Cassirer, Bertrand de Jouvenel, Friedrich, Lasswell, W. Mills, Dahl etc.; dedicar-se a realizar leituras do Capital e acompanhar a discussão de diferentes autores sobre a acumulação primitiva e a passagem do feudalismo para o capitalismo, para se compreender melhor a formação do Estado Moderno; mas também era necessário ler Lukács e Marcuse nos anos 60, Gramsci e Poulantzas nos 70 e discorrer sobre liberalismo, autoritarismo e democracia nos anos 70 e 80.

O item II manteve sempre, como ponto de honra, a obrigatoriedade e a importância da leitura dos clássicos. Alguns autores e temas logo foram definidos como os mais significativos para o aprendizado da Política. As análises dos textos eram realizadas levando-se em conta a História, o contexto, a teoria e a compreensão de mundo da época, a influencia do pensamento político de autores anteriores e contemporâneos, a importância para os tempos presentes etc. Assim, Maquiavel, Locke, Hobbes, Montesquieu, Rousseau etc. e, também, por vezes, Juan de Marianna, Puffendorf, Grotius, Bodin e outros, dependendo da escolha e do interesse do professor encarregado de ministrar o curso. Pois que, dentro da ampla escolha que a História das Idéias Políticas permite, a liberdade de Cátedra sempre foi mantida.

O item III, Instituições Políticas Brasileiras, nasceu como parte do grande projeto de pesquisa que Lourival Gomes Machado imaginara ser a tarefa que professores e pesquisadores (de início alguns alunos de especialização) deveriam realizar para que se pudesse cobrir a história política brasileira. Embora os cursos sobre Brasil só tivessem oficialmente começado em meados dos anos 50, o grande projeto, com o fito de desenvolver pesquisa para se conhecer melhor o país, parece ter sido elaborado e iniciado antes mesmo que Gomes Machado se tornasse Catedrático. Aos poucos, alguns alunos e professores pesquisaram o sistema de administração da época colonial, o pensamento político dos Inconfidentes, logo seguido por tese de doutorado sobre o Império e a formação de uma equipe para pesquisar a Primeira República e outra tese de doutorado sobre o fenômeno do populismo brasileiro. Sem dúvida, a Cadeira tinha um amplo projeto de pesquisa bem-definido, o qual todos que nela trabalhavam consideravam importante realizar e do qual todos participaram, ao menos, por algum tempo.

Em 1944, Arbousse-Bastide reassumiu suas funções. Em 1946, a Cadeira voltou a ser entregue ao primeiro assistente. Em 1947, por sugestão do professor substituto, Georges Gurvitch é contratado e assume a regência da Cátedra. Nesse ano, o professor Gomes Machado desenvolveu em suas aulas temas sobre Ética e Política, Sociologia do Conhecimento de Durkheim e o Sistema de Saint Simon, que funcionaram como uma espécie de introdução aos cursos ministrados por Gurvitch. Este professor inicia dois cursos monográficos sobre Proudhon e Marx e Sociologia do Conhecimento.''O primeiro abordando, do ponto de vista da história das idéias, as concepções da realidade social, de acordo com os dois filósofos socialistas e o segundo visando à apresentação teórica dos problemas principais da sociologia do conhecimento em seu atual estado de desenvolvimento (6 Ibidem. 6 ). Ambos foram franqueados ao público. Abrir os cursos de grandes mestres ao público já vinha há algum tempo sendo uma prática da Faculdade

Em 1948, novamente o professor-substituto assume a Cadeira de Política. Dedica-se, especialmente nesse ano, a desenvolver novo curso sobre a Evolução do Estado Moderno. Este tema é abordado separadamente em dois aspectos paralelos, "um sobre a evolução histórica-institucional e outro sobre o movimento das idéias'' (7 7 Ibidem. ). Para os alunos de quarto ano e para alguns que já estavam se especializando em outras cadeiras da seção de Ciências Sociais, desenvolve um seminário de leitura crítica de textos de Karl Marx. Inaugura, dessa forma, uma prática de leitura de textos, unindo alunos e professores, não necessariamente da mesma área de interesse, o que irá dar muitos frutos, por algumas gerações, será responsável pela aquisição de formação teórica mais consistente e dará nascimento a interessantes grupos de estudos.

Em 1949, novo professor francês vem reger a Cadeira: Charles Morazé, que permanece nesse posto até 1952. Ainda no de 1949, a Cadeira recebe reforço didático e de pesquisa com a entrada de Paula Beiguelman como auxiliar de ensino. E nesse período que professores e alunos começam a realizar as primeiras pesquisas eleitorais. As eleições, depois do primeiro período Vargas, eram novidade. De início, a tarefa proposta pela Cátedra pretendia realizar um Mapa politico de São Paulo, como um ensaio prático de cartografia eleitoral. Estas pesquisas serão desenvolvidas e desdobradas em outras durante alguns anos. Assim é que, em 1951, os trabalhos de pesquisa da Cadeira de Política se encontram voltados para os Estudos das eleições de janeiro de 1947; Estudos evolutivos da, demografia eleitoral nos diversos estados da. União a partir de 1920; Estudo da campanha eleitoral de 1950, realizado através da imprensa nos diversos estados da União. Em 1952, no entanto, atendendo ao grande projeto da Cadeira, Paula Beiguelman já está trabalhando em sua pesquisa de doutorado sobre o Desenvolvimento das idéias abolicionistas no Brasil e, juntamente com o professor Assis Simão, estudando a Formação do operariado em São Paulo.

Em 1952, Oliveiros Ferreira é contratado como auxiliar de ensino. Logo, o novo professor, começa a trabalhar no projeto da Cadeira. Cabe-lhe, assim, iniciar estudos sobre a administração colonial e se responsabilizar pelos seminários de leitura do Contrato Social de Rousseau.

Ainda em 1949, Gomes Machado presta concurso de livre-docência com tese sobre o Tratado do Direito Natural de Tomás Antônio Gonzaga e, em 1954, com a apresentação da tese Homem e Sociedade na Teoria Política de Jean-Jacques Rousseau, passa a ocupar a Cátedra de Política. Desde 1950, a Cadeira de Política era parte integrante do Departamento de Sociologia e Antropologia, o qual, por sua vez, era responsável pela organização dos cursos de Ciências Sociais.

Com suas teses, o professor Lourival Gomes Machado parecia querer, ele também, completar a construção do tripé sustentador dos estudos de Política. Os três temas abordados eram uma demonstração clara da importância de se tratar esses aspectos da política:

  • definição e compreensão dos conceitos e do método;

  • levantamento de diferentes aspectos da política brasileira;

  • história das idéias políticas.

À medida que as pesquisas sobre Brasil se desenvolveram, tornava-se evidente a dificuldade na obtenção de dados, sobretudo no que se referia à documentação histórica mais antiga. A leitura de fontes primárias parecia fundamental. Novo projeto se impôs: a formação de um arquivo no qual os dados coletados e as publicações de difícil acesso, necessárias à realização das diversas pesquisas, pudessem ser organizados. Em 1961, uma pessoa especializada em Política e em documentação foi contratada. Com ajuda financeira da Fapesp, os Arquivos de Política começaram a se desenvolver e a se mostrar de imensa utilidade para os pesquisadores.

No final dos anos 50 e início dos 60, a Cadeira havia crescido bastante. Alguns professores e pesquisadores, recentemente contratados, trabalhavam em tempo integral, sempre orientados pelos professores mais antigos. É, sem dúvida, um período de intensa atividade intelectual. A Cadeira ocupava nessa época três grandes salas no quarto andar do prédio da rua Maria Antônia. Nos fins de tarde, todos se reuniam em uma das salas e conversava-se animadamente. Comentavam-se as publicações mais recentes, os artigos dos colegas, falava-se sobre arte, afinal era uma das especialidades do Catedrático e, discutia-se muita política.

Resistência, desagregação

e sobrevivência: 1964-1975

Antes do golpe militar, já em 1963, o professor Lourival Gomes Machado havia se afastado para trabalhar na Unesco. A assistente mais antiga o substituiu e deu continuidade à programação estabelecida. Em 1964, outro professor foi obrigado a deixar o país. Fez parte da primeira leva de exilados indo para o Chile. Durante alguns anos tudo parecia muito difícil, embora os trabalhos continuassem. Censura, denúncias, policiais em salas de aula, tudo havia tornado o ato de aprender e o de ensinar extremamente complicados. Mas até 1968, a aparência de normalidade foi mantida. Trabalhava-se muito e entre professores e alunos havia respeito e certa cumplicidade intelectual e política.

Os cursos de introdução giravam em torno do desenvolvimento do capitalismo e da formação do Estado Moderno. Lia-se Marx, Weber, Dobb, Mannheim, Lukács, Heller e, em 1968, muito Marcuse. Também Gramsci começava a ser estudado. De início, no curso de História das Idéias, foram introduzidos os seus escritos sobre Maquiavel, mas nos anos 70, tornou-se um dos autores mais trabalhados, a ponto de, no princípio dos anos 80, ter sido tema de tese de livre-docência de um dos professores da Cadeira. Nos cursos de Instituições Políticas Brasileiras discutia-se desde as questões referentes ao escravismo, ao feudalismo e ao capitalismo na formação do estado brasileiro, debate que foi uma constante durante certo período, até os aspectos mais atuais do país, ou seja, a revolução brasileira, o populismo e o autoritarismo. Caio Prado e Celso Furtado eram leituras obrigatórias, mas também lia-se Nabuco, Victor Nunes Leal, Nestor Duarte, Faoro etc.

Em 1968, a desagregação começou. Após a destruição da Maria Antonia e a mudança para a Cidade Universitária, foi difícil guardar a aparência de normalidade. Pouco tempo depois dos cursos de Ciências Sociais terem sido instalados nos barracões, descobriu-se que quase todo o material juntado nos Arquivos de Política havia sido perdido. Ainda nesse ano, realizou-se o concurso para preenchimento da Cátedra, que se encontrava vaga com a morte do professor Lourival Gomes Machado, ocorrida em 1967, quando ainda em missão na UNESCO. Em 1969, por força do AI-5, alguns professores da Universidade de São Paulo são aposentados, entre eles o novo catedrático Fernando Henrique Cardoso e a professora Paula Beiguelman. Alguns professores já haviam abandonado a Cadeira. Em 1970, um é preso e outros dois partem para o exílio. Em meados de 1970, a Cadeira estava reduzida a dois professores.

Concluindo...

Nesses vinte anos muita coisa mudou. Desde o término da Cátedra, ocorrido no início dos anos 70, ao fim do Departamento de Ciências Sociais, até o surgimento do Departamento de Ciência Política e do grande aumento do número de professores com formação bastante variada, muitas foram as transformações.

Talvez seja possível afirmar que o estudo de Ciência Política e o Departamento por ele responsável tenham sofrido por todo esse período o impacto das transformações e crises do sistema político brasileiro.

Quando ainda no período de Vargas, a Ciência Política, nos seus primordios, parecia querer negar sua vocação e apenas transformar-se num aspecto do ensino do Direito. Com os movimentos para a redemocratização do país e de 1945 a 1964, o estudo da Política adquiriu forças, não só para tentar entender os complexos caminhos da liberdade, mas também para enfrentar a busca de uma sociedade mais igualitária. Democracia e Socialismo foram, então, os seus temas fundamentais. A redescoberta dos direitos fundamentais e a construção da nova Constituição aproximou de novo a Política do Direito. A redemocratização trouxe consigo os estudos de transição democrática e novo interesse pelas velhas e novas análises sobre Democracia.

Sem dúvida, pelo menos até os anos 70, duas atividades foram fundamentais: o projeto comum e a leitura dos clássicos. Afinal, ''as obras clássicas, de pensadores eminentes, que suportaram a prova do tempo, são indispensáveis para a compreensão da Política'' (8 8 Leslie Lipson. Os grande problemas da Ciência Política. Rio de Janeiro, Zahar, 1976. p. 506. ).

Notas

Célia Quirino é professora do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

  • 1
    Anuário da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (Universidade de São Paulo —
    1939-1949), v. H, p. 667.
  • 2
    Sonia Maria de Freitas,
    Reminiscências. São Paulo, Maltese, 1993.
  • 3
    Anuário da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras,
    op. cit. p. 668.
  • 4
    Idem, p. 669.
  • 5
    Ibidem.
  • Ibidem.

    6
  • 7
    Ibidem.
  • 8
    Leslie Lipson.
    Os grande problemas da Ciência Política. Rio de Janeiro, Zahar, 1976. p. 506.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Nov 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 1994
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