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Que fazer para gerar empregos no Brasil?

GERAÇÃO DE EMPREGOS

Que fazer para gerar empregos no Brasil?

ESPECIAL

O crescimento do número de desempregados no Brasil é assustador. Por isso um dos temas que mais preocupa a opinião pública e, naturalmente, os cientistas sociais, pode ser resumido na seguinte pergunta:

– Que fazer para gerar empregos no Brasil?

A partir de uma intervenção inédita do professor José de Souza Martins (FFLCH-USP) e de artigo publicado pelo jornal Valor Econômico, de autoria do professor José Eli da Veiga (FEA-USP), a editoria de estudos avançados promoveu uma pesquisa sobre o tema.

Solicitamos respostas objetivas a economistas, sociólogos e entidades dos meios empresariais e de trabalhadores. Até o momento de fecharmos a edição do presente número uma parte considerável dos convidados atendeu a nosso pedido; julgamos que o conjunto dos textos recebidos garante ao dossiê razoável margem de representatividade.

José de Souza Martins

Professor da FFLCH-USP

"SE FOSSE FÁCIL, eu me candidataria a presidente da República e contrataria o Duda Mendonça para convencer os brasileiros de que tenho aqui no bolso a solução milagrosa. E não estou brincando, porque foi isso mesmo que vimos na última campanha presidencial. Passados nove meses, tempo de um parto, cadê o emprego? A reforma agrária foi apresentada como o meio responsável por boa parcela desses novos empregos. Cadê ela? A reforma agrária que estava em andamento foi paralisada e nada de novo aconteceu.

Para gerar emprego no Brasil, em primeiro lugar, é preciso acabar com a bravata irresponsável e o discurso incompetente. É preciso até mesmo proibir que se engane as pessoas numa questão tão dramática. Registros de candidatos deveriam ser negados e mandatos deveriam ser cassados nos casos de promessa vazia e eleitoreira. O estelionato eleitoral deveria ser considerado crime de lesa pátria.

Antes de ter uma fórmula de geração de emprego é prioritário um diagnóstico correto, objetivo e desapaixonado da situação crítica que leva ao desemprego. E disso, infelizmente, não dispomos. Para começar, deveríamos falar em "desempregos" e não em desemprego, como se fosse tudo a mesma coisa. Temos três tipos de desemprego no Brasil e cada um deveria ser considerado separadamente.

O primeiro é o desemprego herdado do passado, conseqüência das grandes transformações na agricultura, não necessariamente transformações para melhor, para novos padrões tecnológicos. Transformações e crises específicas de determinados setores da economia. Na Zona da Mata Sul, de Pernambuco, clássica região da cana-de-açúcar, há alguns anos havia duzentos mil trabalhadores rurais. Agora há apenas quarenta mil. A maioria migrou para outros lugares, especialmente São Paulo. Daí resulta o desempregado cujo respectivo setor produtivo desapareceu. Por força de sua geralmente precária ou nenhuma escolarização, esse desempregado, em princípio, já não tem alternativas, a não ser a melancólica inserção no Fome Zero.

O segundo é o desemprego industrial que vem sendo produzido na atual conjuntura econômica, decorrente sobretudo da modernização tecnológica, da chamada reestruturação produtiva, em que homens são substituídos por máquinas. Aí também há os efeitos da concorrência internacional, fator de modernização, inevitável. Mas há, além disso, a concorrência de produtos importados de países cuja produção industrial e agrícola se baseia na superexploração da força de trabalho, com trabalhadores ganhando salários ridículos, aquém das necessidades humanas. É o caso de alguns países da Ásia. O tecido fabricado nessas condições e importado por nós destrói a nossa indústria têxtil, quando não força a redução de salários na indústria de tecidos e na indústria de confecção. Hoje estamos importando fatores de miséria. Mesmo qualificado, esse trabalhador que a importação desemprega não terá chance fácil de reinserção no mercado de trabalho, a não ser abrindo mão de substancial parte de sua qualidade de vida.

O terceiro é o desemprego prospectivo das novas gerações, o tema menos discutido, menos conhecido e menos abordado. Nossas melhores escolas superiores estão hoje diplomando desempregados. Todas as profissões que poderíamos chamar de conspícuas estão sendo degradadas pela deterioração dos salários dos altamente qualificados e pela desmotivação e competição em que o pessoal mais qualificado atua como seu próprio inimigo.

Esses fatores todos, reduzíveis à fórmula da redução da renda per capita, implicam na anulação de um eventual fator keynesiano de geração e multiplicação de emprego e renda.

Nossa criatividade está baixíssima e nossas perspectivas são péssimas. Certamente há possibilidade de identificação de campos econômicos que poderiam comportar a alocação de profissões inovadoras. Além disso, experiências como a de Incubadora de Cooperativas, da USP, apontam na direção da possibilidade de manter ou reativar profissões no âmbito de empreendimentos cooperativos que não têm condições de sobreviver como estabelecimentos empresariais. A supressão da taxa de lucro de uma empresa não implica necessariamente na inviabilidade do trabalho que nela se realiza. Isso permite assegurar salários e direitos mesmo quando o empreendimento não tem condições de assegurar o lucro e já não pode funcionar em condições normais. Certamente, não é uma solução definitiva, mas é solução melhor do que o desemprego.

É preciso manter e elevar os níveis de renda da população. Isso é impossível sem a intervenção do Estado, sem gastar dinheiro mesmo onde ele não rende. Vargas, na crise do café sem mercado, nos anos de 1930, decidiu comprar e quei-mar o café, mantendo o fluxo de renda, mantendo vivo o mercado interno e dando, assim, um apoio vital à industrialização e à multiplicação do emprego e da renda. Isso de nada adiantará se a renda injetada na economia acabar na importação de produtos de consumo.

É preciso, também, adotar medidas muito severas de bloqueio da importação de produtos de países em que as condições de trabalho sejam péssimas e degradadas. Isso, é claro, poderá nos afetar, pois o Brasil ainda pratica trabalho escravo e superexploração do trabalho. Poderia haver retaliação. E o prejuízo seria maior do que o benefício. Mas o tema deveria ser examinado.

A economia tem se modernizado intensamente, criando desemprego tecnológico, não raro com estímulos oficiais, sem pagar qualquer tributo pelos lucros e benefícios crescentes assim obtidos. Nossa economia, agrícola e industrial, vai se tornando uma economia socialmente irresponsável. Ou o governo transfere para a sociedade uma parte dos benefícios econômicos que recebe através de tributos derivados dessa modernização, ou as próprias empresas terão de ser, de algum modo, penalizadas pelos benefícios da reestruturação produtiva.

Em qualquer direção que nos movamos, o cenário é difícil.

Algumas medidas que o Estado poderia tomar a curto prazo dizem respeito aos gastos públicos dirigidos à criação de emprego e renda. O dinheiro gasto desse modo não é desperdício, pois no seu efeito multiplicador desencadeia retornos fiscais. Uma medida possível é a ampliação da jornada escolar e o estabelecimento da escola de tempo integral, até para melhorar a qualidade da formação do trabalhador brasileiro. Isso criaria uma bem distribuída rede de empregos no setor médio, com efeitos multiplicadores locais. Outra seria a de desbloquear a reforma agrária que o próprio PT bloqueou, dando andamento ao programa agrário do governo anterior, aperfeiçoando-o e ampliando-o. Isso teria um efeito disseminado nas áreas mais pobres e nas populações mais desprovidas de alternativas para o desemprego rural. A continuidade na melhora do programa de saúde, com a multiplicação de agentes de saúde, postos e centros médicos também teria efeitos multiplicadores não desprezíveis.

A guerra fiscal entre os Estados e entre os municípios deveria ser rigorosamente proibida. Ela é uma das responsáveis por desempregos regionais decorrentes do fechamento de fábricas nas regiões fabris tradicionais. As fábricas mudam com facilidade de lugar porque recebem incentivos fiscais para isso. Entretanto, direita e esquerda até hoje não se preocuparam com a introdução de incentivos fiscais e creditícios para que o trabalhador mude com sua fábrica, se o desejar. Ou então se deveria estabelecer a proibição da renúncia fiscal quando não vier acompanhada de apoios financeiros para a migração também do trabalhador. O Estado e o município que se atiram na guerra fiscal deveriam, no mínimo, pagar uma compensação aos trabalhadores por ela vitimados. Acho mesmo que os sindicatos já deveriam estar nos tribunais abrindo caminho nesse sentido: processos por danos morais e materiais.

Embora difícil, seria interessante um programa da União, dos Estados e dos municípios para deslocamento dos aposentados das grandes cidades para cidades do interior que tenham qualidade de vida, onde o custo de vida é mais baixo, desde alimentação até habitação, e as condições de vida sensivelmente melhores. Isso estimularia o mercado local e a criação de empregos na agricultura, no comércio e nos serviços. Serviços especiais para terceira idade deveriam ser obrigatórios em todos os municípios, como justa compensação por vidas de trabalho. Isso também criaria empregos especializados, tanto mais necessários quanto se sabe que o problema da velhice se agravará a partir de agora com a reforma da Previdência, conduzida com base em motivações fiscais e anti-sociais.

Não seria demasiado adotar uma política severa de combate ao atravessamento no comércio de alimentos para promover o aumento real de renda da população urbana e rural. De alguns produtos agrícolas, a comercialização chega a reter mais de 50% do preço final, ficando pouco para o produtor e pouco para o consumidor. Um sistema de cooperativas e uma certa reserva de mercado para um sistema alternativo de comercialização poderia ajudar muito na retenção de renda pela agricultura familiar e na sobra de renda pelo consumidor urbano. Isso criaria renda adicional para artigos de consumo, o que poderia criar empregos sobretudo na indústria e no setor de serviços.

Infelizmente, não há sinal algum de providências nesses âmbitos."

José Eli da Veiga

Professor da FEA-USP

"TÉCNICOS dos ministérios da Agricultura e da Fazenda reúnem-se hoje (12/8/2003) para discutir o cronograma de liberação de recursos do FAT para o Moderfrota, um excelente programa de renovação do parque de máquinas e equipamentos agrícolas gerido pelo BNDES. Para o da Agricultura é insuficiente que até outubro de 2003 sejam concedidos apenas R$ 447 milhões, de um total de R$ 2 bilhões.

Se a reclamação for acolhida pela Fazenda, a notícia será ótima para o setor que mais está contribuindo para o imprescindível esforço exportador, e péssima para milhões de candidatos ao desemprego provocado pelas inovações tecnológicas adotadas na colheita e depois dela. Restrições fiscais impostas pela manutenção da estabilidade macroeconômica não são o único problema do Moderfrota. Ele também joga no olho da rua legiões de trabalhadores sem qualquer qualificação, justamente para os quais há uma altíssima probabilidade de se tornarem desempregados crônicos.

É brutal o poder devorador de postos de trabalho dessa modernização nas grandes lavouras. Nos canaviais, por exemplo, a demanda de força de trabalho foi cortada pela metade nos anos de 1990, apesar de ter havido uma expansão de 10% da área cultivada. Essa mesma tendência poupadora de mão-de-obra também ocorre nas plantações de café, de laranja, de algodão, de milho e de cacau, provocando uma queda da necessidade de trabalho humano que se situará entre 45% e 62%, quando o processo se completar. (Conforme estimativa feita na Fundação Seade por José Graziano da Silva e seu colaborador Otavio Balsadi). Em outras palavras: quando a mudança se completar, mais de 2 milhões de trabalhadores terão sido substituídos por forças motomecânicas, e menos de 2 milhões ainda terão suas vagas nas fazendas empregadoras.

Será remotíssima a chance de algum dos mais de 2 milhões de expelidos encontrar outra ocupação. Após perambular por regiões nas quais a modernização das colheitas ainda possa estar atrasada, acabará na sarjeta de alguma das cinqüenta principais aglomerações urbanas do país, sem que tenha o mínimo preparo para as árduas e inevitáveis disputas por oportunidades de trabalho precário. O prognóstico seria, então, de pura calamidade, se a agricultura brasileira fosse composta apenas pelas catorze lavouras que devoram postos de trabalho. A já mencionada meia dúzia e mais oito: alho, banana, côco-da-bahia, laranja, maçã, mandioca, tomate-rasteiro e trigo.

Felizmente, tão tenebrosa perspectiva poderá ser afastada pela existência de um outro leque de dez culturas que, ao contrário, são capazes de aumentar a oferta de ocupação: amendoim, arroz, caju, feijão, malva, mamona, sisal, soja, uva e tomate-envarado. Além disso, três outros fatores podem até inverter o prognóstico. Primeiro, a fruticultura, com atividades das mais exigentes em trabalho, capaz de absorver muitos ex-safristas em pomares de abacate, abacaxi, caqui, figo, goiaba, limão, mamão, manga, maracujá, marmelo, melancia, melão, pêra e tangerina. Em segundo lugar, também podem contribuir produções de borracha, chá, dendê, erva-mate, ervilha, fava, palmito e urucum. E, finalmente, o que é mais importante: a intensa osmose que prevalece entre a policultura desses vegetais e atividades pecuárias, como ovinocaprinocultura e bovinocultura leiteira, mas, sobretudo, a avicultura e a suinocultura, que já alicerçam cruciais cadeias exportadoras de valor agregado.

É sorte que o Brasil disponha desse imenso mosaico de sistemas produtivos diversificados, cuja essência é a sinergia agropecuária. Seria uma verdadeira hecatombe se só existissem imensos domínios que se vêem cada vez mais na contingência de dispensar peões ao se especializarem em algum commodity vegetal ou em carne bovina. É muita sorte que para cada trabalhador empregado nessas grandes fazendas haja três que labutam em sítios e chácaras. Três quartos dos 16 milhões de ocupados no setor estão em estabelecimentos familiares.

O cerne da questão está no contraste comportamental que preside as decisões em estabelecimentos patronais e familiares diante da tendência à redundância imposta pela elevação da produtividade do trabalho que resulta da adoção de inovações. É da essência microeconômica que a fazenda patronal se desfaça imediatamente de qualquer sobra de braços, enquanto entre agricultores familiares prevalece a tendência inversa. A propensão do sitiante inovador é evitar a ameaça da redundância, ou retardá-la, graças à diversificação, não apenas de seu sistema produtivo, como também das atividades dos membros da família, antes e depois da porteira. E esta é a chave do desenvolvimento das regiões rurais.

Há um grande número de filhos de sitiantes que continuam a ajudar os pais depois de se empregarem ou empreenderem localmente nos setores terciário e secundário (em transportes, comércio e construção, mas também em indústrias de alimentos, calçados, vestuário, cerâmica, móveis, brinquedos etc.). E onde o acesso ao ensino médio já é razoável, como em muitas regiões rurais do Sul-Sudeste, também se torna freqüente encontrar filhos de sitiantes que adquirem formação superior e empreendem nas proximidades do estabelecimento paterno. De resto, agroindústrias de pequeno porte, artesanatos e diversos esquemas de trabalho terceirizado a domicílio ocupam dentro dos sítios muitos membros das famílias agricultoras.

Há, portanto, alternativa aos desastrosos resultados que um ótimo programa como o Moderfrota exerce sobre o mercado de trabalho. O fator decisivo é saber qual será o critério de alocação de tão preciosos trunfos federais, como são os recursos do FAT. Além de servirem para subvencionar a mecanização da colheita em plantações especializadas, será que também serão bem aplicados na expansão e fortalecimento dos flexíveis e maleáveis empreendimentos familiares que minimizam o desemprego em regiões onde os mercados de trabalho nutrem os vínculos rurais-urbanos do desenvolvimento? É do balanceamento que for feito entre programas como o Moderfrota e programas como o Pronaf que se poderá tirar partido do potencial oferecido por muitas regiões rurais à transição para um estilo de crescimento econômico que seja empregador. Afinal, não diz um adágio romano que é a dose que faz o veneno?

(Artigo publicado no jornal Valor Econômico em 12/8/2003)

EM TEMPO: para gerar emprego é imprescindível que se estimule o surgimento de novas empresas, de todos os tipos e tamanhos, e em todos os setores e ramos. Isso porque será bem insuficiente o volume de empregos que poderá ser gerado pelas empresas já existentes, assim que o quadro macro-econômico volte a favorecer o crescimento.

Não se deve, portanto, confiar apenas no tão esperado "espetáculo do crescimento", como se ele, por si só, pudesse resolver o problema.

O essencial, então, é realizar as mudanças necessárias para que a estrutura de incentivos faça com que muito mais gente, e em muitos mais lugares, passe a empreender, tanto de forma individual como grupal e coletiva.

Infelizmente, predominam na sociedade brasileira aspectos sociopolíticos e culturais contrários ao empreendedorismo. E é isso que precisa ser alterado em profundidade para que possam surgir instituições que realmente estimulem a criação e – principalmente – o fortalecimento de novas empresas.

Nesse contexto, também será preciso levar muito mais a sério os contrastes territoriais, tanto entre as doze aglomerações metropolitanas e o interior, como entre os menos de quinhentos municípios urbanos e os mais de cinco mil municípios rurais ou ambivalentes. Daí a importância do "Plano Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável", elaborado pelo Conselho do mesmo nome durante o ano de 2002. É uma pena que o primeiro governo de esquerda não lhe tenha dado – até o momento – a atenção que merece. (José Eli da Veiga)"

Walter Barelli

Economista (Unicamp)

"A RESPOSTA mais simples é: voltar a crescer. Entre as variáveis macroeconômicas, o emprego é apresentado como função do investimento, ou seja, é conseqüência do crescimento. É fácil ver que, quando o país se desenvolve, o emprego aparece.

Essa resposta, porém, afigura-se como profecia ex-cathedra, que intimida a apresentação de políticas públicas de emprego. País continental, o Brasil apresenta ilhas de pleno emprego, em regiões de atividades exportadoras, principalmente certas cidades onde se concentram indústrias calçadistas. Temporariamente, isso também é verdade na época de safra de grandes plantações, como cana-de-açúcar e laranja. Descobrir, neste vasto território, oportunidades de empresas que superem a crise geral, trará como decorrência de empregos e renda.

"Trabalhar menos para que todos trabalhem", velho lema sindical, também levará a mais emprego, principalmente se as horas extraordinárias só forem permitidas nessa condição: extraordinariedade. Arranjos inventivos para que os jovens fiquem mais anos na escola vão na mesma direção de diminuir o tempo na vida de trabalho.

As estatísticas mostram que as micro e pequenas empresas se sobressaem como empregadoras. Investir na capacidade empreendedora de nossa gente significa mais emprego e as escolas de todos os níveis podem também estar voltadas para isso.

Conhecer as estratégias da população carente mostrará formas novas de emprego e renda, das quais o renascimento do cooperativismo é apenas a ponta do iceberg. Afinal, depois de mais uma década de baixo crescimento econômico, temos uma geração de sobreviventes. Há muito trabalho precário, mas há também muita pista para aprendermos."

Claudio Salvadori Dedecca

Economista (Unicamp)

"É PRECISO afirmar em alto e bom som que o crescimento constitui a condição indispensável para que o país tenha capacidade de gerar novos empregos e renda em volume considerável. Alguns retrucariam essa afirmação contra-argumentando que crescimento não basta. Isso é uma bobagem e é preciso entender o porquê.

Grandes economistas e sociólogos reconheceram que o capitalismo constituiu, pela primeira vez na história moderna, uma organização econômica com capacidade de induzir recorrentemente o crescimento e a produtividade. A ampliação do poder de compra dos trabalhadores, o aumento da capacidade de gasto do Estado e os novos mercados conformariam a alavanca básica do crescimento, ao alimentar a expansão dos investimentos. Afirmaram, sistematicamente, que o crescimento capitalista dependia das diversas formas de gasto, as quais exigiam a regulação pública. Esta deveria cumprir, ao menos, duas funções: garantir a distribuição de renda em favor do gasto efetivo e viabilizar as condições para o investimento. Ao cumprir essas duas funções, o Estado estaria consolidando bases para um crescimento fundado na maior produtividade e distribuição de renda que, a longo prazo, se traduziria em aumento do nível de emprego e na melhora do bem-estar.

Quando se volta para a situação brasileira, encontramos uma situação radicalmente distinta. O Estado se submete à ampliação do gasto financeiro e desarticula seus instrumentos em favor do investimento. A distribuição de renda regride. E economia reproduz um estado prolongado de estagnação que, em um contexto de maior abertura externa, é caracterizado por decisões de racionalização da atividade produtiva com o objetivo de reduzir custos e sobreviver à competição. O emprego conhece uma trajetória sistematicamente declinante. Eis os anos de 1990 e o início desse novo século.

Portanto, sem crescimento não haverá recomposição das diversas formas de gasto e nem distribuição de riqueza e, portanto, não haverá crescimento do nível de emprego.

Infelizmente, o crescimento depende de uma mudança na política econômica que reverta a primazia financeira sobre a riqueza do país e recomponha a capacidade de gasto do Estado, das empresas e dos trabalhadores. Reconquistadas as condições para o crescimento, outras políticas de emprego serão bem-vindas, em especial porque poderão fortalecer o movimento expansivo. Microcrédito, associativismo, dentre outras políticas são importantes, mas somente vingarão se houver crescimento. É preciso estabelecer uma trajetória de ampliação da renda e da produtividade que permita a expansão das formas de atividade menos organizadas em termos capitalistas. Somente em um contexto de crescimento sustentado pode-se harmonizar a diversidade de políticas em favor do emprego e da renda."

Ignacy Sachs

Economista (CNRS-França)

"RELATIVAMENTE à questão "que fazer para gerar emprego no Brasil?", prefiro substituí-la por outra, mais modesta, qual seja, "como pensar uma estratégia de desenvolvimento para o Brasil centrada sobre a geração de empregos, auto-empregos e empreendimentos de pequeno porte decentes, no sentido que a OIT dá a esse conceito, ou seja, ocupações que geram uma renda razoável e são realizadas em boas condições?" Em outras palavras, como ingressar na trajetória virtuosa de um desenvolvimento socialmente includente, ambientalmente sustentável e economicamente sustentado?

Para começar a saldar a dívida social acumulada não basta voltar a crescer. É essencial que o crescimento tenha uma alta densidade de empregos. Para tanto, deve-se buscar simultaneamente uma alta produtividade no núcleo modernizador da economia nacional, a promoção de crescimento puxado pelo emprego nos setores produtivos onde é ainda possível avançar por meio de métodos intensivos em mão-de-obra e, finalmente, a expansão dos instrumentos de ação direta sobre o bem-estar da população sob a forma de redes públicas de serviços de base (educação, saúde, saneamento e habitação) que, de resto, são geradores de grande numero de empregos. Por razões óbvias, o Brasil deverá concentrar a maior parte da sua capacidade de investimento na consolidação e expansão do núcleo modernizador da economia nacional constituído por indústrias de alta tecnologia e pela agricultura mecanizada de grãos, ambos capazes de competir nos mercados mundiais, produzir a preços acessíveis artigos de consumo de massa e gerar elevado valor agregado; porém pouquíssimos empregos diretos. É verdade que elas têm um impacto no mercado de trabalho, induzindo empregos indiretos, tanto na produção de insumos como de bens e de serviços consumidos pelos trabalhadores e funcionários do núcleo modernizador.

A política de empregos deve explorar este efeito multiplicador nos outros setores da economia. Em particular naqueles que produzem bens e serviços não submetidos à concorrência estrangeira (os assim chamados não-comerciáveis) onde existem, portanto, maiores margens de liberdade na seleção das tecnologias: serviços sociais, técnicos e pessoais, construcão civil e obras públicas.

Convém ainda expandir ao máximo o "crescimento puxado pelo emprego" na agricultura familiar, no artesanato e nas indústrias naturalmente intensivas em mão-de-obra, velando para que a sua competitividade nos mercados internacionais não seja baseada, unicamente, em fatores espúrios (salários baixos, longas jornadas de trabalho, falta de acesso à previdência social, sonegação fiscal).

O complexo bioindustrial, com os seus encadeamentos intensivos em mão-de-obra a montante (agricultura, manejo florestal, aqüicultura), e os seus múltiplos produtos (alimentos, bioenergia, fertilizantes, fibras, plásticos, materiais de construção, fármacos e cosméticos) oferecem, no Brasil, condições excepcionais para avançar na direção de um desenvolvimento socialmente includente e ambientalmente sustentável.

Acrescente-se a isto os empregos relacionados com a redução de desperdício no uso dos recursos naturais (conservação de energia e de água, reciclagem) e com uma manutenção mais cuidadosa do patrimônio existente de infra-estruturas, equipamentos e parque imobiliário, uma maneira de prorrogar a sua vida útil, e reduzir, desta forma, a demanda pelo capital de reposição. Em ambos os casos, trata-se de fatores que contribuem ao crescimento sem exigir vultosos investimentos.

Finalmente, destacam-se os já mencionados serviços que atuam diretamente sobre o bem-estar das populações. A sua importância deve-se ao fato de estes serviços permitirem a efetivação de direitos humanos fundamentais."

Waldir Quadros

Economista (Unicamp)

"RETO E DIRETO: a pré-condição absoluta para se enfrentar efetivamente a problemática do desemprego assustador e da letargia na geração de novas oportunidades, é a retomada do crescimento econômico sustentado.

Tudo o mais é secundário! As inúmeras medidas compensatórias e focalizadas de "geração de emprego e renda" e congêneres, há muito já se revelou totalmente impotente diante da gravidade do problema. Por outro lado, se é verdade que o desenvolvimento econômico, por si só, não garante o pleno emprego ou resolve satisfatoriamente a questão social; é ele que propicia os meios indispensáveis para a ação "extraeconômica" do Estado e da sociedade, quando eles decidem trilhar este caminho. Inclusive no que se refere às medidas emergenciais que necessariamente devem acompanhar a retomada para se equacionar o enorme "passivo social"."

Clélio Campolina Diniz

Economista (UFMG)

"A MELHOR alternativa para gerar emprego no Brasil, em número significativo, é um amplo programa de construção civil, especialmente habitacão e saneamento. Essa atividade tem grande impacto sobre a demanda de mão-de-obra não-qualificada e um forte efeito multiplicador sobre os setores produtores de insumos para construção e demanda de bens não-duráveis de consumo pelo efeito renda. Dessa forma, é a atividade com maior efeito multiplicador de emprego. Por outro lado, ela não tem implicações diretas sobre o Balanço de Pagamentos, pois independe de bens importados. A grande dificuldade está relacionada com a força da especulação imobiliária, o que poderia drenar parcela dos recursos destinados ao setor por atividades especulativas e concentradoras. Essa é a razão pela qual penso que a reforma urbana é prioritária à reforma agrária."

Márcio Pochmann

Economista (Unicamp)

"NO BRASIL, a geração de empregos é um problema tanto de quantidade como de qualidade. Durante os anos de 1990, a expansão do nível ocupacional ocorreu num ritmo bastante inferior ao aumento da oferta de mão-de-obra. Enquanto a força de trabalho cresceu cerca de 1,7% ao ano nessa década (bem menos do que nos anos anteriores), o nível ocupacional ampliou-se em menos de 1%, gerando um enorme excedente de mão-de-obra.

Para reduzir o desemprego rapidamente, o nível ocupacional teria que se ampliar duas vezes mais rápido do que a expansão da força de trabalho. Além disso, deve-se gerar bons empregos, com salários maiores e em atividades mais nobres. A maior abertura de vagas na década de 1990 ocorreu no trabalho doméstico. Deve-se agregar mais valor na indústria, nos serviços e na agricultura para permitir mais empregos aos trabalhadores com ensino médio e curso superior, que sofreram as maiores elevações na taxa de desemprego.

Quanto às medidas para se criar mais e melhores empregos – ainda que não seja uma tarefa simples e imediata – não há como fugir de três instrumentos básicos: 1) aumentar a taxa anual de crescimento econômico para cerca de 5%, ampliando assim o investimento e o consumo; 2) promover políticas de distribuição de renda que liberem recursos para os mais pobres (reforma tributária progressiva, reforma agrária, aumento do salário-mínimo, expansão dos programas de microcrédito e disseminação dos programas de transferência de renda), com aumento do gasto público em infra-estrutura e nos chamados serviços sociais, como saúde e educação, altamente empregadores, além de melhorarem as condições de vida; 3) redução da jornada de trabalho, sobretudo das horas extras.

Vale dizer ainda que as propostas de geração de empregos que defendem a redução do custo do trabalho pecam por dois lados. Primeiro, por utilizarem esquemas importados que não deram certo nos países de origem. Segundo, ao não contarem com base empírica, uma vez que nos anos de 1990 o desemprego cresceu de forma paralela com a redução da renda do trabalho."

Sergio Besserman

Economista (Instituto Pereira Passos -RJ)

"A PERGUNTA é extremamente oportuna. Anuncia-se um crescimento de 3,5% do PIB em 2004 que, a meu ver, não será difícil de ser obtido se considerada a base de três anos seguidos de desempenho medíocre da economia. O que não é assegurado é que as taxas de crescimento do emprego acompanhem a perfomance do PIB. De fato, no passado recente do México e da Argentina, em situações comparáveis, verificou-se uma significativa alteração na elasticidade emprego/produto.

Se a hipótese vier a ser confirmada, isso significa que, mesmo em um contexto conjuntural, e, mais ainda, em um horizonte de prazo mais longo, a pergunta formulada pela revista não deve ser respondida apenas com sugestões de política econômica voltadas para maximizar o crescimento da economia. Seriam precisas sugestões de políticas públicas voltadas para: a) atenuar os efeitos sobre o emprego nos momentos adversos do ciclo econômico e b) atuar sobre a composição da taxa de investimento de modo a gerar uma dinâmica econômica mais favorável à geração de emprego.

Como política contraciclíca, creio que vale a pena examinar a hipótese de ampliar e aprofundar a experiência das frentes de trabalho nos períodos de seca no Nordeste. A PNAD/IBGE registra, nesses anos, um aumento da renda monetária na região. Ainda que parte desse aumento derive da transformação de renda não-monetária não captada pela pesquisa (produção de auto-subsistência) em renda monetária, o resultado sugere a conveniência de estudar a criação de frentes de trabalho urbanas voltadas para projetos intensivos em mão-de-obra como, de modo geral, são as obras em infra-estrutura. A proximidade logística das Prefeituras e o suporte financeiro e monitoramento gerencial da União poderiam gerar resultados surpreendentes.

Com relação à dinâmica dos investimentos a sugestão mais concreta é resolver o impasse legal entre Estados e Municípios, que tem paralisado as concessões dos serviços de saneamento viabilizando dessa forma uma win-win policy: investimentos privados no setor mais intensivo em mão-de-obra segundo estudos do BNDES e o avanço na oferta de serviços de saneamento com forte impacto na saúde da população e na qualidade de vida urbana. Os indicadores relativos ao saneamento foram os que tiveram melhoria mais lenta na última década."

Luiz Marinho

Presidente da CUT

"AS CENTRAIS SINDICAIS (CUT, CAT, CGT, CGTB e Força Sindical) manifestaram, por meio de documento assinado em conjunto, preocupação com o atual momento da economia brasileira, o desemprego, a redução do consumo e o crescimento das tensões sociais. Nesse documento, que foi entregue ao Presidente da República, consta diagnóstico e propostas de consenso para a retomada do crescimento econômico. Nele, sugerimos a implementação de medidas, que podem contribuir para a geração de empregos no país. Entre elas:

1) FMI: Rejeição de qualquer acordo com o FMI que imponha restrições ao desenvolvimento econômico e que limite os investimentos na área social.

2) Juros: a) fixação pelo Copom de metas semestrais de redução da taxa de juros até o final de 2004; b) oferta de taxas de juros menores para os pagadores com histórico bancário positivo, sem que isto seja compensado pelo aumento das taxas para as pessoas com problemas em seu histórico de pagamento.

3) Produção: a) nos fóruns de competitividade, estimular "contratos setoriais tripartites de emergência", que incluam facilitações de crédito e reduções de tributos, com contrapartidas em metas quantitativas de produção/exportação/emprego e compromissos de manutenção da arrecadação em cada setor de atividade; b) disponibilizar programas de crédito e assistência técnica à agricultura, em especial os destinados aos pequenos negócios e cooperativas; c) programa de estímulo ao turismo; d) ampliação imediata dos gastos em infra-estrutura; e) eliminação de tributos sobre as exportações.

4) Investimento e consumo: a) desoneração dos investimentos, por meio de mecanismos de compensação no imposto de renda e de isenção do imposto sobre produtos industrializados na compra de máquinas e equipamentos; b) alteração, por doze meses, da lei que regula o FGTS, para estimular a atividade produtiva, a partir do incentivo à construção civil. Esta alteração abarcaria: o direito de utilização em até 50% do saldo individual do FGTS, limitado em até vinte salários-mínimos, para a compra de material de construção destinado à construção de residência nova ou de reforma da moradia; o direito de saque em percentual a ser definido do saldo individual do FGTS, para os trabalhadores que quiserem adquirir um segundo imóvel e que já sacaram de suas contas para a compra do primeiro imóvel; criação e implementação de programa para a construção de 1 milhão de novas moradias populares; c) empréstimo ao trabalhador lastreado na conta individual do FGTS, permitindo-se ao sistema financeiro realizar empréstimos diretos, limitados até dez salários-mínimos, com taxa de juros reduzida e prazo de pagamento em até 24 meses, a partir do bloqueio temporário da própria conta do FGTS do trabalhador. Neste caso, avaliar-se-á os níveis adequados de multa para evitar níveis de inadimplência indesejados.

5) Emprego: a) estabelecimento de metas semestrais para a expansão do emprego (1,25 milhão de postos de trabalho por semestre e 2,9 milhão até o final de 2004); b) ampliação imediata de vagas em concursos públicos nos níveis federal, estadual e municipal; c) redução constitucional da jornada de trabalho; d) frentes de trabalho rurais e urbanas; e) aprimoramento e ampliação dos programas de qualificação profissional; f) aceleração da reforma agrária, associando-a a uma política agrícola que estimule a realização de parcerias para a geração de emprego no meio rural.

6) Renda e tributação: a) política de aumentos reais do salário-mínimo, que deve combinar reajustes semestrais acima da inflação e redução relativa dos preços dos itens de maior peso no custo de vida dos trabalhadores de menor renda; b) recomposição de perdas salariais pelo INPC do período; c) participação nos lucros e resultados por setor; sem prejuízo das negociações desenvolvidas em termos das empresas e plantas industriais; d) estabelecimento, no âmbito do CDES, de metas e campanhas para a redução da sonegação. Isto incrementará a arrecadação, o que resultará, por acordo, em uma queda da carga tributária."

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Fev 2004
  • Data do Fascículo
    Dez 2003
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