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Alfabetização visual de jovens imigrantes brasileiros nos EUA

Resumos

ESTE ARTIGO enfoca o uso da alfabetização visual como ferramenta para discutir a questão da imigração com jovens brasileiros não-documentados, moradores na região de Boston, Estados Unidos. Por meio do projeto "Identidades: rupturas & permanências", desenvolvido na Universidade de Harvard, os alunos expressaram por fotografias a atual situação em que se encontram.

Fotografia; Alfabetização visual; Jovem; Imigrantes brasileiros; Educação; Imagem


THIS ARTICLE focuses on the use of visual literacy as a tool to analyse the question of immigration with young undocumented Brazilians, living in the Boston area of the United States. In the project "Identities: Ruptures & Permanence", developed in the University of Harvard, they expressed their current situation through the use of Photographs.

Photography; Visual literacy; Youth; Brazilian immigrants; Education; Image


DOSSIÊ MIGRAÇÃO

Alfabetização visual de jovens imigrantes brasileiros nos EUA

João Kulcsár

RESUMO

ESTE ARTIGO enfoca o uso da alfabetização visual como ferramenta para discutir a questão da imigração com jovens brasileiros não-documentados, moradores na região de Boston, Estados Unidos. Por meio do projeto "Identidades: rupturas & permanências", desenvolvido na Universidade de Harvard, os alunos expressaram por fotografias a atual situação em que se encontram.

Palavras-chave: Fotografia, Alfabetização visual, Jovem, Imigrantes brasileiros, Educação, Imagem.

ABSTRACT

THIS ARTICLE focuses on the use of visual literacy as a tool to analyse the question of immigration with young undocumented Brazilians, living in the Boston area of the United States. In the project "Identities: Ruptures & Permanence", developed in the University of Harvard, they expressed their current situation through the use of Photographs.

keywords: Photography, Visual literacy, Youth, Brazilian immigrants, Education, Image.

A cultura visual

Ours is a visual age. We are bombarded with pictures from morning till night.

(Gombrich, 1982)

A INFLUÊNCIA DA COMUNICAÇÃO no século XXI, geralmente chamado de "civilização da imagem", continua a crescer, porque vivemos num tempo em que grande parte da informação que recebemos vem pelo imagético: "É senso comum na crítica contemporânea que as imagens têm poder no mundo" (Mitchell, 1994). Essa situação tem mudado o modo como os jovens se expressam, como eles se comunicam entre si e como percebem o mundo. Dessa forma, é fundamental capacitá-los a criarem suas próprias mensagens midiáticas e torná-los leitores críticos, e conseqüentemente alfabetizá-los visualmente. Alfabetização visual pode ser entendida como a habilidade de as pessoas com-preenderem um sistema de representação visual, associada com a capacidade de se expressar por meio dele (Curtis, 1987; Donis, 1991).

Todo dia recebemos e consumimos centenas de imagens pela imprensa, pela TV, pelo vídeo e pelos anúncios. Grande parte delas é reproduzida fotograficamente, nos envolve e é parte do nosso dia-a-dia: "Nós precisamos enfatizar o papel da alfabetização visual no mundo moderno. A maioria da comunicação vem visualmente" (Moles, 1990).

A alfabetização visual

A proposta desse projeto foi discutir a identidade dos jovens brasileiros não-documentados nos Estados Unidos, usando a alfabetização visual como ferramenta, por meio da criação de imagens fotográficas (alunos como produtores) e análise crítica da mídia (alunos como consumidores).

A fotografia permitiu aos alunos uma ativa participação para analisar imagens, possibilitando assim reduzir a diferença entre o sistema de comunicação de massa que produz a maioria das imagens e o espectador que as consome.

O material imagético (fotografias, slides, livros e vídeos) usado no projeto foi relacionado a temas familiares aos participantes, pois, segundo Paulo Freire (1985), "quando os alunos lêem imagens relacionadas com o seu cotidiano, eles podem desenvolver imaginação e criar discussões, críticas e alfabetização com a consciência crítica".

As imagens utilizadas foram de fotógrafos americanos, como Walker Evans, Lewis Hine, Jacob Riis, Dorothea Lange, e do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, cujos trabalhos focam a questão de imigração.

O curso

Durante outubro de 2002 e maio de 2003, em Cambridge, Massachusetts, o projeto fotográfico intitulado "Identidades: rupturas e permanências"1 1 Título da exposição apresentada na Universidade de Harvard, primeiramente no David Rockefeller Center for Latin American Studies de 8 a 15 de abril, e depois na Graduate School of Education, de 17 de abril a 10 de maio de 2003, com a curadoria de João Kulcsár. foi desenvolvido com dez adolescentes brasileiros (cinco do sexo feminino e cinco do sexo masculino) na Massachusetts Alliance of Portuguese Speakers (MAPS), com patrocínio da Universidade de Harvard, por intermédio do David Rockefeller Center for Latin American Studies e o Departament of Romance Languages & Literatures. O projeto começou como workshop e tornou-se um curso em razão do interesse dos alunos, da MAPS e da Universidade. Por sete meses, os alunos tiveram a oportunidade de desenvolver a alfabetização visual por meio das aulas de fotografia. Eles utilizaram câmeras de 35 mm, com foco fixo e flash embutido, e dois filmes de 24 poses com revelação e ampliação comercial cada um.

Os alunos Bruna Moraes, Sheila Costa, Talyta Morais, Miguel Santana, Polyanne Veloso, Fabrício Dias, Jair Andrade, Rafael Santana, Gabi Andrade e Caroline Cafer produziram imagens para expressar seus pensamentos e sentimentos sobre a situação de imigrantes não-documentados.

Durante o curso, foram criadas situações para discutir sobre os seguintes temas: aspirações futuras, imigração, formação de identidade, auto-retrato, diversidade cultural, rupturas, amizade, ilegalidade, mídia, manipulação de imagens, permanências, relações familiares e democracia. Além desses, outros temas surgiram pelos próprios jovens, como: discriminação, liberdade, igualdade, readaptação na comunidade e nas escolas, processo de transição, incorporação, raça, genética, consumo, tradição, representação, cultura nacional, futebol, estereótipos e símbolos nacionais como a bandeira.

O projeto foi desenvolvido com os objetivos de: aprender como ler e produzir imagens; produzir fotografias que explorem maneiras de representar a família, os próprios alunos e seu cotidiano como imigrante; compreender como mensagens visuais são geradas, consumidas e interpretadas; envolver os alunos numa atividade em que eles pudessem explorar e desenvolver idéias e opiniões de um grupo social em conflito e suas causas.

"Êxodos" de Sebastião Salgado

Fez parte do curso uma visita monitorada à exposição de Sebastião Salgado, "Êxodos". A mostra estava em Portland, Maine, a 250 quilômetros de Boston. O projeto "Êxodos" discute a questão sobre os refugiados e imigrantes em 39 países, e foi produzida durante sete anos. Salgado (2000) diz: "Espero que tanto como indivíduos, grupos ou uma sociedade, façamos uma pausa para pensar na condição humana na virada do milênio. Na sua forma mais brutal, o individualismo continua sendo uma fórmula para catástrofes. É preciso repensar a forma como coexistimos no mundo".

Exposição no David Rockefeller Center

Os alunos tiveram, pela primeira vez, a oportunidade de participar da exposição, e o fizeram com grande entusiasmo. A mostra foi apresentada no David Rockefeller Center for Latin American Studies no dia 8 de abril, na abertura oficial e coquetel da Primeira Semana do Brasil na Harvard, cuja idéia foi discutir e celebrar as experiências dos imigrantes brasileiros na região da New England.

Foram expostas vinte fotografias coloridas, duas de cada aluno. Essas imagens não cobriram todos os aspecto do que foi discutido durante o curso, mas servem como amostra do percurso. Um grande número de familiares e da comunidade atendeu ao convite e visitou a exposição.

Esse projeto pode ser entendido como benefício para a comunidade, feito por ela e para ela. A câmera pode dar "voz" aos alunos, para se comunicar com o mundo por um processo coletivo e democrático. O resultado fotográfico revela uma crítica atitude no meio em que o imigrante vive.

A proposta da exposição foi permitir aos alunos observar outros pontos de vista, promover e apresentar as suas imagens, e possibilitar-lhes transformar suas idéia em produtos.

Considerações finais

Durante o curso na MAPS, a fotografia deu oportunidade aos alunos de utilizar um poderoso meio de expressão para discutir o tema imigração. A mídia fotografia propõe um ideal ponto de partida para a alfabetização visual, porque engaja o aluno em sua experiência do cotidiano. Alfabetização visual é uma ferramenta importante na batalha pela conscientização de tudo o que engloba a questão da cidadania, pois um melhor entendimento da mídia no mundo em que ele vive pode facilitar maior e melhor participação na sociedade americana da qual participa. Também permite às pessoas desenvolverem a leitura de imagem. O objetivo é trabalhar para que um dia o desenvolvimento da alfabetização visual esteja ao alcance de todos.

Nota

Recebido em 8.5.2006 e aceito em 25.5.2006.

João Kulcsár é professor do Centro Universitário Senac, mestre em Artes pela Universidade de Kent, Inglaterra, bolsista do The British Council e Fundação Vitae e doutorando em educação pela PUC/SP. Atua em projetos sociais usando a fotografia como ferramenta de alfabetização visual com adolescentes de baixa renda, comunidades e capacitação de professores. @ — joãokulcsar@uol.com.br

  • CURTIS, D. Introduction to Visual Literacy. Engiewood: Cliffs Prentice-Hall, 1987.
  • DONIS, A. Sintaxe da linguagem visual Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
  • FREIRE, P. Education for Critical Consciousness Transl. Donato Macedo. London: Sheed and Ward, 1985.
  • GOMBRICH, E. The Image and the Eye Oxford: Phaidon, 1982.
  • MITCHELL, J. The Reconfigured Eye Visual Truth in the Post-Photographic Era. Cambridge, MA: MIT Press, 1994.
  • MOLES, A. Art and computer London: Vintage Press, 1990.
  • SALGADO, S. Êxodos São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
  • 1
    Título da exposição apresentada na Universidade de Harvard, primeiramente no David Rockefeller Center for Latin American Studies de 8 a 15 de abril, e depois na Graduate School of Education, de 17 de abril a 10 de maio de 2003, com a curadoria de João Kulcsár.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2006

    Histórico

    • Recebido
      08 Maio 2006
    • Aceito
      25 Maio 2006
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