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Oliveira Vianna entre mitos, utopias e símbolos de brasilidade

RESENHAS

Oliveira Vianna entre mitos, utopias e símbolos de brasilidade1 1 Uma primeira versão desta resenha foi publicada na Revista de Estudos Históricos do CPDOC, em seu n.38, de julho-dezembro de 2007, com o título "Oliveira Vianna: mitos e utopias entre símbolos de brasilidade".

Elizabeth Cancelli

PASSADOS apenas dois anos de seu lançamento, a Editora da Unesp publicou, ao final de 2007, a segunda edição revisada do livro O charme da ciência e a sedução da objetividade: Oliveira Vianna entre intérpretes do Brasil. Stella Bresciani havia adiado por muitos anos a publicação de seus estudos sobre Oliveira Vianna. A bem da verdade, esse trabalho de fôlego, não só pelo volume (são 502 páginas!), mas pela densidade e originalidade do livro, justifica a ansiedade gerada pela longa espera e uma rápida segunda edição. O charme da ciência é muito mais do que uma análise de Oliveira Vianna: é um sofisticado estudo que, além de trazer à tona a bagagem literária internacional de Vianna, traduzida com destreza por Bresciani, coloca-se de encontro à tradição da academia brasileira que tende a isolar Oliveira Vianna de outros interpretes do Brasil.

Lido no mais das vezes com desprezo em razão de sua opção política autoritária e de sua aproximação com a ditadura de Vargas, Oliveira Vianna teve suas principais teses desassociadas dos demais intelectuais de sua e de próximas gerações que tentaram explicar o Brasil, de Paulo Prado a Sérgio Buarque de Holanda, passando por Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior, Darcy Ribeiro ou Thomas Skidmore.

Nesse estudo, as principais vigas de análise de Vianna são apresentadas e relacionadas por Bresciani à tradição do pensamento internacional e brasileiro. Não são os rótulos de "autoritário", "modernista", "atual" ou "reacionário" que regem a narrativa de Bresciani, mas uma acurada atenção à construção dos sentidos da brasilidade apresentada por Vianna em similitude com outros cânones do pensamento nacional. Essas narrativas, especialmente calcadas no que Stella Bresciani chamará de lugar-comum das carências, são também uma inteligente e elegante crítica da autora à postura, por assim dizer ingênua, dos que assumem os pressupostos presentes em Vianna – e em outros intelectuais de seu tempo – da existência de um Brasil com instituições e idéias fora do lugar.

O charme da ciência e a sedução da objetividade, que servem de título ao livro, estão assentados na possibilidade aventada por Vianna de que importar idéias políticas e modelos institucionais seria erro político primário, mas fazer uso de modelos de análise social de ampla utilização na Europa e nos Estados Unidos seria compartilhar dos "sólidos e isentos princípios da ciência". Bresciani desvela essa trama mostrando ao leitor como mito e utopia se cruzam a partir de uma pretendida neutralidade científica que recorre "abertamente à troca afetiva com seus leitores, criando símbolos de brasilidade, de ser brasileiro". Levanta, portanto, os alicerces sobre os quais as ciências sociais constroem sua importância política tendo como fundamento as noções de etnia, raça, cultura e nacionalidade, não sem revelar a importância da sofisticação e da erudição de Vianna. Lá estão presentes os diálogos com Tarde, Le Play, Taine, Durkheim, Ratzel, Febvre, Bergson, Mauss, Le Bon, Landry, Simiand, Hawbawchs, Wirth, Boas, Goethe, Spengler, Malinowski, Radclife Brown, por exemplo, que são recuperados e analisados no livro.

Ao final da leitura, não fugirá ao leitor a madura crítica historiográfica de todo o desenrolar desse trabalho. Não é por acaso que um dos fios condutores do livro é justamente o resgate dos lugares-comuns do pensamento brasileiro de campos conceituais diferenciados, mas que estão assentados na inadequação do povo, na sua ignorância/sabedoria, na sua inconsciência, na sua "bestialização", no belo e no grotesco, e na necessidade da presença política de lideranças sensíveis, firmes e pragmáticas. Um aprisionamento da historiografia e das ciências sociais, como bem adverte Stella Bresciani, a preceitos políticos encobertos pela sedução da ciência e da objetividade, com representações muito próximas da sociedade e de sua cultura.

A crítica historiográfica apresentada por Bresciani chama ao questionamento dos pressupostos acabados e aceitos que perpassam as representações históricas, literárias e políticas do Brasil ao longo de todo o último século. Um apelo à reflexão profunda sobre os pressupostos dos principais "interpretes do Brasil" e à retomada crítica da historiografia sobre o país. Uma leitura fundamental para repensar a cultura política brasileira e fugir ao lugar-comum.

Nota

Elizabeth Cancelli é autora de vários livros, entre eles O mundo da violência: a polícia na era Vargas; Carandiru: a prisão, o psiquiatra e o preso; A Intentona em Nova Yorque. Atualmente, com auxílio do CNPq, desenvolve pesquisas relacionadas aos aspectos culturais e ao poder das idéias nos Estados Unidos e no Brasil durante o período da guerra fria. @ – cancellie@yahoo.com.br

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    Uma primeira versão desta resenha foi publicada na
    Revista de Estudos Históricos do CPDOC, em seu n.38, de julho-dezembro de 2007, com o título "Oliveira Vianna: mitos e utopias entre símbolos de brasilidade".
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Set 2008
    • Data do Fascículo
      Abr 2008
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