CRISE INTERNACIONAL I
Oportunidades, a despeito da crise global
Luciano Coutinho
GOSTARIA de afirmar, muito rapidamente, que o Brasil tem, sim, chances de se diferenciar como uma das economias em desenvolvimento capazes de crescer com relativa autonomia, embora a situação internacional nos próximos anos tenda a ser muito desfavorável, dada a perspectiva de uma recessão bastante longa. Por quê? Primeiro, porque a Ásia, sob a liderança da China, tenderá a manter algum crescimento. E disso resultam condições razoáveis no contexto do comércio internacional e dos investimentos internacionais, que ajudam a sustentação da economia brasileira.
A economia brasileira, a despeito da crise global, tem condições singulares, neste momento, para sustentar um ciclo de investimentos bastante robusto. Quais são essas condições? A primeira deriva de uma fronteira de investimentos em infraestrutura de alto retorno e risco relativamente baixo em razão das demandas reprimidas. O país tem absoluta necessidade de investir fortemente em energia, logística e várias outras infraestruturas importantes. Há também o fato de que estamos pondo em marcha processos irreversíveis de investimentos em que o setor privado, por meio de concessões, tem sido chamado a participar de forma muito ativa.
A segunda fronteira dinâmica é constituída pelo setor de petróleo e gás sob o empuxe do portentoso programa de investimento da Petrobras para os próximos cinco anos (cujo montante supera US$ 170 bilhões). As consequências positivas desse programa para as nossas cadeias industriais fornecedoras de insumos e equipamentos são altamente promissoras e receberão o suporte ativo do Banco Nacional de Desenvolivimento Econômico e Social (BNDES).
A terceira fronteira importante diz respeito a certas oportunidades ampliadas de exportação que a economia brasileira pode aproveitar com destaque para o nosso extraordinário agronegócio, que terá chances continuadas de crescer nos próximos anos. A cadeia de celulose é outro exemplo, e ainda há a extraordinária oportunidade de tornar o etanol uma commodity internacional de grande escala de produção. Essas são, portanto, oportunidades muito relevantes.
A quarta grande fronteira de investimento que o Brasil dispõe deriva de mercado interno. A melhora das condições do mercado interno, da distribuição de renda, o crescimento do emprego e a possibilidade de expansão do crédito a partir de um sistema bancário muito saudável descortinam uma oportunidade de crescimento continuado dos investimentos dirigidos ao mercado interno. Não quero sublinhar apenas a cadeia automobilística cujo dinamismo pode ser recuperado. No mercado interno, além das possibilidades de expansão de um amplo conjunto de setores da economia e da indústria de serviços, sublinho as imensas possibilidades de desenvolvimento da construção residencial no Brasil. O governo federal tem os instrumentos para estimular a sustentação do investimento em construção residencial com impactos favoráveis significativos sobre a geração de emprego e renda, realimentando o círculo virtuoso do mercado interno.
Em síntese, essas são fronteiras muito firmes. Nesse sentido, vejo que o Brasil tem oportunidades de crescimento extremamente robustas e capazes de permitir um arranco na economia brasileira em direção a um papel diferenciado no sistema global.
Do que isso depende? Depende de muitas coisas, mas está aí o desafio para que nos tornemos um Bric mais dinâmico que os outros. Uma das coisas mais relevantes, eu queria sublinhar, é a necessidade de constituirmos capacidade doméstica de poupança, para financiar esses investimentos sem depender exageradamente da abertura de um déficit em conta corrente imprudentemente elevado. Então, precisamos colocar em nossa agenda a importância de como ampliar a capacidade de poupança doméstica e de investimento para realizar esse grande potencial, o que não nos absolve de pensar também em todos os outros grandes desafios na área de educação, inovação tecnológica, preservação do meio ambiente, desenvolvimento regional etc desafios esses fundamentais para que a economia brasileira possa, de fato, se tornar uma economia relevante no novo contexto global.
Recebido em 9.3.2009 e aceito em 10.3.2009.
Texto originalmente publicado em Na crise global, como ser o melhor dos Brics, sob coordenação de João Paulo dos Reis Velloso e Roberto Cavalcanti de Albuquerque (Elsevier, 2009, p.29-32).
Luciano Coutinho é graduado em Ciências Econômicas, com mestrado em Economia também pela Universidade de São Paulo (1970), doutorado em Economia pela Universidade de Cornell (Estados Unidos) e professor convidado da Universidade de Campinas (Unicamp). Atualmente ocupa o cargo de presidente do Banco Nacional de Desenvolivimento Econômico e Social (BNDES). @ presidencia@bndes.gov.br
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
30 Set 2009 -
Data do Fascículo
2009