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Os efeitos da crise global no Brasil: aversão ao risco e preferência pela liquidez no mercado de crédito

Resumos

O artigo procura discutir os impactos da crise internacional na economia brasileira, com ênfase na virtual paralisia do mercado de crédito bancário doméstico a partir de setembro de 2008. Sustenta-se que a dinâmica concorrencial bancária conduziu à emergência de práticas de alto risco, cujo potencial desestabilizador veio à tona quando da reversão das expectativas ante o agravamento da crise financeira internacional e seus efeitos-contágio sobre as economias periferias, dentre as quais o Brasil. O conservadorismo dos bancos na fase de retração foi exacerbado, no caso brasileiro, pelo prazo relativamente curto do crédito e pela existência de títulos públicos líquidos, rentáveis e de baixo risco, que permitem uma rápida recomposição dos seus portfólios. A desaceleração da atividade produtiva em decorrência da contração do crédito não foi mitigada pelo Banco Central, apegado ao seu mandato de guardião da estabilidade dos preços.

Crise sistêmica; Preferência pela liquidez; Bancos; Contração do crédito; Brasil


This article discusses the impacts of the international crisis on the Brazilian economy, with emphasis on the virtual paralysis of the domestic banking credit market that has occurred since September 2008. It argues that the dynamics of banking competition led to the emergence of high-risk practices. The destabilizing potential of these practices came to light when the aggravation of the international financial crisis and its contagion in peripheral countries such as Brazil caused a reversal of expectations. Generalized conservative behavior by banks during the retraction phase was exacerbated in Brazil by the relatively short credit cycle and by the liquidity, profitability and low-risk of public bonds, allowing a rapid recomposition of portfolios. The Central Bank, sticking to its mandate as the guardian of price stability, failed to move to mitigate the deceleration of productive activities that resulted from the contraction of credit.

Sistemic crisis; Liquidity preference; Banks; Credit crunch; Brazil


DOSSIÊ CRISE INTERNACIONAL II

Os efeitos da crise global no Brasil: aversão ao risco e preferência pela liquidez no mercado de crédito1 1 O presente artigo se beneficiou da leitura atenta de Marcos Antonio Macedo Cintra, a quem agradeço os comentários e sugestões. Erros e omissões são de inteira responsabilidade autora.

Maria Cristina Penido de Freitas

RESUMO

O artigo procura discutir os impactos da crise internacional na economia brasileira, com ênfase na virtual paralisia do mercado de crédito bancário doméstico a partir de setembro de 2008. Sustenta-se que a dinâmica concorrencial bancária conduziu à emergência de práticas de alto risco, cujo potencial desestabilizador veio à tona quando da reversão das expectativas ante o agravamento da crise financeira internacional e seus efeitos-contágio sobre as economias periferias, dentre as quais o Brasil. O conservadorismo dos bancos na fase de retração foi exacerbado, no caso brasileiro, pelo prazo relativamente curto do crédito e pela existência de títulos públicos líquidos, rentáveis e de baixo risco, que permitem uma rápida recomposição dos seus portfólios. A desaceleração da atividade produtiva em decorrência da contração do crédito não foi mitigada pelo Banco Central, apegado ao seu mandato de guardião da estabilidade dos preços.

Palavras-chave: Crise sistêmica, Preferência pela liquidez, Bancos, Contração do crédito, Brasil.

Introdução

A FALÊNCIA do banco de investimento Lehman Brothers no dia 15 de setembro de 2008 marca a transformação da crise financeira internacional, iniciada no mercado americano de hipotecas de alto risco em meados de 2007, em uma crise global sistêmica. De um lado, o aumento da aversão ao risco e de preferência absoluta pela liquidez nas principais economias avançadas desencadeou um movimento generalizado de fuga para a qualidade dos investidores globais e a virtual interrupção das linhas externas de crédito comercial, resultando na abrupta desvalorização das moedas de várias economias. De outro lado, a forte retração da atividade econômica das economias centrais associada ao movimento de desalavancagem do sistema financeiro e de deflação dos ativos se traduziu em menor dinamismo do comércio mundial.

O propósito deste artigo é discutir, com base no referencial teórico pós-keynesiano, os impactos da crise internacional na economia brasileira, com ênfase na virtual paralisia do mercado de crédito bancário doméstico a partir de setembro de 2008. Os argumentos são construídos a partir de três hipóteses de interpretação.

A primeira é que, no ciclo recente de crédito, a dinâmica concorrencial conduziu à emergência de práticas de alto risco no sistema bancário brasileiro, tais como os depósitos a prazo com liquidez diária e os empréstimos às empresas acoplados às operações de derivativos de dólar, cujo potencial desestabilizador veio à tona quando da reversão das expectativas ante o agravamento da crise financeira internacional e seus efeitos-contágio sobre as economias periféricas, dentre as quais o Brasil. Em outras palavras, a subestimação de riscos que caracteriza a atividade bancária na fase de auge potencializou os impactos da crise internacional na economia brasileira.

O excesso de prudência na fase de reversão é também característica intrínseca das atividades bancárias com fins lucrativos. Porém, no caso brasileiro, e essa é a segunda hipótese, o conservadorismo dos bancos na fase de retração é exacerbado pelo prazo relativamente curto do crédito e pela existência de quase moeda, títulos públicos líquidos e rentáveis e de baixo risco, que permitem uma rápida recomposição de suas carteiras. Com a reversão das expectativas associada ao agravamento da crise internacional e suas repercussões sobre a economia mundial, os bancos privados reagiram com o excesso de prudência, ocasionando, em um movimento de realocação de portfólio, forte retração do crédito e contribuindo para a rápida desaceleração da atividade econômica.

A terceira hipótese é que a retração da atividade econômica no último trimestre decorrente da contração do crédito poderia ter sido mitigada se o Banco Central do Brasil (BCB) tivesse, a exemplo dos bancos centrais das economias centrais, reagido, de forma tempestiva, à deterioração das expectativas dos agentes e ao "empoçamento de liquidez" no mercado interbancário. Aferrado ao seu mandato de guardião da estabilidade e com um diagnóstico equivocado de que a economia brasileira estava crescendo acima do seu potencial, o Banco Central como autoridade monetária não percebeu a gravidade da desaceleração em curso nas economias avançadas e suas implicações para economia brasileira.

Dinâmica concorrencial e ciclo do crédito

Na economia capitalista, entendida como economia monetária de produção, o sistema bancário atua como agente livre na concessão de poder de compra para antecipação do gasto (em consumo e em investimento). Além da função de intermediação financeira, os bancos criam moeda ao conceder crédito, enquanto parte integrante de organização institucional particular que é o vasto sistema de pagamento hierarquizado e organizado em torno do banco central.

Ao criar moeda em contrapartida à concessão de crédito, sob a forma de reconhecimento de dívida contra si próprio, os bancos liberam a sociedade das amarras da acumulação prévia de recursos e jogam um papel-chave na ampliação do nível dos investimentos. Porém, os bancos atuam com base em expectativas em relação ao futuro em um mundo de incerteza e irreversibilidade. Assim, quando ampliam crédito, agem de acordo com suas próprias considerações sobre o estado dos negócios, o desempenho da economia e suas perspectivas de rentabilidade e risco dos tomadores, exigindo desses uma "margem de garantia" definida a partir do valor do colateral dos empréstimos e dos lucros atuais e prospectivos do negócio a ser financiado.

Embora tenham uma natureza particular e específica, os bancos são igualmente empresas inovadoras e dinâmicas em busca da ampliação dos lucros. A subordinação à lógica de valorização da riqueza significa que os bancos estão em concorrência entre eles e com outras instituições financeiras para a obtenção do poder de mercado e de maiores lucros nos diferentes mercados financeiros, seja doméstico, seja internacional.2 2 Adota-se aqui a noção de concorrência como processo dinâmico, presente em Marx e em Schumpeter. A noção de concorrência como processo dinâmico, no qual as oportunidades de mercado são exploradas continuamente pelos empresários em sua busca por maiores lucros, se contrapõe à noção estática de concorrência como uma estrutura de mercado, predominante na teoria econômica. Na atividade bancária, o processo de concorrência capitalista assume traços particulares, em razão da natureza específica dos bancos e do papel único que desempenham como criadores de moeda de crédito. Sobre esse ponto, ver Freitas (1997). As estratégias concorrenciais adotadas pelos bancos na administração diligente de seus ativos e passivos sempre têm o objetivo de obter continuamente os maiores lucros possíveis, conciliando rentabilidade com a liquidez dos investimentos financeiros. Contudo, não existe nenhuma garantia que essas estratégias serão bem-sucedidas, pois, como mostrou Keynes, as decisões econômicas são sempre, em razão da incerteza, uma aposta arriscada em relação ao futuro. Desse modo, o ativismo dos bancos "afeta não só o volume e a distribuição das finanças, como o comportamento cíclico dos preços, rendas e emprego" (Minsky, 1986, p.226).

A busca implacável da valorização da riqueza, em um mundo de incerteza e irreversibilidade, faz que os bancos não respondam passivamente nem à demanda ou preferência dos demais agentes por empréstimos e aplicações bancárias, nem ao comando do Banco Central. Em certas circunstâncias, este último, que ocupa o topo da hierarquia monetária, pode ter os seus objetivos de gestão da liquidez da economia contrariados pelas estratégias adotadas pelos bancos na administração de seus ativos e passivos, com objetivo de ampliar os lucros, procurando conciliar rentabilidade com a liquidez de seus investimentos financeiros. Os bancos podem dificultar tanto a concretização da decisão da autoridade monetária de ampliar as condições de liquidez como a ação restritiva de liquidez. No primeiro caso, podem utilizar as reservas adicionais para transações puramente financeiras sem impacto na renda monetária, ocasionando um represamento da liquidez, que pode comprometer os negócios não só dos agentes econômicos não financeiros, como também dos bancos de menor porte. No segundo caso, como destacado por Minsky (1984, 1986), os bancos podem desenvolver novos instrumentos financeiros que substituem, ao menos parcialmente, os ativos monetários sob restrição.

Como todos os demais agentes econômicos capitalistas, os bancos possuem preferência pela liquidez e expectativas em relação ao futuro, as quais norteiam as suas estratégias na busca incessante de valorização Nesse sentido, eles administram ativamente os dois lados do balanço e utilizam igualmente expedientes, como as transações fora do balanço. Como o desejo dos bancos em se manter líquido depende de suas considerações otimistas ou pessimistas sobre o estado dos negócios ao longo do ciclo econômico, a evolução do crédito tende a ser procíclica, sobretudo se o sistema bancário for essencialmente constituído por instituições privadas com fins lucrativos.

As expectativas dos bancos sob o estado do negócio ao longo do ciclo econômico podem conduzir à assunção excessiva de risco, ao financiamento de atividades especulativas e/ou ao racionamento de crédito, com efeitos adversos sobre o crescimento econômico. Assim, ao longo dos períodos de expectativas otimistas, os bancos pressionados pela concorrência concedem crédito sem exigir garantias seguras, enquanto os devedores pagam seus débitos pela emissão de novas dívidas. A expansão do endividamento se faz então como riscos subestimados. Isso porque, na busca incessante de valorização, um banco que adote um comportamento mais prudente vis-à-vis aos seus rivais arrisca-se de perder fatias do mercado.

O refinanciamento contínuo das dívidas pretéritas com relaxamento das margens de segurança dos contratos torna possível o aparecimento de estruturas patrimoniais instáveis ao longo do ciclo econômico. De acordo com a hipótese de instabilidade financeira formulada por Minsky, a instabilidade emerge na medida em que os fluxos de receitas esperadas não são mais suficientes para validar as obrigações assumidas quando as inovações favoreceram o aumento dos investimentos e do lucro, seja em virtude da frustração das expectativas, seja pela elevação igualmente inesperada das taxas de juros.

Em contraste, quando as expectativas se deterioram, os bancos tendem a contrair a concessão de crédito, reduzindo linhas e prazos, elevando os juros e as exigências de garantia. Do mesmo modo que a assunção excessiva de risco pelos bancos na fase de auge, quando buscam ampliar suas fatias de mercado, a prudência na fase de reversão é característica intrínseca das atividades bancárias com fins lucrativos. Contudo, ao contraírem o crédito, reduzindo ou não renovando as linhas, os bancos contribuem para a fragilidade financeira dos seus clientes, gerando um ciclo vicioso de aumento de inadimplência e de aversão ao risco. Em certas circunstâncias, os bancos decidem racionar fortemente o crédito, refreando o crescimento econômico ou mesmo conduzindo à regressão da produção e dos investimentos.

Como mostrou Keynes, em um dos seus artigos sobre a crise de 1929, os bancos podem apresentar um comportamento míope quando as expectativas pessimistas predominam. Em tais circunstâncias, os banqueiros procuram reduzir suas exposições aos riscos de maneira tão abrupta, que, sem se darem conta, ameaçam sua própria solidez, dado que tal atitude pode conduzir à falência de seus devedores. Essa miopia está na origem de um círculo vicioso de aumento de inadimplência e deflação das dívidas e dos preços dos ativos (Keynes, 1973).

Para limitar a instabilidade inerente ao sistema bancário, as autoridades procuram impor regras de prudência para o funcionamento dos bancos, que se aplicam sobre a composição e qualidade do crédito e sobre os níveis de endividamento, entre outros. No entanto, com as inovações financeiras, os bancos tentam burlar todo e qualquer controle. Os novos instrumentos e procedimentos contribuem para ampliar a complexidade das estruturas financeiras e das relações entre os devedores e os credores. O resultado, como bem apontou Minsky, é o aumento da instabilidade da economia.

Ciclo recente de crédito no Brasil

Desde a adoção do Plano Real, em meados de 1994, o ambiente concorrencial do sistema bancário brasileiro passou por importantes transformações que se traduziram no aumento da solidez das instituições e no avanço de seu grau de sofisticação.3 3 Esse movimento foi condicionado por um amplo conjunto de fatores de natureza macroeconômica, estrutural e regulatória. Para maiores detalhes, ver Freitas (2007a). Contudo, até 2002, o sistema não mostrou mudanças na sua forma de atuação em relação ao padrão dos anos de alta inflação, mantendo uma elevada preferência pela liquidez. À exceção de um curto período de expansão do crédito após o Plano Real, os bancos continuaram priorizando as aplicações em títulos públicos vis-à-vis a concessão de crédito.

O ciclo atual de expansão de crédito teve início logo nos primeiros meses de 2003, quando os bancos começaram a expandir a oferta de crédito ao setor privado, na expectativa de ampliar suas fatias de mercado e suas margens de lucro.4 4 Sobre o ciclo recente de crédito e seus determinantes, ver, entre outros, Cintra (2006), Oliveira (2006) e Freitas (2007b). Essa mudança na composição do portfólio dos bancos ocorreu quando houve a combinação de dois elementos: de um lado, a confirmação da garantia de que não haveria alteração na política econômica do novo governo; de outro, a menor volatilidade macroeconômica, resultado da melhora das contas externas no contexto internacional favorável vigente a partir de então, tanto em termos do comércio exterior como das condições de liquidez para os países periféricos. Esse cenário de menor volatilidade macroeconômica e de expectativas de redução nas taxas básicas de juros – e consequente diminuição dos ganhos com as operações de tesouraria – induziu os bancos a redefinirem suas estratégias operacionais, priorizando a expansão do crédito.

Os bancos identificaram na ampliação do crédito às pessoas físicas um enorme potencial de ganho, diante das expectativas otimistas quanto à recuperação do emprego e da renda sob o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para as instituições financeiras, o crédito às famílias é muito mais fácil de ser avaliado do que o crédito empresarial, que exige maior conhecimento dos negócios, análise financeira e monitoramento das atividades das corporações. Ao mesmo tempo, como as taxas de juros praticadas no segmento de pessoas físicas são mais altas, as operações de crédito pessoal são também muito rentáveis.

A recuperação do crédito no segmento de pessoas físicas iniciou-se antes dos primeiros sinais de recuperação do poder de compra dos consumidores. A maior disposição de tomar crédito, mesmo a taxas de juros ainda muito altas, refletiu, de um lado, expectativas favoráveis dos consumidores em relação ao desempenho futuro da economia e, de outro, a necessidade de atualizar a compra de bens duráveis. A participação do crédito às pessoas físicas no estoque total das operações de crédito do sistema financeiro começou a se elevar em 2003, tendência que se reforçou com a ampliação da massa de rendimento a partir de 2004 e se manteve até 2007.

A expansão dos empréstimos com recursos livres às pessoas físicas esteve ancorada, desde o início da fase de expansão do ciclo, nas modalidades de crédito pessoal, aquisição de veículos e cartão de crédito. O crédito pessoal, que inclui as operações com crédito consignado, contribuiu em média por quase metade do crescimento dos empréstimos concedidos nesse segmento.5 5 A regulamentação do crédito consignado em folha de pagamento, de trabalhadores ativos e inativos em dezembro de 2003, forneceu impulso adicional para a ampliação do crédito às pessoas físicas. Introduzida pela Medida Provisória n.130 – de 17.9.2003, posteriormente convertida na Lei n.10.820, de 17.12.2003 –, a modalidade de empréstimos consignados em folha de pagamento cresceu vertiginosamente, atingindo o volume de 9,7 bilhões de reais em dezembro de 2003. Desde então, o crédito consignado vem ampliando continuamente sua participação no total do crédito pessoal, saltando de 35,5% em dezembro de 2003 para 62% em junho de 2008. Trata-se de uma inovação patrocinada pelo governo, com intuito de favorecer a redução do custo dos empréstimos, que representou uma nova oportunidade de negócio que os bancos menores souberam aproveitar, conquistando importantes fatias desse novo segmento (Freitas, 2007a). Do ponto de vista das instituições bancárias, a modalidade do crédito consignado em folha apresenta a vantagem do pagamento pontual e com garantia do serviço da dívida. Em contrapartida, o tomador obtém crédito a taxas de juros muito mais baixas do que as vigentes em outras modalidades de crédito à pessoa física. O custo menor dessa modalidade de crédito permitiu às famílias ampliar o consumo, bem como trocar dívidas, utilizando os recursos para quitar financiamentos de custo mais elevado (como cartão de crédito e cheque especial). Também exerceram grande influência na expansão do crédito para as pessoas físicas as operações de aquisição de veículos, que oferecem a garantia da alienação fiduciária. Por permitir a rápida recuperação dos bens, esse mecanismo reduz o risco de crédito e permite a redução do prêmio de risco cobrado pelas instituições financeiras.

A disposição das famílias em ampliar o endividamento também foi estimulada pela estratégia das grandes redes varejistas, logo imitada pelos bancos e suas financeiras, de alongamento dos prazos das operações de crédito ao consumidor. Esse alongamento, ao reduzir significativamente os valores das prestações, contribuiu para diminuir a inadimplência, sobretudo em um cenário de elevação do rendimento da população e, em menor escala, de aumento do emprego. O prazo médio das operações com pessoas físicas subiu de 308 dias em janeiro de 2004 para 488 dias em dezembro de 2008. Esse relativo alongamento dos prazos viabilizou a expansão do crédito mesmo em um cenário de taxas médias de juros nominais (e reais) extremamente elevadas.

Em 2008, com a elevação do nível da atividade econômica e a continuidade do aumento de investimento iniciado em 2007, as operações com o setor empresarial, em particular as empresas industriais, assumiram a liderança da expansão do crédito ao setor privado.6 6 Em contraste, observou-se, pela primeira vez no ciclo atual, o arrefecimento do crédito às pessoas físicas, em razão do menor dinamismo dos empréstimos para aquisição de bens e do crédito pessoal, sobretudo na modalidade de consignado. A elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) que incide sobre os financiamentos diretos ao consumidor, a redução de 30% para 20% pelo INSS do limite para o desconto em folha dos empréstimos aos aposentados em janeiro, bem como, os aumentos consecutivos da meta da taxa Selic entre abril e setembro explicam por que essas modalidades, que vinham liderando a ampliação do crédito com recursos livres, perderam fôlego em 2008. No caso do crédito consignado, as margens mais estreitas em razão da elevação da Selic e problemas com a liquidação antecipada de crédito levaram vários bancos a rever suas estratégias operacionais nesse segmento. Para o maior dinamismo do crédito com recursos livres ao setor empresarial, contribuíram vários fatores inter-relacionados. Pelo lado da demanda, a aceleração do ritmo de crescimento da economia brasileira a partir do segundo trimestre de 2007 e o consequente estímulo às decisões de produção corrente e de ampliação da capacidade produtiva, que exigem recursos de terceiros, impulsionaram a contratação de crédito bancário, sobretudo na modalidade de capital de giro, utilizada para atender às necessidades de fluxo de caixa.

Além disso, várias empresas brasileiras e multinacionais que contavam com outras fontes de financiamento passaram a recorrer ao mercado de crédito bancário doméstico em 2008 em virtude do contínuo aprofundamento da crise financeira internacional. A crise resultou em sensível piora em termos de custo e prazo para a captação das grandes empresas (e bancos) no mercado internacional. Substituindo, pelo menos em parte, sua captação no mercado internacional de capitais, as grandes empresas ampliaram a contratação de empréstimos para capital de giro no mercado doméstico em volumes crescentes e prazos mais longos.

A deterioração das condições financeiras nas economias centrais, marcada por forte deflação dos ativos, contribuiu também para o menor dinamismo do mercado de capitais brasileiro, e em particular para uma brutal retração do mercado acionário primário. Para cobrir perdas em seus países de origem, os investidores estrangeiros desfizeram-se de suas posições no mercado de capitais doméstico. A saída desses investidores desestimulou a realização de ofertas públicas iniciais (IPO, na sigla em inglês) e emissões adicionais.7 7 Sobre o desempenho do mercado de capitais brasileiro, ver a Nota Técnica do Grupo de Conjuntura O mercado de capitais brasileiro em 2008: os impactos da crise financeira. Disponível em: < http:\\www.fundap.sp.gov.br>.

Igualmente, duas decisões de política econômica que visavam frear o crédito e desacelerar a expansão da economia para conter pressões inflacionárias contribuíram para o menor dinamismo mercado doméstico de capital em 2008 ao elevar do custo de captação das empresas mediante a emissão de títulos de dívida direta. A primeira delas foi a instituição, no mês de janeiro, de recolhimento compulsório sobre os depósitos bancários das empresas de leasing, que captavam recursos para os seus controladores bancários mediante a emissão de debêntures. Esse compulsório resultou na retração das emissões de debêntures pelas empresas de leasing e no acirramento da concorrência entre os bancos grandes para a captação de recursos mediante certificados de depósito a prazo (CDB), o que se traduziu na elevação dos juros oferecidos aos clientes e no oferecimento de liquidez diária para os depósitos até dois anos após o prazo inicial de dois a três meses.8 8 Sobre o surgimento do CDB com liquidez diária, ver Carvalho (2008). O aumento dos juros dos CDB pressionou para cima as taxas de juros dos instrumentos de dívida direta emitidas pelas empresas não financeiras no mercado de capitais, como as debêntures e notas promissórias, bem como elevou o custo de captação dos bancos médios e pequenos.

A segunda medida, a elevação da meta da Selic a partir de abril, reforçou essa disputa por recursos no mercado doméstico de capitais. Ao ampliar a rentabilidade dos títulos públicos federais, a alta da taxa básica de juros desencadeou a realocação das carteiras de aplicações financeiras, notadamente dos investidores institucionais, em detrimento das ações e dos títulos de dívida privada, acarretando aumento do custo de captação das empresas e dos bancos, sobretudo os de médio e pequeno portes. Para as empresas menores, a captação de recursos mediante a emissão de títulos privados tornou-se ainda mais difícil com a deterioração das condições financeiras internacionais, dado que, com a falta de crédito externo, as grandes empresas, brasileiras e multinacionais, passaram a captar no mercado doméstico, ampliando a concorrência pelos recursos disponíveis.

Pelo lado da oferta, o maior dinamismo da economia brasileira, associado ao crescimento do mercado interno, estimulou a adoção por parte das instituições bancárias de estratégias de ampliação de crédito ao setor empresarial, notadamente na modalidade de capital de giro. Assim, no contexto de elevação do custo de captação das empresas nos mercados de capitais internacional e doméstico, alguns bancos passaram a oferecer empréstimos vinculados às operações com derivativos de dólar em condições de custo mais favoráveis. Nessas operações de crédito, os bancos ofereciam recursos às empresas com dupla indexação: taxas entre 50% e 75% dos juros do Depósito Interfinanceiro (CDI) e variação cambial a partir de uma cotação predeterminada. A relativa estabilidade da taxa de câmbio levou bancos e empresas a subestimar o risco dessas operações, que foram oferecidas a empresas exportadoras e não exportadoras de todo porte, construtoras e mesmo a bancos de médio porte.9 9 Para maiores detalhes sobre o funcionamento do mercado de derivativos de câmbio, ver Prates & Fahri (2008). Sobre as operações de empréstimos vinculadas a contratos de derivativo de dólar, ver, entre outros, Lucchesi et al. (2008), Brandimarte et al. (2008), Balthazar (2008) e Adachi (2008).

Introduzida no país pelos bancos de investimento estrangeiros, e rapidamente difundida pelos bancos privados nacionais, essa modalidade de empréstimo potencializou os impactos da crise financeira no mercado bancário brasileiro. Isso porque, após a falência do banco de investimento Lehman Brothers em meados de setembro, o forte aumento da aversão aos riscos desencadeou um movimento generalizado de fuga para a qualidade dos investidores globais e a virtual interrupção das linhas externas de crédito comercial, resultando na abrupta desvalorização das moedas de várias economias periféricas, dentre as quais o Brasil.10 10 Sobre o impacto da crise financeira sobre as moedas nacionais dos países periféricos, ver Prates & Cunha (2009).

Entre 15 de setembro e 15 de outubro, o real se depreciou em 22,7%, acarretando fortes perdas para as empresas brasileiras que haviam realizado operações de derivativo de dólar no mercado de balcão no Brasil e no exterior, seja para se proteger do risco cambial, seja para obter ganhos especulativos, seja para reduzir o custo dos empréstimos bancários. Assim, além do impacto da crise mediante a virtual paralisia das linhas externas de crédito comercial, que comprometeu as renovações dos Adiantamentos de Contrato de Câmbio (ACC) e reduziu seus prazos,11 11 Segundo Safatle & Galvão (2008), a taxa de renovação das operações de ACC que superava 100% antes do agravamento da crise externa caiu para 25% na terceira semana de setembro, enquanto os prazos "que eram de 360 dias, reduziram-se para 90 dias ou, na melhor das hipóteses, 180 dias". o mercado de crédito bancário passou a sofrer os efeitos do problema de "empoçamento" de liquidez no interbancário doméstico, como será visto a seguir.

Crise internacional e o "empoçamento" de liquidez no sistema bancário brasileiro

A crise sistêmica global atingiu fortemente a economia brasileira tanto pela via do comércio exterior como pela via dos fluxos financeiros, incluindo as linhas de crédito comercial.12 12 Sobre o efeito, contágio da crise global nos fluxos de capital para o Brasil e na balança comercial brasileira, ver Iedi (2009). O congelamento dos mercados interbancários e financeiros internacionais e a abrupta desvalorização do real associada à fuga para segurança dos investidores estrangeiros e à desmontagem das operações com derivativos cambiais realizadas pelas empresas13 13 Sobre esse ponto, ver a Nota Técnica do Grupo de Conjuntura Panorama das economias emergentes: o efeito-contágio da crise. Disponível em: < http:\\www.fundap.sp.gov.br>. conduziram à rápida deterioração das expectativas dos bancos que reagiram contraindo crédito e "empoçando" a liquidez.

Ao longo de 2008, os bancos enfrentaram crescente dificuldade em renovar suas linhas de crédito externas que sustentam as operações de repasse e de ACC. Porém, após a falência do Lehman Brothers, levou à interrupção da concessão de crédito com recursos externos no mercado doméstico, afetando seriamente o financiamento do comércio exterior brasileiro e exigindo providências do governo federal para assegurar o fornecimento de recursos para essa atividade.

A crise internacional atingiu a economia brasileira em um momento de auge, quando completava uma sequência de seis trimestres de crescimento em aceleração. Nesse contexto, no qual as empresas produzem mais e planejam novos investimentos, o crédito bancário é essencial tanto para o giro como para a expansão da produção. Na reversão das expectativas, os bancos reagiram com excesso de prudência e retraíram fortemente o crédito, levando as empresas a rever os planos de produção e de investimento. O resultado foi a rápida desaceleração da atividade econômica no último trimestre do ano.

Os crescentes rumores sobre as perdas, de empresas e bancos, com derivativos de câmbio desencadearam um movimento de absoluta aversão ao risco e preferência pela liquidez por parte dos bancos. Por desconhecerem o grau de exposição dos demais participantes ao risco de perdas nessas operações, os bancos retraíram o crédito tanto para as empresas e pessoas físicas como para outros bancos. Essa reação exacerbada dos grandes bancos brasileiros foi facilitada pela existência de títulos públicos indexados à taxa básica de juros, os quais se tornaram ainda mais atraentes com a elevação da meta da Selic pelo BCB em setembro.14 14 No Brasil, em razão do modelo de gestão da dívida pública, que integra o mercado monetário o de títulos públicos, e da existência de títulos da dívida pública indexados à taxa de juros básica, os bancos exercem preferência pela liquidez adquirindo títulos públicos federais, o que lhes assegura baixíssimo risco, alta rentabilidade e facilidade na realocação de portfólio (Lopreato 2007; Freitas, 1997; Oliveira, 2009). As características institucionais da gestão da dívida pública brasileira explicam, pelo menos em parte, a dificuldade enfrentada pelo BCB para atuar na resolução do problema de "empoçamento" de liquidez no interbancário, vendo-se obrigado a rever decisões sobre o recolhimento do compulsório sobre os depósitos a prazo. Esse ponto será retomado mais frente. O prazo relativamente curto do crédito bancário no Brasil favorece igualmente esse movimento de realocação de portfólio, característico da administração ativa dos balanços pelos bancos.

Mesmo no contexto de agravamento da crise internacional e de deterioração das condições de crédito no mercado doméstico, contudo, os empréstimos para capital de giro continuaram crescendo, com variação de 12,3% entre setembro e dezembro. Tal incremento em um cenário de contração de crédito parece paradoxal. Porém, há pelo menos duas explicações para esse desempenho. Em primeiro lugar, com a paralisia do mercado internacional de crédito, ocorreu a ampliação da demanda de grandes empresas por crédito bancário. Esse foi o caso da Petrobras, autorizada pelo governo federal, no final de outubro, a levantar no mercado doméstico até oito bilhões de reais em novos empréstimos para atender às suas necessidades de financiamento dos investimentos em curso.

Em segundo lugar, por razões contratuais, os bancos se viram obrigados a ampliar a concessão de empréstimos para as empresas que incorreram em perdas vultosas com derivativos de câmbio, seja para hedge, seja para redução do custo do crédito bancário. Além de financiarem as chamadas de margens de margem na Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) para as empresas que fizeram, com propósito de hedge, operações de derivativo de câmbio (IBRE, 2008), os bancos rolaram e ampliaram as linhas de créditos das empresas para as quais haviam concedido empréstimos associados a opções e swaps de dólar.

Os bancos pequenos e médios foram os mais afetados pelo "empoçamento" da liquidez, pois não dispunham de uma ampla base de depositantes e dependiam da captação de recursos no interbancário e da cessão de crédito para dar continuidade às suas operações ativas.15 15 Os bancos pequenos e médios também foram afetados pela fuga para segurança dos investidores institucionais, e os grandes investidores individuais que, aproveitando a liquidez diária dos CDB, transferiram suas aplicações para instituições consideradas mais seguras, como os bancos públicos e os grandes bancos privados. Como os grandes bancos pararam de adquirir carteiras de financiamento de veículos e de crédito consignado originados pelos bancos menores, as concessões de crédito nesses segmentos do mercado foram fortemente afetadas.

Os grandes bancos privados, como Itaú e Unibanco, que realizaram operações de derivativos de câmbio com as empresas, sofreram elevada pressão de caixa, em razão das chamadas de margens na BM&F. Com a saúde financeira sob suspeita, o Unibanco se viu obrigado a antecipar a divulgação dos resultados do terceiro trimestre e lançar um grande programa de recompra dos seus papéis (Adachi & Balarin, 2008). De acordo com rumores que circulavam no mercado financeiro à época, a fusão Itaú-Unibanco teria ocorrido em razão das dificuldades de caixa dessas instituições.16 16 O Itaú e o Unibanco anunciaram a fusão no dia 3 de novembro de 2008, mediante a constituição de uma holding da qual as famílias controladoras dos dois bancos assumiram 50%. Esse formato da transação surpreendeu o mercado e alimentou os rumores de que o caixa do Itaú teria sido muito mais afetado pelas chamadas de margem do que se supunha e por essa razão o acordo foi mais favorável à família Moreira Salles.

O aperto de liquidez atingiu igualmente o Banco Votorantim, nono maior banco no ranking por ativo e líder no financiamento a veículos usados, afetado pelos rumores sobre sua saúde financeira em razão das perdas de 2,2 bilhões de reais de empresas do Grupo Votorantim com as operações de derivativos de câmbio. Com os problemas do Votorantim,17 17 Para evitar a quebra do Votorantim, o governo autorizou sua compra pelo BB. Com esse propósito, foi editada, no dia 21 de outubro, a Medida Provisória n. 443 que autorizou o BB e a CEF a adquirir participação em instituições financeiras sediadas no Brasil. Iniciadas no final de outubro, as negociações foram concluídas no dia 9 de janeiro com a aquisição pelo BB de 49,99% do capital votante e 50% do capital social, deixando o controle da instituição nas mãos da família Ermírio de Moraes. O negócio foi fechado por 4,2 bilhões de reais. Ver Lethbridge (2008) e Rocha (2009). o crédito nesse segmento ficou virtualmente paralisado com sérias implicações para o comércio de veículos novos. Com elevação dos estoques, as montadoras interromperam a produção nos dois últimos meses do ano, afetando toda a cadeia produtiva.

A crise internacional e a reação do Banco Central do Brasil

No Brasil, onde vigora desde julho de 1999 o regime de metas de inflação,18 18 Sobre o regime de metas de inflação, ver a Nota Técnica do Grupo de Conjuntura Regime de meta de inflação em perspectiva comparada. Disponível em: < http:\\www.fundap.sp.gov.br>. o Banco Central efetua modificações na meta da taxa básica de juros (taxa Selic) com o propósito de influenciar as expectativas dos agentes privados. O objetivo é manter a inflação na meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para o ano-calendário (janeiro a dezembro) mediante o monitoramento das expectativas em relação à evolução da inflação, da taxa de juros e do desempenho da atividade econômica. Nessa estratégia de condução da política monetária, as decisões relativas à meta da taxa de juros são tomadas com base nos cenários prospectivos de desempenho macroeconômico, delineados nos Relatórios de Inflação, divulgados trimestralmente pela autoridade monetária.

Em 2008, o Banco Central do Brasil conduziu a política monetária para manter a inflação no centro da meta (Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA – igual a 4,5%), a partir do diagnóstico de que havia "risco relevante para o panorama inflacionário", em razão do descompasso persistente entre o ritmo da expansão da demanda e o da oferta doméstica. Em resposta à forte elevação do preço dos alimentos ao longo do primeiro semestre desse ano, puxada pela alta acelerada dos preços das commodities agrícolas no mercado internacional, que levou o IPCA acumulado em 12 meses a se distanciar cada vez mais do centro da meta, a autoridade monetária iniciou, no mês de abril, uma nova fase de alta da Selic que só seria interrompida em outubro, quando a economia brasileira já havia sido fortemente atingida pelos impactos do aprofundamento da crise global. Em quatro reuniões consecutivas, o Comitê de Política Monetária (Copom) elevou a meta da Selic, que saltou de 11,25% a.a no início de abril para 13,75% em 10 de setembro. O último aumento da meta da taxa básica de juros ocorreu, portanto, em meio à intensificação das turbulências nos mercados financeiros internacionais e ao movimento de intensa deflação nos preços internacionais das commodities agrícolas e do petróleo.

A alta da meta da Selic nas vésperas da quebra do Lehman Brothers e da transformação da crise financeira em uma crise global sistêmica suscita algumas dúvidas. Mesmo reconhecendo que os bancos centrais possuem um conjunto de informações não disponíveis aos agentes econômicos privados, o diagnóstico de descompasso entre o ritmo de expansão da demanda interna e da oferta não parece correto à luz de vários indicadores disponíveis em setembro e/ou divulgados nos meses subsequentes. Os resultados do PIB nos dois primeiros trimestres do ano não indicavam aceleração do ritmo do crescimento da economia, desmentindo, portanto, as teses de que o aumento real do PIB estaria criando as pressões inflacionárias que inviabilizariam o processo de crescimento.19 19 O aumento real do PIB no segundo trimestre de 2008 foi de 6,1% em comparação com igual trimestre do ano anterior, variação próxima à registrada nos dois trimestres anteriores: 5,9% no primeiro trimestre e 6,2% no quarto trimestre de 2007. Sobre esse ponto, ver Nota Técnica do Grupo de Conjuntura A evolução da atividade econômica e is impactos da crise financeira. Disponível em: < http:\\www.fundap.sp.gov.br>.

Até setembro de 2008, quando sofreu o revés do contágio da crise internacional, a economia brasileira vinha registrando crescimento expressivo da formação bruta de capital fixo e da produção industrial. Notava-se a liderança da expansão da produção de bens de capitais e de bens duráveis, que cresciam a taxas de dois dígitos, dada a evolução do consumo das famílias, que estimulava as decisões de investimento produtivo. Se a capacidade de produção da economia, necessária à acomodação do crescimento da demanda, estava em ampliação, qual a razão para a persistência do diagnóstico de que havia um descompasso entre a demanda doméstica e a oferta? Uma explicação possível reside no instrumental utilizado pela autoridade monetária para avaliar a necessidade de ajuste da meta de juros, tendo como referência o conceito de PIB potencial, cuja fixação é absolutamente arbitrária.

Será que, além do seu reputado conservadorismo e apego ao mandato de estabilidade dos preços em regime institucional de meta de inflação pouco flexível, o BCB estava convencido da validade da tese do "descolamento das economias emergentes"? A crença na blindagem da economia brasileira, em razão da execução exemplar das "lições de casa do mercado", parece ser uma explicação plausível para a elevação da meta da Selic, complementar ao diagnóstico de "ritmo acelerado de expansão da demanda". Assim, tudo indica que o BCB errou duas vezes: uma em insistir no diagnóstico de que a economia brasileira estava crescendo acima do seu potencial, e a outra por não vislumbrar a gravidade da desaceleração em curso nas economias avançadas associada ao movimento de desalavancagem do sistema financeiro e de deflação dos ativos.

Cioso de sua imagem de guardião da moeda brasileira, o Copom optou pela manutenção da meta da Selic no patamar de 13,75% a.a na penúltima reunião do ano de 2008. Decisão aplaudida e antecipada pelos analistas de mercado financeiro e pelos economistas de consultorias econômicas, como ilustra Mendonça de Barros (2008), às vésperas da reunião do Copom nos dias 28 e 29 de outubro: "a decisão mais correta e sensata será uma parada no processo de aumento dos juros pelo menos até a próxima reunião em dezembro. O profundo corte na oferta de crédito bancário e comercial pode ser suficiente para reduzir a demanda interna e ancorar as expectativas de inflação".

Na Ata do Copom, divulgada no dia 7 de novembro, o compromisso com a estabilidade dos preços foi reafirmado, com um recado claro aos que interpretaram a interrupção do ciclo de alta da meta da Selic como sinal de afrouxamento da política monetária. Não obstante a avaliação de "que a persistência de descompasso importante entre o ritmo de expansão da demanda e da oferta agregadas continua representando risco para a dinâmica inflacionária", a decisão de manter inalterada a taxa básica de juros foi justificada pelo aumento da incerteza em relação à "trajetória esperada dos gastos domésticos em consumo e investimento". Todavia, o BCB alertava que "na eventualidade de se verificar alteração no perfil de riscos que implique modificação do cenário prospectivo básico traçado para a inflação pelo Comitê", a postura da política monetária seria prontamente adequada às circunstâncias.

A manutenção da meta da Selic num patamar elevado, enquanto os países centrais e os periféricos reduziam de forma expressiva as suas taxas básicas de juros, buscava, de um lado, evitar os efeitos deletérios do pass-through da desvalorização do real aos preços domésticos e, de outro, conter a expansão da demanda interna. Porém, ante a gravidade do impacto da crise global na economia brasileira, o rigor da política monetária não só era desnecessário como desaconselhável.

Na situação de elevada aversão ao risco e de empoçamento da liquidez nas instituições de maior porte, a manutenção da taxa de juros básica em patamar elevado piorou ainda mais as condições de crédito, tanto para empresas como para bancos de médio e pequeno portes, acelerando o caminho da economia brasileira para a recessão. A profunda retração da oferta de crédito bancário doméstico e a interrupção de linhas comerciais externas foram mais do que suficientes para reduzir a demanda interna e "ancorar as expectativas de inflação", pois provocaram uma parada brusca da atividade econômica no último trimestre do ano. A desaceleração da atividade foi tão rápida e tão intensa que as pressões inflacionárias da forte apreciação do dólar não se confirmaram e o IPCA se desacelerou, fechando o ano em 5,9% (0,6 ponto porcentual abaixo do teto da meta).

O recuo das expectativas de inflação para 2009,20 20 No relatório de inflação publicado em dezembro de 2008, as novas projeções de inflação indicavam variação de 6,2% do IPCA em 2008 e de 4,7% em 2009, enquanto as expectativas do mercado coletadas pela Gerência de Relações com os Investidores (Gerin) do BCB no dia 19 de dezembro apontavam para variação do IPCA de 6% em 2008 e de 5% em 2009. Embora acima do centro da meta, essas projeções estavam dentro da margem de tolerância de 2 p.p estabelecidas pelo CMN. as novas informações sobre a deterioração da economia global e os fortes indícios de rápida desaceleração do nível de atividade econômica doméstica não foram, contudo, suficientes para que o BCB modificasse a estratégia de política monetária. Na última reunião do ano, realizada nos dias 10 e 12 de dezembro, o Copom decidiu novamente pela manutenção da meta da taxa básica de juros no patamar de 13,75% ao ano.

A ata divulgada no dia 18 de dezembro sugeria o corte dos juros como o próximo movimento do Copom. A redução na meta da Selic já estava, contudo, "precificada" pelos agentes. Desde o mês de novembro, a taxa Swap DI de 360 dias indicava a mudança das expectativas dos agentes, que passaram a projetar uma queda dos juros.

A rigidez do BCB na condução da política monetária no último trimestre de 2008 contrasta fortemente com a ação dos seus congêneres nas principais economias avançadas e periféricas. Além de cortar os juros de forma expressiva, vários bancos centrais procuraram reativar o crédito e melhorar as condições de liquidez mediante a ampliação da emissão monetária. Já no Brasil, a adesão irrestrita ao regime monetário de metas de inflação exigia da autoridade monetária a realização de operações compromissadas de títulos da dívida pública com o sistema bancário para evitar que a Selic efetiva caísse abaixo da meta de 13,75% ao ano. Assim, ao mesmo tempo que reduzia as exigências de compulsório sobre os depósitos bancários para resolução do problema de iliquidez e de dificuldade de refinanciamento dos bancos menores, o BCB procurava evitar a expansão do volume de moeda em circulação na economia.

Para a rápida deterioração do cenário econômico, contribuiu igualmente a gestão inepta pela autoridade monetária do "empoçamento" da liquidez. Nos meses de setembro a novembro, o BCB adotou uma série de medidas para resolução do problema de iliquidez e de dificuldade de refinanciamento dos bancos menores, postergando o cronograma de elevação da alíquota de compulsório sobre os depósitos interfinanceiros das empresas de leasing e promoveu alterações na regulamentação do compulsório sobre os depósitos à vista, a prazo, e na exigibilidade adicional que incide sobre os depósitos à vista, a prazo e de poupança.21 21 Entre os dias 23 de setembro e 13 de novembro, o BCB promoveu dez alterações na regulamentação do compulsório. Algumas dessas mudanças alteraram modificações recém-realizadas, sugerindo que a autoridade monetária não avaliou apropriadamente a gravidade dos problemas de iliquidez no sistema financeiro. A redução na alíquota do compulsório sobre os depósitos à vista e a ampliação do valor da dedução na exigibilidade adicional visava ajudar os bancos pequenos e médios que só estavam conseguindo rolar suas carteiras de créditos por meio da emissão de CDB a um custo muito elevado. Já a ampliação nas deduções associadas à aquisição de ativos de instituições financeiras teve como propósito estimular as compras de carteiras de crédito dos bancos pequenos e médios pelos grandes.

Os grandes bancos não se interessaram, porém, pela aquisição interbancária dos ativos financeiros de até 40% dos recursos do compulsório sobre os depósitos a prazo por duas razões. Em primeiro lugar, porque os recursos do compulsório sobre os depósitos a prazo eram mantidos em títulos, contando, portanto, com remuneração indexada à taxa Selic. No contexto de aversão ao risco, os bancos preferiam manter os recursos no compulsório com rendimento próximo da Selic, mantida em 13,75% pelo BCB em outubro, a comprar carteiras de bancos menores, com retorno anualizado em torno de 21% (150% do CDI).

Em segundo lugar, as regras para a compra das carteiras foram consideradas duras pelos bancos, uma vez que vetavam a figura da coobrigação, mecanismo em que o banco originário do crédito se mantém como um garantidor após a cessão de crédito. Ou seja, de acordo com as regras, os bancos compradores assumiriam o risco total da carteira de crédito adquirida com recursos do compulsório. De acordo com os bancos, isso exigiria nova análise de crédito, motivando a hesitação dos potenciais compradores.

Assim, dois dias antes de sua entrada em vigor, as regras para aquisição de carteiras foram afrouxadas pelo BCB, com a eliminação da proibição de coobrigação, introduzida com o objetivo de garantir um controle maior sobre o uso do incentivo. Ao rever sua decisão, o BCB esclareceu que tal controle seria mais eficaz se, em vez de vedar a repartição de riscos entre os bancos, proibisse a revenda da carteira ao banco originador dos créditos, como foi feito na nova versão. Contudo, essas alterações tiveram pouco efeito em incentivar os grandes bancos a adquirir carteiras de crédito dos menores. A despeito das medidas do BCB, o problema do empoçamento de liquidez se aprofundou, com a emergência de informações mais acuradas sobre as perdas com as operações de derivativo de câmbio, que se revelaram maiores do que se supunha inicialmente.

Em meados de outubro, a escassez de liquidez atingia os estratos mais altos do segmento de bancos médios e também uma parcela dos fundos de investimentos. Segundo Guimarães (2008): "Os grandes bancos giram o caixa no overnight, ganham quase 14% sem fazer nada, enquanto os pequenos e médios enfrentam dificuldades em chegar ao fim do dia. Toda a estrutura de crédito interno se alterou em menos de um mês, de tal sorte que, quando há financiamento, ele está mais curto e caro".

Além de elevar as exigências de garantias para oferecer ou renovar as linhas de crédito, os bancos aumentaram as taxas de juros das operações ativas no último trimestre de 2008. Essa alta decorreu tanto do aumento do custo de captação para os bancos como da elevação do spread de risco pelo aumento da incerteza, agravada pelas perdas decorrentes das operações com derivativos de dólar, estimadas em US$ 25 bilhões, que envolveram três mil empresas, muitas delas com receitas exclusivamente em reais e sem disponibilidade de caixa para saldar perdas com os contratos, se fossem cobradas integralmente e de uma só vez.22 22 Sobre as estimativas de perdas com as operações de derivativo de câmbio, ver, entre outros, Balthazar (2008) e Bautzer (2008). Os bancos renegociaram os empréstimos associados aos derivativos de dólar para evitar a quebra dessas empresas, mas elevaram os prêmios de risco.

No dia 13 de outubro, o BCB alterou mais uma vez as regras do recolhimento compulsório sobre os depósitos a prazo, elevando de 40% para 70% o porcentual do compulsório que pode ser destinado pelos bancos para a compra de carteiras de crédito de outros bancos. Igualmente, alterou os ativos elegíveis para compra interbancária com recursos do compulsório, autorizando a aquisição de títulos da carteira de fundos de investimento.

Nesse mesmo dia, o BCB aumentou de 700 milhões para 2 bilhões de reais a faixa de isenção do recolhimento compulsório equivalente a 15% dos recursos captados em depósitos a prazos. Como apenas dez bancos captam mais do que 13 bilhões de reais em depósitos a prazo, a partir da entrada em vigor dessa norma, apenas eles continuaram sujeitos à exigência desse recolhimento. Também para melhorar as condições de liquidez dos bancos médios, o BCB alterou as regras para o compulsório adicional sobre depósitos à vista, a prazo e de caderneta de poupança. O limite de isenção para essas operações foi elevado de 700 milhões para um bilhão de reais, o que liberou dessa exigência praticamente todos os bancos médios.

Embora, na segunda metade de outubro, inúmeras compras de carteiras – crédito consignado, leasing, financiamento de veículos e empréstimos a empresas médias – tenham sido anunciadas pelos grandes bancos, os negócios fechados somaram apenas de 1,5 bilhão de reais de um potencial de quase 30 bilhões de reais, o que levou a autoridade monetária a aumentar a pressão sobre os grandes bancos (Cruz, 2008).23 23 Em 17 de outubro, mais de 18 carteiras de crédito já haviam sido compradas pelos grandes bancos privados (Bradesco, Itaú-Unibanco) e bancos públicos (Nossa Caixa, CEF e BB), com remuneração de até 150% do CDI (Carvalho & Ribeiro, 2008). No dia 30 de outubro, Durão (2008) relatava que, após um período de asfixia, a situação dos bancos pequenos e médios começava a se normalizar, em razão das operações de cessão de carteira, cujo custo declinou de 150% para 125% do CDI, e de acordos operacionais acertados entre os bancos para a compra de novos créditos originados pelos bancos pequenos e médios. Assim, com o intuito de forçar os grandes bancos a adquirir ativos financeiros dos médios e pequenos e "desempoçar" a liquidez no interbancário, o BCB promoveu uma alteração, no dia 30 de outubro, na forma de cumprimento do recolhimento sobre os depósitos a prazo, estabelecendo que 70% dessa exigibilidade sejam mantidos em espécie e não mais exclusivamente em títulos públicos. Essa nova forma de recolhimento, que entrou em vigor no dia 15 de novembro, impôs uma punição aos bancos que não utilizassem seus recursos de compulsório para adquirir ativos financeiros dos bancos menores, pois com recolhimento do compulsório em espécie aumentou o custo de oportunidade de deixar os recursos ociosos.

Ao editar essa medida, porém, o BCB errou na avaliação do seu impacto sobre a gestão da dívida pública, já que os bancos deixariam de utilizar títulos públicos federais para cumprir 70% da exigibilidade dos recolhimentos compulsórios. De modo que, menos de duas semanas após a edição pelo BCB da Circular n. 3.417, o CMN alterou as regras para o cumprimento da exigibilidade adicional que incide sobre os depósitos à vista, a prazo e de poupança (Resolução n. 3.643 de 13.11.2008). A partir de 1º de dezembro, os recolhimentos deixaram de ser feitos em espécie, com remuneração pela taxa Selic, para serem realizados em títulos públicos federais indexados à Selic. Com essa mudança, o CMN procurou assegurar que a demanda de títulos públicos federais não fosse afetada pela alteração realizada na regra de recolhimento do depósito a prazo.

A estratégia de redução das alíquotas dos recolhimentos compulsórios adotada pelo BCB se revelou inócua, pois, dada a preferência pela liquidez dos bancos e a possibilidade de aplicação, líquida, rentável e de baixíssimo risco, em títulos públicos, os bancos privados simplesmente não ampliaram o crédito. A liquidez só voltou a fluir quando, em março de 2009, o governo decidiu garantir, mediante o Fundo Garantidor de Crédito, os recibos de depósito bancário (RDB) até 20 milhões de reais por aplicador, sem liquidez diária, emitidos com prazo de no mínimo seis meses e no máximo cinco anos, com teto para as captações por instituição financeira no valor máximo de 5 bilhões de reais.24 24 O Recibo de Depósito Bancário (RDB) com garantia especial do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) foi instituído pelo Conselho Monetário Nacional em 26 de março de 2009 (Resolução n. 3.692). O valor máximo que cada instituição poderá emitir RDB estava limitado ao total de CDB emitido até o dia 30 de junho de 2008 ou até duas vezes o patrimônio de referência. Porém, em 23 de abril, em reunião extraordinária, o CMN decidiu incluir no cálculo do limite de captação do RDB as letras de câmbio emitidas pelas instituições financeiras (Resolução n. 3.717).

Para amenizar a contração de crédito pelo setor bancário privado, as instituições financeiras públicas ampliaram e/ou criaram novas linhas de crédito. Não fosse a ação anticíclica dos bancos públicos, sobretudo BNDES e CEF, a retração da economia brasileira no último trimestre de 2008 teria sido ainda mais dramática.

Notas

Recebido em 24.5.2009 e aceito em 26.5.2009.

Maria Cristina Penido de Freitas é economista pela UFMG, com doutorado em Economia pela Universidade de Paris 13. Foi professora da Unip e da PUC-SP. Atualmente é consultora do Grupo de Conjuntura da Fundap e pesquisadora-bolsista do Cecon-IE-Unicamp. @ – crispenido@uol.com.br

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  • 1
    O presente artigo se beneficiou da leitura atenta de Marcos Antonio Macedo Cintra, a quem agradeço os comentários e sugestões. Erros e omissões são de inteira responsabilidade autora.
  • 2
    Adota-se aqui a noção de concorrência como processo dinâmico, presente em Marx e em Schumpeter. A noção de concorrência como processo dinâmico, no qual as oportunidades de mercado são exploradas continuamente pelos empresários em sua busca por maiores lucros, se contrapõe à noção estática de concorrência como uma estrutura de mercado, predominante na teoria econômica. Na atividade bancária, o processo de concorrência capitalista assume traços particulares, em razão da natureza específica dos bancos e do papel único que desempenham como criadores de moeda de crédito. Sobre esse ponto, ver Freitas (1997).
  • 3
    Esse movimento foi condicionado por um amplo conjunto de fatores de natureza macroeconômica, estrutural e regulatória. Para maiores detalhes, ver Freitas (2007a).
  • 4
    Sobre o ciclo recente de crédito e seus determinantes, ver, entre outros, Cintra (2006), Oliveira (2006) e Freitas (2007b).
  • 5
    A regulamentação do crédito consignado em folha de pagamento, de trabalhadores ativos e inativos em dezembro de 2003, forneceu impulso adicional para a ampliação do crédito às pessoas físicas. Introduzida pela Medida Provisória n.130 – de 17.9.2003, posteriormente convertida na Lei n.10.820, de 17.12.2003 –, a modalidade de empréstimos consignados em folha de pagamento cresceu vertiginosamente, atingindo o volume de 9,7 bilhões de reais em dezembro de 2003. Desde então, o crédito consignado vem ampliando continuamente sua participação no total do crédito pessoal, saltando de 35,5% em dezembro de 2003 para 62% em junho de 2008. Trata-se de uma inovação patrocinada pelo governo, com intuito de favorecer a redução do custo dos empréstimos, que representou uma nova oportunidade de negócio que os bancos menores souberam aproveitar, conquistando importantes fatias desse novo segmento (Freitas, 2007a).
  • 6
    Em contraste, observou-se, pela primeira vez no ciclo atual, o arrefecimento do crédito às pessoas físicas, em razão do menor dinamismo dos empréstimos para aquisição de bens e do crédito pessoal, sobretudo na modalidade de consignado. A elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) que incide sobre os financiamentos diretos ao consumidor, a redução de 30% para 20% pelo INSS do limite para o desconto em folha dos empréstimos aos aposentados em janeiro, bem como, os aumentos consecutivos da meta da taxa Selic entre abril e setembro explicam por que essas modalidades, que vinham liderando a ampliação do crédito com recursos livres, perderam fôlego em 2008. No caso do crédito consignado, as margens mais estreitas em razão da elevação da Selic e problemas com a liquidação antecipada de crédito levaram vários bancos a rever suas estratégias operacionais nesse segmento.
  • 7
    Sobre o desempenho do mercado de capitais brasileiro, ver a Nota Técnica do Grupo de Conjuntura
    O mercado de capitais brasileiro em 2008: os impactos da crise financeira. Disponível em: <
  • 8
    Sobre o surgimento do CDB com liquidez diária, ver Carvalho (2008).
  • 9
    Para maiores detalhes sobre o funcionamento do mercado de derivativos de câmbio, ver Prates & Fahri (2008). Sobre as operações de empréstimos vinculadas a contratos de derivativo de dólar, ver, entre outros, Lucchesi et al. (2008), Brandimarte et al. (2008), Balthazar (2008) e Adachi (2008).
  • 10
    Sobre o impacto da crise financeira sobre as moedas nacionais dos países periféricos, ver Prates & Cunha (2009).
  • 11
    Segundo Safatle & Galvão (2008), a taxa de renovação das operações de ACC que superava 100% antes do agravamento da crise externa caiu para 25% na terceira semana de setembro, enquanto os prazos "que eram de 360 dias, reduziram-se para 90 dias ou, na melhor das hipóteses, 180 dias".
  • 12
    Sobre o efeito, contágio da crise global nos fluxos de capital para o Brasil e na balança comercial brasileira, ver Iedi (2009).
  • 13
    Sobre esse ponto, ver a Nota Técnica do Grupo de Conjuntura
    Panorama das economias emergentes: o efeito-contágio da crise. Disponível em: <
  • 14
    No Brasil, em razão do modelo de gestão da dívida pública, que integra o mercado monetário o de títulos públicos, e da existência de títulos da dívida pública indexados à taxa de juros básica, os bancos exercem preferência pela liquidez adquirindo títulos públicos federais, o que lhes assegura baixíssimo risco, alta rentabilidade e facilidade na realocação de portfólio (Lopreato 2007; Freitas, 1997; Oliveira, 2009). As características institucionais da gestão da dívida pública brasileira explicam, pelo menos em parte, a dificuldade enfrentada pelo BCB para atuar na resolução do problema de "empoçamento" de liquidez no interbancário, vendo-se obrigado a rever decisões sobre o recolhimento do compulsório sobre os depósitos a prazo. Esse ponto será retomado mais frente.
  • 15
    Os bancos pequenos e médios também foram afetados pela fuga para segurança dos investidores institucionais, e os grandes investidores individuais que, aproveitando a liquidez diária dos CDB, transferiram suas aplicações para instituições consideradas mais seguras, como os bancos públicos e os grandes bancos privados.
  • 16
    O Itaú e o Unibanco anunciaram a fusão no dia 3 de novembro de 2008, mediante a constituição de uma
    holding da qual as famílias controladoras dos dois bancos assumiram 50%. Esse formato da transação surpreendeu o mercado e alimentou os rumores de que o caixa do Itaú teria sido muito mais afetado pelas chamadas de margem do que se supunha e por essa razão o acordo foi mais favorável à família Moreira Salles.
  • 17
    Para evitar a quebra do Votorantim, o governo autorizou sua compra pelo BB. Com esse propósito, foi editada, no dia 21 de outubro, a Medida Provisória n. 443 que autorizou o BB e a CEF a adquirir participação em instituições financeiras sediadas no Brasil. Iniciadas no final de outubro, as negociações foram concluídas no dia 9 de janeiro com a aquisição pelo BB de 49,99% do capital votante e 50% do capital social, deixando o controle da instituição nas mãos da família Ermírio de Moraes. O negócio foi fechado por 4,2 bilhões de reais. Ver Lethbridge (2008) e Rocha (2009).
  • 18
    Sobre o regime de metas de inflação, ver a Nota Técnica do Grupo de Conjuntura
    Regime de meta de inflação em perspectiva comparada. Disponível em: <
  • 19
    O aumento real do PIB no segundo trimestre de 2008 foi de 6,1% em comparação com igual trimestre do ano anterior, variação próxima à registrada nos dois trimestres anteriores: 5,9% no primeiro trimestre e 6,2% no quarto trimestre de 2007. Sobre esse ponto, ver Nota Técnica do Grupo de Conjuntura
    A evolução da atividade econômica e is impactos da crise financeira. Disponível em: <
  • 20
    No relatório de inflação publicado em dezembro de 2008, as novas projeções de inflação indicavam variação de 6,2% do IPCA em 2008 e de 4,7% em 2009, enquanto as expectativas do mercado coletadas pela Gerência de Relações com os Investidores (Gerin) do BCB no dia 19 de dezembro apontavam para variação do IPCA de 6% em 2008 e de 5% em 2009. Embora acima do centro da meta, essas projeções estavam dentro da margem de tolerância de 2 p.p estabelecidas pelo CMN.
  • 21
    Entre os dias 23 de setembro e 13 de novembro, o BCB promoveu dez alterações na regulamentação do compulsório. Algumas dessas mudanças alteraram modificações recém-realizadas, sugerindo que a autoridade monetária não avaliou apropriadamente a gravidade dos problemas de iliquidez no sistema financeiro.
  • 22
    Sobre as estimativas de perdas com as operações de derivativo de câmbio, ver, entre outros, Balthazar (2008) e Bautzer (2008).
  • 23
    Em 17 de outubro, mais de 18 carteiras de crédito já haviam sido compradas pelos grandes bancos privados (Bradesco, Itaú-Unibanco) e bancos públicos (Nossa Caixa, CEF e BB), com remuneração de até 150% do CDI (Carvalho & Ribeiro, 2008). No dia 30 de outubro, Durão (2008) relatava que, após um período de asfixia, a situação dos bancos pequenos e médios começava a se normalizar, em razão das operações de cessão de carteira, cujo custo declinou de 150% para 125% do CDI, e de acordos operacionais acertados entre os bancos para a compra de novos créditos originados pelos bancos pequenos e médios.
  • 24
    O Recibo de Depósito Bancário (RDB) com garantia especial do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) foi instituído pelo Conselho Monetário Nacional em 26 de março de 2009 (Resolução n. 3.692). O valor máximo que cada instituição poderá emitir RDB estava limitado ao total de CDB emitido até o dia 30 de junho de 2008 ou até duas vezes o patrimônio de referência. Porém, em 23 de abril, em reunião extraordinária, o CMN decidiu incluir no cálculo do limite de captação do RDB as letras de câmbio emitidas pelas instituições financeiras (Resolução n. 3.717).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Mar 2010
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Aceito
      29 Maio 2009
    • Recebido
      24 Maio 2009
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