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Os dois Brasis: quem são, onde estão e como vivem os pobres brasileiros

Resumos

Este artigo procura mostrar alguns dados sobre as condições nutricionais e de pobreza de duas populações moradoras em favelas, nos municípios de Maceió e São Paulo. Os resultados apresentados revelam que no Brasil atual, a associação entre pobreza e estado nutricional (incluindo desnutrição energético-proteíca e obesidade) é complexa e ainda pouco conhecida. Há um número elevado de indíviduos obesos nas populações brasileiras que vivem abaixo da linha de pobreza nas zonas urbanas. A obesidade coexiste com altas prevalências de desnutrição. Esses achados estão associados com alimentação deficiente, sobretudo em qualidade, levando à alta prevalência de baixa estatura. Vários estudos mostram que a obesidade encontrada na população pobre pode ser sequela de desnutrição precoce e apontam para a necessidade de programas que: sejam focalizados nos indivíduos realmente desnutridos e consequentemente realizem avaliação do estado nutricional, cuidados de saúde caso a caso, forte atenção ao pré-natal, melhorem as condições de moradia e combatam o analfabetismo materno. O artigo recomenda ainda a criação de Centros de Educação e Recuperação Nutricional para combater a desnutrição, visando recuperação da baixa estatura, com forte enfoque de intervenção na comunidade.


This article shows the socioeconomic and nutritional conditions of two shantytown populations from the city of São Paulo and Maceió. The results reveal that in Brazil, the association between poverty and nutritional status (including undernutrition and obesity) is complex and not well known. There is a large number of obese individuals among people living below the poverty line in urban areas. Obesity coexists with undernutrition and food insecurity, specially in stunted individuals. A series of studies have shown that obesity can be a sequelae of previous undernutrition. The article describes the need for programmes that focus only the real undernurished individuals and consequently, measure nutritional status, promote health and prenatal care, improve living conditions and fight against mother illiteracy. From the results presented, the article recommend the setting up of Centers for Nutritional Rehabilitation, to fight against undernutrition, aiming the recovery of stunting, and with a strong community based intervention.


FOME E DESNUTRIÇÃO

Os dois Brasis: quem são, onde estão e como vivem os pobres brasileiros

Ana Lydia Sawaya; Gisela Maria Bernardes Solymos; Telma Maria de Menezes Toledo Florêncio; Paula Andrea Martins

RESUMO

Este artigo procura mostrar alguns dados sobre as condições nutricionais e de pobreza de duas populações moradoras em favelas, nos municípios de Maceió e São Paulo. Os resultados apresentados revelam que no Brasil atual, a associação entre pobreza e estado nutricional (incluindo desnutrição energético-proteíca e obesidade) é complexa e ainda pouco conhecida. Há um número elevado de indíviduos obesos nas populações brasileiras que vivem abaixo da linha de pobreza nas zonas urbanas. A obesidade coexiste com altas prevalências de desnutrição. Esses achados estão associados com alimentação deficiente, sobretudo em qualidade, levando à alta prevalência de baixa estatura. Vários estudos mostram que a obesidade encontrada na população pobre pode ser sequela de desnutrição precoce e apontam para a necessidade de programas que: sejam focalizados nos indivíduos realmente desnutridos e consequentemente realizem avaliação do estado nutricional, cuidados de saúde caso a caso, forte atenção ao pré-natal, melhorem as condições de moradia e combatam o analfabetismo materno. O artigo recomenda ainda a criação de Centros de Educação e Recuperação Nutricional para combater a desnutrição, visando recuperação da baixa estatura, com forte enfoque de intervenção na comunidade.

ABSTRACT

This article shows the socioeconomic and nutritional conditions of two shantytown populations from the city of São Paulo and Maceió. The results reveal that in Brazil, the association between poverty and nutritional status (including undernutrition and obesity) is complex and not well known. There is a large number of obese individuals among people living below the poverty line in urban areas. Obesity coexists with undernutrition and food insecurity, specially in stunted individuals. A series of studies have shown that obesity can be a sequelae of previous undernutrition. The article describes the need for programmes that focus only the real undernurished individuals and consequently, measure nutritional status, promote health and prenatal care, improve living conditions and fight against mother illiteracy. From the results presented, the article recommend the setting up of Centers for Nutritional Rehabilitation, to fight against undernutrition, aiming the recovery of stunting, and with a strong community based intervention.

Quem são e onde estão os pobres

O brasil é o terceiro país com maior desigualdade de renda no mundo, estando atrás apenas de Malavi e África do Sul (Barros e Henriques, 2001). Há dois Brasis, no imenso território nacional. Um contingente significativo da população está à margem, clandestina e excluída da sociedade brasileira oficial. Milhões de pessoas e grupos humanos não têm certidão de nascimento, de batismo ou casamento, não têm endereço, não pagam conta de água, luz ou telefone, não possuem carteira de trabalho, não pagam impostos, não têm conta no banco, não sabem ler ou não entendem o que lêem, e não conseguirão entrar no mercado de trabalho oficial, cada vez mais qualificado. É a população com maior mobilidade geográfica; a primeira a ficar desempregada em momentos de crise e a que mais sofre o impacto da instabilidade econômica. Tem a mais alta freqüência de intercorrências médicas (da infância à velhice), uma expectativa de vida quase vinte anos menor do que a população mais rica, e uma taxa de mortalidade três vezes mais alta (Duncan e cols., 1995). É um outro Brasil, pouco conhecido e cuja realidade fica obscurecida nos estudos que analisam apenas médias nacionais. É uma população tão pouco observada, que as três perguntas fundamentais: quem e quantos são os pobres?, onde vivem? e quais os seus principais problemas? permanecem ainda sem resposta adequada. Segundo documento recente da FAO (2001), as respostas a essas perguntas são condição obrigatória para que qualquer intervenção seja efetiva.

No Brasil, não existe até hoje uma política global, coordenada e efetiva de combate à pobreza (Banco Mundial, 1996). Apesar disso, o país, segundo vários estudiosos, gasta uma quantidade grande de recursos em projetos sociais, mal focados e ineficientes (NEPP, 1994; Banco Mundial, 1996; Banco Mundial, 2001). Portanto, para promover uma ação global, efetiva e duradoura do combate à pobreza no Brasil, é necessário que se observe e se conheça detalhadamente a situação de vida, saúde e nutrição do "Brasil pobre". Só para dar um exemplo da impor tância desse conhecimento, o novo programa do governo federal prevê o combate à pobreza e à fome tendo como objetivo primordial, entre outros, a distribuição de alimentos, como organismos internacionais (FAO, 2001), em linha com estudos nacionais, mostram que podem ser mais efetivos, a redução do analfabetismo materno (Guimarães e cols., 1999 e Kac, 1999) e a ampliação dos serviços de saúde – especialmente aqueles que rompem o isolamento característico dos mais pobres (Szwarcwald e cols., 2002) realizando visitas domiciliares, como o Programa de Saúde da Família e os agentes comunitários de saúde.

Há dois grupos de pobres no Brasil, com condições de vida relativamente distintas, embora haja grande mobilidade entre eles: o pobre rural e o urbano, morador em favelas. O primeiro grupo vem diminuindo fortemente nas últimas décadas devido ao êxodo rural enquanto o segundo só tem aumentado. Hoje, 82% da população brasileira vive na zona urbana (Opas, 1998), tanto nas grandes cidades como nas pequenas cidades do interior. As condições de vida dos pobres, seja nas cidades grandes, seja nas pequenas, são semelhantes no que se refere à atividade econômica, alimentação etc. Um exemplo do crescimento da população pobre em zona urbana é o município de São Paulo, cuja população moradora em favelas era desprezível antes da década de 1970 (Marques e cols., 2003) e hoje compreende cerca de 15 a 20% da população do município: ou seja, 1,2 a dois milhões de pessoas (dependendo do método de cálculo) moram em favelas (Marques e cols., 2003; Sehab, 1994).

Estudos que diferenciam a população rural da população urbana pobre mostram que a situação de saúde, nutricional e de pobreza é pior no campo e este é o motivo para tão grande êxodo rural, entre outros fatores (Opas, 1998). Estima-se que cerca de 10% dos pré-escolares tenham retardo do crescimento no Brasil (Benfam, 1997), enquanto no Nordeste rural a prevalência de nanismo em crianças de até dez anos é de 39,8% (Ferreira e cols., 1996). Esta alta prevalência de desnutrição na zona rural confunde, porém, o tamanho do problema, pois em termos absolutos, é maior o número de crianças desnutridas que se encontram nos bolsões de pobreza e favelas das zonas urbanas, uma vez que a maioria dos brasileiros vive hoje em zona urbana.

A pobreza urbana e a rural difere bastante entre si. Essas diferenças precisam ser bem conhecidas para que intervenções adequadas possam ser efetivas e atuar nos problemas mais determinantes para o quadro de pobreza. No Nordeste rural, por exemplo, acesso a estradas para escoamento da produção agrícola, falta de crédito rural, secas que provocam fome sazonal, falta de acesso à água, pouca cobertura dos serviços de saúde etc., são fatores determinantes para a condição de vida e pobreza. Já a pobreza e a desnutrição da zona urbana têm outros fatores mais determinantes, como baixa escolaridade materna, gravidez na adolescência, desemprego, violência e isolamento social, drogadição, condições de moradia e saneamento inadequadas, maus hábitos alimentares influenciados pela propaganda das indústrias de alimentos (consumo diário de refrigerantes, salgadinhos e biscoitos, por exemplo) etc.

Este artigo procurará mostrar alguns dados sobre as condições nutricionais e de pobreza de duas populações moradoras em favelas, nos municípios de Maceió e São Paulo. Os resultados apresentados revelam que no Brasil atual, a associação entre pobreza e estado nutricional (incluindo desnutrição energético-protéica e obesidade) é complexa e ainda pouco conhecida.

Fome, desnutrição, obesidade e insegurança alimentar

Antes de descrever os dados sobre avaliação do estado nutricional em populações pobres, é necessário definir os termos utilizados:

FOME = diminuição da quantidade de alimento consumido por falta ou dificuldade de acesso.

Nos países onde a fome tem alta prevalência, como na África ao sul do Saara, esta acontece, em geral, devido à seca e à guerra. Só neste caso recomendam-se medidas emergenciais de distribuição de alimentos. A fome está associada a taxas muito altas de mortalidade. Acontece em baixa prevalência no Brasil, em geral no Nordeste rural, quando há seca. Mas é muito raro que pessoas morram de fome no Brasil. A melhor forma de se medir a presença de fome em uma população, seja de crianças como de adultos, é a avaliação das reservas energéticas dos indivíduos, representadas pela quantidade de gordura corporal, a partir da aferição da relação peso/estatura ou do Índice de Massa Corporal (peso expresso em kg dividido pelo quadrado da altura expressa em metros). De acordo com o último levantamento populacional realizado no Brasil, a PNDS de 1996 (Benfam, 1997), o percentual de adultos e crianças com déficit peso/estatura, era entre 3 e 4%, taxa semelhante à de países desenvolvidos. Mesmo em áreas rurais da região Nordeste, essa taxa era menor do que 5%.

DESNUTRIÇÃO ENERGÉTICO-PROTÉICA = diminuição da quantidade de alimentos + qualidade inadequada (falta proteínas de boa qualidade, vitaminas e minerais) + aumento da freqüência, duração e intensidade de infecções.

Estes três fatores estão associados entre si formando um ciclo vicioso perverso, cada qual aumentando a influência negativa do outro. A insuficiência alimentar (quantidade e qualidade) prejudica o sistema imunológico levando a uma menor resistência às infecções; e o aumento da duração, intensidade e freqüência das infecções prejudica a alimentação e absorção dos alimentos. Este ciclo vicioso é tão forte que apenas a distribuição de alimentos ou o tratamento isolado das patologias associadas (em unidades de saúde), não são efetivos para a recuperação do estado nutricional e a manutenção da saúde. A desnutrição é mais nociva em crianças e gestantes, pois o organismo, além de precisar se alimentar para a manutenção da vida necessita ainda crescer ou sintetizar tecidos corporais. Esta, em geral, é uma condição crônica, decorrente da pobreza. É o problema brasileiro típico. A desnutrição causa baixa estatura e baixo peso associados a um aumento na morbidade (doenças) e mortalidade. No Brasil, a prevalência de baixa estatura é duas vezes mais alta do que baixo peso. Os fatores em preto são aqueles geralmente esquecidos nas políticas e programas brasileiros atuais. O que torna a recuperação nutricional pouco efetiva. A qualidade protéica da dieta é fundamental para a recuperação em estatura (Solymos e cols., 1997) e para a saúde do adulto (Sichieri e cols., 2000; Florêncio e cols., 2001). As causas mais comuns da desnutrição infantil, em nosso meio, são: baixa escolaridade materna, falta de cuidados adequados no pré-natal e desmame inadequado (precoce ou associado a alimentação complementar inadequada). Esses fatores estão associados à falta de conhecimentos básicos de higiene, condições insalubres de moradia, falta de cuidados de saúde, falta de diversificação e adequação da dieta, além de desemprego ou subemprego, alimentação deficiente e ganho de peso na gestação insuficiente.

OBESIDADE = ganho de gordura corporal e peso em relação à estatura.

A obesidade ocorre devido a um balanço energético positivo, ou seja, aumento na energia estocada: ENERGIA ESTOCADA = ENERGIA INGERIDA – ENERGIA GASTA

Nas últimas décadas passou-se a compreender a obesidade não mais como uma relação direta entre energia ingerida ® energia estocada. Verificou-se que um outro fator, a energia gasta, interferia grandemente nesta relação; sendo considerada por muitos autores até mais importante do que a energia ingerida para a promoção da obesidade. Este fator é ainda pouco conhecido fora do âmbito científico. A energia gasta ou gasto energético temganhado importância na medida em que crescem o número de estudos mostrando que a obesidade tem ocorrido em populações pobres que vivem em zona urbana, nos países em desenvolvimento; inclusive co-existindo com a desnutrição (Sawaya e cols., 1995; Doak e cols., 2000). Além disso, a relação entre energia ingerida e energia estocada torna-se mais complexa quando se considera que no componente energia ingerida são importantes não só a quantidade de energia ingerida mas o tipo (gorduras e/ou açúcares refinados). Muitos autores sugerem que o tipo de energia ingerida pode ser mais importante para que o corpo estoque gordura do que a quantidade de energia em si (Sawaya e cols., 2003). A energia gasta depende da atividade física e/ou da regulação dos mecanismos fisiológicos de conservação de energia e depósito de gordura.

INSEGURANÇA ALIMENTAR = impossibilidade de acesso seguro e suficiente a alimentos e nutrientes para o crescimento e desenvolvimento normais, e vida ativa e saudável.

Pode ser causada por falta de alimentos, poder de compra insuficiente ou distribuição inadequada de alimentos em âmbito domiciliar. A insegurança alimentar pode ser crônica, sazonal ou transitória. O conceito de insegurança alimentar ainda está em construção. Ele parte de avaliações de caráter econômico (renda familiar e linha de pobreza, renda familiar/preço da cesta básica, renda per capita/quantidades de calorias diárias disponíveis no domicílio). Há vários modos de cálculo, com diferenças grandes entre eles. Por exemplo, o modo de calcular do Banco Mundial é a renda familiar dividida pelo gasto domiciliar com alimentos; e o da FAO infere o consumo alimentar mínimo de 1900 kcal (depende da idade e sexo) por pessoa em relação à disponibilidade de alimentos (FAO, 2001). A FAO criou o termo "subnutrição" a partir desses cálculos. É importante destacar que essas são avaliações indiretas e por isso imprecisas, e apenas inferem o que ocorreria, teoricamente, nos indivíduos que supostamente sofrem de insegurança alimentar. É uma inferência, não uma medida direta a afirmação de que a insegurança alimentar leva obrigatoriamente à magreza (e portanto fome). Para comprovar se essa afirmação é verdadeira em qualquer situação, é necessário realizar a avaliação do estado nutricional como descrito anteriormente: peso, estatura e quantidade de gordura estocada; ou seja, avaliar o que acontece efetivamente no organismo humano a partir dos alimentos ingeridos. O presente artigo procurará mostrar que realizar políticas baseando-se apenas no conceito de insegurança alimentar, pode incorrer em grandes erros, em países em que a prevalência de obesidade, cardiopatias e diabetes está aumentando, como no Brasil, especialmente entre os pobres.

Situação socioeconômica e nutricional de famílias moradoras em favelas de São Paulo

A desnutrição está associada a condições insalubres de moradia

Censos antropométricos e socioeconômicos foram realizados diretamente em 22 favelas de São Paulo em 1990-1991 (Sawaya, 1997). Não se observou diferenças nas condições socioeconômicas entre elas. A maioria dos adultos eram migrantes (88%) e 70% deles vinham do Nordeste. Muitas crianças também eram migrantes (26,5%) sendo que destas 79% eram nordestinas. Noventa por cento da população estudada estava abaixo da linha de pobreza, ou seja, ganhava menos que um dólar/dia. Os dados de analfabetismo e escolaridade mostraram que 20% dos homens e 23% das mulheres eram analfabetos e 11% dos homens e 15% das mulheres nunca haviam freqüentado a escola. O analfabetismo estava presente em uma porcentagem alta de crianças acima de dez anos (12%).

A maioria dos barracos era de madeira e possuía condições sanitárias inadequadas (Tabela 1). Uma observação interessante foi a de que as famílias, já no início da década de 1990, não eram numerosas. Apesar das condições de renda e de moradia serem tão precárias e da prevalência de desnutrição ser alta – das famílias estudadas 44% (Sawaya, 1997) possuíam pelo menos um membro com desnutrição, de acordo com os critérios de Gomez (Gomez e cols., 1956) e Wartelow (1976) – nem todas as famílias sofriam de desnutrição. Encontrou-se também 15% de famílias com pelo menos um membro obeso.

Análises de regressão logística múltipla foram realizadas para identificar quais seriam os fatores que mais se associavam à presença de desnutrição crônica (baixa estatura) na família (Tabela 2). No modelo completo, a variável mais importante foi falta de piso em pelo menos um cômodo da casa, enquanto morar em barraco de madeira mostrou uma significância estatística marginal. Em uma segunda análise, após a eliminação das variáveis menos significantes, os fatores mais importantes para explicar a presença de desnutrição na casa foram falta de piso (b=0,739, OR=2,1, p=0,027) e ausência de torneira no domicílio (b=0,489, OR=1,6, p=0,042). A chance de uma criança ou adolescente (0-18 anos) possuir baixa estatura foi duas vezes mais alta quando não havia piso em todos os cômodos e aumentava em 60% quando não havia abastecimento de água encanada em casa.

Esses dados demonstram a importância da melhoria das condições de saneamento básico para se evitar a desnutrição.

Coexistência entre desnutrição e obesidade

O estado nutricional da população total pode ser observado nas Figuras 1 e 2. A avaliação do estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos mostrou, sobretudo nestes dois últimos grupos, a presença de desnutrição e de obesidade. Um dado intrigante foi ter encontrado meninas adolescentes com baixa estatura (desnutrição pregressa) e ao mesmo tempo obesas, sendo que a prevalência deste grupo foi quase duas vezes mais alta do que o grupo de meninas obesas com estatura normal (Figura 1). Um outro dado que chamou a atenção foi ter encontrado a presença simultânea de desnutrição e obesidade na mesma família (13% das famílias tinham pelo menos um membro desnutrido e um membro obeso) (Sawaya, 1997). Esses dados, por si só já mostram a importância de se classificar o estado nutricional para programas de combate à desnutrição, sendo o corte por renda impreciso para populações pobres que vivem em zonas urbanas.



Chamou ainda bastante atenção o fato de que, entre os adultos, a prevalência de indivíduos com sobrepeso e obesidade ser maior do que a de indivíduos desnutridos (Figura 2). Este estudo, infelizmente, não averiguou o consumo alimentar para saber se os indivíduos obesos consumiam alimentos além de suas necessidades energéticas.

A presença de alguns indivíduos obesos e outros desnutridos em uma mesma família, assim como de meninas adolescentes com baixa estatura (decorrente de desnutrição na infância), e obesidade, são fatos cuja coexistência parece incompatível. Se há uma prevalência alta de desnutrição, ocorre claramente uma insuficiência alimentar decorrente da pobreza e da baixa renda, com dificuldade de acesso aos alimentos devido a esta última. Como pode então ocorrer obesidade?

A única explicação plausível poderia estar nos inúmeros mecanismos que o corpo dispõe para controlar o gasto energético. O ser humano, frente a episódios freqüentes de fome, pode lançar mão de uma série de mecanismos fisiológicos para poupar energia e acumular gordura em detrimento do crescimento em estatura. A gordura é o grande armazém energético do corpo e garantia para sobrevivência em tempos de fome. Estudos sobre a Fome Holandesa durante a Segunda Guerra Mundial mostraram que meninos que haviam sofrido fome na primeira fase de gestação desenvolveram uma capacidade maior de armazenar gordura e mostraram uma incidência maior de obesidade aos dezenove anos (Ravelli e cols, 1976). Vários relatos na literatura confirmaram esses achados. Ganho de peso excessivo, sobretudo de obesidade central (acúmulo de gordura na região do abdômen) que é o tipo de obesidade mais associado a doenças e morte prematura, foi observado em crianças de países desenvolvidos que sofreram desnutrição intrauterina (causas não relacionadas à pobreza) (Law e cols., 1992; Kuh e cols, 2002; Loos e cols, 2002). Essas crianças, quando se tornaram adultas, apresentaram alta prevalência de hipertensão e tiveram mais mortes por cardiopatias e diabetes (Roseboom e cols., 1999).

Situação socioeconômica e nutricional de famílias moradoras em favelas de Maceió

Desnutrição, obesidade e consumo de alimentos

Além dos estudos realizados em favelas de São Paulo, investigamos também uma população extremamente pobre moradora em um acampamento de "sem-teto" no município de Maceió, em 1999 (Florêncio e cols., 2001). A Tabela 3 descreve condições socioeconômicas e nutricionais ainda piores do que as de São Paulo. A quase totalidade da população morava em casas de plástico sem qualquer saneamento básico ou abastecimento de água. Na sua grande maioria, era desempregada e vivia de bicos esporádicos, além de ser analfabeta. Toda a população encontrava-se abaixo da linha de pobreza (Tabela 3).

Essas condições explicam as altas prevalências de desnutrição moderada/grave nas crianças (21%, -2 escore Z) e adultos (19,5%, Índice de Massa Corporal <20 kg/m2, calculado daTabela 4). Por outro lado, impressiona novamente a paradoxal coexistência, nos adultos, de desnutrição e sobrepeso/obesidade. Nas mulheres, as prevalências de desnutrição e obesidade mostraram-se mais altas que nos homens (Tabela 4).

Quando analisamos a ingestão alimentar dos adultos, verificou-se que estes possuíam uma dieta muito monótona, pobre e com pouca diversidade (Tabela 5). O consumo energético (ajustado para estatura) mostrou-se bem abaixo do requerimento energético, mesmo para os indivíduos obesos (Tabela 6). Um dado que chamou muito a atenção foi o consumo energético semelhante nas mulheres baixas, obesas ou desnutridas.

O consumo de alimentos parece, portanto, não ser o diferencial mais importante entre as mulheres obesas e aquelas com desnutrição. Quais outros fatores estariam envolvidos? Um fator que seguramente pode ter contribuído para a obesidade foi a redução da atividade física ocorrida pela mudança do campo para a cidade.

Esses dados revelam também quão complexa é a relação entre consumo de alimentos e estado nutricional. Vários podem ser os mecanismos de economia de energia que o corpo lança mão em situações de dificuldade.

Desnutrição, diminuição do gasto energético e acúmulo de gordura corporal

Para investigar essas questões, nosso grupo de pesquisa vem realizando uma série de estudos, transversais e longitudinais, com adolescentes de baixa estatura que moram em favelas, para averiguar se haveriam, de fato, alterações fisiológicas que favoreceriam a economia de energia (menor gasto energético) e maior acúmulo de gordura corporal nessa condição. Estas alterações explicariam o por quê de indivíduos com baixa estatura terem mais chance de se tornarem indivíduos obesos e doentes.

Em um estudo longitudinal de dois anos com meninas com baixa estatura, observamos uma maior susceptibilidade para engordar quando estas consumiam dietas mais ricas em gordura do que meninas normais, mesmo que a ingestão energética fosse insuficiente e abaixo do requerimento (Sawaya e cols., 1998).

Em um outro estudo transversal de três dias, examinamos a taxa de metabolismo de repouso (TMR), o gasto energético pós-prandial, o quociente respiratório (QR) e a oxidação de substrato. As crianças com baixa estatura tiveram TMR (por kg de peso corporal) menor e QR maior do que as crianças normais. Ambos os fatores levam à diminuição do gasto energético assim como à oxidação de gorduras, e predispõem fortemente para obesidade (Hoffman e cols. 2000a).

Em um outro grupo de experimentos, analisamos, ainda nas mesmas crianças, o gasto energético total (GET) durante sete dias, usando a técnica de água duplamente marcada (Hoffman e cols., 2000b). Encontramos que as meninas com baixa estatura possuíam GET menor, o que pode explicar o maior risco de se tornarem obesas como verificado em outros estudos (Sawaya e cols., 1995; Florêncio e cols., 2001).

Em um terceiro estudo (Hoffman e cols. 2000c), testamos a hipótese de que as crianças com baixa estatura possuem uma regulação da ingestão alimentar prejudicada. As crianças foram internadas durante três dias em uma unidade de pesquisa e possuíam disponibilidade de alimento à vontade. Ofereceu-se um suplemento alimentar à base de iogurte (753 kJ) após o café da manhã e mediu-se o efeito deste na ingestão subseqüente durante o dia. Os resultados mostraram que não houve diferenças na ingestão alimentar entre as crianças normais e aquelas com baixa estatura, embora estas últimas pesassem 10% a menos que as outras. O consumo energético entre as crianças com baixa estatura e as normais, quando dividido por kg de peso corporal, foi maior nas últimas, assim como a razão consumo energético/TMR. Além disso, as crianças com baixa estatura não diminuíram o consumo alimentar subseqüente ao suplemento, enquanto as crianças normais o fizeram, ou seja, as crianças desnutridas apresentaram "superalimentação" quando tiveram alimento à vontade.

Todos estes estudos reforçam a tese de que a desnutrição crônica ou baixa estatura altera a regulação dos mecanismos fisiológicos de conservação de energia e depósito de gordura, promovendo obesidade na vida adulta.

A desnutrição, além disso, afeta outros mecanismos metabólicos, tais como o de controle da pressão arterial. Realizamos estudos em adolescentes com baixa estatura para verificar a pressão arterial e encontramos uma prevalência muito alta de adolescentes desnutridos com hipertensão (13%) em relação a adolescentes de mesma idade no Brasil (7%) e no mundo (Task Force, 1996), (Fernandes e cols., 2003).

Em conclusão, os dados até agora relatados mostram a importância de se evitar a desnutrição desde o início da vida intra-uterina e a necessidade de cuidado com a qualidade da dieta em termos de consumo de proteínas de boa qualidade, minerais e vitaminas para se evitar o crescimento deficiente e a baixa estatura, pois esta última, como vimos, tem conseqüências deletérias que podem perdurar para o resto da vida.

Além disso, os resultados alertam para o fato de que programas de distribuição de alimentos (sem cuidados de saúde, avaliação do estado nutricional e cuidados com o tipo de alimentos ingeridos) podem agravar o quadro de obesidade e cardiopatias já crescente na população brasileira pobre que vive em zona urbana.

Como fica o conceito de segurança alimentar e fome no Brasil?

É preciso ter muito cuidado ao se utilizar os termos segurança alimentar e fome no Brasil. Estes termos têm sido utilizados por organismos internacionais como a FAO, cujo olhar se concentra em países do continente africano e sul da Ásia, onde os problemas da fome e da desnutrição são realmente muito graves. Só a Índia possui mais de 50% das crianças desnutridas no mundo e nos países do sul do Saara tem aumentado significativamente o número de crianças que literalmente morrem de fome devido a guerras e a secas.

O aumento na prevalência de obesidade em pessoas com baixa estatura descrito nas populações moradoras em favelas de São Paulo e Maceió é também encontrado nos Estados Unidos em populações de muito baixa renda que sofrem de insuficiência alimentar (não possuem alimento suficiente para o mês todo devido à baixa renda e sofrem literalmente, períodos de fome) ou insegurança alimentar, sobretudo mulheres e adolescentes (Casey e cols., 2001; Townsend e cols., 2001; Alaimo e cols., 2001 e Adams e cols., 2003). Estes estudos revelam que o conceito teórico, inferido pelos economistas, de que a insegurança alimentar leva necessariamente à fome ou à desnutrição não tem respaldo científico em países onde estas não atingem prevalências extremamente altas (acima de 20% da população infantil).

Aumentar ou incentivar o consumo de alimentos em adultos obesos, mesmo que estejam abaixo da linha de pobreza e vivam em condições de extrema miséria, não é absolutamente recomendável. Nesse caso, só uma educação nutricional seria adequada, assim como o monitoramento das possíveis doenças associadas – hipertensão e diabetes – estas últimas crescendo velozmente na população brasileira (King e cols., 1998). É preciso identificar e tratar só os indivíduos realmente desnutridos nas comunidades pobres brasileiras; cuidar da qualidade da dieta e monitorar a saúde dos adolescentes e adultos com baixa estatura. Nesse caso a distribuição de alimentos de acordo com a renda familiar, utilizando-se como nível de corte a linha de pobreza (abaixo de um dólar/dia) é um desperdício de recursos e pode agravar a situação de saúde de muitos indivíduos. Por outro lado, um cuidado muito maior precisa ser dado ao pré-natal e às crianças desnutridas, mesmo aquelas com baixa estatura leve. Por isso, um governo interessado em aumentar a eficiência dos programas sociais, focalizar os mais necessitados e diminuir os custos destes, precisa ir ao encontro dos pobres no seu hábitat, realizar avaliações do estado nutricional e tratar caso a caso; além do acompanhamento cuidadoso das gestantes para evitar o baixo peso ao nascer. Este trabalho é exatamente aquele dos médicos que atendem a família na comunidade e dos agentes comunitários de saúde. É muito mais efetivo gastar recursos com eles.

A partir dos conhecimentos atuais, qual seria o melhor programa para erradicação da desnutrição no Brasil?

Seria um programa que contasse com ações integradas que valorizassem as iniciativas locais bem-sucedidas já existentes, respeitando culturas regionais, realizando a busca ativa dos casos na comunidade e, principalmente, aproveitando o patrimônio de cada pessoa, família e comunidade (Soares, 2002; www.desnutricao.org.br). A monitorização do crescimento de crianças pré-escolares precisa ser realizada diretamente na favela e comunidades pobres para se ter uma real avaliação do problema da desnutrição. Este é o grande limite de programas de Vigilância Nutricional que se baseiam em levantamentos realizados exclusivamente nos Serviços de Saúde (e por isso muitas vezes encontram poucos desnutridos).

Só os médicos que atendem a família na comunidade e os agentes comunitários de saúde seriam suficientes para erradicar a desnutrição no Brasil? Não, também seriam necessários programas para a melhoria das condições de saneamento básico e moradia, pois, como vimos, a baixa estatura está fortemente associada a estas condições.

As ações devem transcender os objetivos de visibilidade política a curto prazo e se dedicar a fortalecer e a utilizar os recursos e os atores sociais já existentes, mobilizando a formação de profissionais de saúde, escolas, programas de voluntariado e a atuação das organizações da sociedade civil. Isso dá a capilaridade necessária para a ação de diagnóstico e intervenção. Porém, para contar com a ação destes atores, é necessário investir na sua capacitação e na construção e implantação de instrumentos de supervisão e avaliação.

É importante que a formação dos profissionais que atuam junto às comunidades pobres propicie o conhecimento aprofundado dos mecanismos de exclusão social, assim como dos mecanismos psicológicos associados à pobreza, como fatalismo, solidão, impotência, isolamento, debilidade (Solymos 2002; www.desnutricao.org.br). Em um artigo recente, Aguiar e Araújo (2002), descrevem que a renda mínima, para se tornar um poderoso instrumento de combate à pobreza e à desigualdade, deveria estar associada a outras políticas sociais. Uma família pobre que tenha uma renda mínima, mas que more em um bairro sem saneamento básico, tenha filhos sem acesso ao ensino fundamental, não tenha saúde adequada, não participe de forma pro-ativa na esfera política, e esteja submetida à arbitrariedade das ações policiais, continua em um processo de pobreza, desigualdade social, e mesmo exclusão.

Soares e Parente (2001) avaliaram os resultados do Programa Padegrin de reabilitação nutricional de Fortaleza. Sua estratégia de ação estava centrada na distribuição de alimentos, fornecendo para a criança desnutrida 4 kg de leite e uma lata de óleo e para as gestantes 2 kg de leite por mês. A captação dos beneficiários deu-se por demanda espontânea nos centros de saúde. A criança era avaliada mensalmente por uma equipe composta por nutricionistas, enfermeiros e fisioterapeutas. Neste momento, a mãe tinha a oportunidade de receber orientação, individual ou em grupo, sobre saúde e nutrição. Os resultados mostraram que o percentual de crianças reabilitadas foi muito baixo e os autores apontam como motivos desse resultado a falta de envolvimento da (e na) comunidade, uma seleção questionável dos beneficiados e o não ter atingido a população mais pobre.

São necessárias, ainda, amplas ações educativas em nutrição e saúde junto à população em geral. Elas podem ser realizadas nos serviços de saúde e na comunidade ou como temas transversais de alunos do ensino fundamental e médio. É preciso se criar uma "cultura" de combate à desnutrição. Essas ações educativas devem levar em conta a realidade associada à pobreza (Sawaya, 2002; www.desnutricao.org.br).

A Tailândia é um caso exemplar da força da criação de uma cultura de combate à desnutrição. Este país conseguiu reduzir a prevalência de crianças com baixo peso de 50% em 1982 para 10% em 1996, fruto do cumprimento de um compromisso político e um programa bem elaborado.

Suas principais ações foram:

• Monitorização do crescimento de crianças pré-escolares diretamente na comunidade. Crianças com grave déficit de crescimento receberam alimentação complementar.

• A educação nutricional foi incorporada nas políticas de saúde, nas escolas e na agricultura, em âmbito nacional, estadual, municipal e comunitário.

• Os custos foram minimizados a partir do retreinamento dos funcionários públicos e da utilização de voluntários "mobilizadores" no âmbito da comunidade.

• Os financiamentos foram alocados para medidas seletivas de máximo impacto.

• Cada grupo de dez domicílios escolheu um voluntário adequado para se engajar em um programa nacional de treinamento e então monitorar mães e crianças na própria comunidade.

• Um programa de educação nutricional e comunicação encorajou o aleitamento materno e a introdução adequada e no tempo certo de alimentos complementares, além de medidas de higiene.

• Foi disseminada a informação sobre hábitos alimentares inadequados e tabus.

• A merenda escolar foi estabelecida em cinco mil escolas em áreas pobres.

• Segurança alimentar no domicílio e na comunidade foi reforçada por meio da promoção de hortas, árvores frutíferas, piscicultura e prevenção de doenças infecciosas em aves domésticas.

No gráfico abaixo, vê-se a projeção dessa experiência para nível mundial. Se experiências como essa ocorressem nos outros países em desenvolvimento, o número de crianças desnutridas se reduziria a apenas vinte milhões em 2020 (UNU, 2000).

Qual seria a melhor estrutura?

É fundamental que os programas de combate à desnutrição tenham uma atenção especial para a estrutura de atendimento. Por isso, seriam importantes tanto a criação de centros especializados como os Centros de Recuperação e Educação Nutricional (Cren).

Esses Centros, embora tenham estrutura semelhante, não teriam os mesmos objetivos e critérios de tratamento daqueles da década de 1950-1960 (Solymos e cols. 1997). Naquela época, a intenção era de reduzir a mortalidade infantil por meio de uma recuperação rápida de peso em relação à estatura (ou seja, desnutrição aguda grave). Os Centros atuais devem ter por objetivo a recuperação completa de peso e estatura pois, como visto, a baixa estatura aumenta o risco de doenças crônicas. Outra vantagem desses Centros seria o fato de eles permitirem uma forma estável e eficiente de combate à miséria devido à penetração na comunidade e ao estabelecimento de "relações de confiança" (Soares 2002; www.desnutricao.org.br).

Os Centros de Recuperação e Educação Nutricional atuariam em três âmbitos:

• Dando suporte à atuação na comunidade através de atividades no campo social, psicológico, nutricional e de encaminhamento para outros serviços;

• Realizando atividade ambulatorial especializada para crianças desnutridas e

• Sendo hospital-dia para tratamento dos desnutridos mais graves.

Estes Centros de Recuperação e Educação Nutricional poderiam ter dois níveis de complexidade:

a) Constituindo-se como um Centro de Referência no município para atendimento da população desnutrida nos três âmbitos (comunidade, ambulatório e hospital-dia), e para a geração de conhecimento e formação dos profissionais atuantes na área, além de centralização (elaboração e análise) de bancos de dados. Serão estes Centros de Referência os responsáveis pela avaliação das intervenções realizadas e por cursos de formação para profissionais e líderes comunitários. Estes cursos podem ser no local ou itinerantes. É importante que este Centros de Referências tenham ligações com as universidades locais.

b) Atuando como Creche Especial ou Hospital-dia para crianças desnutridas (Vieira e cols., 1998), onde estas recebem cinco refeições diárias de muito boa qualidade e simultaneamente cuidados diários de saúde e combate às infecções associadas (Fernandes e cols., 2002; www.desnutricao.org.br).

As famílias que possuem indivíduos desnutridos são aquelas de maior risco social e, por isso, é necessário acoplar às atividades desses Centros atividades de promoção humana para combater os mecanismos de exclusão social mais arraigados em nossa sociedade, tais como, complementação de renda, cursos profisionalizantes etc. Na prática, estes Centros pontualizam as ações de identificação das famílias de maior risco social e centralizariam as ações de maior impacto com menor desperdício de recursos, evitando a multiplicação e a sobreposição de ações. Eles permitem ações educativas e relacionamento direto e próximo dos profissionais com as famílias (Soares, 2002; www.desnutricao.org.br). Eles devem atuar também na formação educativa das crianças, considerando suas condições socioeconômicas, reforçando a rede familiar e o contato com outros serviços, rompendo o isolamento característico da miséria. É comum que as crianças mais pobres sofram preconceitos e exclusão na escola, por isso esses centros devem também ter contato direto com as instituições educacionais (Sawaya, 2002; www.desnutricao.org.br).

A intervenção deve se dar em diferentes níveis e áreas. Por isso, é necessário aplicar o conceito do trabalho interdisciplinar na própria constituição das políticas e das equipes de trabalho.

A seguir, colocamos um quadro que resume essa proposta para erradicação da desnutrição em nosso país.


Bibliografia

Texto recebido e aceito para publicação em 28 de maio de 2003.

Ana Lydia Sawaya é formada pelo Instituto de Biociências da USP e professora adjunta livre docente do Departamento de Fisiologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), exercendo atualmente o cargo de chefia deste. É coordenadora do Grupo de Estudos em Nutrição e Pobreza do IEA-USP e presidente do Centro de Recuperação e Educação Nutricional.

Gisela Maria Bernardes Solymos é formada pelo Instituto de Psicologia da USP e atualmente é professora-visitante doutora da Unifesp, além de diretora de Projetos do Centro de Recuperação e Educação Nutricional.

Telma Maria Toledo Florêncio é formada pela Universidade Federal de Pernambuco e professora do curso de Nutrição da Universidade Federal do Alagoas.

Paula Andrea Martins é formada pela Faculdade de Saúde Pública da USP e aluna de doutorado da Unifesp.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Fev 2004
  • Data do Fascículo
    Ago 2003

Histórico

  • Aceito
    28 Maio 2003
  • Recebido
    28 Maio 2003
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