CRIAÇÃO / POESIA
O último ônibus
Tradução de Alberto Alexandre Martins
Tudo escuro.
Uma leve chuva
amortece as ruas.
Nada se move
no parque de Lota.
As palmeiras pairam
sobre a grama em emaranhada,
e os densos arbustos,
trapos à deriva,
ondulam junto às calçadas.
O mundo fora de alcance.
Espectros de banhistas surgem
lentamente da arrebentação e rodam
bêbados na bruma.
Andam na praia,
seus olhos ardem
como estrelas.
E o Rio dorme:
o mar é um sonho
no qual morre, renasce.
O ônibus acelera.
Uma nuvem violeta
se desprende no seu rastro.
Minhas pernas tremem.
Meus pulmões cheios de fumaça.
O suor cobre meu rosto
e escorre pelo peito.
Dor nos ombros e no pescoço.
Não estou seguro
de estar desperto,
agarro o aro quente
do assento.
O motorista sorri.
As calças enroladas acima dos joelhos,
suas pernas brilham
no calor.
Uma mulher tenta me consolar.
Desliza a mão sob minha camisa
e escreve os nomes das flores
nas minhas costas.
Sua saia é preta.
Nos joelhos tem uma pequena caveira
e dois ossinhos em cruz.
Há um jardim em seus olhos
no qual monótonas fileiras
de brancas lápides entulham o ar
e pessoas acenam,
dando adeus.
Tenho a sensação de estar lá.
Ela sussurra por entre os dentes
e encosta os lábios
no meu rosto.
O motorista se volta.
De ohos fechados, está penteando
os cabelos para trás.
Ele me diz para ser forte.
Meu pulso sinto vai
caindo à medida que fala.
A mulher me beija outra vez.
Sua boca estala
e seu hálito ronda
minha nuca como névoa.
Viro-me para o vidro
roto da janela
riscado de chuva.
Onde estive?
Olho o Rio
nada está igual.
O Cristo
numa poça de holofotes
no alto do morro
agora sumiu da vista.
E a baía está escura.
E a escura cidade
afunda em sua cova.
E eu nunca estarei de volta.
Rio de Janeiro, 1966
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
06 Jun 2005 -
Data do Fascículo
Ago 1997