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As classes médias podem dinamizar o crescimento do PIB nas economias emergentes?

Resumos

Observa-se uma tendência de aumento das classes médias, qualquer que seja o critério de inclusão adotado. Com uma definição ampla de classes médias, aumenta sua heterogeneidade e o grupo vulnerável tende a perder sua importância. Inversamente, a escolha de uma definição estreita de classes médias limita seu caráter "saco de gatos". Alguns veem nessa expansão das classes médias uma oportunidade de redinamizar o crescimento. Outros consideram que a expansão das classes médias decorre do crescimento e que um círculo virtuoso poderia existir entre crescimento e classes médias. No quadro de uma globalização controlada, essas duas teses estão erradas: uma redistribuição da renda em favor das categorias mais pobres pode dinamizar o crescimento

Classes médias; Crescimento; Globalização; Desigualdades de renda; Mercado interno


One observes a tendency to the increase in the middle class whatever the criterion of membership adopted. With a broad definition of the middle class, the vulnerable group tends to lose of its importance and the heterogeneity of this group increases. On the contrary, the choice of a narrow definition of the middle class limit their character "catches all". Some economists see in this rise of the middle class to spur economic growth of the emergent economies. Others consider that the rise of the middle class comes from the growth and that a virtuous circle could exist between growth and middle class. Within the framework of a controlled globalization, these two theses are erroneous: a redistribution of the incomes in favour of the the most underprivileged sectors can increase the growth.

Middle class; Growth; Globalization; Income inequalities; Internal market


TRABALHO, EMPREGO E RENDA

As classes médias podem dinamizar o crescimento do PIB nas economias emergentes?

Pierre Salama

Paris XIII. Paris, França

RESUMO

Observa-se uma tendência de aumento das classes médias, qualquer que seja o critério de inclusão adotado. Com uma definição ampla de classes médias, aumenta sua heterogeneidade e o grupo vulnerável tende a perder sua importância. Inversamente, a escolha de uma definição estreita de classes médias limita seu caráter "saco de gatos". Alguns veem nessa expansão das classes médias uma oportunidade de redinamizar o crescimento. Outros consideram que a expansão das classes médias decorre do crescimento e que um círculo virtuoso poderia existir entre crescimento e classes médias. No quadro de uma globalização controlada, essas duas teses estão erradas: uma redistribuição da renda em favor das categorias mais pobres pode dinamizar o crescimento.

Palavras-chave: Classes médias, Crescimento, Globalização, Desigualdades de renda, Mercado interno.

ABSTRACT

One observes a tendency to the increase in the middle class whatever the criterion of membership adopted. With a broad definition of the middle class, the vulnerable group tends to lose of its importance and the heterogeneity of this group increases. On the contrary, the choice of a narrow definition of the middle class limit their character "catches all". Some economists see in this rise of the middle class to spur economic growth of the emergent economies. Others consider that the rise of the middle class comes from the growth and that a virtuous circle could exist between growth and middle class. Within the framework of a controlled globalization, these two theses are erroneous: a redistribution of the incomes in favour of the the most underprivileged sectors can increase the growth.

Keywords: Middle class, Growth, Globalization, Income inequalities, Internal market.

Segundo os dados do Banco Mundial, a população das economias em via de desenvolvimento correspondia a 83% da população mundial em 2000. Esse percentual aumentou pouco, atingindo 85% em 2010. Mas sua participação no consumo mundial cresceu a um ritmo muito mais rápido: de 18%, em 2000, passou a 30%, em 2010.

O aumento relativo do consumo dos países do sul deve-se principalmente ao maior crescimento desses países - especialmente dos emergentes - em relação aos países avançados e à importância das classes médias na sua formação social.

Segundo a Brooking Institution e o relatório anual do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, 2013) sobre o desenvolvimento humano, as classes médias - definidas como aquelas cujo nível de renda, por indivíduo e por dia, estão compreendidas entre 10 e 100 dólares PPA (Paridade do Poder Aquisitivo), à taxa de câmbio de 2005 - constituem 29% da população mundial, isto é, 1,85 bilhão de indivíduos em 2009. Seu número deverá aumentar a um ritmo sustentado e se elevar a 3,25 bilhões de indivíduos em 2020, e a 4,9 bilhões em 2030, tudo mais permanecendo constante. Elas deverão estar mais e mais concentradas nos países emergentes, onde o crescimento e a população são mais importantes do que em outros países. Assim, em 2030, dois terços das classes médias mundiais residirão na Ásia; 10%, na América Central e do Sul, contra, em 2010, um terço na Ásia e 9% na América Central e do Sul (Ernst e Young, 2013).

A maioria dos economistas analisa as classes médias nos países emergentes definindo-as pelo nível de renda, raramente pelo patrimônio e pelas categorias socioprofissionais. Conforme os autores, os critérios de inclusão utilizados repousam sobre intervalos de renda mais ou menos amplos. Isso resulta em uma importância numérica absoluta e relativa das classes médias, no total da população, maior ou menor. Quanto mais importantes são as classes médias, mais eficazes parecem ser as políticas econômicas empreendidas, sendo maior a legitimidade dos governos! Então, o problema se desloca para os pobres, que são menos analisados, em comparação com as classes médias, que são mais estudadas.

Observa-se uma tendência de aumento das classes médias, qualquer que seja o critério de inclusão adotado.1 1 Na maioria dos países da América Latina, no curso dos últimos anos, o aumento das classes médias é acompanhado de uma tendência à queda de sua renda média disponível (Galassi; Gonzalez, 2012). Em contrapartida, ela aumenta fortemente nos países asiáticos. Mas as desigualdades de renda crescem consideravelmente na China e na Índia: a renda média das classes médias cresce menos que a das classes ricas, mas mais rapidamente que a dos pobres e dos indivíduos próximos da linha da pobreza. Certos economistas veem nessa ascensão das classes médias uma oportunidade de redinamizar o crescimento das economias emergentes ameaçadas pelo "middle income trap" (armadilha da renda média), impulsionada pelo crescimento dos bens de consumo duráveis sofisticados. Outros economistas consideram que a ascensão das classes médias provém do crescimento e que um círculo virtuoso poderia existir entre crescimento e classes médias. Ao contrário, outros autores destacam que uma redistribuição de renda em favor das categorias menos favorecidas seria suscetível de dinamizar o crescimento e, isso acontecendo, de diminuir a pobreza.

A emergência das classes médias nos países emergentes

As abordagens baseadas na renda

• Rápido exame dos critérios de inclusão baseados na renda

Os critérios para inclusão nas classes médias, elaborados pelos economistas, consistem geralmente em definir os limites (de classes) de renda mínima e máxima. As classes médias são frequentemente definidas a partir de classes de rendas absolutas independentemente da distribuição da renda. Os valores de referência mínimos e máximos são variáveis, segundo os economistas. Para outros, os critérios de inclusão nas classes médias levam em conta a distribuição de renda.2 2 Podem-se encontrar boas sínteses nos trabalhos do Banco Mundial (Ravaillon, 2009 ; Ferreira et al., 2013), do Banco Interamericano do Desenvolvimento (Lora; Fajardo, 2011) ou então da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) (Kharas, 2010). É o que nós iremos apresentar na sequência.

Certos autores determinam a inclusão nas classes médias a partir de limites de rendas de um conjunto de países de referência. Uma das medidas mais utilizadas, a de Milanovic e Yitzhaki (2002), consiste em estabelecer o limite da renda mínima a partir da renda média do Brasil e o limite máximo a partir da renda média da Itália, em um período dado. Calculado em Paridade do Poder de Aquisitivo (PPA) do ano de 2000, o limite mínimo é 12 dólares por dia e por indivíduo, e o limite máximo, de 40 dólares. Outros autores situam o limite mínimo em 10 dólares PPA, correspondente à média das rendas de Portugal e Itália, e o limite máximo em 100 dólares, correspondente à renda média de um país rico, Luxemburgo. Outros autores, finalmente, definem a inclusão nas rendas médias assumindo os limites mínimos mais próximos da linha de pobreza, isto é, 2 dólares PPA, por dia e por indivíduo (valor médio da linha de pobreza em 70 países em desenvolvimento) e 10 dólares para o máximo (Banergie e Duflo, 2008) ou então 3 dólares e 13 dólares (valor da linha de pobreza nos Estados Unidos (Ravaillon, 2009)). Segundo esta última definição, os indivíduos que pertencem às classes médias nos países em desenvolvimento seriam considerados pobres nos Estados Unidos...

Essas estimativas de classes médias definem o limite de renda mínima de inclusão de maneira absoluta. Quanto mais próxima da linha de pobreza, mais a passagem da categoria pobre em direção à média é quase direta, e mais a categoria segmentos vulneráveis (aquelas situadas entre os pobres e as classes médias) torna-se marginal. Em contrapartida, se esse limite está distanciado da linha de pobreza, e se a renda aumenta, inúmeros pobres alcançarão as camadas vulneráveis.

Como nós indicamos, outros economistas definem os critérios de inclusão nas classes médias considerando a distribufição de renda do país em pauta para fixar os limites mínimo e máximo. Pertencerão às classes médias os indivíduos cuja renda se situa, segundo as definições, entre o 3º e o 9º decil; ou entre o 2º e o 4º quintil; ou ainda entre o 3º e o 4º quintil. Por outro lado, certos economistas, como Birdsall (2010), juntam as duas abordagens, absoluta e relativa, utilizando um limite mínimo absoluto de renda (por exemplo, 10 dólares PPA) e um limite máximo relativo de renda (ter uma renda abaixo do 95º percil). Finalmente, outras definições se referem à renda média: pertenceriam às classes médias os indivíduos (famílias) cujas rendas se situam entre 0,75 e 1,25 vezes da renda média, ou entre 0,5 e 1,5 vez da renda média, ou, enfim, de maneira mais ampla, aqueles cuja renda está compreendida entre 0,6 e 2,25 vezes da renda média.

Como se pode observar, os critérios de inclusão nas classes médias estão longe de ser uma unanimidade entre os economistas. Os intervalos de rendas são mais ou menos amplos e o limite mínimo está mais ou menos distante da linha de pobreza. A importância numérica absoluta e relativa das classes médias difere segundo a definição adotada e, dessa forma, sua heterogeneidade também.

• Estimativas muito diferentes da importância das classes médias

A importância numérica das classes médias em termos absolutos e relativos é incontestável, qualquer que seja a definição adotada. Contudo, as estimativas variam fortemente segundo os modos de cálculo adotados.

Lora e Fajardo (2011) comparam os resultados obtidos segundo os diferentes critérios para os principais países latino-americanos. Os resultados obtidos, para 2007, são muito diferentes segundo o critério adotado, como se pode ver na Tabela 1.

A importância numérica das classes médias é tanto menor quanto menor é a diferença entre os limites extremos, e tanto mais distante for o limite inferior da linha de pobreza, tudo o mais permanecendo constante.

Quando o limite da renda mínima fixado para estimar as classes médias está relativamente próximo da linha de pobreza, a classe média tende a crescer rapidamente com o aumento da renda média e a redução da pobreza.

Segundo os cálculos de Neri (2008), construídos a partir de limites absolutos de renda, as classes médias brasileiras constituem mais da metade da população. O Brasil teria se tornado um "país de classes médias"! (Singer, 2009, e para um argumento mais crítico: Ricci, 2013). Se tomado como critério a classificação a partir da renda média (0,75 a 1,25), as classes médias brasileiras representam, em 2007, 24% da população, e 67% se consideramos a renda de 3 a 13 dólares PPA, por dia e por indivíduo.

Com uma definição ampla de classes médias, ao se fixar um limite de renda inferior próximo da linha de pobreza, resta pouco espaço para outras categorias sociais entre os pobres e as classes médias e a ilusão se instala: um número importante de pobres atinge o status de classe média... O que dá uma má fotografia da mobilidade social.3 3 Lembremos, com Chauvel (2006, p.28), que as estruturas sociais não estão congeladas: "A questão da amplitude real das classes médias [...] é indissociável de uma análise dos fluxos de mobilidade que atravessa a sociedade e da frequência com que as pessoas passam de um meio a outro". É, aliás, o que leva Pochmann (2012), no caso do Brasil, a colocar em questão a utilização da categoria "classes médias" que, segundo os critérios adotados pelas instituições governamentais, teria se tornado a maioria da população, conjuntamente com a diminuição da pobreza.4 4 Segundo Pochmann (2012), 94% dos empregos formais (isto é, com direitos trabalhistas e previdenciários), entre 2004 e 2010, foram criados com salário inferiores a 1,5 salário mínimo. Como esse último aumentou significativamente, a diferença em relação à renda que define a linha de pobreza aumentou. A partir da definição ampla adotada pelas autoridades brasileiras, a maioria dos titulares desses empregos pertence doravante às classes médias, enquanto, se forem seguidos os critérios adotados pelo Boston Consulting Group (BCG), são sobretudo os segmentos vulneráveis e as classes médias emergentes que se beneficiam da alta da renda disponível no Brasil.

As diferenças de cifras são ainda mais importantes para o caso da Índia. Segundo as análises do McKinsey Global Institute (2013), as classes médias desse país compreendem 50 milhões de pessoas em 2005; para a mesma data, o Banco Mundial as estima em 264 milhões, a partir de uma definição adotada por Ravaillon.

A escolha de uma definição estreita de classe média limita seu caráter "geral" (Goux; Maurin, 2012) e assim sua heterogeneidade.5 5 Entretanto, essa não desaparece. O critério de renda "é problemático, pois, para um mesmo segmento de renda, os perfis sociais pertinentes podem ser completamente diferentes", lembra Bosc (2013, p.41); por isso seria conveniente associar a esse critério outros, tais como o nível de educação, a estabilidade ou a precariedade do emprego e o patrimônio. Pode-se, então, comparar as novas classes médias às antigas classes médias, de acordo com o predomínio do capital econômico ou cultural. Pode-se obter, mediante um recorte mais refinado, uma abordagem mais fecunda da formação social e de suas transformações. De acordo com a abordagem seguida por Ferreira et al. (2013) para a América Latina,6 6 De acordo com BCG, o grupo de vulneráveis é o grupo mais importante no Brasil. Com o aumento da renda disponível, os vulneráveis tornaram-se "classes médias baixas (emergentes)". as classes médias têm uma renda que se situa entre 10 e 50 dólares PPA por dia e por indivíduo. Assim, em 2010, as classes médias e ricas são minoritárias, pois somente 32% das famílias têm renda superior a 10 dólares PPA por dia, per capita. Os 68% das famílias latino-americanas que têm uma renda inferior a 10 dólares por dia e per capita se repartem em pobres (30,5%) e vulneráveis (37,5%), e a renda desses últimos se estabelece entre 4 e 10 dólares PPA ao dia e per capita.

Por outro lado, entre 1995 e 2010, 43% do conjunto das famílias mudaram de grupo.7 7 Essa análise deve se apoiar em pesquisas e neutralizar o viés demográfico se o intervalo de tempo é importante. A metade das famílias pobres de 1995 conheceu uma melhoria tal em suas rendas que se tornou vulnerável em 2010. Em contrapartida, poucas famílias vulneráveis (0,9%) conheceram uma regressão de suas rendas e tornaram-se pobre, e, ao contrário, uma proporção significativa (18,2%) das famílias vulneráveis juntou-se às classes médias em 2010.

As abordagens que contemplam os comportamentos de consumo

Outra abordagem consiste em definir os grupos sociais se apoiando sobre seus comportamentos de consumo. Dessa forma, se podem distinguir diferentes grupos: aqueles que podem acessar os bens de consumo duráveis caros (compra de um carro), aqueles que acessam os bens de consumo menos caros (compra de um celular) etc. As classes médias - assim como as classes ricas - podem ser definidas por sua capacidade de compra de bens de consumo duráveis e caros. Conhecer a dimensão de um dado mercado é um pré-requisito para analisar a valorização possível de um investimento para produzir esses bens, levando em conta as condições de salário e trabalho, e da concorrência.

A Carnegie Foundation (Uri; Shimelsi, 2012) identifica as classes médias nos países emergentes por sua capacidade de comprar automóveis. Uri e Shimelsi (2012) buscaram quantificar a amplitude das classes médias segundo esse último critério.8 8 Entretanto, ao se ponderar pelo número de pessoas por família, com o objetivo de efetuar comparações entre os países, o tamanho das famílias não é o mesmo. O número de carros em cada país é então multiplicado pelo número médio de pessoas por família. As classes médias têm em geral menos crianças. O número de crianças por família é, portanto, menor do que a média nacional. Disso decorre uma sobre-estimativa da classe média, quando o número de carros é ponderado pelo tamanho médio da família; e isso tanto é maior quanto maior o número de filhos da classe média estiver distante da média nacional. Não se pode corrigir esse erro levando em consideração o número de filhos por família pertencente à classe média, pois isso seria definir as classes médias pelas classes médias... Segundo seus cálculos, na China, 106 milhões de indivíduos pertencem à classe média em 2010, cifra próxima daquela obtida por Milanovic-Yitzhani (rendas entre 12 e 50 dólares PPA, por pessoa e por dia). Na Índia, 70,5 milhões de pessoas pertencem às classes médias, cifra elevada quando comparada àquela de Milanovic-Yitzhani, de 37 milhões. No Brasil, as classes médias compreendem 84,15 milhões de indivíduos, o que representa 42% da população, estimativa inferior em 10 a 15 pontos percentuais da do governo.

A taxa de crescimento das vendas de automóveis aumentou tanto na China como na Índia depois de vários anos. Estima-se que esse crescimento deverá se manter nos próximos cinco anos. Continuar a definir as classes médias por sua capacidade de compra de automóveis perde sua pertinência no futuro. De fato, a redução dos custos de produção dos automóveis, a possibilidade de diferenciar o produto e de criar veículos "low cost" estão na natureza da ampliação do mercado desses bens a outros segmentos da população, como se pode observar nos países avançados. Por isso será cada vez mais difícil utilizar as vendas de carros novos como uma variável proxy dos bens de consumo duráveis.

A categoria de bens de consumo duráveis agrupa bens muito diversos: alguns são caros, outros não. A compra de um automóvel novo necessita uma renda relativamente elevada, comparada à das categorias pobres e vulneráveis, mas isso não é o caso para a compra de motos ou de um carro usado. Certos bens duráveis são hoje acessíveis às categorias vulneráveis ou pobres, graças à redução dos custos de produção e dos preços e ao aumento da renda desses segmentos. É o caso dos celulares e de certos produtos da indústria da informática.

O Boston Consulting Group (BCG) classifica a população dos países emergentes em cinco grupos sociais, cruzando as rendas com os comportamentos do consumo: os pobres, as categorias vulneráveis, as classes médias emergentes, as classes médias integradas e os ricos. Os comportamentos de compra são dados por uma amostra de duzentos bens e serviços. As cestas de consumo diferem segundo as categorias sociais e seus conteúdos evoluem com o aumento das rendas (ver Box).

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De acordo com o BCG, a expansão das classes médias (emergentes e integradas) é inegável e deverá continuar no futuro. No Brasil, a participação das classes médias no total da população passa de 18%, em 2000, para 23% em 2010, e atingirá quase 30% em 2020. Essas cifras - feitas as devidas reservas das diferenças de metodologia - são inferiores às estimativas oficiais. Na China e na Índia, as classes médias em cada um desses países representam 28% do conjunto das famílias em 2010 e seu peso deverá continuar a aumentar se permanecer o crescimento elevado de suas economias. Na Indonésia, finalmente, as famílias das classes médias e ricas compreendem 30% do conjunto das famílias, em 2012. Como esses três últimos países têm uma população considerável (respectivamente 1,35 bilhão; 1,23 bilhão e 247 milhões de habitantes, em 2012), a demanda proveniente das classes médias torna-se importante, mesmo se seu peso relativo na população continua modesto.9 9 O tamanho do/ou dos mercados nacionais é uma variável importante. Quanto mais ele é importante, maior o mercado das classes médias e a possibilidade do benefício de economias de escala. Hoje é preciso relativizar o efeito dessa variável sobre o crescimento. Com a globalização comercial e a fragmentação crescente da cadeia de valor que a acompanha, a dimensão dos mercados nacionais perde sua importância - e com ela a do tamanho dos mercados correspondente às classes médias nacionais - em benefício dos mercados internacionais. Na Coreia do Sul, país relativamente pequeno em termos de população, pôde-se instalar uma indústria automobilística consequente porque a produção de veículos era, desde o início, destinada ao mercado internacional, e depois também ao mercado local.

Apostar nas classes médias para dinamizar o crescimento?

É o crescimento e o regime de crescimento que lhe corresponde que explicam a escalada das classes médias, ou é o peso crescente dessas últimas que contribui para a implantação de novos regimes de crescimento caracterizados por taxas de crescimento elevadas? Essa questão demanda várias respostas. Elas dependem, por sua vez, da dimensão absoluta das classes médias e do grau de abertura dos países em questão. Se nos referirmos aos anos 1970, no Brasil, é uma melhoria das margens das empresas decorrentes de uma redução sensível dos salários reais que conduziu a uma alta da taxa de crescimento, ela mesma geradora de um aumento relativo das classes médias em razão de uma alta da renda. A emergência das classes médias estimula, então, o crescimento baseado em um regime de crescimento centrado na produção de bens de consumo duráveis. Os anos 1970 se caracterizam por um protecionismo elevado e o Brasil tem a população mais importante da América Latina (entre 100 e 120 milhões de pessoas nessa época).

O contexto atual é diferente daquele que predominava nos anos 19601970 e o exemplo do Brasil perde, então, sua pertinência por duas razões. A liberalização pronunciada do comércio exterior se opõe ao protecionismo relativo dos anos 1960-1970 e a exportação de mercadorias demanda cada vez mais a exportação de serviços. O desenvolvimento das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) altera radicalmente as condições de produção e a difusão de conhecimentos. Toda uma série de bens de consumo duráveis torna-se acessível a camadas da população cujas rendas são fracas.

Pode-se, então, considerar que atualmente a expansão das classes médias seria de natureza a dinamizar o crescimento das economias latino-americanas, atuando sobre a dinâmica do mercado interno, ou contrarrestando uma redução da taxa de crescimento na China (ou ainda, na Índia), permitindo, assim, a passagem de um regime de crescimento que repousa sobre a dinâmica das exportações e do investimento público na China em direção a um regime de crescimento cuja dinâmica se explicaria em grande parte pelo desenvolvimento do consumo das classes médias?

Iremos apresentar, em um primeiro ponto, o modelo brasileiro dos anos 1960-1970 e, em um segundo, veremos os limites no contexto atual.

Um círculo virtuoso entre a redução dos salários dos operários, o aumento da taxa de crescimento e o desenvolvimento das classes médias no Brasil (1960-1970)

A expansão das classes médias no Brasil nos anos 1960-1970, observada em uma economia relativamente fechada e protegida, tem por premissa um aprofundamento significativo da desigualdade de renda, permitida pela instauração de um regime ditatorial.

No início dos anos 1960, o modelo de substituição de importações perde fôlego e as discussões incidem sobre a tendência à estagnação. De acordo com autores como Furtado, a superação dessa tendência é possível com duas condições: uma reforma agrária, que dinamizaria o mercado interno, e uma planificação indicativa visando reduzir as incertezas e a permitir uma alta da taxa de investimento. É outra via que será "escolhida". No curso dos anos 1960, os regimes implantados pelos golpes de Estado militares de 1964 e 1967 tornaram possível uma redução de 45% dos salários reais dos operários aos desindexá-los da alta de preços. As desigualdades de rendas então aumentaram. É a importância dessas desigualdades que explica que a curva da demanda seja "quebrada" e que os operários não tivessem acesso aos bens de consumo duráveis, chamados, então, de "bens de luxo" segundo a terminologia ricardo-marxiana. Dessa forma, a diminuição dos salários dos operários não afeta a demanda dos setores de bens de consumo duráveis, principalmente do setor automobilístico, mas reduz os custos e aumenta a rentabilidade.10 10 Para explicar a originalidade desse regime de crescimento, convém referir os trabalhos de Kalecki e decompor as atividades econômicas em três setores: o primeiro setor compreende a produção de bens de consumo não duráveis, chamados de bens "operários", no qual os salários dos operários (e das classes médias assalariadas) constituem um custo e uma demanda; o segundo setor diz respeito à produção de bens de consumo duráveis, chamados de bens de "luxo", nos quais os salários dos operários são somente um custo e não representam uma demanda em razão do preço desses bens e da amplitude da desigualdade da renda; o terceiro setor é aquele que produz bens de equipamento e produtos intermediários, no qual a intervenção do Estado é, na época, muito importante. Porém, o aumento da rentabilidade desse setor somente pode ser assegurado se a produção encontra uma demanda suficientemente ampla das classes médias. É o que, no curso do período considerado, foi o caso do Brasil, o país mais povoado da América Latina.

Depois de certo tempo de incubação, o regime de crescimento entra, então, em um "círculo virtuoso". A redução das rendas dos operários, no início do processo, é mais que compensada pelo aumento das rendas globais das classes médias. E a agonia do setor de bens de consumo não duráveis - resultante da queda das rendas dos operários - é mais do que compensada pela dinâmica do setor de bens de consumo duráveis. A elasticidade da demanda em relação à renda (das classes medias) é alta para os bens produzidos no setor de bens de consumo duráveis, e mais particularmente para os automóveis. A expansão do setor que produz bens de consumo duráveis impacta a estrutura dos empregos, favorecendo relativamente o emprego qualificado e a retomada do crescimento permite um aumento das remunerações. Dois fatores explicam, então, o aumento numérico das classes médias: a modificação da estrutura de emprego, o aumento das rendas devido ao crescimento, aos quais se devem somar os efeitos induzidos do crescimento das rendas nos serviços (saúde etc.), especialmente em termos de empregos. A demanda de bens de consumo duráveis aumenta, então, na medida em que esse setor dinâmico assume importância. O crescimento se autoalimenta em um nível elevado, as rendas dos operários aumentam em seguida, mas a um ritmo inferior ao das classes médias. A pobreza finalmente diminui ao mesmo tempo que aumentam as desigualdades, o que lembra uma das principais características do crescimento da China depois de trinta anos.

Não é, então, o desenvolvimento das classes médias que explica a origem da retomada do crescimento, mas a redução significativa dos salários dos operários que, sem implicar uma queda da demanda de bens de consumo duráveis, permitiu uma redução sensível dos custos. Isso engendrou o círculo virtuoso descrito acima. A relação é, então, a seguinte: queda dos salários dos operários - valorização do capital - crescimento - desenvolvimento das classes médias. Trata-se de um novo regime de crescimento que foi implantado pela força e cujo esgotamento no fim dos anos 1970 viria do endividamento externo insustentável, provocado em parte por uma insuficiência de poupança nacional.

A relação entre crescimento e expansão das classes médias que ilustra o caso do Brasil de ontem pode, em um contexto totalmente diferente, aplicar-se à China, à Índia, ou aos países emergentes latino-americanos como o Brasil, o México ou a Argentina de hoje?

O contexto muda com a globalização

A economia do mundo está composta de conjuntos desiguais que estabelecem relações de dominante-dominado mais ou menos fortes entre eles. As trocas se fazem entre conjuntos cujos níveis de monetização, de generalização das mercadorias, de proteção ao trabalho e do meio ambiente, de salários e de produtividade são diferentes. Essas diferenças são relativamente fracas entre países avançados; elas são mais ou menos importantes entre países avançados e países em via de desenvolvimento.

A globalização não se desenvolve na mesma velocidade em cada país. Alguns numerosos "bens não comercializáveis" de ontem não o são mais hoje, e nisso estão incluídos setores que se pensava estar naturalmente protegidos pelas delimitações do Estado Nacional, como em parte a saúde. Mas, por outro lado, nem todos os bens são "comercializáveis" e a velocidade em que eles se tornam comercializáveis não é a mesma em cada país. Os "bens comercializáveis" não estão, também, todos submetidos integralmente à restrição externa da competitividade: o espaço joga um papel importante, não somente em termos de custos de transporte e segurança, mas também em termos institucionais, como os teóricos da geografia econômica mostraram, na sequência dos trabalhos pioneiros de Kaldor.11 11 A fronteira continua a ter uma função, inclusive para dois países vizinhos que praticam entre eles o livre comércio. Ela é um resumo de costumes, de legislações, de instituições e de hábitos diferentes que freiam a livre circulação das mercadorias.

Com a liberalização do comércio, China, Bangladesh, México etc. tornaram-se as "oficinas do mundo". As empresas multinacionais aí se instalaram, ou aí procuraram subcontratantes locais para produzir em condições de trabalho não decentes, comparadas àquelas de países avançados, mercadorias a um custo mais baixo possível, aproveitando da quase ausência de legislação do trabalho e da proteção ao meio ambiente. Segmentos de linha de produção são deslocalizados dos países avançados em direção aos países tornados emergentes. A cadeia de valor é mais e mais fragmentada mundialmente e uma parte importante das linhas de produção de numerosos produtos se realiza doravante em países asiáticos ou na fronteira dos Estados Unidos com o México.

Na China, é o crescimento que explica o essencial da expansão das classes médias e não o contrário, ao mesmo tempo pela transformação progressiva da natureza dos empregos em favor de empregos mais qualificados e pelo aumento da remuneração dos trabalhadores. Por conseguinte, não é o consumo das classes médias que explica o forte crescimento. A contribuição ao crescimento do consumo, em geral, é fraca nos países asiáticos. O crescimento tem por origem o esforço excepcionalmente elevado das despesas de investimento, especialmente em infraestrutura, e no crescimento das exportações.12 12 A originalidade do modelo chinês reside em sua capacidade de combinar água e fogo: o mercado e o socialismo. O setor privado está fortemente desenvolvido. Ele não está limitado somente às atividades das empresas multinacionais. O setor público é muito importante. Sua modernização é financiada por créditos a taxas de juros muito baixas, obtidos pela prática de uma "repressão financeira" com relação ao setor privado, que deve tomar emprestado a taxas de juros elevadas. As empresas públicas se beneficiam de subvenções consequentes. Protegidas por medidas administrativas e pela manutenção de uma taxa de câmbio depreciada, os preços dos produtos manufaturados são cada vez mais livres. A liberalização é, entretanto, menos importante para os bens intermediários, que se beneficiam de numerosas subvenções. Ela está finalmente restringida por fatores de produção, especialmente no que diz respeito às matérias-primas, e pelas condições de empréstimo e de trabalho, logo os preços são mantidos a um nível baixo. Enfim, a China pode ser caracterizada pelas facilidades acordadas para comprar empresas estrangeiras - com o objetivo de se apropriar das tecnologias mais recentes - e por certo protecionismo, via a manutenção de uma taxa de câmbio depreciada e a exclusão, de fato, hoje em dia, das empresas estrangeiras nas "chamadas de ofertas" públicas. A manutenção de uma taxa de investimento elevada é cada vez mais e mais difícil por várias razões, entre as quais a escalada de créditos duvidosos devido ao superendividamento e o aparecimento de capacidades de produção ociosas importantes em certos setores. As perspectivas de crescimento das exportações tornam-se menos favoráveis que no passado e isso tanto mais é verdadeiro quanto é cada vez mais difícil passar de uma especialização que repousa sobre a exportação de produtos de baixa intensidade tecnológica para exportações mais sofisticadas, com um valor adicionado maior.

Na China, passar de um modelo de desenvolvimento a outro, que repouse sobre a dinâmica do mercado interno, não é fácil, apesar da expansão das classes médias. Os salários certamente cresceram em média muito mais rapidamente do que a produtividade do trabalho depois de 2009, mas a parte do consumo no PIB e sua contribuição ao crescimento aumentam ainda fracamente. O aumento dos custos do trabalho, na sequência dos salários, para uma taxa de crescimento da produtividade do trabalho dada, diminui a competitividade das empresas, utilizando mais mão de obra.

A divisão internacional do trabalho traduz atualmente, mais do que antes, o peso crescente da restrição dos custos no plano internacional. Para todo um conjunto de produtos, a restrição externa pesa cada vez mais sob a forma de pré-requisito em termos de competitividade. Como as condições mudaram com a liberalização do comércio, o mercado interno não pode ser concebido independentemente do mercado externo para um conjunto de produtos cada vez mais importante. O crescimento impulsionado pelo mercado interno somente pode se realizar se as condições de competitividade são globalmente respeitadas, senão o aumento da demanda se traduz por uma alta das importações, salvo se voltar o protecionismo.13 13 Compreende-se, então, que a liberalização do comércio possa acarretar uma "desindustrialização precoce" na América Latina e na África do Sul, dado que as importações substituem parte da produção quando a produtividade do trabalho é insuficiente, que os esforços feitos para aumentar as despesas com pesquisa e desenvolvimento não são consequentes, que as taxas de câmbio tendem a se apreciar e que as aplicações financeiras são mais desejáveis do que os investimentos produtivos na indústria (Salama, 2012). A desindustrialização resulta, então, da incapacidade de compensar, pelas altas de produtividade importantes, o diferencial de salários que existe entre esses países e as economias emergentes asiáticas, apesar da redução das rendas e de uma precarização crescente. Não é mais, então, o aumento do peso relativo das classes médias que pode dinamizar o crescimento. Ao contrário, ao favorecer as importações, os efeitos sobre o crescimento do PIB são negativos se as restrições da competitividade não são respeitadas. A expansão das classes médias produz então o efeito contrário do esperado: em vez de estimular o crescimento, ela o enfraquece ao aumentar as importações, como se poder observar nos países emergentes latino-americanos...

Viu-se anteriormente que as classes médias eram uma categoria social "saco de gato", mais ou menos heterogênea, não somente porque os critérios que as delimitam repousam sobre segmentos de rendas mais ou menos arbitrários, ou comportamentos de consumo, especialmente bens duráveis, hoje muito diferenciados, cuja difusão atinge a maioria das categorias sociais. Além do debate sobre as classes médias, de maneira mais geral, o que importa é reduzir as fortes desigualdades de renda que, do ponto de vista econômico, freiam o desenvolvimento do consumo global, e, do ponto de vista ético, são insuportáveis.

Convém, então, superar o quadro estreito das classes médias e vislumbrar uma melhoria das rendas das categorias vulneráveis e pobres para relançar o crescimento pelo mercado interno. A dinâmica do crescimento na América Latina não passa exclusivamente pela expansão das classes médias, mas por um aumento relativo das rendas dos pobres e dos segmentos vulneráveis, se, entretanto, seis condições forem satisfeitas:

1 - um crescimento importante da produtividade do trabalho, diminuindo o custo unitário do trabalho;

2 - o questionamento da lógica das economias rentistas que limita a taxa de investimento a uma porção meramente conveniente nas economias latino-americanas;

3 - uma política ativa que vise neutralizar a apreciação da moeda;

4 - uma reforma fiscal que permita diminuir as desigualdades de renda e melhorar o poder de compra das categorias da população pobre, vulnerável e dos segmentos médios baixos (emergentes) e financiar serviços públicos de qualidade (educação, saúde...);

5 - uma política que facilite o acesso ao crédito dos pobres e dos segmentos vulneráveis;

6 - uma política industrial ativa do Estado que vise ajudar os setores de ponta.

Conclusão

Nas economias emergentes latino-americanas, ver na expansão das classes médias a chave das dificuldades do crescimento evidencia uma ilusão por quatro razões. Inicialmente porque se trata de um "objeto dificilmente identificável". Porque a expansão das classes médias é mais o resultado do crescimento do que sua causa, o crescimento tendo um duplo efeito, tanto sobre a estrutura dos empregos como sobre as remunerações. Em seguida, porque o contexto da liberalização do comércio e a evolução das tecnologias não permite mais a correspondência virtuosa, que pôde ser constatada no passado, entre a demanda de bens de consumo duráveis e as dimensões ótimas para produzir esses bens. Enfim, porque é o conjunto das demandas colocadas pelos segmentos pobres, vulneráveis e as classes médias que pode permitir dinamizar o mercado interno, se ao mesmo tempo certas condições são preenchidas visando limitar o peso das rendas e transformar essas economias de rentistas em economias produtivas.

Na Ásia, e mais particularmente na China, a resposta à questão colocada é relativamente diferente. Sejam os dragões (Coreia do Sul, Taiwan...), os tigres (Tailândia, Indonésia...) ou ainda a China ou a Índia, os problemas não são os mesmos. Os custos unitários do trabalho são fracos, embora crescentes nos dragões e na China atualmente. As políticas industriais são ativas, a taxa de investimento, importante, e o esforço para a pesquisa, consequente. Não se trata de economias rentistas. O enfraquecimento das fontes do crescimento na China (crescimento das exportações mais fraco em razão da crise das economias avançadas, taxa de investimento revista para baixo em razão de créditos duvidosos importantes e de sobrecapacidade de produção) impõe que o crescimento seja mais apoiado no consumo das famílias, todas as categorias misturadas. A escalada em importância das classes médias pode então ajudar a dinamizar o mercado interno graças à expansão da produção de bens de consumo duráveis sofisticados. É uma das possibilidades, levando em conta a importância da população chinesa. Outras soluções existem, entre as quais um crescimento apoiado no consumo graças a uma diminuição sensível das desigualdades de renda. O aumento do consumo das famílias mais do que no das classes médias pode, então, conduzir a um modo de desenvolvimento mais inclusivo.

Notas

Recebido em 12.5.2014 e aceito em 18.6.2014.

Pierre Salama é professor emérito, Paris XIII, CEPN - UMR7115, FMSH - BRICS. É autor de O processo de subdesenvolvimento (Vozes, 1976), e, em breve, a Editora Unesp deve publicar em português seu livro sobre as economias emergentes. Este texto é dedicado à memória de Jacques Valier, meu cúmplice. @ - pierresalama@gmail.com

Tradução de Rosa Maria Marques. Revisão de Maurício Sabadini. O original em francês - "Les classes moyennes peuvent-lles dynamiser la croissance du PIB dans les économies émergentes?" - encontra-se à disposição do leitor no IEA-USP para eventual consulta.

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  • 1
    Na maioria dos países da América Latina, no curso dos últimos anos, o aumento das classes médias é acompanhado de uma tendência à queda de sua renda média disponível (Galassi; Gonzalez, 2012). Em contrapartida, ela aumenta fortemente nos países asiáticos. Mas as desigualdades de renda crescem consideravelmente na China e na Índia: a renda média das classes médias cresce menos que a das classes ricas, mas mais rapidamente que a dos pobres e dos indivíduos próximos da linha da pobreza.
  • 2
    Podem-se encontrar boas sínteses nos trabalhos do Banco Mundial (Ravaillon, 2009 ; Ferreira et al., 2013), do Banco Interamericano do Desenvolvimento (Lora; Fajardo, 2011) ou então da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) (Kharas, 2010).
  • 3
    Lembremos, com Chauvel (2006, p.28), que as estruturas sociais não estão congeladas: "A questão da amplitude real das classes médias [...] é indissociável de uma análise dos fluxos de mobilidade que atravessa a sociedade e da frequência com que as pessoas passam de um meio a outro".
  • 4
    Segundo Pochmann (2012), 94% dos empregos formais (isto é, com direitos trabalhistas e previdenciários), entre 2004 e 2010, foram criados com salário inferiores a 1,5 salário mínimo. Como esse último aumentou significativamente, a diferença em relação à renda que define a linha de pobreza aumentou. A partir da definição ampla adotada pelas autoridades brasileiras, a maioria dos titulares desses empregos pertence doravante às classes médias, enquanto, se forem seguidos os critérios adotados pelo Boston Consulting Group (BCG), são sobretudo os segmentos vulneráveis e as classes médias emergentes que se beneficiam da alta da renda disponível no Brasil.
  • 5
    Entretanto, essa não desaparece. O critério de renda "é problemático, pois, para um mesmo segmento de renda, os perfis sociais pertinentes podem ser completamente diferentes", lembra Bosc (2013, p.41); por isso seria conveniente associar a esse critério outros, tais como o nível de educação, a estabilidade ou a precariedade do emprego e o patrimônio. Pode-se, então, comparar as novas classes médias às antigas classes médias, de acordo com o predomínio do capital econômico ou cultural.
  • 6
    De acordo com BCG, o grupo de vulneráveis é o grupo mais importante no Brasil. Com o aumento da renda disponível, os vulneráveis tornaram-se "classes médias baixas (emergentes)".
  • 7
    Essa análise deve se apoiar em pesquisas e neutralizar o viés demográfico se o intervalo de tempo é importante.
  • 8
    Entretanto, ao se ponderar pelo número de pessoas por família, com o objetivo de efetuar comparações entre os países, o tamanho das famílias não é o mesmo. O número de carros em cada país é então multiplicado pelo número médio de pessoas por família. As classes médias têm em geral menos crianças. O número de crianças por família é, portanto, menor do que a média nacional. Disso decorre uma sobre-estimativa da classe média, quando o número de carros é ponderado pelo tamanho médio da família; e isso tanto é maior quanto maior o número de filhos da classe média estiver distante da média nacional. Não se pode corrigir esse erro levando em consideração o número de filhos por família pertencente à classe média, pois isso seria definir as classes médias pelas classes médias...
  • 9
    O tamanho do/ou dos mercados nacionais é uma variável importante. Quanto mais ele é importante, maior o mercado das classes médias e a possibilidade do benefício de economias de escala. Hoje é preciso relativizar o efeito dessa variável sobre o crescimento. Com a globalização comercial e a fragmentação crescente da cadeia de valor que a acompanha, a dimensão dos mercados nacionais perde sua importância - e com ela a do tamanho dos mercados correspondente às classes médias nacionais - em benefício dos mercados internacionais. Na Coreia do Sul, país relativamente pequeno em termos de população, pôde-se instalar uma indústria automobilística consequente porque a produção de veículos era, desde o início, destinada ao mercado internacional, e depois também ao mercado local.
  • 10
    Para explicar a originalidade desse regime de crescimento, convém referir os trabalhos de Kalecki e decompor as atividades econômicas em três setores: o primeiro setor compreende a produção de bens de consumo não duráveis, chamados de bens "operários", no qual os salários dos operários (e das classes médias assalariadas) constituem um custo e uma demanda; o segundo setor diz respeito à produção de bens de consumo duráveis, chamados de bens de "luxo", nos quais os salários dos operários são somente um custo e não representam uma demanda em razão do preço desses bens e da amplitude da desigualdade da renda; o terceiro setor é aquele que produz bens de equipamento e produtos intermediários, no qual a intervenção do Estado é, na época, muito importante.
  • 11
    A fronteira continua a ter uma função, inclusive para dois países vizinhos que praticam entre eles o livre comércio. Ela é um resumo de costumes, de legislações, de instituições e de hábitos diferentes que freiam a livre circulação das mercadorias.
  • 12
    A originalidade do modelo chinês reside em sua capacidade de combinar água e fogo: o mercado e o socialismo. O setor privado está fortemente desenvolvido. Ele não está limitado somente às atividades das empresas multinacionais. O setor público é muito importante. Sua modernização é financiada por créditos a taxas de juros muito baixas, obtidos pela prática de uma "repressão financeira" com relação ao setor privado, que deve tomar emprestado a taxas de juros elevadas. As empresas públicas se beneficiam de subvenções consequentes. Protegidas por medidas administrativas e pela manutenção de uma taxa de câmbio depreciada, os preços dos produtos manufaturados são cada vez mais livres. A liberalização é, entretanto, menos importante para os bens intermediários, que se beneficiam de numerosas subvenções. Ela está finalmente restringida por fatores de produção, especialmente no que diz respeito às matérias-primas, e pelas condições de empréstimo e de trabalho, logo os preços são mantidos a um nível baixo. Enfim, a China pode ser caracterizada pelas facilidades acordadas para comprar empresas estrangeiras - com o objetivo de se apropriar das tecnologias mais recentes - e por certo protecionismo, via a manutenção de uma taxa de câmbio depreciada e a exclusão, de fato, hoje em dia, das empresas estrangeiras nas "chamadas de ofertas" públicas.
  • 13
    Compreende-se, então, que a liberalização do comércio possa acarretar uma "desindustrialização precoce" na América Latina e na África do Sul, dado que as importações substituem parte da produção quando a produtividade do trabalho é insuficiente, que os esforços feitos para aumentar as despesas com pesquisa e desenvolvimento não são consequentes, que as taxas de câmbio tendem a se apreciar e que as aplicações financeiras são mais desejáveis do que os investimentos produtivos na indústria (Salama, 2012). A desindustrialização resulta, então, da incapacidade de compensar, pelas altas de produtividade importantes, o diferencial de salários que existe entre esses países e as economias emergentes asiáticas, apesar da redução das rendas e de uma precarização crescente.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Ago 2014
    • Data do Fascículo
      Ago 2014

    Histórico

    • Aceito
      18 Jun 2014
    • Recebido
      12 Maio 2014
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