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Avaliação alimentar em Duque de Caxias (RJ)

ALIMENTAÇÃO E EDUCAÇÃO II

Avaliação alimentar em Duque de Caxias (RJ)

Rosana Salles-Costa

RESUMO

O objetivo deste estudo foi avaliar a prevalência de insegurança alimentar (IA), o estado nutricional e o consumo de frutas, verduras e legumes (FVL) entre famílias residentes em Campos Elíseos/Duque de Caxias, Rio de Janeiro. Estudo transversal de base populacional com amostra probabilística de 1.085 domicílios. Foi avaliada a IA (Escala Brasileira de Insegurança Alimentar), medidas antropométricas (peso e altura) e consumo FVL por meio de questionário. Resultados preliminares indicaram prevalência elevada de IA, déficit ponderal e estatural entre as crianças, sobrepeso entre adultos e adolescentes. O custo elevado dos alimentos foi o principal fator para o baixo consumo de FVL. A prevalência elevada de IA sugere um quadro de desigualdade e exclusão social, prejudicando o EN e consumo alimentar das famílias dessa região.

Palavras-chave: Insegurança alimentar, Estudo populacional, Estado nutricional, Consumo de frutas e verduras.

EM CONJUNTO com a professora Rosely Sichieri, do Instituto de Medicina Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), integro a coordenação de um projeto sobre segurança alimentar no município de Duque de Caxias, com financiamento do CNPq e do Instituto Nacional de Câncer (INCa). Além de outros professores do Instituto de Nutrição da UFRJ, atualmente temos como parceiros o Instituto Nacional do Câncer, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence).

Trata-se de um projeto abrangente, que visa alcançar três objetivos principais: primeiro, estimar as taxas de desnutrição e sobrepeso de acordo com faixa etária, sexo e cor de pele; segundo, estabelecer padrões de consumo alimentar por esses mesmos indicadores; e, terceiro, trabalhar com diferentes indicadores do estado nutricional, relacionando-os à questão da segurança alimentar.

O estudo toma como base populacional os domicílios permanentes de Campos Elíseos, segundo distrito do município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, e discrimina quatro faixas etárias: crianças de seis a trinta meses, adolescentes de doze a dezoito anos, adultos e idosos. Por que esse distrito foi escolhido? Aliás, por que Duque de Caxias?

O município está a cerca de quinze minutos do Aeroporto Internacional Tom Jobim e da UFRJ. Faz parte da região metropolitana e, apesar da pequena distância em relação à cidade do Rio de Janeiro, apresenta índices de pobreza extrema. Sua população corresponde a 5,4% da população do Estado. Considerando o município como um todo, a população que vive abaixo da linha de pobreza extrema está em torno de 14%, quase o dobro da média do Rio de Janeiro. Dentro do próprio município há áreas críticas de pobreza, atingindo até cerca de 20% dos habitantes. Campos Elíseos, o distrito escolhido, é considerado o segundo mais pobre da região.

Seguem-se alguns indicadores sociais de Duque de Caxias: cerca de 20% da população não são alfabetizados; 58% dos domicílios apresentam infra-estrutura inadequada; os trabalhadores com vínculo formal estão em torno de apenas 25%; aproximadamente 50% recebem rendimentos acima de três salários mínimos; a população se distribui em estratos etários variados.

Para este estudo, demarcamos uma amostra probabilística por conglomerado em três estratos de seleção. No primeiro momento, trabalhamos com setores censitários da base operacional geográfica de 2000 do IBGE, avaliando os setores pelos critérios de renda e faixa etária, com ênfase na renda. Depois, dentro dessa área, selecionamos 75 setores censitários, e cada setor está trabalhando com uma média de quinze domicílios particulares permanentes. Pretendemos mostrar em torno de 1.125 domicílios. Mantendo esses dois estratos de seleção, a pesquisa focalizará aproximadamente 435 crianças da faixa etária de seis a trinta meses, cerca de 620 adolescentes e 1.400 adultos e idosos.

Quando avaliamos os dados do último censo, foi possível observar que a faixa etária de crianças era muito pequena. Assim, para não correr o risco de trabalhar com um número insuficiente de crianças (e ter de fazer correções na etapa de expansão), realizamos primeiro o screening, que nada mais foi do que um rastreamento dos 75 setores, identificando os domicílios particulares ocupados, e, nesses domicílios, aqueles em que havia crianças de seis a 24 meses e adolescentes. A partir dessa amostra prévia, foi feita então uma nova seleção aleatória, garantindo a representatividade da amostra.

É importante deixar claro que o projeto está em andamento, e que, portanto, essa apresentação traz resultados preliminares. Foi fechada com cerca de um quarto da amostra final, mas ainda assim, mesmo não sendo dados definitivos, já é possível se ter idéia do que encontraremos em Campos Elíseos. A amostra parcial inclui 91 crianças, 147 adolescentes e 283 adultos e idosos.

O questionário elaborado, extenso e em formato de entrevista, baseou-se em questionários já validados no país, com algumas perguntas criadas pela própria equipe. Está sendo aplicado por agentes de saúde e alunos de pós-graduação.

A avaliação do consumo alimentar é feita por meio de recordatório de 24 horas – são dois recordatórios no caso das crianças – e do que chamamos de freqüência de consumo alimentar, para adultos e adolescentes. No caso dos adolescentes, há perguntas que eles mesmos preenchem, sobre percepção corporal, fumo, gravidez, uso de laxantes e outras informações. Há também perguntas sobre medidas antropométricas – peso e estatura/comprimento para crianças e o peso, a estatura e circunferência de cintura e quadril para adultos, adolescentes e idosos.

De forma geral, o questionário recolhe características socioeconômicas, informações sobre participação em programas de alimentação, violência, estresse, segurança alimentar – aspecto elaborado com base no estudo de validação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) –, informações sobre saúde da criança e atividade física. Ele foi pré-testado em duas etapas com os próprios pesquisadores, para uma avaliação da compreensão das perguntas, e depois para a realização de um estudo-piloto no primeiro distrito de Duque de Caxias (não incluído neste estudo). Procuramos também dar ao questionário um formato um pouco mais enxuto para tentar atingir o maior número de domicílios e evitar recusas – sabemos que esse é um grande problema para quem trabalha com pesquisa de campo.

Focalizando os resultados (Tabela 1), é interessante destacar que, apesar de estarmos avaliando uma área em que a rede pública cobre 61% dos domicílios, é muito grande a presença de poços e nascentes. O uso de filtro de água também se destaca que cerca de 64% dos domicílios têm filtro, enquanto aproximadamente 23% das famílias não têm filtro e consomem água sem tratar. No tópico referente a doação de alimentos, o índice está na casa de 7%, e até aqui a renda familiar per capita gira em torno de 200 reais.

Serão comentadas aqui apenas as perguntas que dizem respeito especificamente ao tema central deste artigo, ou seja, as três primeiras, que são o passo inicial em qualquer investigação sobre segurança alimentar.

Na primeira pergunta, a pesquisa quis saber se, nos últimos três meses, o indivíduo ficou preocupado com a possibilidade de a comida acabar antes de ele ter condição de comprar ou de receber mais. Aproximadamente 53% das famílias relataram que sim, que existiu essa preocupação. É importante destacar que era o chefe da família quem respondia a essa questão sobre segurança alimentar. Com relação às pessoas que ficaram preocupadas, avaliou-se também a freqüência da preocupação, ou seja, "quase todos os dias", "alguns dias", "apenas um ou dois dias"; a recusa também apareceu, em pequeno número. A maioria declara "alguns dias com preocupação", e se juntamos esse dado com as respostas "quase todos os dias" vemos que esse é realmente um problema nas nossas famílias.

Considerando sempre o mesmo período, a segunda pergunta avaliou se nos últimos três meses a comida acabou antes de haver dinheiro para comprar mais. Em torno de 35% das famílias responderam que sim, que tiveram problema de falta de comida. Entre os que tiveram o problema, novamente foi avaliada a freqüência; as respostas "quase todos os dias" e "em alguns dias" atingiram cerca de 70%.

Na terceira pergunta, buscou-se saber se nos últimos três meses a família ficou sem dinheiro para ter uma alimentação saudável variada. As respostas positivas foram da ordem de 50% (e aqui já é abordada também a questão da variedade da alimentação).

Ao avaliar a concordância interna das perguntas – esse foi um ponto de grande importância para a pesquisa –, constatou-se, por exemplo (Figura 1), que as pessoas que tiveram falta de comida atingem quase 60% em relação à preocupação com a possibilidade de a comida acabar. O contrário também era esperado: quem de fato não teve falta de comida também não teve a preocupação, e essa diferença já aparece significativa.


Comparando então as três perguntas – ou seja, se houve preocupação com falta de alimento, se a comida acabou ou não e se faltou ou não dinheiro –, observou-se que, entre as pessoas que tiveram o problema da falta de alimento, a preocupação é bem maior entre aquelas famílias que não têm dinheiro. Novamente representando a situação de não ter faltado comida em termos de preocupação, até então essa diferença não se mostra significativa. Entretanto, ao avaliar as famílias que não ficaram sem dinheiro, ou seja, aquelas que responderam "sim" na primeira pergunta e "sim" na segunda, mas na terceira não relataram falta de dinheiro, o que chama a atenção é que as pessoas que não tiveram falta de comida também não tiveram preocupação, nem tiveram falta de dinheiro, sendo essa diferença significativa. Assim, a tendência dessas respostas é apresentar uma concordância que vai dar validade à avaliação da segurança alimentar.

Alimentação saudável e consumo de frutas e verduras são outros aspectos que foram investigados separadamente, pois existe a preocupação do grupo em trabalhar com intervenções na comunidade; o inquérito de base domiciliar serve também de base para o propósito da intervenção.

Como seria essa população do ponto de vista da alimentação? Será que consideram que têm uma alimentação saudável e variada? Observou-se que cerca de 76% das pessoas consideram sua alimentação variada. Em relação ao consumo de frutas, chegou-se a pouco mais de 50%, enquanto 53% das pessoas referem que consomem frutas regularmente, entendendo-se por "regularmente" um consumo diário de pelo menos cinco vezes por semana. O consumo de verdura vai um pouco além de 65%.

Para orientar as ações de intervenção, seria importante conhecer os motivos pelos quais determinados alimentos não são consumidos. Criou-se então uma série de desdobramentos para aquelas pessoas que referiram não consumir frutas e verduras: Por que você não consome? a) Porque não gosta; b) Porque são difíceis de encontrar; c) São difíceis de comer; d) São caras; e) Não tenho costume; f) Não tenho tempo para comer. Viu-se que, entre os que não consomem frutas, o custo é a principal justificativa, mas também chama a atenção o fato de não se gostar e a falta de hábito, o "não tenho costume de comer". E o que significaria esse "não tenho costume"? Viu-se que a maior parte das pessoas que não comem verduras refere que não gosta, mas o custo também é uma justificativa, que se alia à situação de não ter o que comer.

Quanto à distribuição de domicílios onde faltou comida nos últimos três meses, a análise cabível é bastante preliminar, avaliando-se a falta de comida em relação ao consumo de frutas e verduras: será que, mesmo entre as pessoas que relatam a falta de alimentos, é possível atingir um nível de consumo de frutas e verduras como indicador de alimentação saudável? É claro que, para este estudo, temos o questionário de freqüência de consumo alimentar, e esse aspecto será avaliado detalhadamente no final. O que se observou é que, entre as famílias que tiveram falta de comida, na maioria das vezes não havia consumo de frutas, em comparação com as famílias que não tiveram falta de comida, sendo essa diferença já significativa. E quando se avaliou o consumo de verduras, observou-se que as famílias com problema de falta de comida também não consomem verdura, se comparadas com as famílias em que não há o problema da falta da comida.

Um fator que pode justificar o não-consumo de frutas e verduras é o custo desses alimentos na comunidade de Campos Elíseos, e essa justificativa pode sugerir uma forma de atuar em termos de prevenção.

Lembrando que esses dados ainda não refletem a situação final do distrito, nas famílias avaliadas até o momento, observou-se que, entre adultos e adolescentes, e tomando como marcador apenas o índice de massa corporal, havia aproximadamente 13% de baixo peso, enquanto o sobrepeso aparece na ordem de 40%.

Avaliando-se a distribuição de alimentos em relação ao índice de massa corporal, algumas perguntas podem ser feitas: nas famílias com falta de alimento, as pessoas estão muito magras? Estão normais? Estão com sobrepeso? Como está o estado nutricional delas? Identificou-se uma tendência para baixo peso, mas também o sobrepeso aparece nessa população. E tomando isoladamente apenas a preocupação com a falta de alimento, surge um tendência tanto de baixo peso como de sobrepeso, ou seja, as pessoas que têm um indicador de insegurança alimentar também têm uma alimentação inadequada. A proporção de energia, quantitativa e qualitativamente, está prejudicando o ganho de peso delas, ao mesmo tempo que há sugestão de sobrepeso nessa população de adultos e adolescentes. E de novo aparece aqui, especificamente, a preocupação com a falta de dinheiro associada a sobrepeso.

Por fim, temos os dados sobre as crianças, embora sem cruzá-los ainda com as questões de segurança alimentar. Há uma preocupação especial em saber como está a população de seis a trinta meses, por ser uma faixa etária em que, identificando-se algum problema, pode-se tentar reverter e contornar problemas de saúde nessa grande comunidade de baixa renda que é Campos Elíseos. Tomando-se o índice peso para idade, mantendo os pontos de corte de ± dois escores z, o baixo peso atinge cerca de 11%. O comprometimento de estatura cerca de 7%. Para o índice peso-para-estatura, em relação à magreza, a taxa fica em torno de 11%, mas já aparecendo sobrepeso entre as crianças na ordem de 7%.

Pelos resultados preliminares, as perguntas utilizadas para avaliar a segurança alimentar indicam possibilidade de insegurança na população do segundo distrito de Duque de Caxias. O custo e a falta de hábito foram os principais motivos mencionados pelos moradores para não consumir frutas e verduras diariamente. Existem indícios de déficit ponderal e de estatura entre as crianças. Nessa faixa etária também foi constatado sobrepeso, assim como entre adultos e adolescentes.

Finalizando, Duque de Caxias é um município muito próximo do Rio de Janeiro, ainda não suficientemente estudado. É uma área industrial muito rica, onde há instalações da Petrobras e de Furnas, um PIB alto, mas que traz esse perfil sugestivo de insegurança alimentar e comprometimento do estado nutricional.

Recebido em 22.5.2006 e aceito em 10.7.2006.

Rosana Salles-Costa é professora do Instituto de Nutrição Josué de Castro, Departamento de Nutrição Social Aplicada, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). @ – rosana_salles@terra.com.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Nov 2007
  • Data do Fascículo
    Ago 2007
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