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Desafios para o crescimento e o emprego

resumo

A proposta deste texto é mostrar a mudança na dinâmica do mercado de trabalho brasileiro no primeiro semestre de 2015, com aumento do desemprego, informalidade, precarização das condições de trabalho e queda da renda, movimentos opostos aos observados na última década. Também indica políticas e medidas a serem tomadas visando reverter esse quadro, considerando a necessidade de articular uma trajetória de transição para o crescimento econômico, orientada pelo fortalecimento do mercado interno de consumo, pelo investimento e incremento e partilha da produtividade.

palavras-chave:
Mercado de trabalho brasileiro; Políticas para mercado de trabalho; Crescimento econômico

abstract

This paper analyses the changes in the dynamics of the Brazilian labor market in the first half of 2015, a period of rising unemployment, a growing informal economy, precarious job stability and decreasing income - all movements contrary to those of the last decade. The text also recommends policies and measures to be taken to reverse the situation, and advocates the need to develop a transition path toward economic growth by means of increased domestic consumption, investments and the sharing of productivity gains.

keywords:
Brazilian labor market; Labor market policies; Economic growth

O presente contexto macroeconômico expressa uma mudança de rota na trajetória do crescimento econômico, com expressivos e perversos reflexos sobre o mundo do trabalho. Neste artigo abordaremos essa mudança, procurando indicar caminhos que podem ser trilhados para uma transição que retoma o crescimento econômico, com ênfase na geração de emprego, incremento da renda do trabalho e no fortalecimento do sistema público de emprego.

O panorama do período 2004 a 2014

No período 2004-2014, o Brasil apresentou uma performance extremamente favorável em termos de geração de ocupações e empregos, aumento dos rendimentos e dos salários, redução da informalidade e ampliação da proteção social. As políticas de transferência de renda enfatizaram a inclusão produtiva, investindo para que a população pobre tivesse apoio público para construir uma trajetória de inclusão econômica por meio do emprego ou do empreendedorismo.

A performance do mercado de trabalho nos anos de 2004 a 2014, em um país que tem 85% da população economicamente ativa vivendo e trabalhando no espaço urbano, pode ser sintetizada pelos seguintes resultados:

  • • Superando um longo período de altas taxas de desemprego (principalmente nos anos 1990 e início dos anos 2000), o período recente apresentou contínua redução do desemprego e da desocupação. A taxa média anual de desemprego aberto metropolitano, medida pela Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE, caiu de 12,3% em 2003 para 4,8% em 2014.

  • • Observou-se redução dos três componentes da taxa de desemprego medida pela Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) (Dieese/Seade e instituições regionais): além da diminuição do desemprego aberto nas metrópoles, observou-se que teve redução substantiva o desemprego oculto pelo trabalho precário, condição na qual os trabalhadores realizam algum tipo de trabalho parcial e precário, comumente denominado "bico", porém continuam pressionando o mercado de trabalho na procura de um emprego. Do mesmo modo, o desalento, situação em que o trabalhador desiste da procura mesmo diante da necessidade do emprego, teve quedas expressivas, a tal ponto que, em algumas regiões metropolitanas, não era mais possível estatisticamente estimar o pequeno contingente que vivia na condição de desalento frente ao mercado de trabalho.

  • • A redução da taxa de desemprego é observada nas diferentes faixas etárias, nas posições na família de chefe, cônjuge e filhos e para os diversos níveis de instrução. Houve um movimento muito amplo de criação de postos de trabalho e de inserção ocupacional.

  • • O crescimento da população economicamente ativa, portanto, a ampliação do contingente populacional à procura de emprego, foi acompanhado de um aumento mais expressivo de criação de postos de trabalho. Esse movimento virtuoso da economia permitiu não só absorver o contingente populacional em idade ativa que chegava ao mercado de trabalho, especialmente jovens e mulheres, como, progressivamente, foi incorporando, na condição de ocupado, parte daqueles que viviam como desempregados. O período em análise apresenta contínuas e expressivas variações positivas do nível de ocupação.

  • • Um mercado de trabalho mais demandante de força de trabalho, oferecendo oportunidades de ocupação e, em muitos casos, atraindo, ativamente, trabalhadores para preencherem vagas disponíveis, fez reduzir o tempo médio de procura por trabalho, reduzindo, inclusive, a parcela de trabalhadores com tempo de procura superior a um ano, no geral os menos qualificados.

  • • Diminui a participação dos jovens com até 18 anos no mercado de trabalho, sugerindo a provável opção familiar pelo investimento em educação, tornado possível pelo aumento do emprego e renda dos demais membros da família.

  • • Nesse período, ao mesmo tempo que cresce o contingente presente no mercado de trabalho brasileiro - que, segundo a PNAD/IBGE (2013), supera a marca de 103 milhões de pessoas - nas regiões metropolitanas o emprego industrial perde participação relativa, no comércio fica relativamente estável e cresce a ocupação no setor de serviços.

  • • Esse movimento demandante de força de trabalho passou a indicar carência de mão de obra, especialmente a qualificada, em algumas profissões, para certos tipos de postos de trabalho, em determinadas regiões. Observou-se essa carência, a título de exemplo, no setor da construção e entre as atividades relacionadas ao campo da engenharia (profissionais, técnicos e engenheiros) em um contexto de forte expansão dos investimentos em obras de infraestrutura econômica, social e esportiva.

  • • Cresceu o assalariamento com carteira de trabalho, reduzindo o contingente ocupado na condição de assalariado sem carteira de trabalho assinada, um importante indicador de ampliação da proteção social e laboral. Segundo o registro da Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho e Emprego (Rais-MTE), o país atingiu cerca de 50 milhões de vínculos formais de trabalho em 2014, um crescimento de mais de 20 milhões de novos vínculos formais sobre o estoque de 2003.

  • • O salário mínimo cresceu, fruto da política de valorização oriunda do acordo firmado entre o governo federal e as centrais sindicais. Essa política foi aprovada e transformada pelo Congresso Nacional em lei, em 2011. O aumento real superou 74% no período. O crescimento do salário mínimo acima da inflação fez aumentar o poder de compra dos trabalhadores da base da pirâmide laboral e repercutiu positivamente no incremento da massa salarial.

  • • Os efeitos do crescimento do salário mínimo repercutiram positivamente, também, nos benefícios pagos aos aposentados, bem como nas demais políticas sociais como o seguro-desemprego e o abono salarial.

  • • Em uma economia que crescia com um mercado de trabalho dinâmico e contratante, os trabalhadores, por meio dos sindicatos, passaram a ter negociações coletivas que além de recuperar o poder de compra, repondo a variação da inflação no período entre datas-base, logravam celebrar acordos com aumentos dos salários e avanços nos itens sociais e sindicais da pauta negocial. As pesquisas realizadas pelo Dieese indicam que, ao longo dos anos em análise, mais de 90% das convenções e acordos coletivos foram celebrados com aumento da remuneração.

  • • Esse movimento de fortalecimento do emprego e dos rendimentos do trabalho repercutiu na participação dos salários no Produto Interno Bruto (PIB). Segundo as Contas Nacionais do IBGE, a participação dos salários no PIB era da ordem de 30,7%, em 2004, e subiu para mais de 33,3%, em 2011, último ano com informação disponível.

  • • A alta rotatividade decorrente de iniciativa patronal, contudo, não cedeu, reafirmando, mesmo em um ambiente demandante de força de trabalho, uma perversa característica de um mercado de trabalho altamente flexível, no qual as empresas têm total liberdade para demitir. Entretanto, nesse mesmo período, cresceu o rompimento de vínculos a pedido do trabalhador que, em um mercado de trabalho dinâmico, passou a ter a iniciativa de buscar novas e melhores oportunidades de ocupação.

  • • Observa-se, por fim, que a diferença entre os salários dos demitidos, tipicamente mais alto do que os dos novos admitidos, progressivamente veio diminuindo, revertendo em parte a redução da taxa de salários que a rotatividade tende a promover.

Os movimentos aqui destacados, que resultaram no expressivo crescimento da massa salarial ao longo do período 2004 a 2014, juntamente com outros fatores - como a expansão do crédito, o incremento nas políticas de transferência de renda, entre outros -, dinamizaram o mercado interno de consumo de massa, e foram um dos sustentáculos da elevação ocorrida no PIB real per capita, da ordem de 30%. Ao mesmo tempo, a performance do mercado de trabalho, combinada com as políticas de transferência de renda, promoveu uma substantiva redução da pobreza e nos indicadores de desigualdade.

Mudança na trajetória do mercado de trabalho 2014/2015

A trajetória descrita neste texto sofre, desde 2014, e especialmente no primeiro semestre de 2015, uma mudança radical. Os indicadores apontavam que ao longo de 2014 ocorria uma diminuição significativa na dinâmica positiva de geração de emprego. Essa redução na geração de emprego só não foi maior porque então não se observava aumento expressivo da procura por ocupação, ou seja, a população economicamente ativa não cresceu e, portanto, não pressionou um mercado de trabalho que se fragilizava. Os rendimentos reais, de outro lado, já sofriam os impactos de taxas de inflação mais elevadas.

No primeiro semestre de 2015, essa alteração na trajetória adquire contornos mais definidos, indicando um processo de desestruturação do mercado de trabalho, em ritmo e intensidade que se pode qualificar de graves. O movimento sazonal do mercado de trabalho metropolitano, observado na década passada, indicava, a cada ano, o crescimento do desemprego nos primeiros meses do ano, estabilizando-se entre abril e junho e seguido de redução do desemprego ao longo do segundo semestre, com saldos mensais positivos em termos de geração de postos de trabalho formal. Esse desempenho não se verificou nesse primeiro semestre de 2015. Pelo contrário, observa-se um movimento de aumento continuado nos seis primeiros meses da taxa de desemprego, e saldos negativos em termos de resultado líquido entre demissões e contratações no mercado formal de trabalho.

A taxa de desemprego aberto (PME-IBGE) atingiu 7,5% em julho, 2,6 pontos percentuais acima do que foi apurado no mesmo mês do ano anterior. Isso representou um aumento de 56% no volume de demissões, a maior elevação da atual série da pesquisa, iniciada em 2002, o que é um indicador da intensidade da piora que tem havido no mercado de trabalho. Na mesma linha, a PED-Dieese/Seade revela forte aumento da taxa de desemprego nas seis regiões metropolitanas pesquisadas: comparando-se os meses de dezembro/14 e junho/15, verificam-se variações nas taxas que vão de 10,9%, em Salvador, até 39,0%, em Porto Alegre, conforme indica a Tabela 1.

Em julho, o aumento do desemprego persiste em cinco das seis regiões metropolitanas pesquisadas pela PED. Nos anos anteriores, nesse mês, já se podia observar uma tendência de redução do desemprego.

A PED mostra, ainda, que a taxa de participação se encontra atualmente abaixo de 60%, isto é, por enquanto não tem havido maior pressão de entrada dos trabalhadores no mercado de trabalho, o que arriscaria tornar a taxa de desemprego ainda maior.

Outra forma de analisar o mercado de trabalho formal é por meio do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged/MTE), que mostra o fechamento, no ano, de quase 500 mil postos com carteira de trabalho assinada, em movimento que apresenta sintonia com o que se observa nas pesquisas domiciliares. Estas, além de indicarem a queda no assalariamento com carteira, mostram também o aumento do assalariamento sem carteira, claro sinal de fragilização da proteção social pelo crescimento da informalidade, conforme indica a Tabela 2.

Tabela 1
Taxa de desemprego total. Regiões metropolitanas. Dezembro de 2014 a junho de 2015
Tabela 2
Estimativas dos ocupados, por posição na ocupação. Regiões metropolitanas e Distrito Federal - Janeiro/2009-junho/2015

Por sua vez, a taxa de inflação mais elevada repercutiu nos rendimentos médios reais. Segundo dados da PED, houve queda da remuneração dos ocupados e dos assalariados nas seis regiões pesquisadas de dezembro/14 a junho/15.

No que se refere às negociações coletivas, os resultados analisados indicam uma mudança no padrão dos reajustes e aumentos firmados nos acordos e convenções. Observou-se, no primeiro semestre do corrente ano, a diminuição na proporção de acordos que resultam em aumentos reais de salários. Em 2012, 95% dos resultados das negociações apresentavam aumentos salariais, e no primeiro semestre do corrente ano, os aumentos foram observados em 69% dos acordos. Concorrem para esse resultado uma taxa de inflação mais elevada e um mercado de trabalho fragilizado pela recessão em curso.

A redução da população ocupada nas seis áreas pesquisadas pela PED atualmente (Distrito Federal e regiões metropolitanas de Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Paulo), que, desde 2013/2014, vem atingindo a indústria de transformação, e, em 2014, o setor da construção civil, em 2015, ampliou-se para os setores de serviços e comércio.

Os indicadores acima descritos, combinados com a observação que fazemos no Dieese junto ao movimento sindical, nos locais de trabalho e, especialmente, nas negociações coletivas, mostram claramente que há um movimento muito amplo de queda na utilização da força de trabalho e de contínuo aumento das demissões, redução na remuneração, precarização dos postos de trabalho e fragilização das relações de trabalho, o que eleva a insegurança e diminui a proteção social.

As perspectivas econômicas para 2015/2016 não são animadoras. Pelo contrário, indicam uma contração muito rápida e forte da atividade econômica, com uma recessão da ordem de, no mínimo, 1,8% neste ano, atual estimativa utilizada pelo governo federal. Essa perspectiva, caso essa tendência se confirme, aponta para um resultado negativo do nível de atividade econômica para o próximo ano. Uma possibilidade não remota é a de que o país enfrente dois anos consecutivos de recessão, movimento que não se observa na economia brasileira há décadas.

O rebatimento desse processo para o mercado de trabalho será o contínuo aumento do desemprego, com queda dos rendimentos, precarização, crescimento da informalidade etc. Sobre os trabalhadores e suas famílias, o drama do desemprego tem um enredo de desalento, sofrimento, luta e desespero. Os anos 1990 ainda estão na memória coletiva de boa parte da população, pois, na época, o desemprego teceu um duradouro drama social. As lutas travadas contra o desemprego foram muitas e longas. Aqueles que superavam o desalento do desemprego de longa duração enfrentavam as barreiras impostas pelas empresas, que apontavam "inadequações" dos jovens (sem experiência) e dos idosos (cansados e improdutivos) que vinham para o mercado de trabalho procurando, de alguma maneira, recompor uma renda mínima para a família. Mais e mais pessoas no mercado de trabalho à procura de uma ocupação, em uma economia que gerava novos postos de trabalho residuais, promovia o aumento da taxa de participação no mercado de trabalho, mas com os trabalhadores, em geral, na condição de desempregados.

Nesse cenário, a rotatividade voltará a promover o resultado perverso de diminuir a taxa de salários, como consequência da combinação de taxas mais altas de inflação e menores salários nominais pagos aos novos contratados.

Há, na visão liberal, a atribuição de uma função "saneadora" ao desemprego, que seria necessário para animar novamente a economia: reduzir a taxa de salários, aliviar o custo do trabalho, permitir a recomposição das margens de lucro e diminuir a pressão da demanda sobre os preços, o que levaria à redução das taxas de inflação. Recuperar-se-ia, assim, o nível de investimento em razão da melhora nas expectativas de realização de lucro futuro, promovendo, então, a retomada do crescimento econômico, mas, em bases sustentáveis. Esquecem que o emprego e o salário são elementos cruciais para a renda das famílias e, portanto, na composição da demanda agregada.

Uma rápida transição para o crescimento

As adversidades do contexto presente são enormes e complexas. A crise internacional se arrasta na Europa e no Japão, envolve crescentemente a economia chinesa e tem severo impacto sobre os demais países em desenvolvimento. Internamente as dificuldades fiscais, a crise de energia por falta de chuva, a crise hídrica na região Sudeste, a operação Lava-Jato, a crise política, entre outros fatores, têm repercutido severamente sobre a dinâmica econômica. A crise na indústria, depois de duas décadas de restrições ao crescimento e investimento, em decorrência principalmente da valorização cambial, fragilizou a base produtiva nacional. A desvalorização cambial e recomposição dos preços administrados, mais recentemente, e a alta no preço dos alimentos e dos serviços, bem como a indexação de contratos, entre outros aspectos, pressionam a inflação. O Banco Central aperta a política monetária com brutal elevação da taxa básica de juros. Os spreads bancários extorsivos tornam o crédito produtivo e para o consumidor quase uma impossibilidade. A pisada no freio da economia é muito forte. Formou-se um ambiente econômico e político para o que muitos vêm denominando "tempestade perfeita", a combinação, no tempo e no contexto situacional, de iniciativas e eventos que, ao ocorrerem simultaneamente, se retroalimentam, aumentando a insegurança, travando a economia, gerando um tsunami recessivo.

Saídas? Alternativas existem, mas não são fáceis e todas devem ser articuladas para promover a mais rápida transição possível para o crescimento. É necessário reunir vontade política para conformar uma estratégia que retome a capacidade de induzir o crescimento, pois, de outra forma, a estratégia recessiva significará um novo longo período de letargia, com a economia andando de lado ou retrocedendo, algo muito semelhante ao vivido nos anos 1990. Desemprego, queda dos salários, desestruturação do sistema de proteção social, informalidade, precarização, entre outras sequelas econômicas e sociais por demais conhecidas. De outro lado, o que acontecerá com o desenvolvimento industrial, já fragilizado há duas décadas pelo câmbio valorizado, políticas industriais ausentes ou erráticas, pressão internacional que opera com baixíssimo custo do trabalho etc.? Quais as consequências de uma perda de densidade ainda maior de uma base industrial diversificada como a instalada no país, na relação com os demais setores da economia? Como a sociedade reagirá a um retrocesso dessa monta? Quais as expectativas criadas pela inclusão social e expansão do consumo na última década e que precisam ser preservadas?

Há três vetores que deveriam orientar a mobilização social capaz de reunir força política para orientar e promover a transição rápida e a sustentação duradoura do crescimento: o primeiro, sustentar o emprego e a renda para manter e ampliar o mercado interno de consumo de massa; o segundo, mobilizar a máxima capacidade para recuperar o investimento público articulado com o investimento privado; o terceiro, construir um projeto de desenvolvimento orientando pelo incremento da produtividade geral da economia e sua partilha.

Esses vetores precisam estar articulados em torno de um projeto de desenvolvimento que indicará para a nação os rumos do crescimento econômico e do desenvolvimento social. É um projeto da sétima maior economia do planeta, com um vasto território que tem ativos naturais valiosíssimos, diversidade de biomas, solo fértil, clima tropical, vasto litoral etc. Por outro lado, requer um extenso e profundo programa de investimentos em infraestrutura econômica e social, a exemplo do que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) começou a fazer, para gerar as condições de base para o desenvolvimento produtivo. Do mesmo modo, há um espaço urbano para ser reconstruído e ampliado, além do aumento da capacidade produtiva das empresas (plantas e inovação/atualização tecnológica). Todos esses movimentos econômicos são no sentido de animar a demanda, gerar direta e indiretamente empregos e renda, melhorar as condições de produção para as empresas e de vida para as pessoas. Devem, enfim, estruturar a demanda e mobilizar a capacidade empreendedora para produzir e crescer. O papel do Estado é determinante para articular, coordenar e mobilizar esse movimento que, necessariamente, requer a participação do setor privado.

A trajetória de crescimento precisará vir acompanhada, como parte constitutiva e essencial de um projeto de desenvolvimento, de complexas iniciativas que realizem reformas estruturantes em vários campos. O Estado deve ser modernizado com reforma tributária, simplificação institucional e administrativa, maior transparência e nova governança no setor público. Também devem estar no projeto a reforma política e o aperfeiçoamento do sistema de relações de trabalho (fortalecimento da negociação coletiva, solução ágil de conflitos, aumento da representatividade), entre outras mudanças que possam estruturar um novo e ampliado padrão de desenvolvimento.

A mudança demográfica que se processa na sociedade brasileira coloca o imperativo de um projeto de desenvolvimento que responda - com compromisso com as gerações futuras - ao expressivo aumento do grau de dependência entre o contingente ativo da força de trabalho, que produz e gera a riqueza e a renda no presente, e o contingente cada vez maior de idosos que dependem dessa produção para viver. A resposta a esses desafios exige que o projeto de desenvolvimento crie, anuncie, debata e mobilize políticas que articulem ações que fortaleçam o mercado interno, ampliem e sustentem os investimentos e incrementem a produtividade, com vistas a produzir condições para o bem-estar social, qualidade de vida e equilíbrio ambiental.

Há que esclarecer a opinião pública sobre o papel do emprego e dos salários na mobilização do crescimento do país, condição essencial para que sejam superadas as graves desigualdades materializadas nos déficits sociais presentes nas cidades e no campo brasileiro. Há um país a ser reconstruído que gera demanda para uma atividade produtiva que, por sua vez, cria condições para gerar o bem-estar social e a qualidade de vida. O tipo de crescimento propugnado, pois é também uma oportunidade estratégica, pode e deve ser mobilizador da inovação que renova e preserva o meio ambiente. Há, portanto, um enorme espaço e oportunidade para o crescimento com sustentabilidade ambiental. Isso exige aumento dos investimentos público e privado, sustentação e ampliação do mercado interno de consumo, movimentos que geram emprego e renda, melhoram a arrecadação pública e a capacidade fiscal do Estado.

As políticas públicas de emprego, trabalho e renda

O enfrentamento da crise exige medidas que melhorem a capacidade das políticas públicas e das negociações coletivas de proteger os empregos, como é o caso do recente projeto do Programa de Proteção ao Emprego, em debate no Congresso Nacional. E de criar condições para a manutenção da renda diante do infortúnio do desemprego, como é o caso do seguro-desemprego. Deve fortalecer a política de busca ativa para captar vagas e oferecer oportunidades de emprego aos desempregados, como é o caso do sistema de intermediação de mão de obra. Também é necessário investir na ampliação das oportunidades, em incentivo e em condições para a formação profissional. E, ainda, melhorar a oferta de políticas voltadas para as oportunidades de ocupação autônoma, do trabalho cooperado ou iniciativas de economia solidária, entre outras medidas.

O fortalecimento do Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda é uma diretriz estratégica essencial. Foram realizadas no Brasil, na primeira metade dos anos 2000, duas Conferências Nacionais para debater e deliberar sobre políticas públicas e tratar da geração de emprego, trabalho e renda. Mais recentemente, esse debate foi atualizado pela Conferência de Emprego e Trabalho Decente. Selecionamos e apresentamos aqui algumas das propostas debatidas nessas conferências, cotejadas com propostas apresentadas e debatidas em outros espaços, como o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.

Enfrentar e superar as diferentes formas de desigualdade deve ser objetivo estratégico e permanente das políticas públicas de promoção e proteção social, orientadas para esse fim pelo princípio da equidade, oferecendo assim condições de reduzir as assimetrias nas relações sociais que produzem e reproduzem as desigualdades. A geração de emprego e de renda é uma das principais políticas nessa perspectiva.

Investir no aprimoramento e fortalecimento de um sistema de relações de trabalho assentado em entidades representativas, com grande capacidade de negociação coletiva para elevar o padrão regulatório das condições de trabalho, apoiado em um sistema ágil de solução de conflitos é outra dimensão que constitui sujeitos coletivos e estrutura processos sociais.

Considera-se que o diálogo social é uma opção que fortalece uma concepção participativa para: (a) construir diagnósticos dos problemas; (b) negociar políticas e ações; (c) favorecer o controle social; (d) formular, implantar, gerir, avaliar e monitorar as políticas públicas.

Investir na reestruturação do atual Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda, orientando-o de maneira progressiva para a proteção e promoção do emprego e buscando o aprimoramento da sua qualidade, com diretrizes que visem articular e integrar os seguintes programas e serviços:

  • • Seguro-desemprego;

  • • Orientação profissional;

  • • Intermediação de mão de obra;

  • • Educação e qualificação profissional;

  • • Certificação profissional;

  • • Produção e difusão de informações sobre mercado de trabalho e ocupações;

  • • Inserção no primeiro emprego;

  • • Fomento às atividades empreendedoras de pequeno porte;

  • • Microcrédito;

  • • Jovem Trabalhador;

  • • Economia Solidária;

  • • Central de Trabalho Autônomo.

  • • Integração de Sistemas

  1. i. Mais emprego

  2. ii. Relação Anual de Informações Sociais

  3. iii. Cadastro Geral de Empregados e Desempregados

  4. iv. E-social (futuro)

  5. v. Cadastro do seguro-desemprego

  6. vi. Homologações (Homologue Net)

  7. vii. Sistema da Previdência Social

  8. viii. Cadastro Único do Bolsa Família

Devem ser considerados, também, princípios que deveriam orientar a reestruturação do Sistema:

  • • integração e articulação de políticas;

  • • cooperação e coordenação federativa;

  • • caráter de serviços contínuos, com financiamento contínuo;

  • • participação e controle social;

  • • produção e disseminação da informação estatística e fomento à produção em rede de estudos e pesquisas sobre o trabalho e as políticas públicas;

  • • institucionalização por meio de leis, fundos de financiamento e estruturas físicas, de pessoal e de tecnologias de informação e comunicação adequadas para a oferta dos serviços à comunidade;

  • • coordenação das ações nas localidades por meio da elaboração de planos municipais e estaduais geridos pela prefeitura ou pelo governo estadual.

O Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda, ao considerar a heterogeneidade ocupacional, deve promover políticas de proteção social e de renda destinada às ocupações não assalariadas, por conta própria e autônomos, bem como atuar para eliminar a condição de assalariamento sem carteira. É fundamental, também, avaliar o atual padrão de financiamento do Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT), fonte principal de financiamento de parte substantiva das políticas nesse campo.

Atenção especial deve ser dada às micro e pequenas empresas, responsáveis por mais de 50% do emprego formal - segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais 2013 -, bem como às cooperativas, associações, empreendimentos da economia solidária que necessitam de um suporte institucional em termos de crédito (banco especializado), apoio técnico, desenvolvimento de projetos, prospecção de mercado etc.

Conclusão

O tamanho e a gravidade da crise, bem como a complexidade de suas causas, são elementos que devem ser utilizados como uma oportunidade para constituir força política que conduza as transformações necessárias para induzir o projeto de desenvolvimento do país. A tarefa é hercúlea, exigindo arranjos políticos e sociais que formem compromissos com o projeto, sendo ele, em si, produto de enorme esforço de construção, elaboração e pactuação.

Para uma nação que se quer livre, democrática e desenvolvida, não há como delegar essa tarefa. Trata-se de um projeto de nação, construído pelas forças sociais que a representam, no plano institucional e político e no espaço da diversidade de visões e posições, ante as contradições e os conflitos inerentes. Trata-se de um projeto de uma nação que quer um país integrado ao mundo, estabelecendo relações soberanas de cooperação e interação, que tem compromissos com a vida presente, com o meio ambiente e com as gerações futuras.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    09 Set 2015
  • Aceito
    22 Set 2015
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