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Outras vias entre as vanguardas brasileiras e argentinas nos anos 19201 1 As reflexões aqui apresentadas têm como ponto de partida a palestra “‘Mas aqui a gente discursava no teatro, lá se matutava por uma revista…’: vanguardistas brasileiros e argentinos nos anos 1920” por mim ministrada em 26 de julho de 2021, na “Mesa 10 - Outras centralidades” do ciclo Modernismos em debate, realizado pelo Instituto Moreira Salles, MAC-USP e Pinacoteca do Estado. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=-zx6QvEfP4g>. Acesso em: 21 nov. 2021. O tema foi retomado na palestra “Modernismos brasileiros e vanguardas hispano-americanas: confluências e diálogos nos anos 1920”, que integrou o evento virtual Semana de 22 antes e depois: outras histórias, realizado pelo curso de Pós-Graduação em Histórias das Artes, da Faap, em 30 de outubro de 2021.

RESUMO

O ensaio revela Menotti Del Picchia e Luís da Câmara Cascudo como pioneiros no diálogo entre vanguardistas brasileiros e argentinos. Del Picchia é autor do primeiro artigo sobre a revista Martín Fierro e sobre Oliveiro Girondo no Brasil, em 1925, proporciona a primeira menção à Semana de Arte Moderna na Argentina, no mesmo ano, e ainda escreve o primeiro texto sobre Luis Emilio Soto e Pedro Juan Vignale quando estes vêm ao Brasil em 1926. Câmara Cascudo é o responsável por apresentar os modernistas brasileiros aos argentinos, o que resulta no primeiro artigo sobre Mário de Andrade, publicado em Buenos Aires em 1925, e no começo dos diálogos deste com os argentinos. A intermediação para o início desses contatos foi feita por Monteiro Lobato.

PALAVRAS-CHAVE:
Semana de Arte Moderna; Martín Fierro; Menotti Del Picchia; Luís da Câmara Cascudo; Mário de Andrade; Nicolás Olivari; Luis Emilio Soto; Pedro Juan Vignale

ABSTRACT

This essay portrays Menotti Del Picchia and Luís da Câmara Cascudo as pioneers in the dialogue between the Brazilian and Argentine avant-gardes. Del Picchia is the author of the first articles in Brazil about the magazine Martín Fierro and about Oliveiro Girondo, in 1925. He is the first to mention the Modern Art Week in Argentina, in the same year, and wrote the first text on Luis Emilio Soto and Pedro Juan Vignale when they come to Brazil in 1926. Câmara Cascudo was who introduced Brazilian modernists to Argentines, resulting in the first article about Mário de Andrade published in Buenos Aires, in 1925, and in the beginning of his dialogues with the Argentines. These initial contacts were intermediated by Monteiro Lobato.

KEYWORDS:
Modern Art Week; Martín Fierro; Menotti del Picchia; Luís da Câmara Cascudo; Mário de Andrade; Nicolás Olivari; Luis Emilio Soto; Pedro Juan Vignale

Em Paris, de costas

Como nos desconhecemos, nós vizinhos sul-americanos!

Como nos tiraniza e unilateraliza a fascinação europeia - ou francesa...

(Monteiro Lobato, Carta a Manuel Gálvez, 6 jan. 1921 apud Ribeiro, 2008RIBEIRO, M. P. G. Monteiro Lobato e a Argentina: mediações culturais. São Paulo, 2008, Tese (Doutorado em Letras) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8145/tde-07102008-171507/publico/TESE_MARIA_PAULA_GURGEL_RIBEIRO.pdf>. Acesso em: 26 jul. 2021.
https://www.teses.usp.br/teses/disponive...
, p.73)

Nos anos 1920, vários artistas latino-americanos estavam na Europa, a maioria em Paris: os brasileiros Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade, Victor Brecheret, Anita Malfatti, Vicente do Rego Monteiro; o chileno

Vicente Huidobro; os argentinos Jorge Luis Borges, Norah Borges, Oliveiro Girondo, Emilio Pettoruti, Xul Solar; os uruguaios Pedro Figari, Joaquín Torres García. Provavelmente frequentavam os mesmos lugares, mas não se aproximaram.

Alguns artistas, inclusive, chegaram a coincidir em exposições. Em março de 1924, realizou-se em Paris, no Musée Galliéra, a “Exposition d’Art Américain-Latin”, da qual participaram os brasileiros Angelina Agostini, Anita Malfatti, Victor Brecheret, e os argentinos Emilio Pettoruti e Xul Solar.

Em abril de 1930, realizou-se em Paris, na Galeria Zak, uma exposição organizada por Torres García, “Exposition du groupe latino-américain de Paris”, da qual participaram, entre outros, o próprio Torres-García, Pedro Figari e Rego Monteiro.

Os modernistas brasileiros não estiveram nos países vizinhos nos anos 1920. Mário de Andrade não visitou os países hispano-americanos, esteve brevemente no Peru e na fronteira com a Bolívia, durante sua viagem em 1927. Oswald esteve em Montevidéu com Pagu, em 1931, mas não fez contato com os literatos. A maioria dos vanguardistas hispano-americanos apenas passou pelo Brasil, porque os navios que iam rumo à Europa faziam escala no Rio de Janeiro, que não era o destino escolhido.

O primeiro vanguardista hispano-americano mencionado pelos modernistas foi Vicente Huidobro, chileno que passou temporadas em Paris e publicou poemas em francês. Mário de Andrade conheceu sua obra pela revista L’Esprit Nouveau, cita algumas de suas ideias no “Prefácio interessantíssimo”, de Pauliceia desvairada, e mais explicitamente em A escrava que não é Isaura, de 1925. Huidobro é o criador do creacionismo, que interessou a Mário.

No início da década de 1920, os brasileiros ignoravam a maioria das revistas de vanguarda argentinas, cuja quantidade e qualidade impactava desde 1921. Da mesma forma, os argentinos ignoravam a Semana de Arte Moderna e as publicações modernistas lançadas em 1922. Foi somente a partir de 1924 que os ecos das vanguardas cruzaram as fronteiras do país vizinho, e foram assunto de cartas, artigos e notas em jornais e revistas, intermediados por escritores brasileiros pouco mencionados na abordagem desses diálogos.

Monteiro Lobato e a rota de fuga das vanguardas

Que pena para o Brasil o mundo ser a França e só a França! Como nos vicia da vesguice da unilateralidade esta tolice visceral que nos deixa sem olhos para ver e admirar grandes obras tão superiores à quinquilharia literária que Paris nos impinge e que nós macacalmente sorvemos, sem o menor discernimento crítico...

(Lobato, 1924LOBATO, M. [resenha]. Revista do Brasil, Rio de Janeiro, v.25, n.97, s/p, jan. 1924. Disponível em: <https://bibdig.biblioteca.unesp.br/bitstream/handle/10/26322/revista-do-brasil-97.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 21 nov. 2021.
https://bibdig.biblioteca.unesp.br/bitst...
)

Em 1924, o escritor argentino Lorenzo Stanchina veio a São Paulo. A pedido de outro argentino, Manuel Gálvez, Monteiro Lobato os recebeu (Ribeiro, 2008RIBEIRO, M. P. G. Monteiro Lobato e a Argentina: mediações culturais. São Paulo, 2008, Tese (Doutorado em Letras) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8145/tde-07102008-171507/publico/TESE_MARIA_PAULA_GURGEL_RIBEIRO.pdf>. Acesso em: 26 jul. 2021.
https://www.teses.usp.br/teses/disponive...
, p.97).

Lobato e Gálvez estavam em contato havia alguns anos. Os dois eram escritores e editores, tinham interesse em divulgar a própria obra nos países vizinhos e estabeleceram um intercâmbio que consistiu em espaço para divulgação da literatura brasileira na revista Nosotros e para divulgação da literatura argentina na Revista do Brasil. A obra de ambos foi traduzida e divulgada do outro lado da fronteira, por suas respectivas editoras e outras, e os demais autores que eles editaram e divulgaram, em sua maioria, assim como eles, não eram vanguardistas.

Lobato editou, em 1922, Os condenados, de Oswald de Andrade, e O homem e a morte, de Menotti Del Picchia, obras das quais foram lidos trechos na Semana de Arte Moderna. Porém, em sua correspondência com os argentinos, os modernistas não eram mencionados.

Stanchina entrevistou Lobato quando veio a São Paulo, em 17 de fevereiro de 1924STANCHINA, L. Manuel Gálvez entrevistado pela Novíssima: o que diz o notável romancista sobre a nossa literatura. Novíssima, São Paulo/ Rio de Janeiro, ano I, n.5, p.15, jul./ago. 1924. Publicada originalmente em espanhol. Reproduzida, em português, em Patricia M. Artundo. Mário de Andrade e a Argentina: um país e sua produção cultural como espaço de reflexão. Trad. de Gênese Andrade. São Paulo: Edusp, 2004. p.188-9.. A entrevista foi publicada na revista argentina Fray Mocho, em março desse ano. Lobato afirmou então conhecer pouco a literatura argentina. Ao ser perguntado se tinha esperança nos intelectuais da nova geração, respondeu categoricamente: “Não”.

Ainda em 1924, quando passou a direção da Revista do Brasil para Paulo Prado e Sergio Millet, afirmou em carta a Godofredo Rangel: “Entreguei a Revista ao Paulo Prado e Sergio Milliet e não mexo mais naquilo. Eles são modernistas e vão ultramodernizá-la. Vejamos o que sai - e se não houver baixa no câmbio das assinaturas, o modernismo está aprovado” (Lobato, 1956_______. A barca de Gleyre. São Paulo: Brasiliense, 1956, v.II., v.2, p.264).

Em contrapartida à entrevista de Lobato publicada na revista Fray Mocho, a revista Novíssima publicou, no número 4, um texto de Manuel Gálvez, “Jovens e velhos”, e textos sobre Gálvez e Benjamín de Garay, tradutor de Urupês, lançado na argentina em 1921. No número seguinte, publicou-se uma entrevista com Gálvez, realizada por Stanchina, em que ele declarou:

Não vacilo em afirmar que [a literatura brasileira] está mais desenvolvida que a nossa e ainda que lhe é superior. [...] Uma prova disso é a existência de bons críticos no Brasil, o que falta a nós. [...] Na Argentina não temos um José Veríssimo nem nada anuncia que estejamos em vias de tê-lo. [...] Atualmente o Brasil conta com vários escritores de primeira ordem. Sem intenções de fazer uma lista completa, mencionarei Coelho Neto, Afrânio Peixoto, Gustavo Barroso, Monteiro Lobato, Ronald de Carvalho, Godofredo Rangel... (Stanchina, 1924STANCHINA, L. Manuel Gálvez entrevistado pela Novíssima: o que diz o notável romancista sobre a nossa literatura. Novíssima, São Paulo/ Rio de Janeiro, ano I, n.5, p.15, jul./ago. 1924. Publicada originalmente em espanhol. Reproduzida, em português, em Patricia M. Artundo. Mário de Andrade e a Argentina: um país e sua produção cultural como espaço de reflexão. Trad. de Gênese Andrade. São Paulo: Edusp, 2004. p.188-9., p.15)

Salta aos olhos o ecletismo da enumeração, em um momento em que vários livros modernistas circulavam, inclusive de autoria dos escritores que colaboravam na revista Novíssima, como Menotti Del Picchia e Oswald de Andrade, mas não são mencionados.

Já no final do ano, foi publicado no número 8 da mesma revista um texto sobre a literatura argentina, de autoria de Nicolás Olivari: “A jovem poesia argentina”. Ele se propõe a fazer uma resenha da vanguarda lírica argentina e destaca o papel das revistas Inicial, Martín Fierro e Proa para a vanguarda poética. Refere-se a Borges: “Orientado por uma expressão mais inteligível será um dos maiores poetas do nosso tempo” (Olivari, 1924, p. 21-2).

Conhecendo a atitude de Lobato com relação a Anita Malfatti em 1917, seu interesse em divulgar no país vizinho sua própria obra e outros escritores brasileiros, mas não os modernistas, é possível entender por que, mesmo que seu diálogo com os argentinos já fosse intenso em 1922, não circulou entre eles qualquer informação sobre a Semana de Arte Moderna nem sobre os modernistas. Como afirma Oswald de Andrade:

[...] você, Lobato, foi o culpado de não ter a sua merecida parte do leão nas transformações tumultuosas, mas definitivas, que vieram se desdobrando desde a Semana de Arte de 22. Você foi o Gandhi do modernismo. Jejuou e produziu, quem sabe, nesse e noutros setores a mais eficaz resistência passiva de que se possa orgulhar uma vocação patriótica. [...]

[...] Se Anita e nós tínhamos razão, sua luta significava a repulsa ao estrangeirismo afobado de Graça Aranha, às decadências lustrais da Europa podre, ao esnobismo social que abria os seus salões à Semana. (Andrade, O., 2004Carta a Monteiro Lobato ANDRADE, O. de. . In: Ponta de lança. São Paulo: Globo, 2004, p.49-56., p.50-1)

Mas, ao mesmo tempo, Lobato fez a ponte entre os argentinos e Menotti Del Picchia e a revista Novíssima, e também apresentou a literatura argentina a Câmara Cascudo, o que abriu caminho para a divulgação da vanguarda argentina no Brasil e do modernismo brasileiro na Argentina.

A melhor definição de Lobato, incluída essa atitude com relação às vanguardas, foi apresentada por Antonio Candido (1944CANDIDO, A. Notas de crítica literária: Monteiro Lobato. Folha da Manhã, São Paulo, 10 dez. 1944, p.7., p.7): “muito moderno para ser passadista, muito ligado à tradição literária para ser modernista, ponto de encontro de duas épocas e duas mentalidades, símbolo da transição da nossa literatura”.

Via Menotti Del Picchia: em torno de Martín Fierro

“Lá e cá más fadas há”. Aqui, para espantá-las, tivemos o orgiástico e abracadabrante banquete espiritual da “Semana de Arte Moderna”; na Argentina, Martín Fierro - periódico quincenal de arte y crítica libre.

(Del Picchia, 1925a)

Menotti Del Picchia publicou no Correio Paulistano, em 14 de dezembro de 1922, o texto “Gente argentina”, no qual lamenta que não haja interesse dos brasileiros pela literatura argentina, embora o país vizinho se interesse pela literatura brasileira e a publique. Provavelmente se refere às notícias que lhe chegavam pela Revista do Brasil ou diretamente por Lobato, mas não especifica quem divulga ou o que se divulga de nossa produção. Conclui a nota com uma referência à poeta argentina Alfonsina Storni, de quem traduz o poema “Esta tarde”, do livro Languidez. Ela não se situa entre os vanguardistas argentinos. Sua obra era publicada por Gálvez. Lobato menciona em carta a ele, datada de 6 de julho de 1921, haver recebido três livros de Storni (Albieri, 2009ALBIERI, T. de M. São Paulo-Buenos Aires: a trajetória de Monteiro Lobato na Argentina. Campinas, 2009. Tese (Doutorado em Letras) - Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas., p.45), de um dos quais se inclui uma resenha na Revista do Brasil, em setembro de 1921. Isso nos permite conjecturar que o contato de Menotti com seus versos se deu via Lobato.

Conforme carta de Lobato a Gálvez, de 28 de janeiro de 1925, Nicolás Olivari e Lorenzo Stanchina vieram a São Paulo em 1925 (Albieri, 2009ALBIERI, T. de M. São Paulo-Buenos Aires: a trajetória de Monteiro Lobato na Argentina. Campinas, 2009. Tese (Doutorado em Letras) - Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas., p.83). Olivari era um escritor da nova geração argentina e colaborador da revista Martín Fierro, que havia começado a circular em Buenos Aires em 1924 e havia publicado treze números até esse momento. Tendo Evar Méndez como diretor, entre seus colaboradores estavam os principais vanguardistas argentinos: Jorge Luis Borges, Oliverio Girondo, Norah Lange, Emilio Pettoruti, Francisco Palomar, aos quais se juntaram, mais adiante, outros como Xul Solar, Norah Borges e os já não tão jovens Macedonio Fernández e Pedro Figari, artista uruguaio radicado em Buenos Aires.

Às vésperas da viagem ao Brasil, Olivari registrou a partida em um poema, publicado no número 14-15 da revista, de 24 de janeiro de 1925. Com o título “Adiós a Buenos Aires”, traz a seguinte epígrafe - “(He aquí cómo se despide de la ciudad, al partir al Brasil, el poeta de La amada infiel)”2 2 Optamos por manter na língua original os textos inéditos em português de autoria dos escritores Nicolás Olivari, Luis Emilio Soto e Pedro Juan Vignale. -, à qual se seguem os versos:

Buenos Aires, ahora te canto porque voy a elegir: ante tu inhallable encanto prefiero partir. […] (Poeta informal y crudo, creído sólo en MARTÍN FIERRO como vine me voy, desnudo, a mi voluntario destierro). Voy a tierras saudosas donde el fado hace de la vida una enorme hamaca, me voy con un libro, un lápiz y un ochavo a cuestas de mi humanidad flaca. Lograré en esa tierra que jubila al sol alguna desconyuntura de caderas, porque palpito que ceñido al rol escribiré un tratado con elegante desenfado: “La criollidad habida en las habaneras”. […] (Olivari, 1925aOLIVARI, N. Adiós a Buenos Aires. Martín Fierro, ano II, n.14-15, 24 jan. 1925a. Disponível em: <file:///C:/Users/genes/Downloads/mfN14-15.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2021.)

Gálvez, que havia colocado Stanchina em contato com o autor de Urupês no ano anterior, era alvo de críticas dos martinfierristas. Dessa vez, após a menção na carta citada, provavelmente Lobato intermediou o encontro de Olivari com Menotti Del Picchia.

O primeiro texto sobre Martín Fierro publicado no Brasil foi escrito pelo autor de Juca Mulato, depois desse encontro. Divulgado no Correio Paulistano, em 6 de junho de 1925 - inédito em livro -, destaca os principais artistas vinculados ao grupo da revista e aproxima essa publicação e a Semana de Arte Moderna, considerando-as como ícones do combate ao passadismo em seus respectivos países:

Ensolarada mocidade, a ala vanguardista de Martín Fierro vence uma bela batalha artística na Argentina. Os bisontes letrados da república platina, emaranhados na híspida selva passadista, já sentem no flanco a seta díscola desses talentos ágeis e novos, cansados da arte paleontológica...

“Lá e cá más fadas há”. Aqui, para espantá-las, tivemos o orgiástico e abracadabrante banquete espiritual da “Semana de Arte Moderna”; na Argentina, Martín Fierro - periódico quincenal de arte y crítica libre - onde o talento fúlgido e cavalheiresco de Evar Méndez acaudilha uma coorte máscula de novos, todos destros, todos inquietos, literatos como Oliverio Girondo, Iturburu, Merino, Olivari e outros, pintores e escultores da força de Petorutti e Manes. (Del Picchia, 1925aOLIVARI, N. Adiós a Buenos Aires. Martín Fierro, ano II, n.14-15, 24 jan. 1925a. Disponível em: <file:///C:/Users/genes/Downloads/mfN14-15.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2021.)

A crítica à estética que antecede as vanguardas é contundente:

Martín Fierro é uma afirmação de vida e de talento. De lá estrondam entre a velharia anacrônica petardos e busca-pés, pondo em fuga delirante os doentes de elefantíase estética, os reumáticos do arcaico Parnaso, os gagás manquitolantes do passadismo. O bom humor e a inteligência deram seu rendez-vous mental no lépido e fúlgido periódico, de onde se irradia o novo sentido da arte platina. Seu êxito tem sido colossal.

Destaca Olivari como o responsável por seu conhecimento da revista e sintetiza o vigor da publicação, em contraste com a produção anterior:

Possuo a preciosa coleção de Martín Fierro.

Entrou-me em casa pelo carinho de Nicolas Olivari, alma juvenil e talento cheio de fulgor que conheci aqui em S. Paulo.

Que vigorosa geração essa, que traz em alarma os velhos quartéis parnasianos da estética argentina! Como se sente vibratilidade, ânsia de descobertas, juventude sadia e matinal nessas penas agudas e argutas, que abordam a prosa, o verso, o ensaio, a polêmica sempre com a mesma mestria e a mesma jovialidade! Quanta poesia virginal, fresca, derriçada dos eternos decalques líricos, que a falta de imaginação dos aedos da velha guarda cunhava com uma constância inquietante de moeda falsa! Tudo novo! Tudo original! Tudo procaz e ardente como a alma combativa do próprio e histórico Martín Fierro!

[...] (Del Picchia, 1925a)

Conclui exaltando a alegria dos “novos” do Brasil ao constatar que a busca por renovação não é um fato isolado, mas “um movimento cósmico”.

Olivari publicou na revista Martín Fierro, em duas partes, em 10 e 25 de setembro de 1925, um texto sobre seu encontro com Menotti e o relato que este fez a ele sobre a Semana e seus protagonistas. O texto é saboroso desde o início, com o registro do desembarque em São Paulo e a transcrição da verve de Menotti ao se referir à cidade, ao relatar a ele o ambiente que propicia a Semana de Arte Moderna, e também pela forma como Olivari conta sua reação aos fatos narrados:

Quando cheguei a São Paulo desci de meu belo ônibus de dois andares, cor de rola cândida, estreitei meus braços na nurse de Rui Barbosa que me ensinou sua língua e seus encantos durante a viagem, gastei o último resto da quinta edição de Crítica para fazer um cigarro com as sobras de fumo que minhas unhas cavaram no forro de meu colete descosido; pus um chapéu de palha enorme e “fui chez” Menotti Del Picchia.

Encontrei-o na redação do diário oficial de São Paulo.

[...]

[…] Nós estamos […] na aurora de nossa independência artística. São Paulo cria, pela atuação galharda de seus artistas novos, sua autonomia mental. Toda a atenção das classes cultas do país se dirige para os “Independentes de Piratininga”. O terremoto literário sacudiu a velha crosta formada por uma cultura de mimetismo secular, estremecendo todas as consciências. São Paulo é a Meca da Arte nova e ao lado dos elogios mais calorosos não nos faltou, por sorte, a chuva de fogo dos ataques severos e dos insultos.

[…]

O iniciador da revolução foi Monteiro Lobato. Seu livro Urupês foi o grito do Ipiranga da literatura brasileira.

[...] (Olivari, 1925b_______. La moderna literatura brasilera. Martín Fierro, ano II, n.22, 10 set. 1925b. Disponível em: <file:///C:/Users/genes/Downloads/mfN22.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2021.)

Destaca-se o relato da Semana de 22 como evento, que ganha ares de um grande espetáculo, e sobre sua repercussão na imprensa, também de modo exagerado:

Exatamente cem anos depois de sua independência política, o Brasil inaugurava sua independência mental.

[…]

Foi então, em 1922, que apareceu, com espetacular ruído de raios e trovões, a “Semana de Arte Moderna”, realizada no Teatro Municipal da capital paulista, cumprindo o programa dos “Independentes de Ipiratininga [sic]”.

Fenômeno literário de alta significação, reuniu, na imensa sala de nosso coliseu máximo, sob a incisiva e energética capitania de Graça Aranha, a mais bela floração espiritual do Brasil contemporâneo.

Os aplausos mais frenéticos misturavam-se com as vaias mais ensurdecedoras; os poetas, romancistas e críticos da nova geração foram os heróis dessas noites inesquecíveis, cujos nomes cito com respeito: […]

A “Semana de Arte Moderna” caiu no meio da beatífica sesta da Arte Nacional como um bólido incandescente. [...]

Os acadêmicos saíram de seu marasmo reumático e reuniram suas valetudinárias tropas combatendo as bárbaras metáforas dos hunos paulistas. Na imprensa do país, travaram-se as mais ferrenhas polêmicas e, milagre singular em um povo que parecia tão alheio a toda questão de Arte, foram acompanhadas com entusiasmo por todo o público. A atenção dos leitores dos diários foi dominada pelo ruidoso combate que atraía tanta expectativa quanto as peripécias de um match sensacional. (Olivari, 1925b_______. La moderna literatura brasilera. Martín Fierro, ano II, n.22, 10 set. 1925b. Disponível em: <file:///C:/Users/genes/Downloads/mfN22.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2021.c)

O destaque das questões estéticas que o evento defendia e a síntese apresentada das obras de Mário de Andrade e Oswald constituem um registro significativo da divulgação dessa produção fora do Brasil:

De um lado os revolucionários de São Paulo preconizavam uma Arte nova, original, clara, atualizada, livre de penumbras acadêmicas.

A luta foi dirigida contra os processos do naturalismo, ainda em voga em nossos romancistas, e contra o ideal parnasiano, ainda adoçado no verso anacrônico dos poetas da época.

Mário Moraes de Andrade com sua inesperada e desconcertante Pauliceia desvairada, punha abaixo a coluna Vendôme dos bardos oficiais preocupados em cantar petrarcamente os pés, mãos e olhos de suas Lauras suburbanas.

Este livro agressivo, sintético, impressionista, levantou alarmes e aguçou alaridos. Foi o dardo assestado violentamente contra o calcanhar de Aquiles do parnasianismo acadêmico.

Oswald de Andrade em seu belo romance Os condenados imaginava processos inéditos de composição, iniciando a simultaneidade impressionista, atingindo maravilhosos efeitos plásticos com sua prosa colorida e nervosa. […]

[...]

Pouco a pouco, a solidez e o talento contidos em todas estas obras foram vencendo as hostilidades que a demonstração inicial da nossa estética tinha despertado em toda a América brasileira.

[…] (Olivari, 1925c_______. La moderna literatura brasilera (conclusión). Martín Fierro, ano II, n. 23, 25 set. 1925c. Disponível em: <file:///C:/Users/genes/Downloads/mfN23.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2021.)

É interessante observar o balanço, passados três anos do evento: “Já passaram três anos dessa famosa Semana, mas os alaridos e patadas e cascudos que ameaçavam derrubar o fastuoso edifício do Teatro Municipal hoje se transformaram em aplausos. A arte dos novos atrai toda a atenção do país, impondo-se como leader de nossa cultura atual” (Olivari, 1925c_______. La moderna literatura brasilera (conclusión). Martín Fierro, ano II, n. 23, 25 set. 1925c. Disponível em: <file:///C:/Users/genes/Downloads/mfN23.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2021.).

Sabemos que a aceitação do modernismo nesse momento não era tão ampla no Brasil, inclusive o “Manifesto da Poesia Pau Brasil”, de Oswald de Andrade, de 1924, fora alvo de grande polêmica, assim como seu livro Pau Brasil, que acabara de ser impresso em Paris, e os dos demais modernistas. É importante considerar, porém, que eles continuavam muito atuantes e conquistavam cada vez mais espaço, inclusive também graças aos adeptos de fora de São Paulo e à publicação de revistas de vanguarda nos outros estados.

As conjecturas sobre como teria sido a realização de algo semelhante em Buenos Aires são, além de irônicas, muito surpreendentes e engraçadas:

Creio que em nenhuma outra Nação da América do Sul se encontre um acontecimento tão curioso que chame sobre si tanta atenção coletiva...

- Não, interrompe a melancolia indizível e invejosa do portenho que está dentro de mim; não! Em Buenos Aires o Teatro Municipal é algo que assusta. Quando passamos a seu lado, tiramos o chapéu e dizemos para a musa que nos acompanha: Olhe que velho bem conservado...

- E por que não o assaltam?

- Por temor da gendarmaria volante. Você amigo, nos faria falta lá para encabeçar a tomada da Bastilha.

[...] (Olivari, 1925c_______. La moderna literatura brasilera (conclusión). Martín Fierro, ano II, n. 23, 25 set. 1925c. Disponível em: <file:///C:/Users/genes/Downloads/mfN23.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2021.)

Destaca-se a menção à forte presença do café no cotidiano brasileiro e ao poema “Rio de Janeiro”, de Oliverio Girondo: “Fica quieto por um instante para tomar café. No Brasil se toma tanto café quanto ar para ventilar os pulmões. Não é precisamente aquele café que Oliverio Girondo, com gesto de dono de poços petrolíferos em Tampico, pagou não sei quantos milhões de réis para que perfumasse para sempre seu poema sobre o Rio de Janeiro. [...]” (Olivari, 1925c_______. La moderna literatura brasilera (conclusión). Martín Fierro, ano II, n. 23, 25 set. 1925c. Disponível em: <file:///C:/Users/genes/Downloads/mfN23.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2021.).

Publicado em Veinte poemas para ser leídos en el tranvía, de 1922, ano da Semana de Arte Moderna, o poema de Girondo constitui a primeira menção ao Brasil por um vanguardista argentino e traz o registro da paisagem brasileira de acordo com a nova estética:

A cidade imita em papelão uma cidade de pórfiro.

Caravanas de montanhas acampam nos arredores.

O Pão de Açúcar basta para adoçar a baía inteira... O Pão de Açúcar e seu teleférico que há de perder o equilíbrio por não usar uma sombrinha de papel.

De cara maquiada, os edifícios trepam uns por cima dos outros e, quando chegam ao alto, viram o lombo para que as palmeiras lhes deem com o espanador na laje.

O sol amolece o asfalto e o traseiro das mulheres, amadurece as lâmpadas elétricas, sofre um crepúsculo nos botões de opala que os homens usam até para fechar a braguilha.

Sete vezes ao dia regam-se as ruas com água de jasmim!

Há velhas árvores pederastas, desabrochadas em rosas-chá, e velhas árvores que engolem as crianças que jogam bola no passeio público. Frutas que, ao cair, fazem um buraco enorme na calçada; negros que têm cútis de tabaco, a palma das mãos feita de coral e sorrisos sem-vergonha de melancia.

Por apenas quatrocentos mil-réis se toma um café, que perfuma todo um bairro da cidade durante dez minutos. (Girondo, 2014_______. 20 poemas para ler no bonde. Trad. Fabrício Corsaletti e Samuel Titan Jr. São Paulo: Editora 34, 2014. Ed. bilíngue., p.39)

O poema, datado “Rio de Janeiro, novembro 1920”, é uma espécie de cartão-postal da cidade em versos, com o flagrante sinestésico do cheiro do café - a principal riqueza brasileira naquele momento, vinculada aos artistas modernistas e seus mecenas, alguns deles pertencentes a famílias produtoras de café, como Tarsila do Amaral e Paulo Prado. Esse poema foi publicado no número 2 de Martín Fierro, de 20 de março de 1924, juntamente com outros do livro, e voltou a ser mencionado em outros artigos publicados no Brasil sobre a vanguarda argentina.

O livro, publicado na França, assim como o de Oswald, mencionado, traz dez ilustrações coloridas, de autoria de Girondo, intercaladas aos poemas. A que acompanha este, mostra casas coloridas e antropomorfizadas, adornadas por palmeiras, com um elefante como fundo, na encosta de um morro. Em Vanguarda e cosmopolitismo, Jorge Schwartz (1983SCHWARTZ, J. Vanguarda e cosmopolitismo na década de 20: Oliverio Girondo e Oswald de Andrade. São Paulo: Perspectiva, 1983., p.144-5) aponta nesse desenho uma caricatura com intenção lúdica e ressalta o humor no poema, que a imagem intensifica. Girondo, que, como Oswald, cruzou inúmeras vezes o Atlântico rumo à Europa, só desembarcaria no Brasil para uma visita demorada nos anos 1940.

Voltando ao texto de Olivari, o delírio da fuga final está de acordo com o espírito brincalhão dos modernistas e também da própria revista Martín Fierro:

De repente esse homem seco e jovem, com os olhos cinzas e a vontade pontiaguda como um facão malévolo, começa a esbarrar em coisas fantásticas.

- Você, me diz, vai fazer uma conferência!

Não posso engolir todo o café futuro que tingirá minhas entranhas com a mais bela fumaça negra do mundo.

- Você irá ao Teatro Municipal (cria de nosso Teatro Colón) e fará uma conferência sobre poesia argentina. Prometo que estarão presentes o presidente do Estado, a banda municipal, o corpo consular, os poetas negros, os mortos pela pátria e os aposentados municipais, e pode ser que ocorram pauladas e patadas.

Faço um grande gesto de horror. Com os cabelos eriçados saio correndo pelas ruas, tendo adiante os Miriñaques desfalecidos das negras vendedoras de empadas. Ouço sua voz do semáforo do diário oficial protestando à distância. […] (Olivari, 1925c_______. La moderna literatura brasilera (conclusión). Martín Fierro, ano II, n. 23, 25 set. 1925c. Disponível em: <file:///C:/Users/genes/Downloads/mfN23.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2021.)

O tom do texto coincide também com o estilo do próprio Olivari, antecipado no poema citado, em que anunciara sua viagem ao Brasil.

Olivari pôs Menotti em contato com os martinfierristas. Sendo assim, o poeta brasileiro recebeu Calcomanías - “Oliverio teve a boa lembrança de me enviar um exemplar desse livro”, ele afirma - e publicou no Correio Paulistano, em 25 de agosto de 1925, uma resenha, com o título “Oliverio Girondo”. Esse texto - inédito em livro -, começa com uma apresentação do poeta bastante peculiar: “Oliverio Girondo é o Horacio Quiroga da literatura platina: mas um Quiroga díscolo, vitorioso e bem-humorado”. O escritor uruguaio radicado na Argentina havia estado em São Paulo em 1922, quando Monteiro Lobato ofereceu a ele uma recepção, nos Altos do Jabaquara, à qual Menotti pode haver comparecido. Em seguida, refere-se aos poemas de Girondo de modo geral, de forma descontraída:

Lendo seus poemas - que maravilhas originais as desse Grande imaginativo! - parece-me ver em seu redor fugas, gritaria, admiração e pasmo. Cada estrofe é um sarilho do valentão em feira... Sente-se, em Girondo, virilidade, bravura, agilidade. Sente-se a vitória. Sente-se o indivíduo que toma o lugar dos outros aos empurrões, consciente da sua força, seguro de que esse é o seu lugar.

Eu conhecia algo dos seus não sei quantos “poemas para ler no bonde”, Suas rimas tatuaram-se no meu espírito como pirogravuras queimadas diretamente no meu crânio. Vivas. Faiscantes. (Del Picchia, 1925b)

Detém-se em Calcomanías, constituído por poemas ambientados na Espanha, em diversas cidades, inclusive registros de momentos específicos, como a Semana Santa. Menotti destaca a força das imagens e faz uma leitura sinestésica do conjunto:

Que imensa poesia jorra dos seus novos poemas! Que colorido! Que riqueza de imagens! Que fina comoção romântica do meio de certas paisagens cheias de luz, de um realismo quase grotesco, de um humor fino e imprevisto. Para pintá-las, Girondo apresta os cinco sentidos. Fá-lo com o paladar, sentindo o gosto do céu e das ruas; com o olfato, dando o perfume das comoções; com o tato descrevendo a forma das coisas impalpáveis; com o ouvido escutando a música do silêncio; com a vista, vendo o que os outros não veem! Que nababesca fortuna de imagens novas esbanja este marajá de talento... Que agudeza de observação! (Del Picchia, 1925b)

Menotti enviou a Oliverio Girondo uma carta, com a mesma data da publicação, na qual menciona o envio de uma nota, que deve ser essa, promete enviar livros a ele futuramente e destaca a coincidência entre ambos quanto ao desejo de renovação estética:

Ao grande Poeta Oliviero [sic]

Girondo envio a pequena nota inclusa, que lhe dirá minha reafirmada admiração pela sua arte.

Terei brevemente o prazer de lhe enviar o meu livro Chuvas de pedra, versos, no prelo, que bem demonstra que é comum nosso anseio de renovação estética. Com um grande abraço de

Menotti Del Picchia. (Schwartz, 2007_______. Oliverio: nuevo homenaje a Girondo. Rosário: Beatriz Viterbo, 2007., p.447)

Será apenas em 1927 que a arte brasileira voltará a ser mencionada nas páginas da revista Martín Fierro. Em uma nota, lamenta-se que os argentinos não retribuam o interesse dos brasileiros por sua literatura. Isso ocorre no contexto da presença no Brasil de Francisco Palomar, artista argentino que ilustrou os primeiros números de Martín Fierro e estava no Rio de Janeiro desde 1926 - como foi noticiado no número 36 da revista, de 12 de dezembro de 1926. Tornou-se amigo de Ronald de Carvalho e Graça Aranha, e realizou uma exposição no Salão do Palace Hotel, em 1927CARVALHO, R. de. Gente de Martín Fierro. O Jornal, Rio de Janeiro, 9 out. 1927. Disponível em: <http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=110523_02&Pesq=%22renato%20almeida%22&pagfis=34253>. Acesso em: 7 nov. 2021.
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. Diz o breve registro: “F. A. Palomar, do Rio, comunica a simpatia com que os mais destacados escritores brasileiros modernos dos quais se aproximou veem M. F. e sua obra de divulgação e propaganda estética atual. Os argentinos, ele diz, descuidam demais dessa simpatia: não mandam seus livros nem escrevem” (Cartas de Amigos, 1927, tradução nossa).

No número 42, de 10 de julho de 1927, Leopoldo Hurtado dedica a Ronald de Carvalho o poema “Oración sobre el ‘Pan de Azúcar’”. Embora o tema coincida com o do poema de Girondo mencionado, consiste em versos descritivos, com pretensões realistas que vinculam a cidade ao passado imperial, com um olhar que privilegia o exótico.

Somente em outubro de 1927 será publicada no Brasil outra apreciação mais detida de Martín Fierro, escrita por Ronald de Carvalho, cuja obra fora abordada na mesma revista no início desse ano. A resenha de Toda a América fora escrita por Manuel Gálvez a pedido do diretor da revista, Evar Méndez, e publicada no número 37, em 20 de janeiro (Gálvez, 1927).

O artigo de Ronald, “Gente de Martín Fierro”, foi publicado no periódico carioca O Jornal, em 9 de outubro de 1927. Mais conhecido e citado no Brasil na fortuna crítica sobre as vanguardas latino-americanas, foi acompanhado por caricaturas de Francisco Palomar.

Ao apresentar a revista, o escritor carioca a compara com Klaxon por seu caráter inovador e sua estrutura, na qual todos colaboravam sem que se impusesse uma figura única no comando:

[...] Martín Fierro agrupa vontades enérgicas, orientadas, cada qual a seu modo, para um fim. É um índice da Argentina moderna. Seu nacionalismo é humano como o dos grandes espíritos tradicionais do Prata. É um melting-pot, onde fervem as inteligências mais encontradas.

Essa falange rara se distingue por um comunismo raro, entre gente de pena e pincel: ninguém crê nos chefes. Foi banida essa expressão de hierarquia, por imprestável e sem sentido. Todos comandam as suas ideias e as suas formas. Todos são comandados pelo mesmo terror das categorias. Martín Fierro é um tônico, uma disciplina de liberdade, uma escola de ar livre, como foi a nossa Klaxon, em 1922. (Carvalho, 1927CARVALHO, R. de. Gente de Martín Fierro. O Jornal, Rio de Janeiro, 9 out. 1927. Disponível em: <http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=110523_02&Pesq=%22renato%20almeida%22&pagfis=34253>. Acesso em: 7 nov. 2021.
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)

Depois de enumerar seus colaboradores, sintetiza: “poetas, polemistas, pintores, críticos, arquitetos, escultores, empenhados no movimento de renovação dos valores estéticos na Argentina. Martín Fierro já completou três anos de idade, e ainda não envelheceu”.

Detém-se na produção de alguns deles: Evar Méndez, também seu diretor, Oliverio Girondo, Jorge Luis Borges, Ricardo Güiraldes e Francisco Palomar. A apresentação de Girondo é certeira e entusiasmada, coincidindo com a que será feita por Mário de Andrade mais adiante, como veremos:

Não existe na poesia argentina nada mais pictural que a poesia de Girondo. O autor dos Poemas para ser leídos en el tranvía [sic] tem a ciência do croquis. Joga com a imagem, como um peixe com a cintilação das águas.

Girondo é o homem esportivo, que está em toda a parte, no deck, de Morand, ou no Pullman, de Larbaud. Seu ritmo é apressado, sem cadências nem cortes solenes. Ritmo de um poeta que sabe pular no desconhecido, que deflagra, na imagem concentrada, toda uma teoria da cultura. Girondo é o tipo do humanista moderno. Define as coisas, quase sempre, pelo avesso. Faz da realidade uma história para rir. E acerta no alvo com a primeira arma que se lhe depara.

Girondo não gosta de perder. Seu humorismo sensualista prefere o gozo do contato rápido. Arte de pólen. [...] (Carvalho, 1927CARVALHO, R. de. Gente de Martín Fierro. O Jornal, Rio de Janeiro, 9 out. 1927. Disponível em: <http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=110523_02&Pesq=%22renato%20almeida%22&pagfis=34253>. Acesso em: 7 nov. 2021.
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)

Transcreve alguns de seus poemas, inclusive “Rio de Janeiro”, citado, sobre o qual afirma ser “curios[o] pelo exagero da linha real”.

Sua apreciação de Jorge Luis Borges de alguma maneira contrasta com a que fez de Girondo: “Borges tem uma qualidade rara entre os sul-americanos: não acredita na paisagem. Não arma o cavalete diante dos crepúsculos. Diverte-se com as cidades, como se fossem caixas de brinquedos. Desarticula as casas, as ruas, os transeuntes. Pinta o ar de cores vivas. Mas, de improviso, isola-se no barulho e ouve o coração. [...]” (Carvalho, 1927CARVALHO, R. de. Gente de Martín Fierro. O Jornal, Rio de Janeiro, 9 out. 1927. Disponível em: <http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=110523_02&Pesq=%22renato%20almeida%22&pagfis=34253>. Acesso em: 7 nov. 2021.
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).

Ao apresentar Palomar, destaca características que podem ser confirmadas pelas caricaturas que ele fez dos colaboradores da revista, que ilustram o artigo:

Palomar criou uma espécie nova de retrato: o retrato sintético. Palomar não é caricaturista. O que ele desagrega da fisionomia humana são os elementos plásticos essenciais, capazes de contribuir para variar a realidade até as séries complexas. Todas as suas combinações de linhas e volumes se operam sobre a constante do real. São “experiências” no sentido mais rigoroso do termo.

[...]

Este artista reflete o filho do Pampa. O menor relevo assume, aos seus olhos, valor arquitetônico. Suas máscaras têm o movimento maciço da arquitetura [...] (Carvalho, 1927CARVALHO, R. de. Gente de Martín Fierro. O Jornal, Rio de Janeiro, 9 out. 1927. Disponível em: <http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=110523_02&Pesq=%22renato%20almeida%22&pagfis=34253>. Acesso em: 7 nov. 2021.
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)

Nesse momento, passados mais de dois anos da apresentação de Martín Fierro ao público brasileiro por Menotti, todos os colaboradores já tinham várias obras publicadas e o periódico já havia se consolidado como importante representante da vanguarda argentina. Porém, apesar do entusiasmo do articulista, a revista, que havia publicado o número 43, de 15 de julho-15 de agosto de 1927, caminhava para o fim. Com o número 44-45, que estampou a data 31 de agosto-15 de novembro de 1927, encerrou sua trajetória.

Via Câmara Cascudo: Luis Emilio Soto e os modernistas brasileiros

Gustosamente voy a escribir algunas impresiones mías sobre A escrava que não é Isaura de Mário de Andrade. Me interesó tanto ese libro que apenas lo tuve en mis manos, lo leí de una sola sentada.

(Luis Emilio Soto, Carta a Câmara Cascudo, 1925SOTO, L. E. Las nuevas corrientes estéticas en el Brasil: un importante libro de Mário de Andrade. Renovación, Buenos Aires, set./out. 1925. Disponível em: <https://americalee.cedinci.org/wp-content/uploads/2020/12/renovacion_1925_septiembre_octubre.pdf>. Acesso em: 27 out. 2021.
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apud Moraes, 2010MORAES, M. A. de (Org.) Câmara Cascudo e Mário de Andrade: cartas 1924-1944. São Paulo: Global, 2010., p.51)

Câmara Cascudo já estava em contato com Monteiro Lobato havia algum tempo quando este passou a enviar a ele, em agosto de 1920, algumas publicações argentinas que recebia. O escritor natalense então começou a escrever sobre literatura argentina, entrou em contato com alguns escritores e, em 1924, reuniu em livro seus artigos publicados no jornal A Imprensa. Os onze textos sobre literatura argentina, que circularam em 1922 e 1923, integraram a segunda parte, com o título “Argentina intelectual”, de Joio: páginas de literatura e crítica.3 3 Câmara Cascudo publicou também “La amada infiel”, resenha do livro de Nicolás Olivari, em A Imprensa, Natal, 24 jun. 1924, não incluída em Joio (Cf. Ferreira, 2011, p.67-8). Não se destacam os vanguardistas. Mas no último texto, “O ouro alheio”, datado de 12 de novembro de 1923, descreve o estilo de quinze escritores argentinos, entre os quais Luis Emilio Soto, com quem se correspondia desde 1923. Soto era escritor e crítico literário e colaborou nas revistas Proa, Inicial, Claridad, Nosotros e Sur.4 4 O estudo de Joio e das relações de Câmara Cascudo com a Argentina foi feito com excelência em Medeiros (2016).

Paralelamente, Cascudo publicara três textos sobre cultura popular na Revista do Brasil entre 1921 e 1923 e, na Argentina, já circulara “Ronda de muerte”, na revista Inicial, número 3, de dezembro de 1923, e o ensaio folclórico “El Caipora, Dios salvaje”, em Caras y Caretas, número 1331, de 5 de abril de 1924.

O mesmo jornal A Imprensa publicou em 11 de junho de 1924 o artigo “O sr. Mário de Andrade”, de Câmara Cascudo. Não há informações sobre como esse artigo chegou até Mário, mas a primeira carta entre eles é de autoria do escritor paulista, de 14 de agosto de 1924, na qual agradece a publicação que o deixara lisonjeado (Moraes, 2010MORAES, M. A. de (Org.) Câmara Cascudo e Mário de Andrade: cartas 1924-1944. São Paulo: Global, 2010., p.33). Afirma que já conhecia um texto de Cascudo, publicado na Revista do Brasil, mas não especifica qual deles. Ao responder a essa carta, em 25 de agosto, Cascudo afirma também conhecer os textos de Mário publicados na mesma revista, assim como em América Brasileira, e Pauliceia desvairada, “o livro-escândalo”, embora ainda não o tenha. Na mesma ocasião, envia a ele o livro Joio (Moraes, 2010, p.35).

O escritor natalense foi o responsável por proporcionar a Mário o primeiro contato com a literatura vanguardista argentina. Em junho de 1925, enviou a ele Versos de la calle, de Alvaro Yunque, juntamente com a seguinte carta:

Mando um exemplar do livro de Yunque Versos de la calle. Perdoe o papel. É a 2. edição de 5 milheiros. E do ano passado. [...] Yunque possui aquele “essencial expressivo” que V. encontrou em João Miramar. Para Luiz Emilio Soto, Yunque é o sentido poético da cidade moderna. Melhor V. julgará. É o livro que expressa uma nova orientação mental n’Argentina d’agora. Verso da rua com tinta segura e sem nuança. (Moraes, 2010MORAES, M. A. de (Org.) Câmara Cascudo e Mário de Andrade: cartas 1924-1944. São Paulo: Global, 2010., p.44)

Ainda está por ser feita a leitura comparativa desse livro com Pauliceia desvairada, para verificar as relações que Cascudo estabelece. Destaca-se também o paralelo que ele aponta com a apreciação do livro de Oswald, feita por Mário. Este citou o livro de Yunque brevemente em artigo publicado em 1928 (Andrade, M., 1928b_______. Literatura modernista argentina II. Diário Nacional, São Paulo, 29 abr. 1928b. Disponível em: <http://memoria.bn.br/pdf/213829/per213829_1928_00248.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2021.
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).

Ao mesmo tempo, Cascudo enviou os seguintes livros dos modernistas brasileiros a Luis Emilio Soto: O espírito moderno e A estética da vida, de Graça Aranha; Memórias sentimentais de João Miramar, de Oswald de Andrade; A escrava que não é Isaura, de Mário de Andrade. O escritor argentino acusou recebimento em uma carta a ele, em 8 de setembro de 1925, na qual faz uma apreciação rigorosa e sincera:

[…] confieso que leí con preferente interés aquellos capítulos que versan sobre cosas brasileñas, tanto en el libro A estética da vida como en Espírito moderno: la condición de extranjero no se echa a un lado así nomás. Por lo que hace al estilo, me pareció de una admirable fluidez y a menudo de una musicalidad exquisita […]. En cambio no puedo expresarme en el mismo tono tocante al libro de Oswald de Andrade Memórias etc. Y es que ese género de literatura no atrae mis mejores sufragios. […] Gustosamente voy a escribir algunas impressiones mías sobre A escrava que não é Isaura de Mário de Andrade. Me interesó tanto ese libro que apenas lo tuve en mis manos, lo leí de una sola sentada. Tan pronto aparezca la nota en cuestión, me será grato enviársela a Vd. así como al Sr. Mario de Andrade. (apud Moraes, 2010MORAES, M. A. de (Org.) Câmara Cascudo e Mário de Andrade: cartas 1924-1944. São Paulo: Global, 2010., nota 33, p.51)

O entusiasmo que o livro de Mário causa nele é muito significativo e Cascudo não demora em reportar isso ao poeta paulista, de forma muito subjetiva e jocosa, em carta de 9 de dezembro de 1925. Comunica a ele o envio do livro e de seu endereço a Soto, e ainda anuncia a resenha que ele em breve receberá: “O argentino-colombiano Luis Emilio Soto leu o Escrava duas vezes e está suando de entusiasmo. Mandei seu endereço para que ele enviasse crônica a respeito do livro” (Moraes, 2010MORAES, M. A. de (Org.) Câmara Cascudo e Mário de Andrade: cartas 1924-1944. São Paulo: Global, 2010., p.80).

Assim se inicia o contato entre Mário e Soto que, alguns dias depois, em 22 de dezembro, envia para a rua Lopes Chaves uma carta e o artigo que escrevera sobre A escrava... e publicara em Buenos Aires: “Em setembro último, mais ou menos, recebi do nosso excelente amigo Câmara Cascudo, um exemplar do livro do Sr., A escrava que não é Isaura. Como me interessasse sobremaneira esse eficaz arrazoado, cujo aspecto teórico não o impede de ser veemente, escrevi o artigo anexo” (Artundo, 2013_______. (Org.) Correspondência Mário de Andrade & escritores/artistas argentinos. Trad. Gênese Andrade. São Paulo: Edusp, 2013., p.107).

Trata-se do primeiro contato de Mário com a intelectualidade argentina. Além disso, o artigo de Soto constitui a primeira crítica sobre o escritor brasileiro publicada no país vizinho, provavelmente a primeira no exterior.

O texto “Las nuevas corrientes estéticas en el Brasil: un importante libro de Mario de Andrade”, publicado em Renovación, de Buenos Aires, no número de setembro/outubro de 1925 - inédito em português e inédito em livro na Argentina -, teve seu recorte preservado por Mário de Andrade em seu arquivo, como informa Patricia Artundo,5 que foi a primeira a mencioná-lo (Artundo, 2004ARTUNDO, P. M. Mário de Andrade e a Argentina: um país e sua produção cultural como espaço de reflexão. Trad. Gênese Andrade. São Paulo: Edusp, 2004., p.64; 2013, p.107). Antes de abordar a obra de Mário, Soto destaca a atuação de Câmara Cascudo na aproximação entre Brasil e Argentina, inclusive o envio a ele de A escrava que não é Isaura. Porém, faz um comentário rigoroso e ácido sobre o livro Joio:

[…] recoge Câmara Cascudo varias apreciaciones suyas sobre un grupo de escritores nuestros […]. La finalidad que persigue su autor, de estrechar vínculos promoviendo un intercambio intelectual, lo excusa de que al juzgar ciertas obras de aquí sea tan benévolo. Este es el riesgo que trae aparejado la iniciativa que se comenta, cuya intención por lo demás merece el mayor impulso: el que se hable de autores mediocres tomándolos como tipo de una literatura. […] su inclusión despierta justa inquietud. Innecesario es decir que esto no ocurriría tratándose de un crítico nuestro. La amable disposición de Câmara Cascudo para hacer conocer en su país obras y autores argentinos, justifica los reparos que preceden, cuyo solo objeto es consolidar el intercambio, mediante eliminaciones forzosas. (Soto, 1925SOTO, L. E. Las nuevas corrientes estéticas en el Brasil: un importante libro de Mário de Andrade. Renovación, Buenos Aires, set./out. 1925. Disponível em: <https://americalee.cedinci.org/wp-content/uploads/2020/12/renovacion_1925_septiembre_octubre.pdf>. Acesso em: 27 out. 2021.
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)

Ao ressaltar a importância da Semana de Arte Moderna para o modernismo brasileiro, menciona esse evento retomando a citada narrativa de Olivari, publicada em Martín Fierro, com pontos coincidentes quanto à sua apreciação, mas com ênfase na diferença de caráter entre os argentinos e os modernistas brasileiros, que inviabilizaria a realização de algo semelhante no Teatro Colón, equivalente portenho ao Teatro Municipal:

[…] se mantiene inalterable el entusiasmo de aquella “semana de arte modernista”. A propósito de este episodio, sin precedentes en América, cabe subrayar el grado de vitalidad artística que denota. ¿Es posible suponer un caso análogo entre nosotros? Qué escritores nuestros serían capaces de gritar en el Teatro Colón, como en 1922 ocurrió en el Teatro Municipal de San Paulo, la caducidad de toda una generación literaria? Si entran en mucho las diferencias de carácter entre uno y otro pueblo, hay también causas aparte que intervienen. Lo espectacular no se acomoda al espíritu argentino y, si algún caso se observa es forzosamente excepcional. Concretándonos a Buenos Aires, la tendencia a la blague es típica. De ahí que inspire poca confianza entre nosotros una actitud como la que se asumió en San Paulo. Faltaría esa absoluta convicción íntima que se requiere aún para “espantar al burgués”. (Soto, 1925SOTO, L. E. Las nuevas corrientes estéticas en el Brasil: un importante libro de Mário de Andrade. Renovación, Buenos Aires, set./out. 1925. Disponível em: <https://americalee.cedinci.org/wp-content/uploads/2020/12/renovacion_1925_septiembre_octubre.pdf>. Acesso em: 27 out. 2021.
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)

A apresentação de Mário de Andrade e a crítica a seu livro de 1925 é entusiasmada, com uma apreciação bastante positiva:

El libro de Mario de Andrade A escrava que não é Isaura es un vehemente alegato en torno a las nuevas teorías estéticas: […]. Su autor goza de singular prestigio en todo el Brasil no solo porque fue uno de los promotores de la vanguardia, sino también a causa de su pujante espíritu innovador. A esa cualidad suya, a su modo de ser inquieto y combativo débese la influencia que Mario de Andrade ejerce en el Brasil sobre el principal núcleo de escritores jóvenes. […]

[…]

Mario de Andrade luego de hacer distinción entre lo bello artístico y lo bello natural, debate ineludible, desciende de tales cogitaciones olímpicas 5.000 metros sobre el nivel del mar, al asfalto cotidiano de la poesía de 1922. Sus consideraciones en torno a la emoción estética, el concepto de la belleza eterna y la nueva sensibilidad, la destrucción del asunto poético, etc., denotan amplia información de las literaturas más avanzadas así como un penetrante sentido crítico […] (Soto, 1925SOTO, L. E. Las nuevas corrientes estéticas en el Brasil: un importante libro de Mário de Andrade. Renovación, Buenos Aires, set./out. 1925. Disponível em: <https://americalee.cedinci.org/wp-content/uploads/2020/12/renovacion_1925_septiembre_octubre.pdf>. Acesso em: 27 out. 2021.
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)

Soto prossegue com uma análise minuciosa da argumentação apresentada por Mário de Andrade sobre o novo lirismo, sua relação com o passado e seus pressupostos atuais e, ao concluir, demonstra conhecer também outras publicações do escritor paulista em livros e revistas, assim como o texto de Joaquim Inojosa, de 1924, “A arte moderna”, talvez também enviado a ele por Câmara Cascudo.

Segundo Artundo (2013_______. (Org.) Correspondência Mário de Andrade & escritores/artistas argentinos. Trad. Gênese Andrade. São Paulo: Edusp, 2013.), as cartas de Mário de Andrade a Soto não foram preservadas no acervo do escritor argentino.

Mário escreve a Câmara Cascudo após receber a carta de Soto e o artigo:

[...] recebi anteontem uma carta gentilissima [sic] do Soto com o artigo sobre a Escrava saído en Renovación. Deus lhe pague o que você vem fazendo por mim. Vou esperar mais uns cinco ou seis dias pra responder pro Soto, porque assim posso mandar pra ele o meu livro novo que está sai-não-sai. Você já sabe qual é, o Losango cáqui, versos líricos, coisa íntima, coisa de coração moderno. (Moraes, 2010MORAES, M. A. de (Org.) Câmara Cascudo e Mário de Andrade: cartas 1924-1944. São Paulo: Global, 2010., p.84)

Via de mão dupla: os desdobramentos dos diálogos

Tomara que logo possa chegar a essa rua Lopes Chaves 108 e repetir mais uma vez o prazer da hospitalidade carinhosa [...].

(Luis Emilio Soto, Carta a Mário de Andrade, 2[?] fev. 1927_______. Poesia argentina. Diário Nacional, São Paulo, 30 out. 1927. Disponível em: <http://memoria.bn.br/pdf/213829/per213829_1927_00094.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2021.
http://memoria.bn.br/pdf/213829/per21382...
. (Artundo, 2013_______. (Org.) Correspondência Mário de Andrade & escritores/artistas argentinos. Trad. Gênese Andrade. São Paulo: Edusp, 2013., p.123)

No fim de janeiro de 1926, chegam a São Paulo Luis Emilio Soto e Pedro Juan Vignale - escritor, colabora em Proa e Martín Fierro - representantes da revista Los Pensadores.

Quem anuncia a presença deles em São Paulo pioneiramente é mais uma vez Menotti Del Picchia. Publica, no Correio Paulistano, em 2 de fevereiro, o texto “Missão de cultura” - inédito em livro -, no qual os apresenta:

Vignale e Soto - dois magníficos artistas e dois jovens embaixadores da nova arte argentina - aqui se acham a passeio e em missão de intercâmbio cultural.

Vignale é um grande poeta e Soto um maravilhoso artista. […]

[…]

Recebi, por eles, uma batelada de livros argentinos. Estou lendo com carinho, travando contato com uma geração nova, turbulenta, imaginosa, milionária de ideias e de beleza. Não é a Argentina clássica de Ingenieros, de Lugones, de Storni, de Capdevilla, de Gálvez. É uma geração que inicia a nacionalização do seu povo por um sentido de arte mais nativo e mais direto, tal qual a geração nova daqui. É uma madrugada de inteligência. Deles direi depois. Que revelações!

[…]

Precisamos conhecer a Argentina. […] A alma argentina, porém, não é mais aquela que está no livro magistral e monumental de Sarmiento. Não há mais “gauchos” nem “caudilhos” nos seus pampas. Uma civilização jovem e estuante de energias novas enfibra esse povo em ascensão e em triunfo. […]

A missão simpática de Vignale e de Soto - a sementeira de livros que espalham entre nós - concorre muito para iluminar-nos sobre o progresso mental desse povo fraterno e vizinho.

Ela nos traz a informação que necessitamos: a da nova alma argentina. […] (Del Picchia, 1926)

Ressalta a ênfase na nova geração argentina e o paralelo que estabelece com a brasileira. Ao fazer um balanço crítico da literatura argentina anterior, menciona como clássicos do passado Gálvez e Storni, sobre quem havia escrito em 1922. Ao anunciar o recebimento de livros dos artistas novos e seus planos de escrever sobre eles, desperta o interesse do leitor para a literatura vanguardista do país vizinho.

No dia seguinte, Vignale publica um artigo na Folha da Manhã, sobre as vanguardas argentinas. Escrito em espanhol, traz uma síntese inicial, em português:

A independência intelectual da América, a formação de uma arte americana é o programa por que vem batalhando tenaz e brilhantemente um grupo de jovens literatos e artistas argentinos, [...]. Pedro Juan Vignale, temperamento nervoso de artista e jornalista muito distinto, estuda a nova geração argentina, a sua atuação no momento atual e a orientação que norteia a “esquerda” dos intelectuais da vizinha República. (Vignale, 1926)

Apresenta um panorama das revistas vanguardistas argentinas que circularam desde o fim da Primeira Guerra até aquele momento:

[…] La encuesta que por ese entonces - el año 21 o 22 - formuló la revista Nosotros puso de manifiesto, sino una nueva sensibilidad, por lo menos una reacción higiénica. Reacción desorientada, claro está, pero reacción al fin, concretada inmediatamente en una revista: Inicial. Allí se reunieron los jóvenes colaboradores de Nosotros, los que habían pertenecido a una hoja mural: Prisma, y los nuevos muchachos que andaban aún dispersos. Pero esta revista tomó, después de los primeros números, un tinte universitario, demasiado serio y demasiado erudito, para atraer a los nuevos creadores, […].

Se fue desintegrando, por lo tanto, hasta quedar en sus páginas el menor número de ellos. Hoy es una revista de comentarios filosóficos, […]

Apareció por entonces, y con los elementos nuevamente dispersos, un periódico literario que, para hacerlo más americano, se imprimió en papel inferior, en simple papel de diario: se llamó Martín Fierro, nombre simbólico en la literatura argentina, y fue, por así decirlo, el eje alrededor del cual se realizaron todas las polémicas artísticas que agitaron a Buenos Aires durante los dos últimos años. […] Poco después […] formaron una nueva revista aristocrática: Proa, donde se albergaron algunos redactores de la primitiva Inicial […]. Estas tres revistas salieron simultáneamente, algunas con irregularidad, pero siempre nutridas y vivaces.

Martín Fierro por su espíritu porteño, humorístico, de blague, fue el que reunió más firmas. […] Todos entusiastas, todos con espíritu renovador. […] Nunca hasta ese entonces el entusiasmo por la creación lírica, pura y genuina, había reunido a tantos muchachos. […] (Vignale, 1926VIGNALE, P. J. Reseña de la renovación estética en la Argentina. Hacia un arte americano. Folha da Manhã, São Paulo, 3 fev. 1926.)

Vincula o entusiasmo em torno de Ramón Gómez de la Serna e o posterior afastamento dele ao surgimento de uma nova tendência, encampada pelos dissidentes, que se inclinavam para a esquerda, entre os quais se situa:

[…] No teníamos revistas. Planeamos una: Hoy, que permaneció inédita, por causas puramente económicas; pero el grupo existía, fue solidificándose más […] Nosotros, los argentinos, los americanos, no tenemos tradición alguna, que nos pase; nosotros, los de ahora, somos la tradición, la estamos cimentando recién. El único movimiento genuino sería aquel que tuviese como norte la independencia intelectual de América: poseemos la política, hemos resuelto, a medias, la económica; con la resolución definitiva de éste y de aquel problema, estaremos en condiciones de encarar nuestro problema, social. Eso entrevimos los que formamos a la izquierda. Aclaradas las ideas el nuevo grupo se concretó en torno de la vieja revista editada por Antonio Zamora, Los Pensadores, que hasta ese entonces había desempeñado un rol educativo en las masas obreras. Una palabra: el título nos parece ahora pedante, pero prometemos trocarlo de inmediato… La dirección fue dada a nuestro compañero Luis Emilio Soto. […] (Vignale, 1926VIGNALE, P. J. Reseña de la renovación estética en la Argentina. Hacia un arte americano. Folha da Manhã, São Paulo, 3 fev. 1926.)

Apresenta assim Los Pensadores, revista que circulou de 1924 a 1926, da qual é colaborador, com um olhar bastante crítico, que culmina no destaque do aspecto ideológico: “Sostenemos que la obra de arte ha de ser un todo orgánico, más intuitiva que intelectual, más humana que abstracta; aborrecemos de toda escuela, en defensa de nuestra personalidade, y creemos en América, salvaje y virgen, ignorada como un cielo extranjero y promisora de mundos inéditos, como una aventura cinematográfica” (Vignale, 1926VIGNALE, P. J. Reseña de la renovación estética en la Argentina. Hacia un arte americano. Folha da Manhã, São Paulo, 3 fev. 1926.).

Los Pensadores é responsável pela “missão de confraternidade” que motiva a viagem que os escritores realizavam então, com o objetivo de fazer um intercâmbio cultural com os países vizinhos. Esse texto irá nortear as reflexões futuras de Mário de Andrade sobre a literatura argentina, que inclusive chega a citar um trecho, como veremos, e a tomada de posição ajuda a entender o julgamento sobre eles que Mário faz em sua correspondência com Câmara Cascudo.

Vignale envia o artigo a Mário com uma breve carta, com data de 6 de fevereiro, na qual observa: “Não é um artigo crítico como afirma o ingênuo redator da Folha, mas não por isso deixa de ser o melhor artículo do mundo. Como estatística de nomes é precisa; de valores, é claro que não pode ser: já veremos dentro de dez anos, ou antes, se o Sr. preferir” (Artundo, 2013_______. (Org.) Correspondência Mário de Andrade & escritores/artistas argentinos. Trad. Gênese Andrade. São Paulo: Edusp, 2013., p.149).

Mário de Andrade publica na revista Terra Roxa e Outras Terras, número 2, o texto “Argentinos”. Ao registrar a presença deles em São Paulo, faz um retrato que se destaca pelas impressões que causam quanto à voz, aos gestos e à postura crítica:

Emilio Soto é liso, calmo. A voz dele é reta e corta. Sua crítica é desenhista: apresenta defeitos e qualidades em nudez cheia. Juan Vignale é brusco, inquieto. O olhar dele é irônico e perverso. Sua crítica é costureirinha: salienta defeitos e qualidades com os vestuários do ridículo ou do louvor.

São argentinos e viajam. Viajam com a Argentina no bolso porém são homens do mundo grande. São modernos, é lógico - porém não são modernizados. A curiosidade deles não se limita a colecionar metáforas nem imitações. Não são fotógrafos amadores de epidermes. Procuram almas. Se acham uma, o dia de viagem foi bem ganho. [...] Depois de conversar com Soto e Vignale a gente conclui: são homens racionais, coisa rara! E fica muito satisfeito. Por isso Emilio Soto e Juan Vignale ficaram donos da nossa camaradagem. [...] (Andrade, M., 1926aANDRADE, M. de. Argentinos. Terra Roxa e Outras Terras, São Paulo, ano I, n. 2, p. 2, 3 fev. 1926a. Ed. fac-similar. In: Revistas do Modernismo 1922-1929. Org. de Pedro Puntoni e Samuel Titan Jr. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo; Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, 2014., p.2)

A menção às publicações de Soto, à divulgação da literatura argentina e suas impressões do modernismo brasileiro não aparecem nesse texto. Nesse momento, ocupava as páginas do Correio Paulistano uma polêmica em torno de Losango cáqui, livro recém-publicado por Mário, que levará a seu rompimento com Menotti. Por isso, provavelmente, não há menções de Menotti a Mário e vice-versa nos artigos, nessa ocasião. A publicação simultânea dos três textos nos jornais paulistas e na revista Terra Roxa não permite também que haja remissões entre eles.

A passagem de Soto e Vignale por São Paulo ficou registrada nas cartas trocadas entre Mário e Câmara Cascudo, o que permite acompanhar os encontros que tiveram, suas impressões, assim como a distribuição de livros argentinos, já mencionada por Menotti.

Mário conta a Câmara Cascudo em carta datada de 3 de fevereiro de 1926:

Tenho estado com o Luis Soto aqui vindo pra ver coisas. Rapaz sério de voz cortante que bate na gente e dói. Espírito combativo muito construído. Me pareceu um pouco cheio desse bolchevismo idealista que a mocidade inventa pra poder amar ou atacar as coisas. [...] Já estive com ele duas vezes e uma delas muito tempo umas quatro horas aqui em casa. Trouxe um amigo muito inteligente e vivo, um tal Vignale, conhece? [...] tive a impressão que estavam desapontados com o modernismo brasileiro. Julgaram naturalmente encontrar uma coisa e encontraram outra. Com esta minha franqueza imediata lhes disse logo o que pensava do universalismo idealista em que estão. E qual a razão por que devemos nos esforçar cada qual em ser nacional de seu país. Concordaram porém tive a impressão que meio desiludidos. [...] Como me parece que estão um pouco desiludidos comigo também, creio que levarão de S. Paulo má impressão. Má impressão que me parece, isto é que é cômico, um pouco patriótica também. Talvez me engane e isto seja perversidade do meu temperamento... Vou oferecer para eles mais uma reuniãozinha depois de amanhã. [...] (Moraes, 2010MORAES, M. A. de (Org.) Câmara Cascudo e Mário de Andrade: cartas 1924-1944. São Paulo: Global, 2010., p.89-90)

Sobre Menotti, faz um comentário negativo, que parece ecoar discordância quanto a seu nacionalismo por parte dos visitantes também: “Quanto à roda em que caíram foi a pior possível. O Menotti, pelo que eles me referiam caçoando, lhes falou uma porção de burradas: que nós temos os melhores pastos do mundo, que os nossos cafezais são os melhores do mundo, que a baía do Rio de Janeiro é a mais bela do mundo etc. de nacionalismos patrióticos bestas” (Moraes, 2010MORAES, M. A. de (Org.) Câmara Cascudo e Mário de Andrade: cartas 1924-1944. São Paulo: Global, 2010., p.90).

Menciona a partida de Soto em carta datada de 12 de março, na qual faz um balanço de suas impressões sobre o visitante e sobre a literatura argentina, a partir dos livros que recebeu:

[...] O Luis Emilio Soto foi-se embora. Gostei dele de verdade. Um pouco misterioso. De repente desaparecia. [...] Desconfio um poucadinho que veio em alguma missão que não sei o que é. Possivelmente bolchevista. Não sei e não quero fazer mau juízo de ninguém. [...] é bem esquisito isso de virem dois homens da Argentina, passarem por literatos e desaparecerem de vez em quando dos meios literários, andarem ninguém sabe adonde, [...] No resto boa gente divertida inteligente e bastante livre. Me deram uns oito livros argentinos modernos que por sinal não puderam me interessar muito não. Se o modernismo argentino é isso o nosso é bem mais forte. [...] (Moraes, 2010MORAES, M. A. de (Org.) Câmara Cascudo e Mário de Andrade: cartas 1924-1944. São Paulo: Global, 2010., p.97-8)

Esses comentários de Mário revelam talvez certa incompreensão quanto aos propósitos da viagem e aos objetivos da publicação que Soto e Vignale representavam, documentados no artigo publicado na Folha da Manhã. Antes de vir a São Paulo, Soto havia enviado a Mário um exemplar de Los Pensadores, número 115, de novembro de 1925, como ficou registrado em carta com data de 29 de dezembro de 1925 (Artundo, 2013_______. (Org.) Correspondência Mário de Andrade & escritores/artistas argentinos. Trad. Gênese Andrade. São Paulo: Edusp, 2013., p.109). Segundo Artundo (2013, nota 14, p.112), os livros a que Mário se refere nessa carta a Cascudo podem ser de autores ligados a Los Pensadores.

A resposta de Câmara Cascudo a Mário de Andrade, em carta de 28 de abril de 1926, desfaz a cisma do escritor paulista quanto a ter causado má impressão aos visitantes: “Luis Emilio Soto escreveu-me. Encantado com V.” (Moraes, 2010MORAES, M. A. de (Org.) Câmara Cascudo e Mário de Andrade: cartas 1924-1944. São Paulo: Global, 2010., p.102).

Foi apenas em 29 de junho que Soto escreveu a Mário registrando seu contentamento com a temporada paulista, os encontros em São Paulo e desculpando-se pelo longo silêncio:

[…] Trouxe uma impressão ótima do Sr. que comentei primeiro com Vignale e depois aqui, quantas vezes tive de referir-me ao núcleo intelectual de São Paulo. Nunca esquecerei as muito amáveis tertúlias em sua casa regadas a pinga e bom humor ao extremo. […] aquelas gratas reuniões, cujo centro absorvente era o senhor, polifacético Mário, são lembranças vivas que a perspectiva do tempo ilumina mais e mais. […] Imagine como estarei satisfeito agora que possuo suas cartas em que o engenho fosforesce junto à declaração confidencial! Agora me deleito melhor com sua Pauliceia, me interessa mais seu Losango e tenho viva ânsia de provar sua próxima colheita lírica… (Artundo, 2013_______. (Org.) Correspondência Mário de Andrade & escritores/artistas argentinos. Trad. Gênese Andrade. São Paulo: Edusp, 2013., p.113-14)

Soto afirma haver recebido vários livros enviados a ele, inclusive a revista Terra Roxa e Outras Terras, e menciona haver distribuído entre escritores do grupo Martín Fierro os livros de Mário que havia levado. Também registra o envio a ele de várias publicações argentinas. Porém, os livros não foram preservados na biblioteca dos escritores argentinos, nem há registros de que estes tenham agradecido ou retribuído os envios de Mário, com raras exceções (Artundo, 2013_______. (Org.) Correspondência Mário de Andrade & escritores/artistas argentinos. Trad. Gênese Andrade. São Paulo: Edusp, 2013., nota 14, p.112).

Os envios têm continuidade, como fica documentado em carta datada de 3 de setembro de 1926, quando Soto, em resposta a uma carta de Mário de Andrade, comenta: “Parece-me muito boa sua atitude para escrever sobre nossos autores e terei muito prazer em enviar-lhe toda sorte de referências que possam orientá-lo e permitir-lhe situar com comodidade e sem risco cada um deles” (Artundo, 2013_______. (Org.) Correspondência Mário de Andrade & escritores/artistas argentinos. Trad. Gênese Andrade. São Paulo: Edusp, 2013., p.117). Aí aparece outro dado importante, que é o propósito de Mário de escrever sobre a literatura argentina. Já Vignale, em carta ao escritor paulista datada de 4 de outubro de 1926VIGNALE, P. J. Reseña de la renovación estética en la Argentina. Hacia un arte americano. Folha da Manhã, São Paulo, 3 fev. 1926., faz um comentário que complementa a informação: “Quanto à Antologia argentina de que o Sr. me fala, me alegra muitíssimo sua realização; vivemos muito perto uns dos outros mas nos desconhecemos que é uma maravilha!”. Segundo Artundo (2013, nota 8, p.158), essa teria sido a primeira notícia referente ao projeto de Mário de organizar uma Antologia de poesia argentina. Infelizmente, as cartas de Mário de Andrade a Vignale, que talvez trouxessem mais informações sobre o tema, não foram preservadas no acervo do escritor argentino.

Insinua-se um projeto de antologia que não se concretizou, por razões que veremos mais adiante. Porém, sob o impacto da divulgação de que o governo argentino havia destinado 75 milhões de pesos para compra de material bélico, Mário escreve um artigo em que reitera sua postura antibélica, no qual se destaca a menção elogiosa à cultura argentina de modo geral e em particular à literatura, com o destaque explícito do que havia chegado a seu conhecimento via Soto e Vignale. Publicado no jornal A Manhã, do Rio de Janeiro, em 26 de outubro de 1926VIGNALE, P. J. Reseña de la renovación estética en la Argentina. Hacia un arte americano. Folha da Manhã, São Paulo, 3 fev. 1926., “Clara argentina” foi mencionado pela primeira vez por Patricia Artundo (2004ARTUNDO, P. M. Mário de Andrade e a Argentina: um país e sua produção cultural como espaço de reflexão. Trad. Gênese Andrade. São Paulo: Edusp, 2004., p.53 ss.). O artigo inicia-se com a explicação bem-humorada de seu título e se desdobra demonstrando explícito entusiasmo pelo que o escritor considera o lado “claro e bom” da Argentina, em oposição ao aspecto belicista:

O título deste artigo a modos que parece nome de moça em romance de Osvaldo de Andrade... Não é não. Se trata da Argentina, o país do trigo, o país de terra deitada dos pampas, “eu vi o pampa!” cantou Ronald de Carvalho se entusiasmando numa boniteza de poesia clara... Dunque: Clara Argentina.

[...]

Duma feita estouraram pela minha casa a dentro o Luis Emilio Soto, publicista apertando o assunto pela garganta, e o Juan Vignale poeta por sinal que gentilíssimo. Me abriram a porta da Argentina boa. Então conheci nos livros o Ricardo Güiraldes de cujo recente Don Segundo Sombra, uma obra-prima, hei-de falar; o Oliverio Girondo que modelou em versos estupendos uma Semana-santa de Sevilha; o Pettoruti pintor moderníssimo de que o Governo argentino acaba de comprar o quadro Los Bailarines, pro museu de La Plata... Enfim conheci e ando conhecendo a Argentina cuera. E andava também falando pra mim: ôh, a gente não deve de invejar nada neste mundo porém por que que a Argentina é tão clara e boa que eu nem bem conheço um gaúcho e logo fico querendo bem o tal. Ronald de Carvalho passa por lá e logo exclama feliz, “Eu vi o Pampa”... (Andrade, M., 1926b_______. Clara Argentina. A Manhã, Rio de Janeiro, 26 out. 1926b. Disponível em: <http://memoria.bn.br/pdf/116408/per116408_1926_00258.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2021.
http://memoria.bn.br/pdf/116408/per11640...
)

Embora este não seja seu tema central, o texto constitui-se em um primeiro registro do panorama da vanguarda argentina que Mário de Andrade começava então a construir, a partir das publicações que chegaram às suas mãos por intermédio também de Câmara Cascudo, além dos argentinos mencionados, e irão ampliar-se significativamente nos anos seguintes, com os envios feitos por Rosário Fusco (Menezes, 2013MENEZES, A. L. G. R. L. de. Amizade “carteadeira”: o diálogo epistolar de Mário de Andrade com o grupo Verde de Cataguases. São Paulo, 2013. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) - Instituto de Estudos Brasileiros, Universidade de São Paulo. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8149/tde-10122013-122154/publico/2013_AnaLuciaGuimaraesRichaLouregaDeMenezes_VCorr.pdf>. Acesso em: 26 jul. 2021.
https://www.teses.usp.br/teses/disponive...
, p.346-8) e pelos próprios autores, como Alvaro Yunque, Oliverio Girondo, Ricardo Güiraldes (Artundo, 2013_______. (Org.) Correspondência Mário de Andrade & escritores/artistas argentinos. Trad. Gênese Andrade. São Paulo: Edusp, 2013., p.303 ss.).

Ao deixar registrada nesse texto sua intenção de abordar a obra de Ricardo Güiraldes, Mário de Andrade indica seu propósito de voltar a apresentar algumas reflexões sobre a literatura argentina.

Porém, segundo Artundo (2004ARTUNDO, P. M. Mário de Andrade e a Argentina: um país e sua produção cultural como espaço de reflexão. Trad. Gênese Andrade. São Paulo: Edusp, 2004., p.78), o projeto da antologia foi abandonado, por lhe parecer desnecessário, quando Mário tomou conhecimento da publicação da Exposición de la actual poesía argentina (1922-1927), organizada por Vignale e César Tiempo, publicada em 1927, da qual fez uma breve resenha, publicada no Diário Nacional, em 30 de outubro do mesmo ano (Andrade, M., 1927_______. Poesia argentina. Diário Nacional, São Paulo, 30 out. 1927. Disponível em: <http://memoria.bn.br/pdf/213829/per213829_1927_00094.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2021.
http://memoria.bn.br/pdf/213829/per21382...
).

No início de 1928, as menções ao que seria então um estudo da literatura argentina apareceram em sua correspondência. Em carta a Pedro Nava, em 25 de fevereiro, comentou: “Estou dando última demão pra um estudo, verdadeiro opúsculo 100 páginas, sobre Poesia Argentina” (Andrade, M., 1982_______. Correspondente contumaz: cartas a Pedro Nava, 1925-1944. Org. de Fernando da Rocha Peres. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982., p.102). Já em março, retomou o assunto com Rosário Fusco, afirmando que faria um estudo sobre literatura modernista argentina (Menezes, 2013MENEZES, A. L. G. R. L. de. Amizade “carteadeira”: o diálogo epistolar de Mário de Andrade com o grupo Verde de Cataguases. São Paulo, 2013. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) - Instituto de Estudos Brasileiros, Universidade de São Paulo. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8149/tde-10122013-122154/publico/2013_AnaLuciaGuimaraesRichaLouregaDeMenezes_VCorr.pdf>. Acesso em: 26 jul. 2021.
https://www.teses.usp.br/teses/disponive...
, p.346).

Os textos foram publicados nesse ano no Diário Nacional, com o título “Literatura modernista argentina” e a indicação I, II e III, em 22 e 29 de abril e 13 de maio de 1928, e o último, “Literatura moderna argentina”, em 20 de maio. Os três primeiros trazem abordagens abrangentes sobre a vanguarda argentina, especialmente a produção dos colaboradores de Martín Fierro, e o último é dedicado a Ricardo Güiraldes.

Considerando que já foram abordados por Emir Rodríguez Monegal (1978) e Raúl Antelo (1986ANTELO, R. Na ilha de Marapatá: Mário de Andrade lê os hispano-americanos. São Paulo: Hucitec, 1986.) e exaustivamente estudados por Patricia Artundo (2004ARTUNDO, P. M. Mário de Andrade e a Argentina: um país e sua produção cultural como espaço de reflexão. Trad. Gênese Andrade. São Paulo: Edusp, 2004., p.78-94) quanto a suas fontes, com o cotejo de livros, periódicos e recortes, o que permitiu inclusive rastrear a sequência de entrada das publicações argentinas em sua biblioteca, as que foram preservadas e as lacunas, bem como a repercussão entre seus contemporâneos, destacamos desses textos apenas as reflexões de Mário sobre as revistas vanguardistas argentinas, as relações que ele estabelece com o modernismo brasileiro e a apreciação dos martinfierristas.

Em “Literatura modernista argentina II”, Mário destaca a quantidade e a qualidade das revistas vanguardistas argentinas, contrastando sua escassez no Brasil, especialmente no momento em que redige o artigo:

A literatura argentina possui vida coletiva muito forte. Os grupos são ativos e práticos publicando livros e revistas.

[...]

Não é que nem aqui [...]

[...] As revistas literárias não passam do quarto número. Atualmente possuímos só duas, Verde e Festa, quando São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife pelo menos, podiam com os modernistas que possuem manter mensários também.

Na Argentina já apareceu e aparece um poder de revistas caracteristicamente modernas. Nosotros acolhe modernistas nas páginas dela e publicou a primeira série de poemas ultraístas argentinos em que apareceram os nomes de Jorge Luis Borges, Norah Lange e González Lanuza, para citar nomes altos. E em Inicial, Prisma, Proa, Los Pensadores, Claridad, Valoraciones (La Plata), Campana de Palo, Clarín (Córdoba), Brújula (Rosário) e Martín Fierro exclusivamente modernistas, os moços têm e tiveram bastante por onde aparecer, se agitar e discutir. [...] (Andrade, M., 1928b_______. Literatura modernista argentina II. Diário Nacional, São Paulo, 29 abr. 1928b. Disponível em: <http://memoria.bn.br/pdf/213829/per213829_1928_00248.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2021.
http://memoria.bn.br/pdf/213829/per21382...
)

Na sequência, destaca-se o paralelo entre os marcos iniciais da renovação estética: o livro El cencerro de cristal, de Güiraldes, publicado em 1915, e a exposição de Anita Malfatti, em 1917; e ainda entre a Semana de 22 e a enquete realizada pela revista Nosotros em 1923, “Encuesta sobre la nueva generación literaria”, sendo ambas a constatação da oposição entre gerações e da defesa de uma nova estética:

Se os primeiros pruridos de renovação apareceram lá com os poemas de Ricardo Güiraldes em 1915, como aqui com a aventura surpreendente de Anita Malfatti, foi mesmo só depois da Guerra que o movimento botou corpo.

Uma enquete de Nosotros em 1923 teve o mesmo e único mérito da Semana de Arte Moderna aqui, “puso de manifiesto sino una nueva sensibilidad, por lo menos una reacción higiénica” (P. J. Vignale).

Mas aqui a gente discursava no teatro, lá se matutava por uma revista... Isso é bem sintomático. [...] (Andrade, M., 1928b_______. Literatura modernista argentina II. Diário Nacional, São Paulo, 29 abr. 1928b. Disponível em: <http://memoria.bn.br/pdf/213829/per213829_1928_00248.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2021.
http://memoria.bn.br/pdf/213829/per21382...
)

Reconhecemos a citação das palavras de Vignale, retirada do texto publicado na Folha da Manhã em 1926VIGNALE, P. J. Reseña de la renovación estética en la Argentina. Hacia un arte americano. Folha da Manhã, São Paulo, 3 fev. 1926., citado, mas o que ressalta é a reflexão em aberto ao contrastar a importância da Semana como evento aqui com as ações em torno da revista lá. Diferentes estratégias para um mesmo fim, o que explica, ao mesmo tempo, a carência de revistas aqui, e a abundância lá, segundo Mário.

No texto seguinte, “Literatura modernista argentina III”, destaca-se a reflexão sobre o grupo de Martín Fierro, no momento em que a revista já havia deixado de circular:

O movimento da revista Martín Fierro é na certa o mais vivo, mais fecundo e mais típico da literatura moderna argentina. [...]

[...]

O espírito de Martín Fierro é eminentemente nacional, culto e alegre. Um jeito gozador caçoísta e esportivamente serelepe que entre nós só mesmo os paulistas conseguem ter. (Andrade, M., 1928c_______. Literatura moderna [sic] argentina III. Diário Nacional, São Paulo, 13 maio 1928c. Disponível em: <http://memoria.bn.br/pdf/213829/per213829_1928_00260.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2021.
http://memoria.bn.br/pdf/213829/per21382...
)

Vê-se o paralelo com o grupo de São Paulo, que havia publicado Klaxon em 1922 e nesse momento acabara de lançar a Revista de Antropofagia, nas quais coincidem alguns colaboradores.

Na sequência, destaca as figuras de Girondo e Borges, que, tendo estreado em livro respectivamente em 1922GIRONDO, O. Veinte poemas para ser leídos en el tranvía. Argenteuil: Colouma, 1922. e 1923, nesse momento já haviam publicado outros títulos, que haviam chegado às suas mãos:

[...] Este poeta e ensaísta [Jorge Luis Borges] me parece a personalidade mais saliente da geração moderna da Argentina. Depois de Ricardo Güiraldes [...] a figura de Jorge Luis Borges é a que mais me atrai e me parece mais rica de lá. [...]

[...] vivido muitos anos de estranja, quando chegou na pátria já igualado, se espantou com ela e se aplicou a cantar a realidade dela. Disso lhe veio o Fervor de Buenos Aires e Luna de enfrente, dois livros de poesia. Publicou mais Inquisiciones, ensaios. Este é um livro excepcionalmente bonito, duma elegância muito rara de pensamento, [...] Além disso apresentando uma erudição adequada. Às vezes ri. Muito pouco. [...]

[...] Ele afirma a tristeza essencial do argentino. [...] não me parece que seja bem tristeza. É antes um silêncio essencial. [...] Os versos dele que conheço são naturezas-mortas naquele sentido tão lindo de ‘vida silenciosa’ que lhe dão os alemães. [...]

[...]

Um que em geral detesta o nu é Oliverio Girondo (Veinte poemas, Calcomanías). Se veste de imagens. Faz casal de jabuticabeiras com Olivari, porém se contenta com a flor. Pra mim o principal defeito do excesso de imagens é elas abrirem concorrência entre si. Nos poemas de Oliverio Girondo abriram. A gente às vezes esquece dos versos e torce por um simples concurso de beleza. [...] (Andrade, M., 1928c_______. Literatura moderna [sic] argentina III. Diário Nacional, São Paulo, 13 maio 1928c. Disponível em: <http://memoria.bn.br/pdf/213829/per213829_1928_00260.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2021.
http://memoria.bn.br/pdf/213829/per21382...
)


Menotti Del Picchia, Monteiro Lobato e Cassiano Ricardo.

Acompanha a publicação a tradução do texto de Borges, “Queja de todo criollo”, de Inquisiciones, que constitui a primeira tradução no Brasil da obra do escritor argentino. Quanto à apreciação da obra de Girondo, o impacto causado por suas imagens ecoa os comentários que Ronald de Carvalho fizera sobre ele no texto publicado em O Jornal, em 1927CARVALHO, R. de. Gente de Martín Fierro. O Jornal, Rio de Janeiro, 9 out. 1927. Disponível em: <http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=110523_02&Pesq=%22renato%20almeida%22&pagfis=34253>. Acesso em: 7 nov. 2021.
http://memoria.bn.br/docreader/DocReader...
, citado.

Em 5 de agosto de 1928, Vignale está em Natal e, em uma carta coletiva - juntamente com Antônio Bento, Câmara Cascudo e Germana Bittencourt -, refere-se aos artigos de Mário sobre literatura argentina como “os mais exatos que se publicaram por aqui a respeito” (Artundo, 2013_______. (Org.) Correspondência Mário de Andrade & escritores/artistas argentinos. Trad. Gênese Andrade. São Paulo: Edusp, 2013., p. 170).

Pontos de chegada

Mas aqui a gente discursava no teatro, lá se matutava por uma revista... Isso é bem sintomático.

(Andrade, M., 1928b_______. Literatura modernista argentina II. Diário Nacional, São Paulo, 29 abr. 1928b. Disponível em: <http://memoria.bn.br/pdf/213829/per213829_1928_00248.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2021.
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)

Salta aos olhos que as reflexões sejam norteadas pela Semana de Arte Moderna, tanto como parâmetro de comparação para a abordagem de Martín Fierro e das demais revistas de vanguarda, no caso de Menotti e Mário de Andrade, quanto como marco inicial da nova estética, no caso de Olivari, Soto, Del Picchia e Andrade. Se, no que se refere aos brasileiros, esse fato comprova que o entusiasmo com o evento permanecia, quanto aos argentinos mostra que mesmo que os ecos do evento tenham chegado com atraso, causaram talvez o mesmo impacto que causariam se o conhecimento tivesse ocorrido antes.

Porém, os livros publicados por Mário nos anos 1920, após o início do intercâmbio com os argentinos, não mereceram por parte deles estudos mais amplos que os divulgassem no país vizinho.

Ainda que Vignale informe em carta a Mário, de 28 de julho de 1926VIGNALE, P. J. Reseña de la renovación estética en la Argentina. Hacia un arte americano. Folha da Manhã, São Paulo, 3 fev. 1926., “Escrevi dias atrás um artigo a propósito da reação nacionalista que me parece descobrir, acentuada, na poesia moderna daí e mais ainda em Oswald - admirável Pau Brasil - artigo que reservei para completar mais adiante, nestas semanas, com umas notas sobre o Sr.[,] Guilherme, o pan-americanista Ronald, Ribeiro Couto (interessante o livro que o Sr. me enviou) e algum outro” (Artundo, 2013_______. (Org.) Correspondência Mário de Andrade & escritores/artistas argentinos. Trad. Gênese Andrade. São Paulo: Edusp, 2013., p.154), o texto não foi localizado. Embora Soto mencione em carta ao escritor paulista, em 1927, “Escrevi algumas notas sobre seu Amar verbo intransitivo e as enviarei tão logo apareçam publicadas” (Artundo, 2013, p.126), não há notícias sobre essa publicação.

No número 36, de 12 de dezembro de 1926, a revista Martín Fierro publicou a seguinte nota: “Do Rio de Janeiro, onde se conhece muito pouco os escritores argentinos, e menos ainda os jovens, o Sr. Mario Rodríguez, diretor do jornal A Manhã, solicita colaboração de todos os redatores de Martín Fierro, e os livros dos escritores jovens, para dedicar estudos a eles” (Colaboración..., 1926, tradução nossa). Porém, pelo comentário, citado, de 1927, parece não ter tido nenhum impacto (Cartas de Amigos, 1927).

Da mesma forma, Menotti não levou livros dos vanguardistas argentinos para a editora Novíssima, da qual fazia parte, nem para a editora Hélios, que criou na sequência. Deve-se levar em conta, porém, seu rompimento com Oswald e Mário, e sua mudança de rota ideológica a partir de 1926. Seria preciso ainda fazer um levantamento exaustivo no Correio Paulistano para verificar a existência ou não de outros artigos sobre os vanguardistas argentinos entre 1925 e 1928.

Surpreende também o fato de que os impulsionadores dos diálogos tenham ficado encobertos nos estudos comparativos, sendo apenas mais recentemente revelados, e que os textos pioneiros de Menotti e de Soto sejam até hoje inéditos em livro, nos dois países.

Referências

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  • VIGNALE, P. J. Reseña de la renovación estética en la Argentina. Hacia un arte americano. Folha da Manhã, São Paulo, 3 fev. 1926.

Notas

  • 1
    As reflexões aqui apresentadas têm como ponto de partida a palestra “‘Mas aqui a gente discursava no teatro, lá se matutava por uma revista…’: vanguardistas brasileiros e argentinos nos anos 1920” por mim ministrada em 26 de julho de 2021, na “Mesa 10 - Outras centralidades” do ciclo Modernismos em debate, realizado pelo Instituto Moreira Salles, MAC-USP e Pinacoteca do Estado. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=-zx6QvEfP4g>. Acesso em: 21 nov. 2021. O tema foi retomado na palestra “Modernismos brasileiros e vanguardas hispano-americanas: confluências e diálogos nos anos 1920”, que integrou o evento virtual Semana de 22 antes e depois: outras histórias, realizado pelo curso de Pós-Graduação em Histórias das Artes, da Faap, em 30 de outubro de 2021.
  • 2
    Optamos por manter na língua original os textos inéditos em português de autoria dos escritores Nicolás Olivari, Luis Emilio Soto e Pedro Juan Vignale.
  • 3
    Câmara Cascudo publicou também “La amada infiel”, resenha do livro de Nicolás Olivari, em A Imprensa, Natal, 24 jun. 1924, não incluída em Joio (Cf. Ferreira, 2011, p.67-8).
  • 4
    O estudo de Joio e das relações de Câmara Cascudo com a Argentina foi feito com excelência em Medeiros (2016).
  • 5
    Agradecemos a Patricia Artundo a informação para acesso ao artigo, hoje disponível, em formato digital, no site do Centro de Documentación e Investigación de la Cultura de Izquierda, como consta nas Referências.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    26 Nov 2021
  • Aceito
    22 Dez 2021
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