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O decoro de uma cortesã 1 1 Este texto se beneficiou de produtivo debate por ocasião de sua apresentação no evento Transatlantic dialogues - Realism and modernity in Eça de Queiroz and Machado de Assis, realizado em 2015 na Universidade de Indiana, com publicação prevista na Revista de Estudos Literários da Universidade de Coimbra, sob o título “O decoro de uma prostituta”. Sou grata a Marta de Senna, Pedro Meira Monteiro e Sidney Chalhoub pelos comentários, e, muito especialmente, a Hélio de Seixas Guimarães pelas generosas observações e preciosas sugestões.

resumo

Entre as mudanças que abalaram a paisagem sensível europeia no final do século XIX, uma das mais inquietantes diz respeito à fabulação literária sobre a prostituta. O imaginário em torno do amor venal se modificou em paralelo ao gosto de um público cada vez menos identificado com as virtudes das heroínas românticas. Tais transformações repercutiram na literatura brasileira de modo particular. Afinal, no final dos Oitocentos, o país estava longe de partilhar a sociabilidade que dava base a essas mudanças na França, e os velhos valores patriarcais, católicos e escravocratas resistiam às equações mais modernas entre forma literária, erotismo e moralidade. É a partir desse quadro que se interpreta o conto “Singular ocorrência” (1883) de Machado de Assis, talvez o primeiro texto a demarcar uma mudança no modo de representar a personagem. Na história supostamente banal do relacionamento entre um homem poderoso e uma “Maria de tal”, interroga-se a performance da protagonista, cuja “discreta teatralidade” faz eco aos atributos das exuberantes cortesãs europeias.

palavras-chave:
Machado de Assis; “Singular ocorrência”; Prostituta; Teatro; Moralidade; Teatralidade

abstract

Among the changes that rocked the sensitive landscape of late-19th century Europe, one of the most disquieting concerned the literary fabulation of the prostitute. The general view on venal love accompanied the changing taste of a public that identified less and less with the virtues of romantic heroines. These transformations resonated in Brazilian literature in a very particular way. After all, in the 1800s, the country was far from sharing the sociability that had provided the bedrock for these changes in France, and the old patriarchal, Catholic and slave-owning values were holding firm against the more modern equations between literary form, eroticism and morality. It is against this backdrop that the present paper interprets Machado de Assis’ 1883 short story “Singular ocorrência” (A Singular Event), perhaps the first literary text in Brazil to register a change in the way the prostitute was represented. In this apparently banal story of a relationship between a powerful man and a strumpet, what calls attention is the protagonist’s performance, whose “discreet theatricality” echoes the attributes of the exuberant European courtesans.

keywords:
Machado de Assis; “Singular ocorrência”; Prostitute; Theater; Morality; Theatricality

Se marocas traiu ou não, pouco importa. Afinal, o que interessa, em “Singular ocorrência” (Assis, 2004_______. Contos - Uma antologia 2. Org. John Gledson. São Paulo: Cia. das Letras, 2004.), são as diversas repercussões da suposta infidelidade da moça, cada qual oferecendo uma versão distinta sobre o que teria “realmente” acontecido, para complicar ainda mais as conjeturas do leitor. A rigor, nada no conto autoriza o veredito de que a traição teria sido verdadeira ou inventada: conclusão aliás impossível, já que é reiteradamente sonegada ao longo de um texto cujo desfecho tampouco contribui para esclarecer a ocorrência em questão.

Não deixa de ser curioso, portanto, que a trama do conto se estruture justamente em torno dessa ocorrência, como prova sua alusão desde o título. Assim, se o enredo gravita em torno do hipotético adultério de sua protagonista, o que ele de fato privilegia são as derivas fantasmáticas do ocorrido, obscurecendo qualquer tentativa de esclarecimento. Em suma, como acontece também em Dom Casmurro, em “Singular ocorrência” é o real que fica à prova da dúvida, e jamais o contrário. Expediente recorrente no realismo psicológico da virada do século XIX ao XX, o exame das repercussões de um acontecimento duvidoso marca a prosa de alguns dos mais finos autores do período, como é o caso de Machado de Assis.

Ou de seu contemporâneo Henry James, que afirmava não cultivar qualquer interesse pelo “final da história” uma vez que considerava irrelevante até mesmo a própria “história”. No prefácio ao Retrato de uma senhora, James (1995) se refere à trama como “palavra nefasta”, por associá-la “àquelas situações que por uma lógica própria imediatamente se transformam, para o fabulista, em uma marcha ou corrida, em um tropel de passos rápidos”. Ao invés de lançar mão desse tipo de recurso, James preferia vasculhar as “forças ocultas” da expansão de uma ideia para tentar “recuperar a história íntima em questão”. Daí que, no mesmo texto, o autor recorde o amigo Ivan Turgueniev, acusado com frequência de não ter “história” suficiente, com quem diz partilhar a determinação em economizar nos incidentes para investigar a vida interior das personagens (James, 1995, p.5-18). Não eram, portanto, as peripécias da aventura romanesca que estavam na mira do escritor norte-americano, mas sim o turbilhão dos acontecimentos mentais.

Seria um equívoco fazer valer tais considerações para a ficção de Machado sem atentar para as diferenças capitais entre um escritor e outro. Contudo, as palavras de James não deixam de oferecer uma chave produtiva para a compreensão dos acontecimentos que se entrecruzam em “Singular ocorrência”. Não é difícil perceber que o conto expõe um desses momentos em que o autor brasileiro se entrega à tarefa de examinar as “forças ocultas” da expansão de uma ideia para tentar “recuperar a história íntima em questão”. Isso posto, cabe notar que o interesse de Machado em interrogar a vida interior dos protagonistas parece estar sempre a serviço de seu desejo de estabelecer nexos entre os pensamentos e as ações desses personagens, como se pode verificar num breve exame do enredo. Vamos a ele.2 2 O resumo a seguir retoma diversas passagens e frases do próprio conto, na edição organizada por Gledson (2004, p.45-53).

Dois homens acompanham, com o olhar, a entrada de uma bela mulher de meia-idade na igreja da Cruz, que se detém no adro para dar uma esmola. Um deles se refere a ela como D. Maria de tal que, quando jovem, florescia com o nome familiar de Marocas. “Não era costureira, nem proprietária, nem mestra de meninas; vá excluindo as profissões e lá chegará” - esclarece ele para iniciar a história da moça que, pelos idos de 1860, esbarrou com seu amigo Andrade na rua, pedindo-lhe uma informação. Este, tendo ido ao teatro naquela mesma noite para ver A Dama das Camélias, lá deparou de novo com a jovem que “no último ato, chorou como uma criança”. Conheceram-se e “no fim de quinze dias amavam-se loucamente”, completa o narrador, dizendo que ela passou a viver inteiramente “para o Andrade, não querendo outra afeição, não cogitando de nenhum outro interesse”, aliás, “como a Dama das Camélias”. Testemunha privilegiada da “força e da sinceridade” dessa afeição, ele recorda que, estando o amigo comprometido com a família numa noite de São João, Marocas teria declarado que imitaria uma personagem de teatro: “ia fazer como a Sofia Arnoult da comédia, ia jantar com um retrato; mas não seria o da mãe, porque não tinha, e sim do Andrade”.

No dia seguinte, porém, “um tal Leandro”, sujeito reles e vadio, confidenciou ao moço que pelas dez horas da noite, na véspera, “uma dama vestida com simplicidade, vistosa de corpo, e muito embrulhada num xale grande” o cortejou e o levou para casa. Andrade logo reconheceu o endereço de Marocas e para lá seguiu no intento de confrontá-la com Leandro, que confirmou ser ela mesma. “A cena que se seguiu, foi breve, mas dramática”: “ela não confessou nada; mas estava fora de si, e, quando ele, depois de lhe dizer as coisas mais duras do mundo, atirou-se para a porta, ela rojou-se-lhe aos pés, agarrou-lhe as mãos, lacrimosa, desesperada, ameaçando matar-se; e ficou atirada ao chão, no patamar da escada; ele desceu vertiginosamente e saiu”.

Para explicar o ocorrido, o narrador chega a evocar uma “frase de teatro que pode explicar a aventura, uma frase de Augier, creio eu: a nostalgia da lama”. Mas Andrade, desconsolado, buscava outras razões, não raro “agarrado a inverossimilhanças”, tentando fugir à realidade. Foi com essa disposição de espírito que ele atendeu, no dia seguinte, uma criada de Marocas, desesperada com o seu desaparecimento. Ao lado do narrador, o rapaz percorreu a cidade toda em busca da jovem, já convencido de que o incidente da véspera era falso e tentando “acomodar a realidade ao sentimento da ocasião”. Quando enfim a encontrou, abatida e fraca num quarto do Jardim Botânico, “caíram nos braços um do outro. Marocas chorou muito e perdeu os sentidos”. Reconciliaram-se de imediato, logo em seguida ela foi presenteada com uma casinha e só se separaram anos depois, quando ele seguiu a trabalho para o norte, onde veio a morrer. Ela, por sua vez, “sentiu profundamente a morte, pôs luto, e considerou-se viúva”.

“Que lhe parece tudo isto?” - pergunta por fim o narrador ao seu interlocutor, retomando a cena inicial. Ao que o outro reage, para dar um desfecho ao conto e nos devolver ao título, sem nada esclarecer: “Realmente, há ocorrências bem singulares, se o senhor não abusou da minha ingenuidade de rapaz para imaginar um romance...”.

Econômico nos incidentes, aqui e acolá emprestados dos melodramas da época, Machado investiga a vida interior dos personagens de forma rigorosamente parcial: para tanto, ele se vale de um narrador masculino, francamente identificado com o protagonista do conto, para contar a história da personagem feminina, cuja identificação é sempre apresentada de forma oblíqua. Do começo ao fim, a narrativa está a cargo de um homem que expõe fatos e os interpreta não só na condição de amigo de Andrade como também, confessadamente, como seu parceiro de aventuras extraconjugais (“jantávamos às vezes os três juntos; e... não sei por que negá-lo. - algumas vezes os quatro”). Quanto à Marocas, sua situação difere em muito daquela desfrutada pelo amante: enquanto esse tem um porta-voz garantido, a figura dela parece ficar o tempo todo na dependência da intermediação do narrador, que lhe empresta a voz e o ponto de vista em distintos momentos de sua história.

Observador da moça desde o primeiro parágrafo do conto, o narrador acompanha cada passo dela como se fosse um espectador privilegiado que, sentado na primeira fila do teatro na companhia de seus amigos, se deleita em contemplar a atriz que contracena com um dos seus. Resta saber, portanto, o que faz dela uma personagem tão singular.

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A fabulação literária em torno da prostituta passou por significativas mudanças na Europa da segunda metade do século XIX. Talvez esse tenha sido um dos imaginários que mais se alteraram no período, marcando o ocaso das cortesãs romanescas que, dotadas de uma nobreza de alma sem par, não mediam esforços para sacrificar as promissoras carreiras - e mesmo as vidas - em razão de seus amados.3 3 Exemplos da prostituta redimida abundam na literatura francesa da primeira metade do Oitocentos, entre os quais ganham destaque as personagens Marion de Lorme, cujo nome dá título à famosa peça de Victor Hugo (1831), a Fleur de Marie do célebre folhetim Les Mystères de Paris de Eugène Sue (1842-43) e, obviamente, a Marguerite Gautier de La Dame aux Camélias de Alexandre Dumas (romance, 1848; peça, 1852), que dispensa apresentações não só na França, mas também no Brasil, onde se tornou uma referência importante no teatro e na literatura da segunda metade do século. Assim, se a gloriosa aparição de Marguerite Gautier na cena simbólica da metade do século representou o auge desse tipo de personagem, não menos digno de nota foi seu declínio nas décadas seguintes. A partir de meados dos Oitocentos, o mito hegemônico da prostituta redimida pelo amor foi perdendo espaço para uma imaginação complexa e plural que impedia o confinamento dessa mulher numa só imagem.

Por certo, tal deslocamento seria improvável não fossem as expressivas alterações que se evidenciavam igualmente no gosto de um publico cada vez menos identificado com as virtudes das heroínas românticas. Se a fabulação sobre o amor venal mudava nos livros era porque sua percepção nas ruas passava igualmente por significativas transformações. Lembra Alain Corbin (1982CORBIN, A. Les filles de Noce - Misère et Prostitution au XIXe. siècle. Paris: Flammarion, 1982. , p.300), em seu clássico estudo histórico sobre o tema que, a partir de 1870, a França viu aparecer “uma nova demanda em termos de prostituição; mudança mais qualitativa que quantitativa; demanda de outra natureza social e mental que suscitou condutas consumistas de maior visibilidade e mais apreciadas pelo olhar burguês”.4 4 Sobre tal tópica, remeto igualmente aos livros de Bernheimer (1989) e Anderson (1993).

Afinal, a figura da cortesã de boa índole havia se tornado inverossímil quando confrontada com as protagonistas da cena histórica. Já no início do Segundo Império, a capital francesa viu nascer um novo tipo de oferta sexual, pactuada com o apetite burguês para o consumo e o prazer. Para atender a essa demanda, uma nova mulher surgia, circulando à vontade entre os redutos reservados e as ruas parisienses, onde ficava exposta às fantasias dos passantes. Ousada, “a cortesã de 1860 era uma ofuscante construção artificial”. A prostituta tornava-se então uma popular personalidade pública, cujos feitos escandalosos alimentavam as crônicas diárias da imprensa. Como conclui Charles Bernheimer (1994_______. Prostitution in the Novel. In: HOLLIER, D. (Ed.) A New History of French Literature. Cambridge: Harvard University Press, 1994., p.781-2), “cheia de disfarces, subterfúgios e falsificações”, o que nela mais atraia era “sua espetacular teatralidade”.

Não cabe aqui um exame aprofundado dessa tópica, mas convém ao menos citar o nome de Baudelaire que, já em meados do século XIX, foi o grande artífice literário dessa transição entre sensibilidades. Para definir a estética da modernidade, da qual ele foi efetivamente o precursor, sua obra muitas vezes evoca a meretriz que, em parceria com o flâneur, lhe serve como alegoria da cidade e da vida moderna. Com as Fleurs du Mal, de 1856, o poeta supera o tom por vezes melodramático de Splendeurs et misères des courtisanes, publicado na década anterior por Balzac, para realçar a ambivalência trágica das mulheres “decaídas”, o que também sinaliza o nascimento do modernismo nas artes.

Ora, é justamente em O pintor da vida moderna, que Baudelaire faz demorados comentários sobre a profusão de ornamentos femininos que caracteriza as cortesãs da época, sempre “muito enfeitadas e embelezadas por todas as pompas artificiais, seja qual for o meio a que pertençam”. Esses aparatos cênicos funcionavam como molduras da condição marginal dessas mulheres, chamando a atenção do poeta: “espécie de boemia errante nos confins de uma sociedade regular, a trivialidade de sua vida, que é uma vida de astúcia e de combate, vem à luz fatalmente através de seu invólucro majestoso” (Baudelaire, 1995, p.877-8).

Portadora de muitas faces, a cortesã da segunda metade dos Oitocentos tornou-se uma interrogação vertiginosa, excedendo as fronteiras da fabulação literária. Basta recordar o candente debate que se travou entre médicos, policiais e juízes no fim do Segundo Império, cujas classificações beiram o absurdo, acerca de qual mulher deveria ser considerada, ou não, nessa categoria. Basta lembrar, igualmente, a quantidade de termos com que a meretriz passou a ser designada a partir de então, que comportavam inúmeras variações de significado, das mais ínfimas às mais expressivas.5 5 Os termos vão dos mais tradicionais - pute, putain, fille de joi, courtisane, femme galante - às denominações recém-criadas como cocotte, lorette, femme de thêatre, ou demi-mondaine, que não são meros sinônimos por comportarem variações de significado. Remeto, entre outros, Xatara e Oliveira (2002, p.318-21). A essas evidências poderiam ser acrescentadas muitas outras, todas elas convergindo para uma só conclusão: a prostituta termina o século ostentando, em definitivo, o estatuto de enigma. Enigma, vale repetir, que se exibia em toda sua pompa teatral.

No Brasil, essa mudança de perspectiva ocorreu um pouco mais tarde, coincidindo com a virada do século XIX ao XX, quando se ampliou sensivelmente o imaginário literário em torno do amor venal. A voga dos romances que seguiam o modelo romântico da prostituta redimida pelo amor - cujo melhor exemplo é Lucíola, publicado por José de Alencar em 1862 - também sofreu grande impacto. E ainda que não tenha sido de todo ultrapassado, esse modelo antes hegemônico com certeza se retraiu diante do aparecimento de novas formas narrativas que abordavam a personagem valendo-se de outras molduras.

Nunca é demais lembrar, contudo, que o país estava longe de partilhar a mesma sociabilidade que dava base a tais deslocamentos sensíveis na França. Afinal, na sociedade brasileira do fin-de-siècle, o novo apetite burguês se acomodava a antigos valores patriarcais, católicos e escravocratas, estabelecendo parâmetros bem diferentes dos europeus para as equações locais entre forma literária, erotismo e moralidade. Mesmo assim, em condições históricas distintas, os modos de fabular a prostituição também passaram por transformações significativas. Essas ocorreram em paralelo à passagem do Império para a República, quando a cultura nacional buscava vias de renovação e a leitura de autores franceses se tornava cada vez mais corrente entre o público letrado da nação, do qual faziam parte nossos melhores escritores.

Entre eles estava a figura ímpar de Machado, que pode ser considerado o primeiro autor do país a representar a prostituta fora dos padrões fixados ao longo do século XIX. Com efeito, ao criar a impenetrável protagonista de “Singular ocorrência”, de 1883, o escritor iria instaurar um marco na fabulação brasileira em torno dessa personagem, operando uma virada definitiva na sua imagem literária.

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Não são poucos os intérpretes que consideram “Singular ocorrência” um dos contos mais enigmáticos de Machado. Não são poucos, igualmente, os que veem esse enigma formulado já no título, cuja estranheza parece acentuar-se quando cotejado com a trama. De fato, numa primeira leitura, nada parece realmente singular na história banal de uma aventura amorosa entre um respeitado pai de família e uma moça qualquer. Afinal, a “vida dupla” de homens poderosos, coronéis, políticos ou magistrados, era absolutamente comum na sociedade oitocentista do país, da mesma forma como o era a existência de Marias de tal, as chamadas “teúdas e manteúdas” que só conseguiam superar o desamparo familiar e social quando entravam na órbita desses homens em troca de seus “favores”. Daí que boa parte dos intérpretes associe a ocorrência referida no título à inesperada traição por parte de Marocas.

Luís Roncari (2007RONCARI, L. O cão do sertão. São Paulo: Editora Unesp, 2007., p.234-7) chama a atenção para o confronto entre um Andrade - personagem indicado pelo nome de família - e uma Maria qualquer, que nem nome tem: como, então, uma mulher de seu extrato colocaria a perder o relacionamento com um sujeito bem colocado na sociedade por uma noitada com um pobre-diabo? Segundo o crítico, a notável ironia do título dá a chave do texto ao apontar a ousadia da personagem feminina, que não só inverte o código social ao trair um bacharel com um sujeitinho qualquer, como termina por triunfar diante dos dois “andros”, Andrade e Leandro. Assim também, John Gledson aposta na singularidade dessa mulher, observando que ela se destaca dos perfis literários estereotipados da prostituta oitocentista, à exemplo inclusive de Marcela, a cortesã espanhola das Memórias póstumas de Brás Cubas. Gledson (2004, p.47-8) chega a sugerir que o conto de Machado, numa espécie de profissão de fé feminista, defende “uma visão das necessidades (e direitos) emocionais e sexuais da mulher que teria chocado a maioria de seus leitores masculinos (e femininos) até o fundo da alma”.

Para além mesmo das razões elencadas por Roncari e por Gledson, os intérpretes são unânimes quanto à particularidade da protagonista do conto, a quem sempre cabe o epíteto de singular e uma infinidade de outros termos que o reiteram. É o que propõe Ivo Barbieri (2008BARBIERI, I. O enigma Marocas. In: SENNA, M. de. (Org.) Machado de Assis: cinco contos comentados. Rio de Janeiro: Edições Casa de Rui Barbosa, 2008., p.118) ao dizer que Marocas aparenta “uma face distinta a cada momento”, por ser “surpreendente, imprevisível, inverossímil”. Os exemplos se multiplicam e não deixam de sugerir que os repetidos adjetivos evocados pelos críticos, no afã de descrever a singularidade da moça, cabem para qualificar o próprio conto, que também provoca certa estranheza, como se envolvido por uma aura de irrealidade. Como bem sintetizou Antonio Candido (1970CANDIDO, A. Esquema de Machado de Assis. In: ___. Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1970., p.28), a exemplo do que acontece com a figura da Marocas, em “Singular ocorrência”, “os atos e os sentimentos estão cercados por um halo de absurdo, de gratuidade, que torna difíceis não apenas as avaliações morais, mas as interpretações psicológicas”.

Uma aura de irrealidade, um halo absurdo, uma gratuidade estranha - talvez esteja precisamente aí, nesses atributos vagos e equívocos, o segredo desse texto tão enigmático quanto sua protagonista. Por isso, uma possível chave para se abordar essa dimensão que foge à realidade e escapa às marcas do possível é dada pela incontornável presença do teatro no interior do conto.

João Roberto Faria (1991FARIA, J. R. Machado de Assis: “Singular Ocorrência” Teatral. Revista USP, São Paulo, n.10, p.161-6, jun.-jul.-ago. 1991.) dedicou um esclarecedor artigo ao tema, observando que “Singular ocorrência” é “escrito na forma de um diálogo entre um narrador e um interlocutor e estruturado com base num outro diálogo, menos evidente, travado com três peças teatrais: A dama das camélias, de Alexandre Dumas Filho, O casamento de Olympia, de Émile Augier, e Eu janto com mamãe, de Lambert Thiboust”. Para o crítico, apesar das diferenças entre Marocas, meretriz pobre e analfabeta, e as cortesãs de luxo que protagonizam as peças francesas (Marguerite Gautier, Olympe Taverny e Sophie Arnould), a intertextualidade com o teatro se impõe “como princípio estruturador do enredo e das características da personagem central” (Faria, 1991, p.161-6). Importa, aqui, atentar para a analogia entre a trama e sua protagonista, ambas compostas segundo a lógica teatral.

Com efeito, o conto se organiza em torno de uma rigorosa dinâmica do olhar que, não raro, se superpõe às falas para indicar uma marcação fixa entre aqueles que olham e aquela que é olhada. Isso se evidencia já no primeiro parágrafo quando Marocas, sendo observada na entrada da igreja, se detém no adro para dar uma esmola. Cena ambígua, que pode supor tanto uma simples descrição do narrador que a vê a distância quanto uma encenação da personagem que se sabe olhada. Ambiguidade que se repõe em diversas passagens, como na ocasião em que a moça aborda Andrade na rua, pedindo ajuda para encontrar um endereço: isso feito, ele a segue com o olhar e a surpreende diante da “casa que buscava, ainda assim perguntando em outras”. Também digna de nota é a cena do teatro, onde ela parece disputar com Marguerite Gautier a atenção de seu observador, ao ser flagrada na plateia em copiosas lágrimas. Aliás, mais tarde ela será vista exatamente “como a Dama das Camélias”, papel de que só abre mão para “fazer como a Sofia Arnoult da comédia”, no dia em que Andrade vai jantar com a família.

Há uma expressiva troca de sinais nessa dinâmica, uma vez que “ser vista” parece implicar menos a posição passiva dada pelo tempo verbal do que a posição ativa de uma atriz no palco. Aqui o espaço cenográfico se torna mais importante que o tempo, e o gesto fala mais alto do que o verbo.

A chave permite interpretar inúmeras passagens do conto, em especial aquelas em torno da suposta traição de Marocas. Como se sabe, ao confronto entre a moça e Leandro sucedeu-se uma cena “breve, mas dramática”, como que anunciando a dramaticidade ainda mais intensa do reencontro dos amantes no dia seguinte, quando “Marocas chorou muito e perdeu os sentidos” diante dos olhares masculinos que a cercavam. Transcorridas as peripécias de praxe, entre lágrimas, desmaios e toda sorte de comoções que, descritas em detalhe, levaram à reconciliação, a derradeira cena que merece menção coincide com a morte do Andrade. Mesmo não sendo sua esposa, ela “considerou-se viúva” e, enlutada, representou o papel com tal propriedade que “nos três primeiros anos, ouvia sempre uma missa no dia do aniversário”.

Findo o relato do narrador, seu discreto interlocutor, abismado com o que ouvira, pergunta se o amigo não teria abusado de sua “ingenuidade de rapaz para imaginar um romance...”. Escusado dizer que tal desfecho, ao acrescentar a hipótese de que a história em questão poderia ser mera invenção, repõe o enigma em torno do conto e de sua protagonista, incluindo nele a figura do narrador. Afinal, essa suposição abre a possibilidade de que tudo, ou boa parte daquilo que foi contado, possa ser interpretado como um “faz de conta”. Ou, se preferirmos, como um “teatro”.

Reforça-se aí a lógica teatral do texto e, com ela, a hipótese de que Marocas age como uma atriz, o que se confirma ainda mais na adjetivação que os críticos lhe atribuem. De fato, é curioso verificar que, mesmo sem formularem tal hipótese, vários intérpretes do conto abordem sua protagonista por meio de um léxico totalmente adequado ao métier teatral, valendo-se de expressões que poderiam perfeitamente designar os atores. Tomem-se, por exemplo, as palavras com que Barbieri, para ficar num só nome, descreve Marocas: ao sustentar que ela aparenta “uma face distinta a cada momento”, ele acentua a capacidade camaleônica - “múltipla e singular, esquiva e exposta” - que faz dela “a ocorrência que se dá uma única vez e nunca mais se repete”. Daí ele afirmar, numa observação que caberia sem reservas ao contexto teatral, que “projetando o seu perfil, cambiante a cada momento do evento, Marocas é a donna mobile, não no sentido operístico de volúvel, mas no da mutabilidade em contínuo devir”. Barbieri insiste nessas diversas e contraditórias faces da heroína, que vão da moça disponível na rua à amante apaixonada, da mulher desesperada à senhora piedosa e daí por diante, para concluir que “a multiplicidade dos papéis representados confunde os intérpretes” (Barbieri, 2008, p.122).

De fato, o crítico está coberto de razão quando diz que a protagonista do conto “confunde os intérpretes”. E será que isso não acontece justamente porque, antes de tudo, ela confunde os personagens com quem contracena? É o que ocorre com Andrade, com Leandro e, sobretudo, com o narrador, todos eles implicados na sua história. Seria o caso, pois, de incluir Marocas no complexo de ambiguidades que envolvem as mulheres machadianas, tão afeitas aos estratagemas da dissimulação, tal como argutamente mostra José Luiz Passos (2014PASSOS, J. L. Romance com pessoas - A imaginação em Machado de Assis. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2014.). Mas, além disso, seria o caso também de reconhecer que ela desempenha sua profissão como uma atriz. Ou seja, se age “como a Dama das camélias” é porque atua como aquela que faz o papel da “Dama das camélias”. Daí a notável economia visual que permeia todo o conto, a reiterar aquele “enigma do olhar” tão bem apreendido por Alfredo Bosi (1999BOSI, A. Machado de Assis - O enigma do olhar. São Paulo: Ática, 1999.) e, nesse caso, a confirmar que os homens com quem Marocas contracena são, mais que tudo, seus espectadores.

Isso nos permite retornar às palavras de João Roberto Faria, encampadas também por Barbieri, ao concluir que, no conto, “o intertexto teatral é introduzido para ser negado”, uma vez que Marocas difere em essência das pomposas cortesãs que protagonizam as peças francesas citadas por Machado. Todavia, se a hipótese aqui esboçada for pertinente, talvez seja o caso de se acrescentar à conclusão dos dois críticos que, se “o intertexto teatral é introduzido para ser negado”, ele só é negado enquanto enredo, uma vez que sua função no conto, fundamental e estruturante, é a de chamar a atenção para a performance da personagem. Isso nos faz retornar à afinidade de base entre o teatro e o amor venal, ou melhor, entre a atriz e a prostituta, ambas tão afeitas às artimanhas da dissimulação.

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Sobre tal afinidade há ampla bibliografia e não cabe explorá-la aqui. Todavia, convém ao menos lembrar que, embora a aproximação entre o universo da prostituição e o mundo do teatro venha de longe, ela ganha contornos particulares conforme se consolida a modernidade na Europa, reaparecendo sob novas máscaras no tecido social e no imaginário coletivo. Os paralelos entre prostitutas e atrizes tornam-se cada vez mais frequentes no decorrer do século XIX, não raro obscurecendo as distinções entre umas e outras, como indicam os já citados Alain Corbin, Amanda Anderson e Charles Bernheimer e muitos historiadores do amor venal.6 6 Remeto também a Morel (1965, p.753-67). T. J. Clark (2004CLARK, T. J. A pintura da vida moderna. Trad. José Geraldo Couto. São Paulo: Cia. das Letras, 2004., p.166-9) vem se juntar a eles para lembrar que em meados dos Oitocentos a cortesã era deveras “considerada uma representante essencial da sociedade moderna”, o que resultava, antes de tudo, do fato de que “a prática social estava toda impregnada de duplicidade” e nada, decididamente nada, “escapava da regra da ilusão”. A rigor, completa o crítico, era sua “falsidade que a tornava moderna”.

Entende-se por que, em particular na França, será a dramaturgia a primeira arte a fazer da cortesã uma de suas principais personagens, logo seguida pela pintura e pela literatura, que não se cansam de admirar a ofuscante teatralidade de sua figura. Entende-se igualmente por que o autor de O pintor da vida moderna, depois de mencionar a “grandeza artificial” dessas mulheres, venha a concluir categórico: “As observações relativas à cortesã podem, até certo ponto, aplicar-se à atriz, pois ela também é uma criatura de aparato, um objeto de prazer público” (Baudelaire, 1995BAUDELAIRE, C. O pintor da vida moderna. In: Charles Baudelaire - Poesia e prosa. Trad. Suely Cassal. Rio de Janeiro: Nova Aguillar, 1995., p.878).

Ora, seria tentador estender tal conclusão à prostituta criada por Machado de Assis, não fosse o fato de que sua performance prescinde por completo das “pompas artificiais” e dos “invólucros majestosos”. Ao teatro ostensivo das cortesãs francesas que fascinam os contemporâneos de Baudelaire, Machado responde com sua habitual aposta no decoro da representação, que ele observa na múltipla acepção do termo, ou seja, como recato, compostura e conveniência. Nunca é demais lembrar que o autor de Dom Casmurro sempre preferia a discrição à ostentação. Já numa crônica de 1863, ele fazia reiteradas críticas ao sucesso do amor como “glorificação dos instintos”, o qual, “a despeito da vitória que lhe dê o favor público, nada tem com a arte elevada e delicada. É inteiramente uma aberração, que, como tal, não merece os cuidados do poeta e as tintas da poesia” (Assis, 1863, p.147-8). Palavras possivelmente escritas em reação ao sucesso de Madame Bovary e do romance realista, que ele por vezes chamava de “literatura de escândalo”, como iria repetir dez anos depois em importantes passagens de Instinto de nacionalidade.7 7 Ver, entre outras, a seguinte passagem: “Hoje, que o gosto público tocou o último grau da decadência e perversão, nenhuma esperança teria quem se sentisse com vocação para compor obras severas de arte. Quem lhas receberia, se o que domina é a cantiga burlesca ou obscena, o cancã, a mágica aparatosa, tudo o que fala aos sentidos e aos instintos inferiores?” (Assis, 1973, v.3, p.801-9).

Foram esses julgamentos amadurecidos, pois, que na década seguinte parecem ter orientado o escritor na criação desse conto singular, recorrendo a um engenhoso jogo de papéis entre a protagonista e o narrador. Como vimos, o estatuto da fala desse é muitas vezes desqualificado pelas enfáticas encenações daquela que, não raro, prescindem de palavras. Não seria descabido dizer que há, entre ambos, um efetivo conflito de interesses, o que pode ser verificado tanto pelas distintas posições que cada qual ocupa na economia da trama, como também - e talvez principalmente - pelas diferentes linguagens de que se valem. Trata-se, portanto, de uma questão em que fundo e forma são indissociáveis.

Há duas histórias em “Singular ocorrência”: uma narrada e outra encenada. A primeira está a cargo do narrador e é contada para um amigo que, a princípio, poderia muito bem fazer parte do círculo de amizades de um Andrade ou de qualquer outro indivíduo bem posicionado naquela sociedade. Em suma, é uma história feita sob medida para aqueles homens, cujo lugar social jamais poderia se confundir com a “lama” onde chafurdavam pobres-diabos como o “tal Leandro” e mulheres ordinárias como a “Dona Maria de tal”. Já na história encenada, não só as posições são outras, como o são igualmente os seus artífices, o que estabelece um jogo mais complexo entre eles. Como foi aqui sugerido, a encenação fica a cargo da protagonista que, no mais das vezes, tem como espectadores eletivos o amante e o narrador. Todavia, não é ela nem eles que mantêm nas mãos as rédeas do espetáculo, e sim o próprio autor que, tal qual um diretor, se mantém oculto e onipresente ao longo de toda a narrativa. Num lance de mestre, Machado joga o tempo todo contra o narrador, e por certo desestabiliza a sua arrogância patriarcal ao dotar a protagonista feminina de um extraordinário talento como atriz.

Talento que, para ser eficaz, ela é obrigada a ocultar quase que por completo, confundindo seus parceiros de cena e de leitura. Tal é o paradoxo no qual se equilibra a personagem, já que, fora alguns empréstimos pontuais aos melodramas, sua performance não comporta ostentações, acomodando-se antes à ideia de uma “discreta teatralidade”. Não se engane, porém, o leitor: discreta, mas dona da cena, a simplória meretriz brasileira nada deixa a dever às deslumbrantes cortesãs europeias em termos de eficácia. A exemplo do que ocorre com seu criador, aquela moça vulgar que, pelos idos de 1860, atendia pelo “nome familiar de Marocas” dá inesperado testemunho da notável produtividade da discrição. Afinal, o decoro da representação sempre pode se tornar um expediente eficaz nas profissões que trabalham com a fantasia - como a do escritor, a do ator e, obviamente, a da prostituta.

Referências

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  • PASSOS, J. L. Romance com pessoas - A imaginação em Machado de Assis. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2014.
  • RONCARI, L. O cão do sertão. São Paulo: Editora Unesp, 2007.
  • XATARA, C.; OLIVEIRA, W. L. de. Dicionário de provérbios, idiomatismos e palavrões francês português. São Paulo: Cultura Editores Associados, 2002.

Notas

  • 1
    Este texto se beneficiou de produtivo debate por ocasião de sua apresentação no evento Transatlantic dialogues - Realism and modernity in Eça de Queiroz and Machado de Assis, realizado em 2015 na Universidade de Indiana, com publicação prevista na Revista de Estudos Literários da Universidade de Coimbra, sob o título “O decoro de uma prostituta”. Sou grata a Marta de Senna, Pedro Meira Monteiro e Sidney Chalhoub pelos comentários, e, muito especialmente, a Hélio de Seixas Guimarães pelas generosas observações e preciosas sugestões.
  • 2
    O resumo a seguir retoma diversas passagens e frases do próprio conto, na edição organizada por Gledson (2004, p.45-53).
  • 3
    Exemplos da prostituta redimida abundam na literatura francesa da primeira metade do Oitocentos, entre os quais ganham destaque as personagens Marion de Lorme, cujo nome dá título à famosa peça de Victor Hugo (1831), a Fleur de Marie do célebre folhetim Les Mystères de Paris de Eugène Sue (1842-43) e, obviamente, a Marguerite Gautier de La Dame aux Camélias de Alexandre Dumas (romance, 1848; peça, 1852), que dispensa apresentações não só na França, mas também no Brasil, onde se tornou uma referência importante no teatro e na literatura da segunda metade do século.
  • 4
    Sobre tal tópica, remeto igualmente aos livros de Bernheimer (1989) e Anderson (1993).
  • 5
    Os termos vão dos mais tradicionais - pute, putain, fille de joi, courtisane, femme galante - às denominações recém-criadas como cocotte, lorette, femme de thêatre, ou demi-mondaine, que não são meros sinônimos por comportarem variações de significado. Remeto, entre outros, Xatara e Oliveira (2002, p.318-21).
  • 6
    Remeto também a Morel (1965, p.753-67).
  • 7
    Ver, entre outras, a seguinte passagem: “Hoje, que o gosto público tocou o último grau da decadência e perversão, nenhuma esperança teria quem se sentisse com vocação para compor obras severas de arte. Quem lhas receberia, se o que domina é a cantiga burlesca ou obscena, o cancã, a mágica aparatosa, tudo o que fala aos sentidos e aos instintos inferiores?” (Assis, 1973, v.3, p.801-9).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    19 Abr 2018
  • Aceito
    08 Jun 2018
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