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Hélio Bicudo: a Justiça piorou no Brasil

REFORMA DA JUSTIÇA

Hélio Bicudo: a Justiça piorou no Brasil

Entrevista

HÉLIO BICUDO, vice-prefeito de São Paulo, destacou-se pela sua participação, durante longos anos, como um dos membros da Pontifícia Comissão de Justiça e Paz, defendendo aqueles que eram perseguidos pelo regime militar. Nessa atividade, sua preocupação principal era a de encontrar soluções práticas e concretas para as questões que afligiam os brasileiros que enfrentavam dificuldades em recorrer à Justiça, a fim de postularem seus direitos. É bem conhecida, por exemplo, sua luta – como membro do Ministério Público e como jornalista – contra o Esquadrão da Morte.

O depoimento de Hélio Bicudo foi colhido por estudos avançados no dia 12 de maio. Cabe destacar ainda a participação, nesta entrevista, do advogado Luís Francisco Carvalho Filho, que milita na imprensa e se dedica especialmente a questões relacionadas à Justiça. (Marco Antônio Coelho)

Um problema básico – descentralizar a Justiça

Luís Francisco Carvalho Filho – Hélio Bicudo, em sua opinião, como devem ser resolvidos os problemas do acesso à Justiça brasileira e de sua eficiência?

Hélio Bicudo – O problema do acesso à Justiça é uma questão fundamental quando se deseja promover uma reforma do Poder Judiciário. É importante salientar que essa é uma reforma que não necessita de alterações no texto constitucional. Acredito que os próprios Poderes Judiciários dos Estados poderiam adotar determinadas medidas, até mesmo administrativas, para diminuir a distância entre o cidadão e o juiz. Penso nisso há muito tempo. Quando trabalhei com o governador Carvalho Pinto, de 1959 a 1962, conseguimos sensibilizar o Tribunal de Justiça de São Paulo para a realização de uma reforma mais ou menos desse tipo. O que acontece hoje – e que acontecia naquela época – é que o Poder Judiciário está localizado na região central da cidade. É o caso, por exemplo, do Fórum Criminal, que tem cerca de sessenta Varas criminais. Para se ouvir uma testemunha que, por exemplo, mora em Parelheiros, temos de trazê-la até o Centro, o que é um problema complicado.

Além disso, temos a maneira pela qual se desenvolve o processo. Por exemplo, o juiz que recebe a denúncia não é o mesmo que interroga, não é o mesmo que ouve as testemunhas, não é o que examina a prova. No final, é um quarto ou um quinto juiz que decide, a partir de um documento inserido no papelório.

Sempre acreditei que, para diminuir a distância entre o juiz e o cidadão, é preciso descentralizar o Poder Judiciário. Ora, se em São Paulo há cerca de cem delegacias policiais distritais, por que não se pode ter também 250 ou trezentos juizados?

Marco Antônio Coelho – Vi recentemente, na televisão, uma experiência do Pará onde os juízes se deslocam até as localidades distantes, nas margens dos rios. O senhor concorda com os tribunais itinerantes?

Hélio Bicudo – Esse era o procedimento nos tempos do Brasil colônia. Isso vem ao encontro justamente do que eu falava sobre a descentralização. É claro que não tem a mesma virtude do juiz da localidade, fixado na cidade. Mas são válidos os juizados itinerantes, pois possibilitam a resolução dos problemas mais emergentes daquelas cidades da Amazônia.

Luís Francisco Carvalho Filho – Mas, neste caso, não se esbarra no problema dos investimentos? O quanto dessa melhoria depende de reforma ou de investimento público?

Hélio Bicudo – Acredito que dependa, sim, de investimentos públicos, mas se não começar a trabalhar nesse sentido nunca acontecerá essa mudança. No tempo de Carvalho Pinto, a idéia era criar cinqüenta Varas em São Paulo – o que naquela época era uma coisa expressiva.

Lembro-me quando fui promotor público na 1ª Vara Criminal de São Paulo, por volta de 1955. Naquela época, recebemos uma carta rogatória do 356º Distrito Judicial de Berlim Ocidental; ou seja, uma cidade com mais ou menos dois milhões de habitantes possuía mais de trezentas Varas Criminais. Assim, descentralizando a Justiça, todos têm acesso imediato a ela; o juiz conhece o jurisdicionado e pode decidir não somente a partir do que o processo diz, mas também a partir daquilo que ele conhece das pessoas daquela região.

Aqui no Brasil é obrigatório que o juiz e o promotor morem na comarca, mas isso não acontece. Quais juízes de Guarulhos moram em Guarulhos ou em outras cidades perto de centros urbanos maiores? Tive essa experiência em residir nas comarcas pelas quais era responsável. Então, nelas, você conhece a todos e é conhecido pela gente do lugar. As decisões das pequenas comarcas são mais condizentes com a Justiça, pois julgam a realidade e as pessoas e não apenas as normas do Direito Positivo.

A Justiça em São Paulo está adotando mandados de busca e apreensão coletivos. É um absurdo. A polícia militar vai até um juiz e pede essas medidas para entrar em favelas; chegando lá, os soldados metem o pé na porta, bagunçam tudo, maltratam as pessoas – e tudo com permissão do Judiciário. Gostaria de saber se algum juiz ousaria determinar a busca e apreensão num prédio de apartamentos dos Jardins.

As penalidades devem ser agravadas?

Luís Francisco Carvalho Filho – Como o sr. vê a tendência na sociedade de um endurecimento maior das penalidades?

Hélio Bicudo – Mostra a falta de atuação do juiz penal que não julga as pessoas; é uma desumanização do processo penal. Se o juiz conhece o réu, a medida que tomará é muito diferente da que tomaria a partir apenas da leitura dos autos. Hoje, segue-se o lema de "fez, cadeia!". Em São Paulo, temos uma população carcerária de mais de 150 mil pessoas e, se forem cumprir os mandados de prisão que estão por aí, chegaremos a mais do dobro desse número. Isso é um absurdo para um Estado como São Paulo, pois os juízes, levados por essa mentalidade de que bandido deve ir para a cadeia e se não for para a cadeia deve ir para o caixão, não fazem uso de uma faculdade que possuem – a pena alternativa. Raramente temos em São Paulo, e mesmo no Brasil, o uso de penas alternativas – a não ser quando se trata da classe média alta. Para o povão, é cadeia.

Luís Francisco Carvalho Filho – O endurecimento penal hoje atinge setores da sociedade que antes se aliavam à defesa dos direitos humanos. Como o sr. encara o pensamento de esquerda aderindo a essa intolerância? Poderia citar o exemplo do candidato do PT ao governo de São Paulo, que se apropriou de uma palavra-de-ordem que era do Maluf, dizendo que iria botar a Rota na rua. Como o sr. vê isso?

Hélio Bicudo – Penso que essas manifestações são mais eleitoreiras do que realmente representativas do pensamento dessas pessoas. Resultam do forte apelo popular em favor da violência policial. Não acredito que o José Genoíno e nem a esquerda estejam assumindo esse papel do endurecimento.

O discurso dos direitos humanos perde espaço?

Luís Francisco Carvalho Filho – Mas, vejamos o caso da defesa que é feita da introdução da pena da prisão perpétua, por exemplo. Temos no Brasil o grave problema da exclusão social, que não se resolve da noite para o dia. E o Estado necessita de instrumentos de contenção dessa violência que aí está. O que fazer? Penso que o discurso em favor dos direitos humanos começa a perder espaço. O que o sr. acha?

Hélio Bicudo – Perde espaço porque aumenta o número de pessoas mais conservadoras que desejam poupar-se de ver o que está acontecendo do lado de lá. Não é uma questão da esquerda. É um erro essa caracterização de alguns crimes como hediondos e outros não, pois todos os crimes são hediondos. Essa caracterização não procede e torna o Código Penal subjetivo – o que, por definição, não deveria acontecer. Os direitos humanos estão sendo afetados por esse tipo de pensamento proveniente mais da classe média alta, pois ela acredita que a violência deve ser combatida com maior violência e com a segregação dos que praticam delitos. Ou seja, não se busca adotar políticas sociais que combatam a violência, como, por exemplo, medidas que ampliem empregos, saúde, educação e lazer. A crítica concentra-se na violência popular e não na violência do Estado, que é bem maior, pois a polícia é responsável por mais vítimas do que a violência popular.

A polêmica da súmula vinculante

Marco Antônio Coelho – O que o sr. pensa sobre a agilização dos procedimentos judiciais com a introdução da súmula vinculante?

Hélio Bicudo – Sou contra a súmula vinculante porque penso que as súmulas devem existir como uma orientação para o Poder Judiciário, mas não devem ser impostas obrigatoriamente aos juízes. Quem faz o direito não é o Poder Legislativo, é o juiz com seu poder criativo, com sua vivência, com sua experiência, é ele quem vai aplicar essa lei. Uma lei é para ajudar as pessoas.

Por isso não pode ter uma leitura direcionada. A meu ver é isso que acontece com a súmula, porque engessa o Poder Judiciário. Nesse caso, não seria necessário o recrutamento de mais juízes, precisaríamos apenas de mais computadores. De acordo com o caso, se apertaria um botão. O problema da Justiça não está naqueles que a distribuem, mais sim naqueles que a recebem. A súmula vinculante aparece como proposta para resolver um problema dos tribunais, que é o da sedimentação de decisões, como, por exemplo, a constitucionalidade de um tributo, que provoca a ocorrência de milhares de processos, a maioria causados pelo próprio Poder Público, que acaba por inviabilizar o funcionamento dos tribunais. Talvez a súmula não seja a solução para o problema, mas ele existe. Ou seja, a eternização dos conflitos. Ainda não estamos discutindo, por exemplo, o plano Bresser?

Precisamos confiar no bom senso dos juízes. A súmula vinculante não é proposta para resolver problemas jurídicos, mas sim para acelerar a tramitação dos processos, seja ele qual for. Portanto, quando se trata de uma norma jurídica em discussão, acredito que possamos dar um valor maior às decisão do Supremo nesse sentido. Há decisões do Supremo Tribunal harmônicas sobre um determinado problema jurídico. Contudo, quando se trata de interesses que vão muito além da questão jurídica, quando são interesses de pessoas, não podemos vincular um juiz à decisão do Supremo Tribunal Federal, já que este não tem nada a ver com as partes peticionando em juízo.

O controle externo do Judiciário

Marco Antônio Coelho – Qual sua opinião sobre o controle externo do Judiciário?

Hélio Bicudo – Não me oponho ao controle externo do Judiciário, mas sou contrário à criação de um órgão para fazer esse controle. Isto porque será um órgão burocrático e também porque, se há problemas de desmandos no Poder Judiciário, nada impede que nesse órgão aconteça o mesmo. Seremos obrigados, então, a criar outro órgão para fiscalizar o recém-criado? É por isso que acredito que a descentralização resolverá o problema do Judiciário, já que a população estará por perto e saberá o que está acontecendo. Existem o Ministério Público, os advogados, os órgãos da sociedade civil para interferirem a fim de que os maus juízes sejam afastados.

Marco Antônio Coelho – O sr. ficou muito prestigiado numa época extremamente difícil, quando daquela luta contra o crime organizado em São Paulo, o Esquadrão da Morte. Como a Justiça em São Paulo reagiu à campanha incessante que o sr. realizou como promotor?

Hélio Bicudo – Essa luta para punir aquelas pessoas do Esquadrão da Morte começou com a tomada de posição e com uma advertência do então presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, o desembargador Cantidiano Garcia de Almeida, em 1969. Eu já havia feito uma representação ao Ministério Público sobre o mesmo problema. Somada essa providência ao alerta feito por ele, houve a organização de um pequeno grupo de trabalho, dentro do Ministério Público, para realizar a investigação. A lição que tiramos é a de que o Ministério Público pode e deve investigar, porque está muito menos comprometido com a corrupção do que a polícia. É verdade que o Poder Judiciário foi muito magnânimo na apreciação do caso, já que estávamos numa época muito complicada, a ditadura militar.

O principal ator nessa questão do Esquadrão da Morte era o delegado Fleury, que praticamente já havia saído da polícia estadual, pois fora levado para a polícia política. Ele era considerado, pelo governo, o símbolo da luta contra a chamada subversão. Na época, conseguimos a prisão preventiva dele, porque, naquele tempo, o Código de Processo Penal determinava que uma vez pronunciado por crime de homicídio, o réu era recolhido à prisão para aguardar preso o julgamento. Mas, quando ele foi preso, o governo, obviamente interessado, fez passar uma lei dizendo que apenas os criminosos reincidentes ficassem presos. E como ele era tecnicamente primário, uma vez que não havia sido condenado ainda, foi liberado.

Luís Francisco Carvalho Filho – Aí está um fato curioso. A lei Fleury, que é uma lei liberal, foi feita para proteger o principal acusado do Esquadrão da Morte...

Hélio Bicudo – Lembro-me até de um episódio interessante. Quando José Sarney assumiu a presidência da República, criou um chamado mutirão contra a violência. Então, chamou a Comissão de Justiça e Paz de São Paulo para uma conversa no Palácio do Planalto. Naquele encontro, Sarney começou falando mal da lei Fleury, mas aí eu disse que essa lei só tinha de mau o nome. Porque é uma lei boa, uma vez que o réu primário não deve se sujeitar a uma prisão provisória antes de seu julgamento. Isso é contra qualquer princípio do Direito Processual. Guardando as perspectivas do período em que vivíamos, o Poder Judiciário teve um bom comportamento no caso do Esquadrão da Morte. Quer dizer, nenhum delegado foi preso e o Fleury não chegou a ser julgado. (Na minha visão, ele foi assassinado.) Foram condenados apenas poucos investigadores. A luta valeu porque mostrou até que ponto a violência do Estado não é punida no Brasil.

A impunidade dos policiais militares

Mas há uma questão sobre a qual desejo falar: a da Justiça Militar Estadual, que é uma justiça corporativa. O índice de impunidade na Justiça Militar Estadual é muito elevado, o que termina por alimentar a violência da própria polícia. A duras penas conseguimos aprovar no Congresso uma lei que determina que os crimes dolosos contra a vida, praticados contra civis por policiais militares, nas suas atividades de policiamento, sejam julgados na Justiça comum. Isso implica que os processos devem correr perante um juiz comum, que, ao pronunciar o réu, envia-o a julgamento pelo Tribunal do Júri. E havendo acentuados indícios de que aquela pessoa é o autor do crime, o processo é julgado pelo Tribunal do Júri. Tivemos, aqui em São Paulo, o episódio da "favela naval" quando foram condenados os policiais responsáveis por aqueles crimes. E houve o caso do massacre do Carandiru. Antes não poderíamos sequer pensar que um coronel da Polícia Militar fosse condenado a seiscentos anos de prisão! Ainda que seja um passo pequeno, nessa questão da impunidade dos policiais militares, foi importante a ampliação da competência da Justiça comum para julgar os crimes de homicídio cometidos contra civis por policiais militares.

Contudo, recentemente, foi aprovado no Senado Federal um projeto, que agora está sendo examinado na Câmara dos Deputados – que praticamente revoga essa lei, pois diz que os crimes praticados por policiais militares apenas serão submetidos aos tribunais do júri. Mas que todo processamento (a pronúncia ou não) será feito na Justiça Militar Estadual.

Luís Francisco Carvalho Filho – Nas discussões sobre o possível envolvimento das Forças Armadas no combate à violência no Rio de Janeiro, o atual ministro da Defesa sustentou que uma condição essencial para essa participação das forças armadas seja que os militares que praticarem abusos sejam julgados pelos tribunais militares. Isso não é um retrocesso?

Hélio Bicudo – Além de ser um retrocesso é algo que me surpreende muito. Isso porque sou muito amigo do Ministro da Defesa, José Viegas. E quando da Conferência Mundial dos Direitos Humanos, patrocinada pela ONU, em Viena, em 1993, eu e Viegas sustentamos que a Justiça Penal Militar das corporações policiais não deveria ser mantida a não ser naquilo que se referia a questões disciplinares. Talvez, expressando o pensamento das Forças Armadas, ele queira preservar a Justiça Militar Federal, contra a qual não temos objeções, inclusive por manifestações de muitos de seus juízes durante a ditadura militar.

A atuação do Ministério Público

Marco Antônio Coelho – Com a Constituição de 1988, o Ministério Público teve uma ampliação de seus poderes. Hoje, algumas vozes acusam abusos de representantes do Ministério Público. E, nesse sentido, propõe-se um retrocesso. Como o sr. vê o comportamento atual do Ministério Público?

Hélio Bicudo – É uma questão que talvez não deva ser encarada sob a ótica puramente constitucional. Se o Ministério Público atuar do ponto de vista simplesmente constitucional será ótimo; mas, por razões políticas do passado, houve um enfraquecimento muito grande da figura do Procurador-Geral da Justiça. Hoje, há as figuras do "promotor natural" e do "juiz natural" que são quase inatingíveis. Se eles mandam arquivar um processo, ele será arquivado.

A solução para essa anomalia pode ser a mesma sobre a qual falei antes, a propósito do controle externo do Judiciário. Ou seja, o controle do Ministério Público pelo juiz, pela sociedade civil, pelos advogados e, é claro, a descentralização da Justiça, para que a população possa conhecer e cobrar a atuação do Ministério Público.

Gostaria de acrescentar uma questão sobre o Procurador-Geral. Esse hoje é autônomo, não está mais vinculado ao governo do Estado. Tem até um mandato, o que lhe dá uma grande autonomia para atuar. Por isso, diante de certos fatos graves, o Procurador–Geral deveria poder destituir um promotor, assumir o procedimento e levar o caso ao Conselho do Ministério Público.

Luís Francisco Carvalho Filho – Quando nos referimos a uma cobrança externa, não penso numa interferência direta, mas numa prestação de contas. Por exemplo, quando vemos o monumental prédio, um palácio construído em Brasília pelo Ministério Público, dá até tristeza. Penso na necessidade de mecanismos de controle que obriguem essas instituições a prestarem contas à Nação.

Hélio Bicudo – Para isso existem os Tribunais de Contas, mas eles devem funcionar. Fui membro do Ministério Público, mas me envergonho quando vou a Brasília e vejo o Palácio que hoje abriga o Ministério Público Federal. O problema do Brasil é que os instrumentos não funcionam. Assim, não adianta criar novos instrumentos.

Luís Francisco Carvalho Filho – Dentro dessa relação entre ficção e Direito, como o sr. vê os tribunais de júri, como representantes de uma justiça feita pelos seus iguais? Merecem permanecer, diminuir, ou ter maiores atribuições do que as que hoje dispõem?

Hélio Bicudo – Sou favorável, sim, ao tribunal do júri. À medida que a sociedade civil vai tomando consciência dos direitos e das obrigações que tem, o tribunal do júri vai funcionando. Esse é o exemplo que temos em São Paulo. A condenação de um coronel da PM por júri popular mostra uma alteração na mentalidade das pessoas que compõem a sociedade em geral.

Luís Francisco Carvalho Filho – Mas, e se invertermos a situação? Um homem negro, pobre, acusado de qualquer coisa é levado ao tribunal do júri. Ele não é condenado quase automaticamente?

Hélio Bicudo – Penso que acontece justamente o contrário. Por um juiz, ele será condenado automaticamente. E tenho minhas dúvidas se ele seria condenado por um júri popular.

A Justiça piorou no país

Luís Francisco Carvalho Filho – O sr. militou como promotor público durante a ditadura. Como o sr. compara a Justiça daquela época com a da atualidade? Há uma evolução?

Hélio Bicudo – Há uma involução. Hoje, a Justiça é mais imperfeita e demorada do que era há vinte ou trinta anos. Isso porque não se tomou medida alguma para que ela se tornasse mais ágil. Em São Paulo, por exemplo, em vez de se ampliar o número dos tribunais no interior, aumentou exageradamente o número de juízes do Tribunal de Justiça. Neste, há quarenta anos havia 36 juízes com assento nesse Tribunal. Hoje, são mais de cem. Agora, um processo para ser distribuído no Tribunal de Justiça demora quatro anos. Enfim, a Justiça não acompanhou o ritmo de crescimento do Estado. Isso não só em São Paulo, mas no Brasil inteiro.

Luís Francisco Carvalho Filho – O sr. acha que os juízes ganham bem? Será que eles deveriam ganhar mais?

Hélio Bicudo – Acredito que o juiz deva ganhar muito bem para que ele não tenha outra preocupação que não a da Justiça. Ele não deve ter problemas financeiros que interfiram em sua atuação. Na Inglaterra, por exemplo, o juiz de Direito não tem um salário, mas uma conta aberta com um certo limite – se passar desse limite, ele dá uma explicação e pronto.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Ago 2008
  • Data do Fascículo
    Ago 2004
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