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A Convenção n.151 da OIT e seus impactos para os servidores públicos no Brasil

Resumos

Em 2010, o Brasil tornou-se signatário da Convenção n.151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Essa Convenção trata das relações trabalhistas no setor público, buscando melhores condições de trabalho para esses empregados. Contudo, a assinatura dessa norma não garante efetivamente que tais serão cumpridas internamente. Este artigo visa analisar as dificuldades que o Brasil enfrenta para regulamentá-la e traçar a evolução do processo de institucionalização da negociação coletiva no setor público brasileiro. Além disso, busca ressaltar as expectativas do movimento sindical com a assinatura da Convenção n.151 e quais os impactos que essa já provocou na regulamentação trabalhista do setor público.

Convenção n.151; Negociação coletiva servidores públicos; Mesa Nacional de Negociação Permanente


In 2010, Brazil became a signatory to the Convention n.151 of the International Labour Organisation. This Convention deals with labor relations in the public sector, seeking better working conditions for these employees. However, the signing of this standard does not guarantee effectively that such will be met internally. This article aims to analyse the difficulties faced by Brazil to regulate it and trace the evolution of the process of institutionalization of collective bargaining in brazilian public sector. In addition, we seek to highlight the expectations of the labor movement with the signing of Convention n.151 and what impacts this has provoked in public sector labour legislation.

Convention n.151; Collective bargaining public servants; National Permanent Negotiating Table


TRABALHO, EMPREGO E RENDA

A Convenção n.151 da OIT e seus impactos para os servidores públicos no Brasil

Cássio da Silva Calvete; Mariana Hansen Garcia

IUniversidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre/RS, Brasil

RESUMO

Em 2010, o Brasil tornou-se signatário da Convenção n.151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Essa Convenção trata das relações trabalhistas no setor público, buscando melhores condições de trabalho para esses empregados. Contudo, a assinatura dessa norma não garante efetivamente que tais serão cumpridas internamente. Este artigo visa analisar as dificuldades que o Brasil enfrenta para regulamentá-la e traçar a evolução do processo de institucionalização da negociação coletiva no setor público brasileiro. Além disso, busca ressaltar as expectativas do movimento sindical com a assinatura da Convenção n.151 e quais os impactos que essa já provocou na regulamentação trabalhista do setor público.

Palavras-chave: Convenção n.151, Negociação coletiva servidores públicos, Mesa Nacional de Negociação Permanente.

ABSTRACT

In 2010, Brazil became a signatory to the Convention n.151 of the International Labour Organisation. This Convention deals with labor relations in the public sector, seeking better working conditions for these employees. However, the signing of this standard does not guarantee effectively that such will be met internally. This article aims to analyse the difficulties faced by Brazil to regulate it and trace the evolution of the process of institutionalization of collective bargaining in brazilian public sector. In addition, we seek to highlight the expectations of the labor movement with the signing of Convention n.151 and what impacts this has provoked in public sector labour legislation.

Keywords: Convention n.151, Collective bargaining public servants, National Permanent Negotiating Table.

Introdução

Atualmente, está em processo no Brasil uma busca pela democratização das relações de trabalho no setor público. Para que isso aconteça é necessário que sejam reconhecidos e regulamentados direitos trabalhistas dos servidores públicos. Entre os principais direitos dos trabalhadores estão a liberdade sindical, o direito a greve e a negociação coletiva, considerados esses os três pilares do tripé fundamental da democracia na relação entre servidores e Estado.

O governo brasileiro, mostrando-se disposto a democratizar as relações de trabalho no setor público, assinou a Convenção n.151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que trata justamente desse tripé. Porém, passados já quatro anos da ratificação, as leis ainda não foram adaptadas para cumprir os direitos garantidos pela Convenção.

Este artigo tem como objetivo mostrar a importância da regulamentação da liberdade sindical, do direito à greve e da negociação coletiva. Além disso, se propõe a analisar os avanços e retrocessos em torno especificamente da negociação coletiva no setor público, direito dos trabalhadores que, diferentemente do caso do setor privado, não está garantido por nenhuma lei.

A seção que segue discorre sobre o processo de ratificação da Convenção n.151 no Brasil e as dificuldades em criar leis internas que a regulamentem para dar efetividade à mesma. A seção posterior trata da evolução da democratização das relações de trabalho no serviço público brasileiro nos seus aspectos legais e políticos. E a última seção aborda a expectativa do movimento sindical brasileiro e analisa a minuta do projeto de lei sobre a regulamentação da Convenção n.151 elaborada pelas centrais sindicais e encaminhada à Secretaria Geral da Presidência da República em novembro de 2012. Como de praxe, o artigo termina com as Considerações finais.

A ratificação da Convenção n.151 e as dificuldades em regulamentá-la

O Brasil é signatário de oitenta Convenções da OIT. Entre elas está a Convenção n.151, assinada pelo presidente e ratificada em 2010. O conjunto de normas visa garantir e defender os interesses dos funcionários públicos, tanto municipais como estaduais e federais, tratando da liberdade sindical e do processo de negociação coletiva dos servidores públicos.

A Convenção n.151 foi homologada na OIT em 1978, porém ela só foi assinada pelo Brasil trinta anos depois, e até hoje os termos da Convenção ainda não estão presentes na legislação brasileira. Quando forem cumpridas as normas da Convenção, elas deverão atingir diretamente a vida de 9.271.527 servidores públicos (Rais, 2012) representando quase um quinto do trabalho formal no país.

Para deixar mais clara a relevância da Convenção n.151, é importante ressaltar a diferença encontrada na luta trabalhista no setor público e no privado. Na visão de Ferreira e El Bayeh (2010), no Brasil ainda não há um reconhecimento efetivo da relação conflituosa entre empregados e empregadores no setor público, como há no setor privado. Dessa forma, para eles, não há um adequado tratamento dos conflitos trabalhistas no setor público, pois esses são ignorados conceitualmente.

Teixeira (2007) compartilha essa visão; para ela, segundo a teoria estatutária, há uma confusão entre Estado e os agentes do Estado, criando-se a impressão de que ambos fazem parte do mesmo todo. Sendo assim, a relação empregador/empregado não fica clara e não se diferenciam os interesses dos servidores públicos e os do governo. Para Teixeira (2007, p.99), "tomava-se o agente não como sujeito de direito em face do Estado, mas como objeto cuja atividade era regrada em função do interesse público". Stoll (2006) compartilha a ideia de que servidor é considerado, em grande parte dos estudos, como parte do Estado, o que acaba por negligenciar seus direitos trabalhistas. Ela ainda aponta que o Estado, normalmente, não é visto como empregador com as mesmas obrigações do empregador privado, o que dificulta o reconhecimento da relação de emprego. A falta de consideração do conflito por parte dos entes públicos é um dos problemas da luta trabalhista dos servidores públicos. Ignorar esse tema é desvalorizar o servidor público, não reconhecendo suas demandas por melhores condições de trabalho.

Cabe destacar que, nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 promoveu significativo avanço no reconhecimento dos direitos dos servidores públicos. No artigo 37 é reconhecido o direito à livre associação sindical, bem como o direito de greve, práticas já adotadas pelo Movimento Sindical apesar da inexistência de previsão legal. Apesar de reconhecer o avanço da Constituição Federal é necessário admitir que ele foi apenas parcial na medida em que remete o direito de greve à regulamentação por lei complementar, o que ainda está pendente e nada traz a respeito da negociação coletiva. Assim, a situação criada acaba por potencializar o conflito na medida em que a Constituição Federal permite a organização sindical, prevê o direito de greve, mas não prevê a existência da negociação coletiva e nem a possibilidade do ajuizamento de dissídio coletivo. Como será aprofundado adiante, a negociação coletiva é um importante instrumento mediador e pacificador dos conflitos trabalhistas.

Para Ferreira e El Bayeh (2010), é possível observar a relação de conflito entre os trabalhadores do serviço público e seus empregadores dado o grande número de ações dos funcionários contra a administração pública. Ao ignorar tal situação inicial, o governo passa a ter um dispêndio para a resolução de problemas que poderiam nem ter existido caso houvesse uma negociação prévia.

As práticas da administração pública são limitadas pelo "princípio da legalidade", isso ocorre, pois o governo eleito deve respeitar a legislação instituída, não podendo realizar alterações significativas no Poder Executivo sem que essas passem pelo Poder Legislativo (Dieese, 2012; Nogueira, 2005). Tal aspecto, ao mesmo tempo que garante os direitos já adquiridos dos trabalhadores, engessa novas modificações e assim dificulta as negociações entre governo e trabalhadores. Tendo isso em vista, as negociações entre trabalhadores e administração pública terá mais capacidade de pressão se disposta em lei. Tem-se que ter presente que mesmo com a regulamentação e a obrigatoriedade das negociações ainda seria necessário observar o "princípio da legalidade".

Além disso, no que diz respeito às remunerações, aumentos salariais devem respeitar o ciclo orçamentário (Plano Plurianual - PPA; Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO; e Lei Orçamentária Anual - LOA) (Dieese, 2012). Dada a falta de previsão legal das negociações e de uma dinâmica sistematizada do processo de negociação, as mobilizações sindicais frequentemente são executadas em dois períodos do ano: no segundo semestre do ano antes da votação do orçamento, e no primeiro semestre do ano para garantir a execução do orçamento.

O governo deve prestar contas tendo em vista que o dinheiro que administra vem dos impostos, e foi eleito pela população à qual deve satisfações. Assim, o Estado tem que se equilibrar no exercício de suas funções que às vezes se apresentam de forma antagônica: empregador, gestor da política macroeconômica e fornecedor de serviços essenciais à população.

Nas palavras de Stoll (2006, p.103), citando a Constituição Federal de 1988,

O artigo 169, parágrafo primeiro, dispõe que a criação de cargos, empregos e funções públicas, a fixação de sua remuneração, a concessão de reajustes e outras vantagens, só poderão ser feitas se houver prévia dotação orçamentária e se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias.

Sendo assim, só se torna possível a negociação coletiva que envolva questões financeiras caso essas estejam dentro dos limites orçamentários do município, estado ou união. Além disso, as decisões da negociação coletiva precisam ser tornadas projetos de lei pelo Poder Legislativo e aprovadas em sessão "conciliando-se, assim, o princípio da legalidade restrita com o direito a negociar coletivamente" (Stoll, 2006, p.127).

Dessa forma, um dos problemas que permeiam a regulamentação da negociação coletiva é a ideia de que essa não poderá se sobrepor ao interesse público, fim principal dos serviços prestados pelo Estado. Assim, o interesse público é priorizado com relação ao interesse privado dos servidores públicos. Porém, tais interesses não são necessariamente antagônicos. Como destaca Teixeira (2007, p.122), a negociação coletiva por si só não atenta contra a supremacia do interesse público. Ela pode, ao contrário, melhorar a prestação dos serviços públicos no momento em que melhora a qualidade do trabalho daqueles que estão prestando o serviço.

A Conferência Internacional do Trabalho realizada em 2013 pela OIT destaca algumas vantagens da existência de negociação coletiva na administração pública, apontando benefícios tanto para os servidores como para a administração. Para os primeiros significa o reconhecimento social, o respeito à dignidade do trabalhador e um instrumento de motivação, e pode-se acrescentar ainda um instrumento para a melhoria das condições de trabalho. Para a administração pública o processo de negociação permite à administração se apoiar nos compromissos assumidos pelos sindicatos para pôr em prática os princípios essenciais da gestão pública que são a garantia dos direitos e a melhoria da qualidade de vida da população mediante o fornecimento dos serviços de qualidade de segurança pública, educação, saúde, seguridade social, cultura, habitação etc. O fornecimento desses serviços de qualidade requer obrigatoriamente um corpo funcional qualificado e motivado. Qualificação e motivação que podem ser obtidas pelo processo de negociação coletiva (OIT, 2013). Esse mesmo documento destaca ainda que a negociação coletiva no setor público pode ser um valioso instrumento na luta contra a corrupção e um promotor da igualdade. A construção de um sistema de negociação democrático amplia a transparência das ações do Estado e permite maior controle social.

Stoll (2006) irá apresentar duas correntes doutrinárias que versam sobre a validade da negociação coletiva em termos jurídicos, uma apresentando fatores contrários e a outra se posicionando favoravelmente. Os defensores da primeira teoria argumentam que o artigo 39 da Constituição, que trata dos direitos sociais dos servidores públicos, não apresenta nada que indique que a negociação coletiva é um direito dos trabalhadores do setor público e também destaca o princípio da legalidade. Essa visão se baseia na relação de unilateralidade, ou seja, o Estado é o único capaz de tomar decisões, cabendo aos seus subordinados acatá-las. Tal posição retira o servidor público da "condição jurídica de trabalhador" e, assim, perde sua possibilidade de negociação das suas condições de trabalho.

Já a teoria que defende a legalidade da negociação coletiva no setor público não considera suficiente a ausência do direito expresso em Constituição para que esse seja negado aos trabalhadores. Para os seguidores dessa teoria, não haveria lógica em garantir o direito a sindicalização e a realização de greves por parte dos funcionários públicos caso não fosse possível realizar as negociações coletivas.

A negociação coletiva representa um passo em direção à bilateralidade na administração pública, com a participação dos sindicatos dos funcionários públicos nas decisões sobre as condições de trabalho nesse setor. Ao vislumbrar essa situação, o peso da gestão pública não recai exclusivamente sobre os gestores. Segundo Ferreira e El Bayeh (2010), o reconhecimento e a regulamentação dos conflitos entre os funcionários públicos e o governo irão possibilitar melhorias na gestão pública, proporcionando maior eficiência e democracia neste setor.

Para Melo (2010), muitas vezes as greves acabam se tornando a primeira medida para abrir o diálogo entre funcionários e o governo, quando essas deveriam ser o último e extremo recurso a ser utilizado na negociação salarial. E, ainda mais importante, como pontua Teixeira (2007), sem as greves a tendência seria que o governo não abrisse espaço para negociar com os servidores.

Dessa forma, o processo de regulamentação dos direitos trabalhistas de acordo com a Convenção n.151 é benéfico tanto para os servidores como para a administração e a sociedade. Para os trabalhadores representa o reconhecimento social e a melhoria das condições de trabalho; para a sociedade, o fornecimento de serviços de melhor qualidade. Também evita os possíveis prejuízos a serem causados à comunidade afetada pelos serviços públicos eventualmente paralisados por falta de diálogo e pela incapacidade de tratar os conflitos oriundos dessa relação.

Melo (2010, p.55) destaca a importância da regulamentação da negociação coletiva para os servidores públicos, tendo como base o "tripé fundamental para o tratamento de conflitos entre servidores e o Estado: liberdade sindical, negociação coletiva e direito de greve". Tais direitos trabalhistas estão inter-relacionados e a falta de regulamentação da negociação coletiva dificulta o cumprimento da liberdade sindical e do direito a greve. Somente o cumprimento por parte do Estado dos três direitos trabalhistas é que tornaria possível resolver de forma eficaz os conflitos trabalhistas gerados na prestação do serviço público (Teixeira, 2007).

A evolução do processo de institucionalização da negociação coletiva no serviço público

Os servidores públicos brasileiros tiveram importante papel na luta desenvolvida pelo novo sindicalismo para o reestabelecimento da democracia brasileira em todas as esferas da sociedade. Seja no plano mais amplo de reestabelecimento da democracia eleitoral, seja no plano mais restrito, das relações de trabalho, através da luta pela liberdade de organização, direito a realização de greve e no estabelecimento do processo de negociação coletiva. Diferentemente dos trabalhadores do setor privado que viram suas reivindicações atendidas na Constituição Federal e em leis complementares, os servidores públicos não obtiveram o mesmo êxito. A Constituição Federal garante o direito a organização e o direito de greve, mas não prevê o direito a negociação coletiva. No entanto, apesar da não previsão legal do direito a negociação coletiva, o que possibilita os gestores públicos a optarem pela não realização dessa, o movimento sindical dos servidores públicos através da sua luta e organização vem obtendo conquistas e avançando em direção a esse direito à revelia da previsão legal.

Em suas mais diversas instâncias os servidores públicos obtiveram uma série de conquistas políticas que fizeram a negociação coletiva avançar rumo à sua regulamentação. No entanto, devido à sua fragmentação e à diversidade de situações, essas conquistas não foram generalizadas a todos os servidores públicos. Quando nos referimos a servidores públicos temos que ter presente a diversidade de situações que torna complexa a negociação nesse setor. A relação de trabalho do servidor público pode ser em âmbito federal, estadual ou municipal, nos Poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário, em autarquias, fundações ou na administração direta. Essa enorme diversidade torna difícil a generalização de uma boa experiência política de negociação ocorrida em âmbitos de menor escala.

Por isso, principalmente os avanços políticos obtidos na Administração Pública Federal que atingem um contingente significativo de servidores e tem visibilidade política podem ser considerados passos significativos na conquista da institucionalização da negociação coletiva no setor público como um todo. As conquistas políticas dos servidores públicos federais em paralelo às conquistas pela aprovação e regulamentação da Convenção n.151 da OIT apresentam um quadro auspicioso na regulamentação legal da negociação coletiva.

A seguir serão destacados os principais fatos recentes, políticos e/ou legais, que representam conquistas importantes na evolução do processo de negociação coletiva e levam a crer que em mais ou menos tempo a negociação no setor público será regulamentada. Como importante marco dessa luta tem-se a previsão na Constituição Federal de 1988 do direito a organização sindical e do direito a greve. Em 1993 foi instaurada a Mesa Nacional de Negociação do Sistema Único de Saúde, que juntamente com o Sistema de Negociação Permanente da Administração Municipal de São Paulo que foi instituído em 2002 foram referências importantes no estabelecimento da Mesa Nacional de Negociação Permanente (MNNP) em 2003.

Em 1998 foi promulgada a Emenda Constitucional n.19 que prevê que a remuneração dos servidores públicos terá "assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices". É evidente que tal dispositivo visa garantir o reajuste anual da remuneração dos servidores públicos com o intuito de preservar o seu poder de compra corroído pela inflação dos últimos doze meses. No entanto, essa medida vem sendo reiteradamente desconsiderada por muitos governos sem que a justiça acolha alguma forma institucionalizada para impor às administrações a observância dessa norma legal.

Em 2008, a Mensagem Presidencial n.58 recomendou ao Congresso Nacional a aprovação da Convenção n.151, e em 7 de março de 2010, o Decreto Legislativo n.206 a ratificou. No entanto, as leis que regulamentam a negociação coletiva não foram criadas deixando sem efeito prático essa ratificação. A Criação da Secretaria de Relações do Trabalho do Setor Público no âmbito do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão em 2012, responsável por coordenar a MNNP e formular propostas para a regulamentação da OIT, também pode ser incluída no rol dos avanços políticos em direção à regulamentação das normas que vão dar vida à Convenção n.151 no país.

Em 6 de março de 2013, uma marcha em Brasília, organizada por seis centrais sindicais, reuniu mais de cinquenta mil integrantes (Globo, 2013) com uma pauta de reivindicações que, entre outros itens, incluía a regulamentação da Convenção n.151 da OIT como um dos pontos principais. No mesmo dia, a presidente Dilma assinou o Decreto n.7944/13 que promulgou a Convenção n.151. Essa assinatura ainda não garante o cumprimento das normas da OIT, porém sinaliza uma intenção do governo em discutir o tema na busca da elaboração do projeto de lei que inclua essas normas da Convenção. Após serem definidas as regras, essas devem passar por aprovação no Congresso Nacional. A assinatura do Decreto n.7944/13 foi necessária tendo em vista que já havia se esgotado o prazo de um ano para regulamentação da convenção desde a sua ratificação e depósito junto à OIT, que ocorreu em junho de 2010. Com o descumprimento do prazo de doze meses a Convenção tornava-se nula. Com o novo decreto, o governo brasileiro, no plano internacional, sinaliza para a OIT o seu compromisso na regulamentação, e no plano interno atende, de alguma forma, as reivindicações do movimento sindical dos servidores públicos. Assim, mostrando vontade política de encaminhar as leis complementares para regulamentar a Convenção n.151.

A Mesa Nacional de Negociação Permanente

O compromisso para a instituição da Mesa Nacional de Negociação Permanente (MNNP) foi firmado em junho de 2003 por seis ministros de Estado e doze entidades sindicais, tendo o seu Regimento Institucional sido aprovado no mês seguinte. Inicialmente a MNNP era composta por oito representantes do governo e dezoito das entidades sindicais. A coordenação da Mesa era do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, através da Secretaria de Recursos Humanos. A Mesa se constitui por uma bancada sindical e uma de representação do governo. As discussões se dão no âmbito das mesas centrais e das mesas setoriais. Entre essas últimas está a mesa de negociação coletiva.

Segundo Gomes, Silva e Sória (2012), a Mesa Nacional de Negociação Permanente é um espaço importante para a luta dos trabalhadores do setor público, pois garante o diálogo entre o governo e os funcionários e possibilita que o servidor também possa pensar o setor público. Além disso, na visão desses autores, as mesas incentivaram o governo a construir um projeto que regulamente a negociação coletiva. Porém, essa não equivale à ratificação da Convenção n.151, já que não tem caráter obrigatório de instituição. Cabe assim às entidades do setor público abrir o espaço para a negociação.

Camargo (2012) também avalia como insuficiente a MNNP e ressalta a ausência de valor legal das negociações. O principal argumento utilizado por ele é que o poder de implementar as decisões da Mesa continua nas mãos do governo, e esse poderá cumprir ou não os acordos deliberados após a negociação. Dessa forma, não há nenhuma garantia da efetividade das negociações e tal ambiente, da forma que se estabelece hoje, leva a um "conflito de legitimidade", pois há uma disputa da discussão política sob o aspecto legal.

Em dois trabalhos (Mendonça, 2012; Silva, 2012) apresentados pelos responsáveis pela Secretaria de Relações do Trabalho no Serviço Público, podem-se observar números significativos da MNNP, reflexão e discussão da operacionalização do processo de negociação da Administração Pública Federal. No entanto, mesmo nesses estudos que visam apresentar a evolução e os avanços da MNNP, as fragilidades e deficiências do seu funcionamento estão aparentes.

Segundo dados apresentados pelo Secretário de Relações do Trabalho do Ministério do Planejamento, Sérgio Mendonça (2012), no período de 2003 a 2012 foram assinados 105 acordos com entidades representativas de servidores públicos. Esses acordos, entretanto, não apresentaram periodicidade regular: foram dois em 2003; dez em 2004; oito em 2005; três em 2006; quatorze em 2007; 33 em 2008; um em 2009; zero em 2010; nove em 2011; e 25 em 2012. A secretária adjunta de Relações de Trabalho Marcela Tapajós e Silva (2012) argumenta que nos anos de 2009 e 2010 praticamente não houve acordos porque os acordos assinados em 2007 e 2008 estavam em plena execução.

Essa falta de periodicidade é um dos problemas a serem enfrentados com o estabelecimento de uma data-base para os servidores públicos. Essas disparidades quanto às negociações continuam colocando os servidores públicos em uma situação instável, pois se em um ano conseguem assinar um acordo com o governo nada garante que no ano seguinte será aberto o canal de negociação novamente, o que faz que os acordos sejam mais difíceis, pois devem recuperar as demandas dos anos em que não houve negociação.

Ao observar os acordos firmados em 2012 pode-se deduzir outro problema no processo negocial atual. Dos 25 acordos firmados em 2012, 23 obtiveram o mesmo reajuste salarial de 15,8% (apenas Educação e Meio Ambiente conseguiram reajustes diferenciados). Tal dado nos leva a refletir sobre a efetividade do processo de negociação. Pois se todos os setores obtêm o mesmo reajuste, esse teria sido de fato negociado levando em consideração aspectos relevantes como defasagem salarial, salário de mercado, condições de trabalho, reais necessidades da categoria etc., ou apenas imposto pelo governo, cabendo aos trabalhadores acatarem ou não a tal correção salarial?

Apesar dos avanços representados pela MNNP, sua fragilidade e sua deficiência demonstram a necessidade da regulamentação do processo negocial. Assim, em 2013, a luta pela regulamentação mobilizou o movimento sindical. Além da disputa institucional, os funcionários públicos buscaram explicitar a necessidade da aplicação das normas da Convenção n.151 para ganhar apoio da população, como demonstra a passeata realizada em março de 2013.

Esses passos com certeza foram vitórias do movimento trabalhista, pois abriram o diálogo e colocaram luz na situação dos servidores públicos, entretanto ainda são insuficientes. Somente a regulamentação dos direitos dos trabalhadores do setor público trará a verdadeira valorização dos funcionários públicos, pois terão aparato legal para reivindicar melhores condições de trabalho e salários mais altos.

Expectativa do Movimento Sindical

O histórico da luta pelo cumprimento da Convenção n.151, que apesar de lento apresenta conquistas, fez que o Movimento Sindical aumentasse sua mobilização na busca da regulamentação. Um passo importante dado pelos trabalhadores foi a elaboração da proposta do Projeto de Lei que regulamenta a Convenção n.151. O documento redigido por seis centrais sindicais (Central Única dos Trabalhadores (CUT); Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB); Força Sindical; União Geral dos Trabalhadores (UGT); Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST); e Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB)) dispõe sobre a liberdade sindical, a negociação coletiva e direito de greve relembrando a importância desses direitos dos trabalhadores e os considerando "preceitos constitucionais indissociáveis do processo de democratização das relações de trabalho no âmbito da Administração Pública" (CUT et al., 2012).

A minuta do projeto entregue à Secretaria Geral da Presidência da República em novembro de 2012 se assemelha bastante à regulamentação dos direitos trabalhistas do setor privado. Esse aspecto é considerado positivo, pois as leis que tratam do direito à greve, liberdade sindical e negociação coletiva, quando foram implementadas, democratizaram as relações de trabalho e trouxeram melhorias significativas para os trabalhadores do setor privado. É importante relembrar que em alguns casos não é desejável e nem possível que as disposições sejam as mesmas no setor público e privado, tendo em vista que as negociações com o Estado devem preservar os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal e algumas ainda precisam ser aprovadas pelo Legislativo depois de serem acordadas. Além da observância das particularidades, a proposta dos sindicatos avança em alguns aspectos com relação à legislação trabalhista do setor privado, quando, por exemplo, busca garantir a correção das remunerações de acordo com a inflação dos últimos doze meses.

No que tange à negociação coletiva, a proposta destaca a necessidade dos "princípios da boa fé, do reconhecimento das partes e do respeito mútuo" (CUT et al., 2012). Como forma de garantir o diálogo entre as partes é ressaltado no texto o compromisso mútuo de análise das reivindicações apresentadas, além da necessidade da participação dos sindicatos e do governo em todas as negociações solicitadas e, principalmente, o cumprimento dos acordos realizados nas mesas de negociação.

Cabe salientar a preocupação dos sindicatos pela busca do caráter permanente da negociação coletiva, a garantia de uma data-base dos servidores públicos e a correção das remunerações com relação à inflação do período. O texto também aponta que a responsabilidade de assegurar a negociação coletiva entre Estado e servidores cabe à Administração Pública. Essa ainda deve "adotar as providências administrativas para efetivação do acordo e, quando for o caso, encaminhar, no prazo máximo de 30 dias, respeitados os ciclos orçamentários e outros prazos legais, as propostas normativas que disciplinem o acordado para a apreciação do Poder Legislativo" (CUT et al., 2012).

Com essa proposta os sindicatos buscam assegurar o processo de negociação coletiva quando há interesse por alguma das partes envolvidas, garantindo a participação tanto do Estado como dos servidores através dos sindicatos, visando o cumprimento dos acordos por ambas as partes. No projeto, as Centrais Sindicais ainda ressaltam a importância de "firmar compromissos em que as representações compartilhem a defesa do interesse público por meio da implementação de instrumentos de trabalho que propiciem a melhoria da qualidade dos serviços públicos prestados à sociedade, no bojo dos princípios da solidariedade e da cooperação" (CUT et al., 2012). Dessa forma, os conflitos trabalhistas no setor público teriam um espaço adequado para serem discutidos, o que deve levar a uma maior eficácia em seu tratamento.

Considerações finais

A literatura estudada e a observação das experiências existentes de negociação no serviço público apontam que a democratização das relações de trabalho no serviço público concorre para a melhoria das condições de trabalho e remuneração dos servidores públicos e isso traria como consequência a melhoria da qualidade dos serviços prestados à sociedade. Não menos importante é a perspectiva da contribuição significativa para o aumento da transparência da gestão pública e para o aumento do controle social sobre as ações dos Estados.

A democratização das relações de trabalho com uma negociação amplamente divulgada e tornada efetivamente pública permite a reflexão e discussão por parte da sociedade do destino dado aos recursos financeiros do Estado. A publicização das negociações leva as partes a terem que embasar suas demandas e propostas, o que, por parte dos sindicatos, significaria reinvindicações que se justificassem em interesses mais universais e menos corporativos, e pelo lado das administrações, a explicitação das escolhas políticas das alocações de recursos.

A transparência e a publicização também servem para expor as diversas situações paradoxais como: cargos semelhantes com remunerações muito diferentes, a existência de carreiras criadas de forma casuística apenas para conceder aumento das remunerações para determinadas grupos, grupos de interesse com maior poder de barganha por pertencerem a uma suposta "carreira típica de Estado" sem uma discussão ampla de qual é o papel do Estado. Em um modelo de negociação democrático e transparente o maior poder de barganha de alguns grupos será mediado pelo interesse público e poderá ser legitimado ou questionado.

Recebido em 30.5.2014 e aceito em 16.6.2014.

Cássio da Silva Calvete é doutor em Economia Social e do Trabalho pela Unicamp e professor adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). @ - cassio.calvete@ufrgs.br

Mariana Hansen Garcia é jornalista formada pela PUC-RS e acadêmica de Ciências Econômicas na UFRGS. @ - marianagarcia.h.g@gmail.com

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Ago 2014
  • Data do Fascículo
    Ago 2014

Histórico

  • Recebido
    30 Maio 2014
  • Aceito
    16 Jun 2014
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