Acessibilidade / Reportar erro

Ritmo e modo da evolução microbiana pré-cambriana

Resumos

No decorrer do último quarto de século, semelhanças detalhadas, em níveis de gênero e espécie, entre microfósseis pré-cambrianos e cianobactérias atuais, têm sido repetidamente anotadas e consideradas significativas biológica e taxonómicamente por grande número de pesquisadores espalhados pelo mundo. Estas semelhanças são particularmente bem-documentadas em membros das Oscillatoriaceae e Chroococcaceae, as duas famílias cianobacterianas pré-cambrianas mais amplamente distribuídas e abundantes. Em espécies de duas outras famílias, as Entophysalidaceae e Pleurocapsaceae, semelhanças morfológicas, em nível de espécie, entre fósseis e formas modernas apoiam-se em comparações profundas, abrangendo ambiente, tafonomia, desenvolvimento e comportamento. Morfológica e, provavelmente, fisiológicamente, tais fósseis vivos cianobacterianos evidenciam uma taxa de mudança evolutiva extraordinariamente lenta (hipobraditélica), evidentemente em conseqüência da larga tolerância ecológica característica de muitos membros do grupo, constituindo, assim, notável exemplo da "regra de sobrevivência dos relativamente pouco especializados", elaborada por Simpson. Tanto no ritmo quanto no modo de evolução, muito da história pré-cambriana da vida - aquela parte que foi dominada pelas microscópicas cianobactérias e outros procariotos - parece ter sido marcadamente diferente da evolução mais recente, fanerozóica, dos organismos eucarióticos, megascópicos, especializados e horotélicos.


Over the past quarter-century, detailed genus - and species-level similarities in cellular morphology between described taxa of Precambrian microfossils have been noted and regarded as biologically and taxonomically significant by numerous workers worldwide. Such similarities are particularly well-documented for members of the Oscillatoriaceae and Chroococcaceae, the two most abundant and widespread Precambrian cyanobacterial families.For species of two additional families, the Entophysalidaceae and Pleurocapsaceae, species-level morphologic similarities are supported by in-depth fossil-modern comparisons of environment, taphonomy, development, and behavior. Morphologically and probably physiologically as well, such cyanobacterial living fossils have exhibited an extraordinarily slow (hypobradytelic) rate of evolutionary change, evidently a result of the broad ecologic tolerance characteristic of many members of the group (and a striking example of Simpson's "rule of the survival of the relatively unspecialized"). In both tempo and mode of evolution, much of the Precambrian history of life - that dominated by microscopic cyanobacteria and related prokaryotes - appears to have differed markedly from the more recent Phanerozoic evolution of megascopic, horotelic, adaptationally specialized eukaryotes.


CIÊNCIAS DA VIDA

Ritmo e modo da evolução microbiana pré-cambriana

J. William Schopf

RESUMO

No decorrer do último quarto de século, semelhanças detalhadas, em níveis de gênero e espécie, entre microfósseis pré-cambrianos e cianobactérias atuais, têm sido repetidamente anotadas e consideradas significativas biológica e taxonómicamente por grande número de pesquisadores espalhados pelo mundo. Estas semelhanças são particularmente bem-documentadas em membros das Oscillatoriaceae e Chroococcaceae, as duas famílias cianobacterianas pré-cambrianas mais amplamente distribuídas e abundantes. Em espécies de duas outras famílias, as Entophysalidaceae e Pleurocapsaceae, semelhanças morfológicas, em nível de espécie, entre fósseis e formas modernas apoiam-se em comparações profundas, abrangendo ambiente, tafonomia, desenvolvimento e comportamento. Morfológica e, provavelmente, fisiológicamente, tais fósseis vivos cianobacterianos evidenciam uma taxa de mudança evolutiva extraordinariamente lenta (hipobraditélica), evidentemente em conseqüência da larga tolerância ecológica característica de muitos membros do grupo, constituindo, assim, notável exemplo da "regra de sobrevivência dos relativamente pouco especializados", elaborada por Simpson. Tanto no ritmo quanto no modo de evolução, muito da história pré-cambriana da vida - aquela parte que foi dominada pelas microscópicas cianobactérias e outros procariotos - parece ter sido marcadamente diferente da evolução mais recente, fanerozóica, dos organismos eucarióticos, megascópicos, especializados e horotélicos.

ABSTRACT

Over the past quarter-century, detailed genus - and species-level similarities in cellular morphology between described taxa of Precambrian microfossils have been noted and regarded as biologically and taxonomically significant by numerous workers worldwide. Such similarities are particularly well-documented for members of the Oscillatoriaceae and Chroococcaceae, the two most abundant and widespread Precambrian cyanobacterial families.For species of two additional families, the Entophysalidaceae and Pleurocapsaceae, species-level morphologic similarities are supported by in-depth fossil-modern comparisons of environment, taphonomy, development, and behavior. Morphologically and probably physiologically as well, such cyanobacterial living fossils have exhibited an extraordinarily slow (hypobradytelic) rate of evolutionary change, evidently a result of the broad ecologic tolerance characteristic of many members of the group (and a striking example of Simpson's "rule of the survival of the relatively unspecialized"). In both tempo and mode of evolution, much of the Precambrian history of life - that dominated by microscopic cyanobacteria and related prokaryotes - appears to have differed markedly from the more recent Phanerozoic evolution of megascopic, horotelic, adaptationally specialized eukaryotes.

NA ÉPOCA em que George Gaylord Simpson (1944) escreveu o clássico Tempo and mode in evolution (1 1 As notas de rodapé foram acrescentadas ao original pelo tradutor. Tempo e mode, em inglês, são aqui traduzidos como ritmo e modo, respectivamente. ), as únicas evidências fósseis da historia da vida consistiram apenas daquelas conhecidas do Éon Fanerozóico, referentes aos mais recentes 550 milhões de anos (Ma, mega-anna, isto é, 106 anos) do tempo geológico (Fig. 1). Assim, a visão de Simpson do processo evolutivo era baseada, necessariamente, na vida fanerozóica - a familiar progressão desde algas até plantas com flores (angiospermas), desde trilobitas até seres humanos -, uma história de animais e plantas sexuados, de evolução relativamente rápida, bem-sucedidos em função de seus sistemas de órgãos especializados (flores, folhas, dentes, membros) utilizados para repartir e explotar ambientes particulares. Em suma, Simpson elucidava a evolução normal, desempenhada pelas regras normais do jogo - especiação, especialização e extinção.


Embora estas regras bem estabelecidas sejam certamente aplicáveis aos eucariotos megascópicos do Fanerozóico, existem razões suficientes para questionar se elas se aplicam, da mesma forma, à fase anterior e muito mais longa da história evolutiva da Terra, a fase pré-cambriana (2 2 Pré-Cambriano: mais antigo dos dois éons da história geológica da Terra, englobando o período desde a formação do Planeta, há 4.500 Ma, até o aparecimento, há ~ 550 Ma, de abundantes fósseis de metazoários biomineralizados (conchas, carapa-ças etc.). O Pré-Cambriano representa 85% do tempo geológico e é subdividido em duas eras, o Arqueano, mais antigo (4.500-2.500 Ma) e o Proterozóico, mais recente (2.500-550 Ma). ), dominada pelos micróbios (figura 1). Ao invés de plantas e animais multicelulares e sexuados, a biota durante a maioria do Pré-Cambriano foi dominada por simples procariotos assexuados. Em lugar de uma evolução rápida, muitos micróbios pré-cambrianos evoluíram, evidentemente, num passo espantosamente lento. Ademais, em vez de possuir sistemas de órgãos especializados para a exploração de nichos ecológicos específicos, os membros mais bem-sucedidos deste grupo de microorganismos primevos - as cianobactérias fotoautotróficas - eram generalistas ecológicas adaptadas para resistir aos rigores de uma ampla gama de condições ambientais. Ao contrário da evolução normal, as regras primitivas da evolução procariótica parecem ter sido especiação generalização e sobrevivência por períodos excepcionalmente longos.

A existência de uma distinção no ritmo e no modo evolutivos entre as histórias da vida no Fanerozóico e no Pré-Cambriano não é idéia nova (Schopf, 1978:110-134), mas tem, recentemente, recebido ênfase adicional (Schopf, 1992: 599-600), merecendo, portanto, exame minucioso e cuidadoso. Todavia, a avaliação desta generalização depende, de forma crítica, da qualidade e da quantidade das evidências fósseis disponíveis; visto que o estudo intensivo do registro fóssil pré-cambriano data de pouco mais de um quarto de século (Schopf, 1992: 179-183), uma comparação completa entre a história da vida precoce e a dos períodos geológicos mais recentes não é possível por ora. Portanto, para tentar uma primeira aproximação, o que se fará aqui será analisar o que é conhecido do registro fóssil das cianobactérias pré-cambrianas, isto é, o registro dos membros mais bem-estudados, abundantes e amplamente distribuídos, comumente distintivos e evidentemente dominantes das biotas procarióticas mais antigas. Também dentre os fósseis microscópicos pré-cambrianos são conhecidos representantes de outros grupos procarióticos (Schopf, 1992: 1123-1166; 195-218), mas seu registro é muito pequeno. Desta forma, as conclusões aqui esboçadas com relação ao registro fóssil antigo referem-se, estritamente, às cianobactérias, cuja história evolutiva pode, ou não, ser representativa dos procariotos em geral. Para avaliar esta generalização, há de se fazer duas perguntas fundamentais. Primeira: foi o ritmo da evolução cianobacteriana pré-cambriana marcadamente mais lento do que aquele típico dos eucariotos fanerozóicos? Segunda: se foi, como explicar tal diferença?

Ritmos de evolução

No seu livro Tempo and mode, Simpson (1994) cunhou termos para "três distribuições de taxas [evolutivas] decididamente diferentes", inferidas a partir de comparações entre táxons atuais e fanerozóicos: taquitélica, para linhagens de evolução rápida; horotélica, a distribuição padrão, "normal", de taxas evolutivas típicas da maioria dos animais fanerozóicos; e braditélica, para evolução morfológica lenta. Incluídos entre as linhagens braditélicas estão os chamados fósseis vivos (como os braquiópodes lingulóides, Limulus, celocantídeos, crocodilos e o gambá), que são "grupos que sobrevivem ainda hoje e que demonstram relativamente poucas mudanças desde os tempos remotos quando eles, primeiramente, surgiram no registro fóssil" (Simpson, 1944:125). A braditelia de Simpson aproxima-se, significativamente, do conceito de evolução suspensa (arrested evolution)" desenvolvido anteriormente por Ruedemann (1918:107-134 e 1922: 54-55; 256-272), sendo que ambas as idéias estão baseadas na comparação morfológica entre táxons modernos e formas fósseis, virtualmente indistinguíveis, mas 100 milhões de anos (ou mais) mais antigas.

Hipobraditelia. Recentemente, acrescentou-se a esta lista um quarto termo, hipobraditelia (Schopf, 1987: 25A), "para referir-se à taxa de mudança evolutiva excepcionalmente baixa que é exibida por táxons cianobacterianos, ou seja, por morfoespécies que aparentam pouca ou nenhuma mudança morfológica ao longo de muitas centenas de milhões de anos e, comumente, por períodos maiores de um ou mesmo dois bilhões de anos" (Schopf, 1992: 596). Seguindo o raciocínio exemplificado por Simpson, a hipobraditelia é baseada na comparação estritamente morfológica entre táxons vivos e fósseis. Por meio de outras informações, tais como biomarcadores químicos (Schopf, 1992: 595-598), composições isotópicas de carbono (Schidlowski et ai., 1992) e distribuição paleoambiental (Knoll & Golubic, 1992), pode-se discernir algo da paleofisiologia de cia-nobactérias fósseis, mas o conceito de hipobraditelia não implica, necessariamente, na identidade fisiológica, bioquímica ou genômica entre táxons modernos e fósseis. Este conceito pode ser aplicado às cianobactérias porque em sedimentos antigos são preservados as características morfológicas e os padrões de divisão celular usados hoje em dia para diferenciar os vários níveis da hierarquia taxonômica destes microorganismos (Schopf, 1992; Knoll &Golubic, 1992; Golubic, 1976); como enfatizado por Knoll e Golubic (1992: 453): "Essencialmente todas as feições morfológicas salientes utilizadas na classificação de cianobactérias vivas podem ser observadas em microfósseis bem-preservados".

Já em 1968, foram documentadas, em níveis de gênero e espécie, semelhanças pormenorizadas tanto para táxons filamentosos (das Oscillatoriaceae) como cocóides (Chroococcaceae), interpretadas como evidências de excepcional "conservadorismo evolutivo morfológico" (Schopf, 1968). Desde então, tais semelhanças têm sido reconhecidas repetidamente. De fato, já é prática comum, entre paleobiólogos do Pré-Cambriano, cunhar nomes genéricos de modo a denotar semelhança ou até identidade inferida entre fósseis de supostas cianobactérias antigas e formas modernas morfologicamente análogas através dos apropriados prefixos (palaeo-, eo-) ou sufixos (-opsis, -ites) acrescentados aos nomes de gêneros cianobacterianos modernos (tabela 1). A validade destas comparações varia de caso em caso, e apesar de mais de 40 epítetos terem sido propostos dessa maneira (para gêneros referidos a diversas famílias cianobacterianas; tabela 1), a utilização de tal procedimento, em si, não constitui evidência conclusiva de hipobraditelia.

Uma nota de precaução. A aplicação do conceito de hipobraditelia apresenta certas armadilhas em potencial, das quais três merecem atenção especial. Primeira, devido a enorme magnitude do tempo pré-cambriano (figura 1) e apesar do notável progresso paleontológico em anos recentes (Schopf, 1992), a documentação da história biótica primitiva ainda continua incompleta. Comparado ao imensamente melhor documentado registro de organismos fanerozóicos - e mesmo dentro das próprias subdivisões do Proterozóico (3 3 O Proterozóico é subdividido em três suberas: Paleoproterozóico (2.500-1.600 Ma), Mesoproterozóico (1.600-1.000 Ma) e Neoproterozóico (1.000-550 Ma). ), de longe a porção do Pré-Cambriano mais bem-estudada - o registro cianobacteriano conhecido é escasso, representado, em média, por apenas ~ 21 ocorrências taxonômicas (4 4 Ocorrência taxonômicas referem-se ao número de morfotipos fósseis taxonómicamente distinguíveis por período de tempo (como neste caso) ou por formação geológica. ) de espécies filamentosas e ~ 46 ocorrências de formas cocóides para cada intervalo de 50 Ma do Pré-Cambriano (Schopf, 1992; Mendelson & Schopf, 1992). Em segundo lugar, a afinidade cianobacteriana atribuída a alguns fósseis microbianos pré-cambrianos pode ser bastante insegura em alguns casos (menos de 10%, evidentemente), especialmente quando se trata de formas minúsculas e morfologicamente simples (por exemplo, representantes atipicamente pequeños das Chroococcaceae e das Oscillatoriaceae) que, no estado fóssil, são essencialmente indistinguíveis de vários procariotos não-cianobacterianos (Schopf, 1992). Em terceiro lugar, de acordo com o chamado sindrome do Fusquinha (Schopf et al., 1983), a ausência de mudanças na forma externa de procariotos morfologicamente simples não reflete, necessariamente, estase evolutiva da maquinária fisiológica interna. Este problema é especialmente difícil de avaliar, mas talvez nao seja tão crucial, pois desde bem cedo, no Proterozóico até o presente, as mesmas famílias cianobacterianas e muitos dos mesmos gêneros e até espécies morfológicas parecem ter habitado ambientes iguais ou muito parecidos aos modernos, "fornecendo informações, 'por tabela' de atributos fisiológicos" (Knoll & Golubic, 1992: 451).

Hipobraditelia Cianobacteriana

As cianobactérias são hipobraditélicas? Podem ser classificados em dois grupos os dados que dizem respeito a esta questão. Primeiro, grande volume de evidências indica que a proposta é plausível e, de fato, provavelmente certa, mas pela ausência de informações de apoio relevantes, principalmente com relação ao paleoambiente e à tafonomia (5 5 Tafonomia engloba estudos das condições e processos de preservação de fósseis desde a morte e decomposição dos organismos até sua descoberta nas rochas. ), estas evidências não são plenamente comprobatorias da hipótese. Segundo, pequeno número de estudos aprofundados apoia, firmemente, esta proposta, mas são poucos e sua abrangência taxonómica é limitada. Portanto, eles não estabelecem a generalização desta proposição. Contudo, considerados em conjunto, estes dois grupos de dados constituem forte subsídio a favor desta proposta.

Evidências da plausibitidade. Na Figura 2 são apresentadas fotomicrografías de pares de cianobactérias atuais e proterozóicas, morfológicamente comparáveis, inclusive o exemplo ilustrativo, comumente citado (Schopf, 1968; Schopf & Blacic, 1971; Golubic & Campbell, 1979; Campbell, 1979), da semelhança entre o fóssil Palaeolyngbya (Fig. 2B) e seu sósia morfológico moderno, Lyngbya (Fig. 2A). Já foram feitas numerosas outras comparações em níveis de gênero e espécie, como, por exemplo, entre Cephalophytarion grande, de 850 Ma, e o membro moderno das Oscillatoriaceae, Microcoleus vaginatus (Schopf, 1968; Campbell, 1979) e entre Eosynechococccus moorei e o atual Gloeothece coeruled (=Gloeobacter violaceus) das Chroococcaceae (Golubic & Campbell, 1979). Exemplos como estes - mais o fato de que durante o último quarto de século tais semelhanças, repetidamente, têm sido anotadas e consideradas significativas biológica e taxonomicamente por grande número de pesquisadores em muitos países (Tabela 1) - fornecem um poderoso argumento a favor da plausibilidade da hipobraditelia cianobacteriana.A plausibilidade do conceito é indicado, de modo semelhante, por recentes estudos quantitativos realizados com grandes conjuntos de microbios pré-cambrianos e modernos. Foram compilados dados morfométricos (relativos a atributos como tamanho; forma e variabilidade celulares; estrutura e espessura de bainhas) (6 6 Bainha: Em microorganismos procarióticos, o invólucro extracelular, mucilaginoso (geralmente, composto de mucopolipeptídeos), que envolve células individuais ou colônias; em formas filamentosas, costuma ser tubular. ) para 615 especies e variedades de cianobactérias vivas (Schopf, 1992: 195-218) como também para uma extensa amostragem, em nível mundial, de microfósseis proterozóicos parecidos com cianobactérias (Mendelson & Schopf, 1992), tanto formas filamentosas (650 ocorrências taxonômicas registradas de 160 formações geológicas) como formas cocóides (1.400 ocorrências de 259 formações geológicas). Para evitar confusão devido a variações na prática de taxonomia, fósseis com morfologias semelhantes entre si foram informalmente agrupados, independentemente de suas designações binomiais originais, em morfoespécies, cada uma com variabilidade morofológica comparável àquela exibida em espécies cianobacterianas vivas (Schopf, 1992: 1126-1146). Das 143 morfoespécies filamentosas assim reconhecidas, 37% são essencialmente indistinguíveis de espécies cianobacterianas modernas já establecidas na família das Oscillatoriaceae (Schopf, 1992:1126-1146). Da mesma forma, 25% dos 120 táxons informais de fósseis esferoidais correspondem, morfológicamente, em nível de espécie, a formas modernas (principalmente, das Chroococcaceae) (Schopf, 1992: 1126-1146). Virtualmente, todos os morfotipos fósseis podem ser referidos a gêneros modernos das cianobactérias, e o padrão e as variações na distribuição de tamanho exibidos por táxons de fósseis proterozóicos cilíndricos, parecidos com bainhas tubulares, são essencialmente idênticos aos das bainhas tubulares que envolvem os tricomas de espécies modernas das Oscillatoriaceae (Fig. 3).






Aproximadamente a metade das ~ 2.000 ocorrências de fósseis incluídas nesse estudo morfométrico provém de estromatólitos (7 7 Estromatólitos: Estruturas biossedimentares megascópicas, tipicamente finamente laminadas, produzidas pelas atividades metabólicas e de crescimento de comunidades microbianas bentônicas, sobretudo cianobacterianas, e processos físico-químicos do meio-ambiente relacionados à sedimentação, erosão, insolação, imersão/ emersão etc. Formam-se, comumente, em ambientes carbonáticos, podendo ser preservados em calcários. ) carbonáticos precoce-mente silicificados e o restante de folhelhos e siltitos elásticos. Dados referentes aos paleoambientes específicos representados por estas litologias são disponíveis para muito poucas das mais de 300 ocorrências de unidades geológicas fossilíferas. Com diferentes graus de incerteza (mas quase sempre sem evidências conclusivas), tem-se presumido, para a maioria destes estratos, deposição em fácies marinhas costeiras, relativamente rasas, desde sabkhas (8 8 Sabkha: Planície costeira supralitorânea em regiões desérticas, raramente atingida pelas águas marinhas, caracterizada, tipicamente, por precipitação de sais por evaporação (evaporitos). ) e lagunas até planícies de lama e plataformas carbonáticas da zona litorânea. Hoje em dia, em tais ambientes, as formas das Oscillatoriaceae, formadoras de esteiras (9 9 Esteira microbian: Termo informal para lâmina organossedimentar, fina e coesa, que recobre o subestrato como conseqüência do crescimento intenso de uma comunidade microbiana bentônica, com ou sem a incorporação de material inorgânica (sedimentos). O sucessivo empilhamento de esteiras microbianas e sua subseqüente litificação comumente resultam na formação de estromatólitos. ) (representadas, principalmente, por Oscillatoria, Lyngbya, Phormidium, Spirulina, Microcoleus e Schizothrix), bem como formas subordinadas das Chroococcaceae (tais como Chroococcus, Aphanocapsa, Aphanothece e Synechococcus) (Golubic, 1976:113-140; Pierce etal., 1992) são comuns. Como se pode ver na figura 4, estas mesmas duas famílias, juntamente com morfotipos atribuíveis à maioria dos gêneros citados, são igualmente comuns entre os táxons fósseis que possuem correlativos, em nível de espécie, na biota moderna.


Considerando todos estes dados, torna-se difícil não concluir que "a constituição biológica de comunidades de esteiras microbianas [proterozóicas] foi, provavelmente, bastante semelhante à de comunidades modernas de ambientes comparáveis" (Knoll, 1975: 411).

Estudos em detalhe. Além dos estudos da morfologia celular e das comparações generalizadas entre ambientes provavelmente (mas não comprovadamente) similares, o que falta para transformar o conceito de hipobraditelia de uma hipótese plausível em argumento contundente são dados de apoio relativos aos paleoambientes e à tafonomia dos fósseis em questão (Knoll & Golubic, 1992). Já foram realizados vários estudos detalhados desta natureza (Knoll & Golubic, 1975; Golubic &Hofmann, 1976; Knoll & Golubic, 1979; Green et al, 1987 e 1988) enfocando representantes fósseis de duas famílias cianobacterianas, as Entophysalidaceae e as Pleurocapsaceae, cujos membros são decididamente mais distintivos, morfológicamente, do que os membros das Oscillatoriaceae e Chroococcaeae acima discutidos. Golubic & Hofmann (1976) compararam Eoentophysalis bekherensis (Fig. 2H), de 2 Ga (giga-anna, ou bilhões de anos, isto é, 109 anos) atrás, a duas Entophysalidaceae modernas (Entophysalis major e E. granulosa). Demonstraram não somente que as formas fósseis e as modernas são morfológicamente comparáveis (em forma celular e em forma e arranjo dos invólucros, originalmente mucilaginosos, envolvendo as células) e apresentam freqüências de distribuição de células em divisão semelhantes e padrões essencialmente idênticos de desenvolvimento celular (resultantes de divisão celular em três planos perpendiculares), como também que tanto o táxon fóssil como os modernos formam estruturas estromatolíticas microtexturalmente semelhantes em ambientes litorâneos a marinhos rasos; que eles passam por fases semelhantes da degradação post-mortem; e que eles ocorrem em comunidades microbianas comparáveis tanto em composição taxonómica quanto em diversidade biológica. Num estudo detalhado posterior, Knoll & Golubic (1979: 15) compararam a morfologia, os padrões de divisão celular, a ecologia e a seqüência de degradação post-mortem entre outro táxon pré-cambriano das Entophysalidaceae, Eoentophysalis cumulus, com cerca de 850 Ma, e Entophysalis granulosa, moderno. Concluíram que o "microorganismo [fóssil] é idêntico em todas suas características marcantes aos membros do gênero [cianobacteriano] vivo".

Também já foram comparadas em detalhe várias espécies fósseis e vivas das Pleurocapsaceae. Por exemplo, Polybessurus bipartitus, registrado primeiramente de estromatólitos com ~ 770 Ma de South Austrália (Fairchild, 1975; Schopf, 1977), é um microfóssil das Pleurocapsaceae, cilíndrico, gregario e morfologicamente distintivo, caracterizado por múltiplas bainhas, em forma de copo, sucessivamente empilhadas e, freqüentemente, estendidas para formar tubos longos, predominantemente perpendiculares ao subestrato. Espécimes deste táxon, detectados em rochas de aproximadamente a mesma idade do leste da Groenlândia, foram interpretados por Green et al. (1987:928) como correlativos bem próximos em sua morfologia, reprodução e comportamento às populações da espécie Cyanostylon (Pleurocapsaceae), presente "em ambientes [das Ilhas Bahamas] semelhantes aos em que os fósseis proterozóicos ocorrem". Uma segunda espécie fóssil das Pleurocapsaceae, Palaeopleurocapsa wopfneri (também do depósito australiano de 770 Ma), foi comparada por Knoll et ai. (1975: 2492) à Pleurocapsa fuliginosa, moderna, forma análoga tanto morfológica quanto ecologicamente ao fóssil, e considerada como "evidência adicional do conservadorismo evolutivo das [Cyanobacteria]". Duas outras espécies fósseis das Pleurocapsaceae, morfologicamente distintas, Eohyella dichotoma e Eohyella rectroclada, citadas como "exemplos convincentes da grande semelhança entre procariotos proterozóicos e seus correlativos modernos" (Knoll et al., 1986: 857), foram descritos por Green et ai. (1988) em secção geológica da Groenlândia oriental como sendo "indistinguíveis em morfologia, desenvolvimento e comportamento de espécies vivas de Hyella das Bahamas".

Estes estudos detalhados das Entophysalidaceae e Pleurocapsaceae - englobando análises de ambiente, tafonomia e comportamento, além da morfología celular - fornecem evidências particularmente convincentes das semelhanças entre microorganismos fósseis e modernos em nível de espécie.

Cianobactérias são hipobraditélicas. Desta forma, numerosos pesquisadores, espalhados pelo mundo, já anotaram e consideraram como significativas as semelhanças pormenorizadas da morfologia celular entre cianobactérias fósseis é vivas (tabela 1, figura 2). Uma porção substancial das cianobactérias das Oscillatoriaceae e Chroococcaceae, conhecidas no Proterozóico, é morfológicamente análoga a formas vivas em nível de espécie (figura 4), e quase todos estes fósseis são referíveis a formas modernas em nível de gênero. Ainda, estudos aprofundados de vários pares de espécies fósseis e vivas, morfologicamente distintivas, das Entophy-salidaceae e Pleurocapsaceae permitem comparações detalhadas da morfología, desenvolvimento, estrutura populacional, ambiente e tafonomia que mostram que as cianobactérias antigas e modernas são essencialmente indistinguíveis em suas características ressaltadas, pelo menos com relação a esses táxons.

Consideradas em conjunto, estas observações apoiam uma conclusão óbvia - a morfologia (e, evidentemente, também a fisiologia) de diversos táxons das principais famílias cianobacterianas evoluíram pouco ou nada durante centenas de milhões de anos ou até durante milhares de milhões de anos. Com efeito, comparada à história da vida posterior, esta ampla hipobraditelia é surpreendente. Na evolução fanerozóica, a estase braditélica é notável, principalmente, por sua raridade (Simpson, 1944; Ruedemann, 1918 e 1922), mas no Pré-Cambriano, desde talvez 3,5 Ga atrás, este fenômeno parece ter sido uma característica geral do grupo de microorganismos procarióticos que dominava a biota da Terra (Schopf, 1993). Por que as cianobactérias mudaram tão pouco durante toda sua longa história evolutiva neste planêta?

Sobrevivência dos organismos

ecologicamente não especializados

Para entender as causas fundamentais da hipobraditelia cianobacteriana, é instrutivo rever a ponderada análise de Simpson em seu livro Tempo and mode, pois embora desconhecesse o registro fóssil procariótico do Pré-Cambriano, interessava-se muito pelas linhagens fanerozóicas caracterizadas por taxas evolutivas lentas (braditélicas). Mesmo mencionando a possibilidade da "reprodução assexuada (como inibidor da variabilidade genética)" ser conducente à evolução lenta (Simpson, 1944: 137), ele a preteriu nos casos que lhe eram familiares, em favor de outros dois fatores como causas principais: populações de grande tamanho (p. 138); e versatilidade ecológica, ou seja, um excepcional grau de adaptação "a alguma posição ou zona ecológica com amplos limites seletivos, um ambiente particular continuamente disponível" (p. 140-141). Considerando que a evolução extraordinariamente lenta envolve "não somente taxas excepcionalmente lentas de [mudança evolutiva] como também sobrevivência por períodos de tempo extraordinariamente longos" (p. 138), e que "os filos mais especializados tendem a se extinguir antes que os menos especializados" (p. 143), Simpson propôs "a regra da sobrevivência do relativamente não especializado" (p. 143).

Embora a intenção de Simpson fosse aplicar este conceito a organismos fanerozóicos, sobretudo aos animais, estas mesmas considerações (acrescidas agora do fator de reprodução assexuada) aplicam-se às cianobactérias pré-cambrianas. Primeiro, com relação à reprodução, as cianobactérias são estritamente assexuadas, faltando-lhes até os processos parassexuados conhecidos em alguns outros grupos procarióticos. Porém, dadas a notável longevidade da linhagem cianobacteriana e suas taxas de mutação moderadas ou mesmo baixas, a ausência de variabilidade genética gerada sexuadamente não pode ser invocada como a única explicação para sua hipobraditelia. Segundo, como virtualmente todos os outros microorganismos conhecidos, as cianobactérias ocorrem em populações de grande tamanho. Considerando sua facilidade de distribuição (por correntes marinhas, vento e furacões, por exemplo), pode se supor que o grande tamanho populacional das cianobactérias também influiu em sua estase evolutiva (figura 1). O terceiro e provavelmente mais importante fator, contudo, é a versatilidade ecológica do grupo.

Resumidos na Tabela 2 estão os limites conhecidos de sobrevivência (e de crescimento sob condições naturais) de membros modernos das Oscillatoriaceae e Chrbococcaceae, as famílias cianobacterianas pré-cambrianas mais primitivas (Giovannoni et al., 1988) e mais comuns (Schopf, 1992). Tolerância similar é exibida, também, por membros modernos de outras famílias cianobacterianas. Por exemplo, um espécime moderno das Nostocaceae foi ressucitado após mais de um século armazenado em estado dessecado (Davis, 1972) e relata-se, ainda, o caso de uma população de Scytonemataceae que teria sobrevivido e crescido num meio a pH 13 (Valentyne., 1963). Com efeito, as cianobactérias exibem notável flexibilidade ecológica. Mesmo que não seja conhecida qualquer espécie das Oscillatoriaceae ou Chroococcaceae capaz de tolerar toda a gama de condições de crescimento observadas (por exemplo, formas termofílicas, dominantes em águas a 70°C, raramente crescem abaixo de 50°C e espécies adaptadas a lagos alcaünos não ocorrem em fontes termais ácidas), ambos os grupos incluem impressionantes generalistas ecológicas, capazes de sobreviver com êxito em virtualmente qualquer dos principais ambientes atuais (tabela 2). Adicionalmente, muitos dos gêneros modernos das Oscillatoriaceae e Chroococcaceae, para os quais já foi demonstrada uma tolerância ecológica ampla (tabela 2), são justamente os mesmos que possuem correlativos pré-cambrianos em nível específico (figura 4). Finalmente, numerosas cianobactérias, incluindo elementos tanto das Oscillatoriaceae como das Chroococcaceae (Stewart, 1980), sao capazes de fixar nitrogênio da atmosfera. Providas de luz, CO2 uma fonte de elétrons (H2, H2S, H2O) e alguns dos elementos traços, tais cianobactérias são colonizadoras altamente eficazes, habilitadas para invadir e florescer num amplo espectro de habitats.

A grande tolerância ecológica das cianobactérias é, quase certamente, produto de sua história evolutiva precoce. Evidências fósseis sugerem que membros das Oscillatoriaceae (Schopf, 1993) e Chroococcaceae (Knoll & Barghoorn, 1997; Schopf & Packer, 1987) existiam já há ~ 3,5 Ga. Desta forma, elas devem ter se originado e se diversificado, inicialmente dentro de ambiente deficiente em oxigênio, um ambiente sem uma camada de ozônio capaz de absorver luz UV. Num ambiente desse tipo, a habilidade de realizar fotossíntese a baixas intensidades de luz (tabela 2), acoplada à presença de vesículos de gás para controlar a posição do microorganismo dentro da coluna de água (Jensen, 1993), teria permitido que cianobactérias planctónicas pudessem habitar a porção profunda da zona fótica marinha, evitando, assim, exposição à luz UV deletéria, uma estratégia exibida por Synechococcus moderno. Da mesma forma, diversas características das cianobactérias modernas formadoras de esteiras bentônicas - especificamente, mecanismos eficientes de reparo de DNA; síntese do pigmento escitonemina, que absorve luz UV; secreção de copiosa mucilagem extracelular; motilidade fototática; formação de estromatólitos - podem ter sido adaptações para sobreviver ao alto fluxo de luz UV nas águas rasas da orla marítima. Radiação adaptativa num ambiente prisco deficiente em oxigênio é também sugerida pela habilidade, exibida pelas cianobactérias, de poder viver tanto na presença como na ausência de oxigênio (tabela 2), pela capacidade de alternar entre fotossíntese óxica e anóxica (Olson & Pierson, 1987), pela ocorrência, em muitos táxons, de nitrogenase, sensível a oxigênio (Stewart, 1980), e pela restrição, aos membros mais recentemente evoluídos das cianobactérias, de heterocistos, que isolam a nitrogenase do oxigênio ambiente (Giovannoni et al., 1988). Adicionalmente, tanto a baixa afinidade para CO2 do Rubisco (10 10 Rubisco: Acrônimo para "Rib ulose 1, 5 bis-phosphate carboxylase/oxygenase", enzima do ciclo de Calvin que catalisa a carboxilização (com CO 2) e clivagem da ribulose 1, 5-difosfato para formar duas moléculas de 3-fosfoglicerato. ) cianobacteriano quanto a presença de mecanismos intracelulares para concentrar CO2 (Badger, 1987) podem refletir adaptações iniciais da linhagem ao ambiente primordial rico em CO2 (Kasting, 1992).

Finalmente, a extraordinária resistência das cianobactérias - sua sobrevivência em ampla gama de condições de luminosidade, salinidade, temperatura e pH bem como dessecamento prolongado e irradiação intensa (tabela 2) - pode ser produto de seu grande sucesso em competir com outros micróbios precoces pelo espaço fotossintético disponível dessa época. Ao contrário da fotossíntese das cianobactérias baseada em clorofila a, que libera O2, todas as outras formas de fotossíntese procariótica são anóxicas e baseadas em bacterioclorofila. Uma vez que a biossíntese da bacterioclorofila é inibida por oxigênio molecular (Olson & Pierson, 1987), cianobactérias, com sua capacidade de produzir e tolerar O2, teriam suplantado os fotoautótrofos anóxicos sensíveis ao oxigênio em grande parte da zona fótica do globo. Como resultado de seu êxito nesta competição por espaço fotossintético, as cianobactérias expandiram, presumivelmente até ocupar uma grande variedade de nichos habitáveis durante uma fase precoce e evidentemente curta de radiação adaptativa (Giovannoni et al., 1988), transformando-se, neste processo, em generalistas ecológicas excepcionais. A versatilidade ecológica das cianobactérias parece remontar, portanto, a este estágio precoce da história do Planêta quando elas se estabeleceram como os produtores primários dominantes do ecossistema pré-cambriano.

Tendo em vista sua história evolutiva, talvez não seja tão surpreendente que a regra de sobrevivência dos relativamente pouco especializados (em termos ecológicos), elaborada por Simpson, seja aplicável às cianobactérias, muitas das quais se qualificam como verdadeiros fosseis vivos. Segundo Stanley (1984: 280), organismos tão extraordinariamente longevos seriam, "simplesmente, campeões em esquivar-se da extinção". Desta forma, como já foi sugerido previamente (Schopf, 1992: 598), só pode caber às cianobactérias hipobraditélicas o título de "grandes campeões de longevidade" de todo o tempo geológico!

Uma visão bipartida da história da vida

Esboçada em grandes pinceladas, a história biótica parece divisível em duas fases distintas (Schopf, 1978 e 1992), cada qual caracterizada por seus próprios ritmos e modos evolutivos e por suas próprias regras evolutivas (figura 1).

Durante o Éon Fanerozóico, mais recente e curto (desde ~ 550 Ma até hoje), a história da vida é tipificada pela evolução horotélica dos eucariotos, dominantemente multicelulares, megascópicos, sexuados e aeróbicos, evolução esta baseada em fases alternadas de ciclos de vida, especializadas ora para a reprodução ora para a assimilição de nutrientes. Mudanças na fase dominante (comumente diplóide) resultaram, principalmente, da modificação estrutural dos sistemas de órgãos utilizados para repartir e explotar ambientes particulares. Como conseqüência, em grande parte desta especialização ecológica, o Fanerozóico foi pontuado por episódios recorrentes de extinção, seguidos, em cada caso, de radiações adaptativas das linhagens que sobreviveram.

Ao contrário da evolução fanerozóica, muito da história da vida pre-cambriana, uma história anterior e muito mais longa do que a fanerozóica, foi tipificado pela evolução hipobraditélica dos procariotos (especialmente, das cianobactérias), dominantemente microscópicos, assexuados, metabolicamente diversificados e, comumente, ecologicamente versáteis. Inovações evolutivas ocorreram em nível bioquímico e intracelular. Uma vez estabelecidas, as linhagens exibiram estase a longo prazo. Extinções raramente ocorreram dentre os generalistas ecológicos procarióticos e, evidentemente, tornaram-se uma força evolutiva significativa somente tardiamente no Pré-Cambriano, quando afetaram, principalmente, elementos relativamente especializados do fitoplâncton eucariótico, caracterizados por células grandes (Vidal & Knoll, 1982; Mendelson, 1992; Schopf, 1992).

Embora ainda incompletamente documentada, esta interpretação bipartida da história da vida parece ser coerente com o que nós conhecemos, no momento, do registro fóssil. Resta estabelecer se, como Tempo and mode de Simpson, ela resistirá às provas que só o futuro trará.

Notas

J. William Schopf é professor de paleobiologia do Departamento de Ciências da Terra e do Espaço da Universidade da California (UCLA), EUA. Formou-se em Geologia no Oberlin College e obteve mestrado e doutorado na Universidade de Harvard, com ênfase na paleontologia Pré-Cambriana. Entre 1968 e 1973, tabalhou como pesquisador da Nasa, onde analisou amostras de rochas lunares. Em 1984, fundou o Centro de Estudos da Evolução e Origem da Vida, na UCLA, do qual é diretor.

Este texto foi preparado, originalmente, para o volume de contribuições referente ao simpósio, organizado pela Academia Nacional de Ciências dos EUA e realizado em Janeiro de 1994 no campus da Universidade de California, em Irvine, para celebrar o cinqüentenário da publicação do livro Tempo and mode in evolution, de G. G. Simpson. Foi traduzido para o português pelo professor Thomas R. Fairchild, do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo, para documentar, em parte, a palestra que o autor proferiu - The oldest evidence of life on earth -, como Conferencia do Mês de Maio de 1994, do Instituto de Estudos Avançados da USP. O original em inglês - Tempo and mode of Precambrian microbial evolution - encontra-se à disposição do leitor no IEA para eventual consulta.

O autor agradece os valiosos comentários recebidos de W Altermann, J. Bartley, J. Bragin, T. R. Fairchild, A. H. Knoll, C. Marshall, B. N. Runnegar, E. Schultes e J. Shen-Miller durante durante a elaboração do texto. Também agradece o auxílio financeiro da National Aeronautics and Space Administration (NASA Grant No. NAGW-2147) e, para sua visita ao Brasil, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), processos números 93/4936-5 e 94/0138-0, ambos outorgados ao professor Thomas R. Fairchild, do IG-USP.

  • 1 SIMPSON, G. G. Tempo and mode in evolution. New York, Columbia University, 1944.
  • 2 SCHOPF, J, W. Scient. Am. 239, 1978, p.110-134.
  • 3 __________. In: The Proterozoic biosphere. Schopf, J. W & Klein, C.(eds.). New York, Cambridge University, 1992, p. 179-183.
  • 4 __________. In: The Proterozoic biosphere. Schopf, J. W & Klein, C. (eds.). New York, Cambridge University,, 1992, pp. 599-600.
  • 5 __________. In: The Proterozoic biosphere. Schopf, J. W & Klein, C. (eds.). New York,Cambridge University, 1992, 1123-1166.
  • 6 __________. In: The Proterozoic biosphere. Schopf, J. W & Klein, C. (eds.).New Ifork, Cambridge University, 1992, 195-218.
  • 7 RUEDEMANN, R. New Tork State Mus. Bull. 196, 1918, p. 107-134.
  • 8
    __________. Proc. Nat. Acad. Sci.USA 8, 1922, p. 54-55.
  • 9
    __________. Am. Naturalist 56. 1922, p. 256-272.
  • 10 SCHOPF, J. W Vert. Paleo. 7. 3, Suppl, 1987, 25A.
  • 11 __________. In: The Proterozoic biosphere. Schopf, J. W & Klein, C. (eds.). New York, Cambridge University, 1992, p. 595-598.
  • 12 SCHIDLOWSKI, M.; HAYES, J. M, & KAPLAN, I, R. In: Schopf, J. W (ed.). Earth's earliest biosphere. New Jersey, Princeton University, 1983, p. 149-186.
  • 13 KNOLL, A. H. & GOLUBIC, S. In: Schidlowski, M,; Golubic, S.; Kimberley, M. M.; McKirdy, D. M. & Trudinger, P A. (eds.), Early organic evolution. New York, Springer, 1992, p. 450-462.
  • 14 GOLUBIC, S. In: Walter, M. R. (ed.). Stromatolites (Developments in Sedimentology 20). Amsterdam, Elsevier, 1976, pp. 113-126.
  • 15 SCHOPF, I. W J Palemtol. 42, 1968, pp. 651-688.
  • 16 MENDELSON, C. V & SCHOPF, J. W In:Schopf, J. W & Klein, C. (eds.). The Proterozoic biosphere. New York, Cambridge University, 1992, p. 865-951.
  • 17 SCHOPF, J. W, HAYES, J. M. & WALTER, M. R. In: Schopf, J. W (ed.). Earth's earliest biosphere. New Jersey, Princeton University, 1983, p. 361-384.
  • 18 SCHOPF, J. W & BLACIC, J. M.J Paleontol. 45, 1971, p. 925-960.
  • 19 GOLUBIC, S. & CAMPBELL, S. E. Precambrian Res. 8, 1979, p. 201-217.
  • 20 CAMPBELL, S. E. Origins of Life. 9, 1979, p. 335-348.
  • 21 GOLUBIC, S. In: Walter, M. R. (ed.). Stromatolites (Developments in Sedimentólo 20). Amsterdam, Elsevier, 1976, pp. 127-140.
  • 22 PIERSON, B. K.; BAULD, J.; CASTENHOLZ, R. W; D'AMELIO, E.; DES MARAIS, D. J.; FARMER, J. D.; GROTZINGER, J. P.; JORGENSEN, B. B.; NELSON, D. C.; PALMISANO, A. C.; SCHOPF, J. W; SUMMONS, R. E.; WALTER, M. R. & WARD, D. M. In: Schopf, J. W & Klein, C. (eds.). The Proterozoic biosphere. New York, CambridgeUniversity 1992, p. 245-342.
  • 23 KNOLL, A. H. In: Friedman, G. M. & Krumbein, W E. (eds.). Ecological Studies, v. 53: Hypersaline ecosystems. New York, Springer, 1985, p. 407-425.
  • 24 KNOLL, A. H.; BARGHOORN, E. S. & GOLUBIC S. Proc. Nat. Acad. Sci. USA 72,1975, p. 2488-2492.
  • 25 GOLUBIC, S. & HOFMANN, H. J.J Paleontol. 50, 1976, p. 1074-1082.
  • 26 KNOLL, A. H. & GOLUBIC, S. Precambrian Res. 10, 1979, p. 115-151.
  • 27 GREEN, J. W; KNOLL, A. H.; GOLUBIC, S. & SWETT, K.Am.J. Eot. 74, 1987, p. 928-940.
  • 28 GREEN, J. W; KNOLL, A. H. & SWETT, K.J Paleontol. 62, 1988, p. 835-852.
  • 29 FAIRCHILD, T R. Dissertation. Los Angeles, University California, 1975.
  • 30 SCHOPF, J. W Precambrian Res. 5, 1977, p. 142-177.
  • 31 KNOLL, A. H.; GOLUBIC, S.; GREEN, J. & SWETT, K. Nature. 321, 1986, p. 856-857.
  • 32 SCHOPF, J. W Science. 260, 1993, p. 640-646.
  • 33 DESIKACHARY, T. V Cyanophyta. New Delhi, Indian Council Agricul. Res., 1959.
  • 34 GODWARD, M. B. E. In: Lewin, R. A. (ed.). Physiology and biochemistry of algae. New York, Academic, 1962, pp. 551-566.
  • 35 SHIELDS, L. M. & DROUET, F.Am J. Bot. 94.1962, p. 547-554.
  • 36 CAMERON, R. E. Ann. New York Acad. Sci. 108. (Art. 2), 1963, p. 412-420.
  • 37 VALLENTYNE, J. R. Ann. New York Acad. Sci. 108 (Art. 2), 1963, p. 342-352.
  • 38 FLOWERS, S. & EVANS, E R. In: Boyko, H., (ed.). Salinity and aridity. The Hauge, Dr. W Junk Publ., 1966, pp. 367-393.
  • 39 FOREST, H. S. & WESTON, C. R.J Phycol. 2,1966, p. 163-164.
  • 40 DROUET, E Revision of the classification of the Oscillatoriaceae, Monograph 15, Acad. Nat. Sci., Phila. Lancaster PA, Fulton, 1968.
  • 41 FUHS, G. W In: Ed. Jackson, D. F. (ed.). Algae, man and the environment. Syracuse, NY, Syracuse University, 1968, p. 213-233.
  • 42 CASTENHOLZ, R. W Bact. Rev. 33,1969, p. 476-504.
  • 43 ABELIOVICH, A. & SHILO,M.J Bact. Ill, 1972, p. 682-689.
  • 44 DAVIS, J. S. The Biologist. 54,1972, p. 52-93.
  • 45 FRÉMY, P. Cyanophycees des côtes D'Europes. Amsterdam, Asher. 1972.
  • 46 DROUET, E & DAILY, W A. Revision of the coccoid Myxophyceae. New York, Hafner, 1973.
  • 47 FOGG, G. E. In: Carr, N. G. & Whitton, B. A. (eds.). The Biology of blue-green algae. Berkeley, CA, University California, 1973, p. 268-378.
  • 48 FOGG, G. E., STEWART, W D. P., FAY, P. & WALSBY, A. E. The blue-green algae. New York, Academic, 1973.
  • 49 SCHOPF, J. W Origins of Life. 5.1974, pp. 119-135.
  • 50 PARDUE, J. W, SCALAN, R. S., VAN BAALEN, C. & PARKER, P. L. Geochim. Cosmochim. Acta. 40,1976, p. 309-312.
  • 51 LLOYD, N. D. H., CAVIN, D. T. & CULVER, D. A. Plant Physiol. 59,1977, p. 936-940.
  • 52 BROCK, T. D. Thermophilic microorganisms and life at high temperatures. New York, Springer, 1978.
  • 53 LANGWORTHY, T. A. In: Kushner, D. J. (ed.). Microbial life in extreme environments. New York, Academic, 1978, p. 279-315.
  • 54 PARKER, B. C; SIMMONS, G. M.; JR., LOVE, G.; WARTON, R. A., Jr., & SEABURG, K. G. Bio Sci. 31,1981, p. 656-661.
  • 55 MIZUTANI, H. & WADA, E. Origins of Life. 12,1982, p. 377-390.
  • 56 CIFERRI, O.Microbiol. Rev. 47,1983, p. 551-578.
  • 57 GRANT, W D. & TINDALL, B. J. In: Hebert, R. A. & Codd, G. A. (eds.). Microbes in extreme environments. New York, Academic, 1986, p. 25-54.
  • 58 KNOLL, A. H. & BAULD, J. Tmns. Roy. Soc. Edinburgh: Earth Sci. 80,1989, p. 209-223.
  • 59 DAVISON, I. R.J Phycol. 27,1991, p. 2-8.
  • 60 GARCIA-PICHEL, E & CASTENHOLZ, R. WJ. Phycol. 27,1991, p. 395-409.
  • 61 VINCENT, W E; CASTENHOLZ, R. W; DOWNES, M. T. & HOWARD-WILLIAMS, C. J Phycol. 1993, p. 745-755.
  • 62 GIOVANNONI, S. J.; TURNER, S.; OLSEN, G. J.; BARNS, S.; LANE, D. J. & PACE, N. R.J Bacteriol. 170, 1988, p. 3584-3592.
  • 63 STEWART, W D. P. Ann Rev. Microbiol. 34,1980, p. 497-536.
  • 64 KNOLL, A. H. & BARGHOORN, E. S. Science. 198,1977, p. 396-398.
  • 65 SCHOPF, J. W & PACKER, B. M. Science. 237,1987, p. 70-73.
  • 66 JENSEN, T. E. In: T. Berner (ed). Ultrastructure of microalgae. London, CRC, 1993, p. 7-51.
  • 67 OLSON, J. M. & PIERSON, B. K. Internat. Rev. Cytol. 108, 1987, p. 209-248.
  • 68 BADGER, M. R. In: Hatch, M.D. & Boardman, N. K. (eds.). The biochemistry of plants, v. 10. New York, Academic, 1987, p. 219-274.
  • 69 KASTING, J. E In: Schopf, J. W & Klein, C. (eds.). The Proterozoic biosphere.New York, Cambridge University, 1992, p. 165-168.
  • 70 STANLEY, S. M. In: Eldrige, N. & Stanley, S. M. (eds.). Living fossils. New York, Springer, 1984, p. 278-281.
  • 71 VIDAL, G. & KNOLL, A. H. Nature. 297,1982, p. 57-60.
  • 72 MENDELSON, C. V & SCHOPF, J. W In:Schopf, J, W & Klein, C. (eds.). The Proterozoic biosphere. New York, Cambridge University, 1992, p. 219-232.
  • 73 SCHOPF, J. W In: The Proterozoic biosphere. Schopf, J. W & Klein, C. (eds.). New York, Cambridge University, 1992, p. 529-552.
  • 1
    As notas de rodapé foram acrescentadas ao original pelo tradutor.
    Tempo e
    mode, em inglês, são aqui traduzidos como
    ritmo e
    modo, respectivamente.
  • 2
    Pré-Cambriano: mais antigo dos dois éons da história geológica da Terra, englobando o período desde a formação do Planeta, há 4.500 Ma, até o aparecimento, há ~ 550 Ma, de abundantes fósseis de metazoários biomineralizados (conchas, carapa-ças etc.). O Pré-Cambriano representa 85% do tempo geológico e é subdividido em duas eras,
    o Arqueano, mais antigo (4.500-2.500 Ma) e o
    Proterozóico, mais recente (2.500-550 Ma).
  • 3
    O
    Proterozóico é subdividido em três suberas:
    Paleoproterozóico (2.500-1.600 Ma),
    Mesoproterozóico (1.600-1.000 Ma) e
    Neoproterozóico (1.000-550 Ma).
  • 4
    Ocorrência taxonômicas referem-se ao número de morfotipos fósseis taxonómicamente distinguíveis por período de tempo (como neste caso) ou por formação geológica.
  • 5
    Tafonomia engloba estudos das condições e processos de preservação de fósseis desde a morte e decomposição dos organismos até sua descoberta nas rochas.
  • 6
    Bainha: Em microorganismos procarióticos, o invólucro extracelular, mucilaginoso (geralmente, composto de mucopolipeptídeos), que envolve células individuais ou colônias; em formas filamentosas, costuma ser tubular.
  • 7
    Estromatólitos: Estruturas biossedimentares megascópicas, tipicamente finamente laminadas, produzidas pelas atividades metabólicas e de crescimento de comunidades microbianas bentônicas, sobretudo cianobacterianas, e processos físico-químicos do meio-ambiente relacionados à sedimentação, erosão, insolação, imersão/ emersão etc. Formam-se, comumente, em ambientes carbonáticos, podendo ser preservados em calcários.
  • 8
    Sabkha: Planície costeira supralitorânea em regiões desérticas, raramente atingida pelas águas marinhas, caracterizada, tipicamente, por precipitação de sais por evaporação (evaporitos).
  • 9
    Esteira microbian: Termo informal para lâmina organossedimentar, fina e coesa, que recobre o subestrato como conseqüência do crescimento intenso de uma comunidade microbiana bentônica, com ou sem a incorporação de material inorgânica (sedimentos). O sucessivo empilhamento de esteiras microbianas e sua subseqüente litificação comumente resultam na formação de estromatólitos.
  • 10
    Rubisco: Acrônimo para "Rib
    ulose 1, 5
    bis-phosphate carboxylase/oxygenase", enzima do ciclo de Calvin que catalisa a carboxilização (com CO
    2) e clivagem da ribulose 1, 5-difosfato para formar duas moléculas de 3-fosfoglicerato.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Nov 2005
    • Data do Fascículo
      Abr 1995
    Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo Rua da Reitoria,109 - Cidade Universitária, 05508-900 São Paulo SP - Brasil, Tel: (55 11) 3091-1675/3091-1676, Fax: (55 11) 3091-4306 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: estudosavancados@usp.br