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Convergências: pensar ensino e desigualdade com Scheffler, Patto, Bourdieu e Passeron

RESUMO

Nosso texto, assim como todos os que compõem a iniciativa deste dossiê, é o resultado dos esforços de evidenciar os livros e autores que se tornaram “clássicos” para cada uma de nós. Assim, os autores aqui em pauta foram escolhidos por serem leituras estruturantes da forma como pensamos e concebemos o mundo e a área à qual decidimos dedicar nossos esforços de pesquisa e de reflexão. Desse modo, neste artigo, retomamos as reflexões propostas por Maria Helena Souza Patto e Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron sobre a desigualdade escolar, e Israel Scheffler sobre o discurso pedagógico que forja certas compreensões sobre ela. No momento contemporâneo, no qual a emergência de uma pandemia e seu consequente isolamento social impõem que a escolarização, para que continue ocorrendo, reinvente suas práticas, seus tempos e seus espaços, modificando a relação pedagógica, o acesso à tecnologia, o capital cultural herdado e a escolarização dos pais mostram-se como trunfos para o sucesso escolar. Nesse âmbito, retomar as contribuições de tais autores mostra-se um exercício potente de reflexão.

PALAVRAS-CHAVE:
Desigualdade escolar; Reprodução; Relação pedagógica; Ensino remoto

ABSTRACT

Our text, and all those which are part of this dossier, is the result of efforts to highlight the books and authors that have become “classics” for each of us. Thus, the authors discussed here were chosen because they structure how we read, think and conceive both the world and the field to which we dedicated our research and reflection. In this article, we return to the reflections proposed by Maria Helena Souza Patto, Pierre Bourdieu and Jean-Claude Passeron on school inequality, and by Israel Scheffler on the underlying pedagogy that forges certain understandings about it. In the current moment, the emergence of a pandemic and its consequent social isolation require that schooling, if it is to continue, reinvents its practices, times and spaces, modifying the pedagogical relationship, the access to technology, our inherited cultural capital and the schooling of parents. All these are essential for educational success. In this context, reexamining the contributions of those authors proves to be a powerful exercise of reflection..

KEYWORDS:
Educational inequality; Reproduction; Pedagogical relationship; Remote education

Introdução

Como o título do dossiê1 1 O dossiê intitulado “Os clássicos que escolhemos como nossos: reflexões sobre seus efeitos estruturantes em educação”, organizado pelas professoras Juliana de Souza Silva (Feusp) e Katiene Nogueira da Silva (Feusp), reúne textos em que se buscou refletir sobre os livros e os autores que se tornaram “clássicos” para cada um de nós. Ele é fruto de um empreendimento coletivo que vem sendo realizado na Faculdade de Educação da USP desde 2019 sob a forma de ciclos de palestras no qual, além da iniciativa aqui explicitada, examinaram-se as questões relativas ao desenvolvimento do gosto pela leitura e à formação da biblioteca pessoal em nossas trajetórias e as análises que reconstituíam os potenciais efeitos formativos/educativos de algumas obras literárias. que animou a elaboração deste artigo sugere, nosso objetivo com este escrito foi o de tratar das contribuições possíveis dos clássicos que escolhemos como nossos. Isto é, aquelas leituras com as quais deparamos em algum momento de nossas vidas e que se configuram em textos fundantes e estruturantes de nosso modo de pensar. O termo “clássico” foi tomado num dos sentidos apresentados por Ítalo Calvino (2007CALVINO, Í. Por que ler os clássicos. São Paulo: Cia. das Letras, 2007., p.13) no texto que inspira a nossa iniciativa: “O ‘seu’ clássico é aquele que não pode ser-lhe indiferente e que serve para definir a você próprio em relação e talvez em contraste com ele”. Tentamos, assim, a partir da eleição de autores e obras que nos são caros, evidenciar o potencial estruturante de tais leituras para nossa formação e os efeitos educativos que elas podem promover. Servindo-se das palavras de Ítalo Calvino (2007, p.10), as leituras escolhidas,

[...] dão uma forma às experiências futuras, fornecendo modelos, recipientes, termos de comparação, esquemas de classificação, escalas de valores, paradigmas de beleza: todas coisas que continuam a valer mesmo que nos recordemos pouco ou nada do livro lido [...]. Existe uma força particular da obra que consegue fazer-se esquecer enquanto tal, mas que deixa sua semente [...].

Na perspectiva acima adotada, buscaremos “pensar com” a brasileira Maria Helena Souza Patto2 2 Maria Helena Souza Patto nasceu na cidade de Taubaté, em São Paulo. Formou-se, em 1965, em Psicologia no Instituto de Psicologia da USP, onde cursou também o mestrado e o doutorado e atuou como docente. Em seus escritos, as dimensões econômica, política, social e cultural sempre estão presentes. As pesquisas desenvolvidas por ela referem-se ao chamado “fracasso escolar” das crianças pertencentes às camadas mais pobres que habitam os grandes centros urbanos de uma sociedade capitalista como a brasileira. Entre suas principais obras encontram-se Introdução à psicologia escolar (1981), Psicologia e ideologia (1984), A produção do fracasso escolar (1990). e os franceses Pierre Bourdieu3 3 Pierre Félix Bourdieu nasceu na região do Béarn, na França, em 1930. Nascido em uma família de origem campesina, ingressou em 1951 na École Normale Supérieure e graduou-se em Filosofia. Após prestar serviços militares na Argélia, assumiu, em 1958, o cargo de professor assistente na Faculdade de Letras em Argel. Em 1981 assumiu a cátedra de Sociologia no Collège de France. Lecionou, também, em renomadas universidades ao redor do mundo. É autor de centenas de trabalhos, entre os quais destacam-se A reprodução, escrito em parceria com Jean-Claude Passeron, A distinção (1979) e O poder simbólico (1989). Posicionou-se fortemente contra a política neoliberal. Morreu em Paris, em 2002, aos 72 anos. e Jean-Claude Passeron4 4 Jean-Claude Passeron nasceu em 1930, em Nice, na França. Estudou na Escola Normal Superior de Paris onde formou-se em Filosofia. Realizando pesquisas em Sociologia e em colaboração com Pierre Bourdieu publicou obras consagradas no campo educacional, como Os herdeiros e A reprodução. Com Jean-Claude Chamboredon, Passeron e Bourdieu escreveram O ofício do sociólogo, livro considerado referência em metodologia das ciências sociais. Nos anos 1960 foi diretor do departamento de Sociologia da Universidade de Nantes e ajudou a fundar a Universidade experimental de Vincennes. Em 1980 ingressou na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais. Criou e dirigiu a revista Enquête, também conhecida como Cahiers du Cercom, destinada a publicar pesquisas sobre a cultura, a comunicação, os modos de vida e a socialização. sobre a desigualdade educacional, o fracasso escolar e as condições de escolarização impostas pela necessidade de distanciamento social, para a qual a solução encontrada foi o ensino remoto. Assim, as questões que se colocam são: Quais contornos o fracasso escolar ganha nessa nova realidade? De que maneira as crianças, sobretudo as das classes populares, têm vivido esse momento que pressupõe a utilização de equipamentos e acompanhamento que elas nem sempre dispõem? Recorremos, também, às elucidações do norte-americano Israel Scheffler5 5 Israel Scheffler nasceu em 1923 em Nova York. Realizou o bacharelado e o mestrado em Psicologia no Brooklyn College e defendeu sua tese de doutorado na University of Pennsylvania em 1952, onde estudou com Nelson Goodman. Desenvolveu sua carreira na Harvard University, aposentando-se em 1992. Seus principais interesses residiram na interpretação filosófica da linguagem, simbolismo, ciência e educação. Suas obras foram traduzidas para diversos idiomas. Entre as principais estão: A linguagem da educação (1974), Philosophy and Education: Modern Readings (1958) e Conditions of Knowledge: An Introduction to Epistemology and Education (1965). Morreu em Nova York, em 2014, aos 90 anos. que nos auxilia a “pensar com” ele sobre as modalidades de elaboração do discurso pedagógico que ajuda a identificar as desigualdades, mas também contribui para forjá-las.

Israel Scheffler e as elucidações sobre o discurso pedagógico

Traduzido pelo professor da Faculdade de Educação da USP, Balthazar Barbosa Filho, e publicado em 1974 no Brasil, o livro A linguagem da Educação de Israel Scheffler teve como propósito central elucidar, mediante métodos filosóficos, aspectos que aparecem com certa frequência no discurso e nos debates educacionais. Algumas das ideias expostas foram desenvolvidas a partir de reflexões produzidas em suas aulas introdutórias de Filosofia da Educação na Universidade de Harvard, onde o autor desenvolveu análises lógicas acerca das definições, slogans, metáforas educacionais e sobre a ideia de ensino. Por meio do exame de enunciados educacionais difundidos na sociedade, Scheffler nos apresenta algumas estratégias para a avaliação desses enunciados e de outros afins. No decorrer da obra, insiste na necessidade de vincular a avaliação crítica das asserções aos contextos em que elas aparecem. Assim sendo, não importa se tais asserções não foram baseadas em autoridade científica, e sim, o fato de elas serem apresentadas como comunicações de ordem geral efetuadas em contexto prático. As definições utilizadas no discurso sobre a educação assumem sempre um caráter muito geral, não podendo ser confundidas com as definições científicas que, sendo de caráter técnico e exigindo conhecimentos especiais e critérios teóricos para a sua proposição e avaliação, dependem de exposições e interpretações de membros da comunidade científica. No caso das definições educacionais, ele as denomina definições gerais e as classifica como estipulativas, descritivas e programáticas. Tratemos de cada uma delas.

As definições estipulativas são as que estabelecem convenções para a interpretação de termos dentro de certos contextos sem levar em consideração o uso corrente. Ramificam-se em a) inventivas, quando o termo usado não tem um uso prévio, como as letras arbitrárias ‘S’, ‘B’, ‘E’ que podem, por exemplo, denotar as folhas de provas dos alunos; e em b) não inventivas, quando o termo já existe, mas em outro contexto, como “suficiente”, “satisfatório” que possuem um uso predeficional. Em contraposição ao uso estipulativo das definições, há as descritivas que procuram explicar os termos definidos mediante uma exposição do uso prévio. Diferentemente das definições estipulativas, não são simples abreviações, pois não se propõe economizar a elocução, mas oferecer explicações. Finalmente, há as definições programáticas, que não são limitadas pelo uso prévio; diferem, contudo, das estipulações por levantarem questões de ordem moral ou prática (Scheffler, 1974SCHEFFLER, I. A linguagem da educação. São Paulo: Saraiva; Ed. da Universidade de São Paulo, 1974., p.31). Em síntese,

O interesse das definições estipulativas é comunicatório, isto é, elas são oferecidas na expectativa de facilitar o discurso; o interesse das definições descritivas é explicativo, isto é, elas se propõem a clarificar a aplicação normal dos termos; e o interesse das definições programáticas é de ordem moral, isto é, elas tencionam dar expressão a programas de ação. (ibidem, p.32)

Outras formas de difusão do discurso educacional também são apresentadas: os slogans e as metáforas. Os slogans buscam ser estimulantes ao oferecerem símbolos que unificam ideias e atitudes de certos movimentos educacionais. Não se constituem em figuras importantes na exposição de teorias, pois não têm a pretensão de facilitar o discurso ou explicar as significações dos termos. As frases de efeito e os chavões, geralmente ditos em tom contundente, objetivam atrair novos adeptos às causas a que esses slogans dão vida e voz. De modo geral, são frases de fácil memorização que acabam sendo tomadas em sua integralidade, passando a ser repetidas de maneira descontextualizada e distante da situação pela qual foi criada e a qual referencia. Para exemplificar a ocorrência dos slogans, Scheffler (1974SCHEFFLER, I. A linguagem da educação. São Paulo: Saraiva; Ed. da Universidade de São Paulo, 1974., p.48) comenta que as formulações elaboradas por John Dewey foram rapidamente traduzidas em fragmentos de efeito e passaram a servir às novas tendências progressistas, sendo posteriormente atacadas pelos críticos que passaram a atribuir os defeitos literais dos slogans às proposições do autor.

As metáforas, por sua vez, indicam o que se pensa serem comparações significativas, analogias e similaridades existentes no interior do discurso. Indicam a existência de uma importante analogia entre duas coisas sem que se diga explicitamente em que ela consiste. Em educação, diversas são as metáforas a que se recorre para referir-se aos processos de ensino-aprendizagem ou às representações sobre os professores e os alunos. Existe uma evidente analogia entre a planta e a criança e entre o jardineiro e o professor. Em ambos os casos os dois estão interessados em auxiliar o organismo a germinar e a florescer. Entretanto, em nenhum dos casos a presença de tais agentes é indispensável ao crescimento e ao desenvolvimento do organismo sendo seu papel limitado e modesto. A despeito de clarificarem certas analogias, as metáforas podem ser pertinentes em certos contextos, mas não em outros e “[...] a educação constitui, como sublinhamos, o solo comum de uma grande variedade de contextos” (ibidem, p.65).

A partir das elucidações de Scheffler podemos compreender melhor a forma como as preleções são formuladas. Maneiras de nos referirmos a problemas educacionais tornam-se referências para a sua compreensão e para a produção e a circulação de saberes dentro do campo educacional. Algumas expressões entram em voga em dados períodos e têm o poder de direcionar os debates e a estruturar soluções. Com isso queremos dizer que o léxico utilizado pelos agentes e as produções linguísticas elaboradas ou apropriadas por eles revelam representações sobre certos temas. Essas visões, materializadas em expressões, são apropriadas - muitas vezes - como verdades absolutas, como lugares-comuns, e passam a compor o discurso das pessoas sem que se tenha clareza sobre o porquê de sua criação, desconsiderando-se que a linguagem também é objeto de disputas. As palavras, segundo Nagle (1976NAGLE, J. Discurso pedagógico: uma introdução. In: ___. (Org.) Educação e linguagem - para um estudo do discurso pedagógico. São Paulo: Edart, 1976. p.11-42.), são empregadas para difundir valores e propagar sentimentos e atitudes, além de proporem ações futuras ou transmitirem ordens, e quando se trata do discurso didático tais empregos pesam ainda mais. É nesse quadro que faz sentido diferenciar os tipos de definições e identificar os slogans e as formulações metafóricas. Diante do exposto, e inspiradas pelas proposições de Scheffler e de outros autores para os quais ele foi inspiração, a seguir, teceremos considerações acerca da desigualdade escolar e do discurso sobre ela.

Dos casos às análises dos estudantes considerados “fracassados escolares” e a manutenção da ordem social

Inicialmente publicado em 1990, o livro A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia” é fruto da tese de livre-docência de Maria Helena Patto (2015_______. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. 4.ed. São Paulo: Intermeios, 2015.), considerada por especialistas do campo uma das “mais valiosas referências da psicologia escolar e da psicologia brasileira” (Kohatsu, 2015KOHATSU, L. N. Prefácio à quarta edição da obra A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. In: PATTO, M. H. de S. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. 4.ed. São Paulo: Intermeios, 2015.). Suas análises não se restringem ao campo da psicologia, mas constituem-se referência fundamental no campo da formação de professores e de especialistas de ensino. O sucesso e a pertinência da obra podem ser atestados pelas suas sucessivas reimpressões até a publicação da sua quarta edição, considerada comemorativa dos 25 anos da tese em 2015, acrescida de um significativo complemento: entrevistas com as crianças, já adultas, 25 anos após a pesquisa inicial em um texto assinado por Denise Trento Rebello de Souza e Daniele Kohmoto Amaral e fruto da dissertação de mestrado da segunda autora, além de um posfácio escrito por Patto (2015).

Considerado não somente uma crítica ao sistema de ensino, mas também das formas pelas quais a psicologia seleciona seus objetos de estudos e debruça-se sobre a investigação das diferenças individuais, traduzindo-as como inaptidão, incapacidade, inferioridade, especialmente em relação às crianças das classes populares, o livro apresenta discussões sobre as temáticas: as raízes históricas sobre o fracasso escolar - a era das revoluções e do capital, os sistemas nacionais de ensino, as teorias raciais e a psicologia diferencial; as formas capitalistas de pensar a escolaridade no contexto brasileiro - primeira república no Brasil, as teorias raciais, o mito do Jeca Tatu e o lugar da medicina na constituição da psicologia educacional; o discurso oficial sobre o fracasso escolar divulgado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos e em outras publicações; a escola e a sua racionalidade burocrática: a instituição investigada e uma incursão pelos seus bastidores por meio das histórias de Ângela, Humberto, Nailton, Augusto e da professora Neide.

No posfácio e a propósito da pesquisa realizada há 30 anos, a autora relembra como as explicações sobre o fracasso escolar de crianças pobres, negras e mestiças, baseadas na teoria da carência cultural a incomodavam, chegando mesmo a percebê-las como um racismo disfarçado. Suas inquietações fazem-na retomar a expressão “dificuldades de aprendizagem”, bastante comum em documentos oficiais do sistema educacional paulista, em falas de diretores e professores, assim como em laudos emitidos por especialistas da saúde (médicos, psicólogos e psicopedagogos) trocando-a por outra: “dificuldades de escolarização” indicando, desse modo, e pela primeira vez na literatura da área, a possibilidade de que os problemas escolares sentidos por crianças moradoras de bairros pobres e favelas poderiam ter como fonte a escola e suas práticas. Sobre os usos distintos das expressões, retoma a autora:

Durante muitos anos, vali-me dessas duas expressões em aulas, palestras e conferências para assinalar duas concepções diversas das causas do fracasso escolar. Mais que isso, em 1982 já estava em gestação a ideia de um projeto de pesquisa que possibilitasse a compreensão do processo de produção do fracasso escolar na vida diária de uma escola. (Patto, 2015_______. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. 4.ed. São Paulo: Intermeios, 2015., p.435)

O livro de Maria Helena Patto (2015_______. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. 4.ed. São Paulo: Intermeios, 2015.) possui passagens duras, difíceis de ler, relatos de denúncias dos maus-tratos físicos e psicológicos sofridos pelas crianças consideradas “problemas” - que não aprendiam ou não se comportavam de acordo com as normas da instituição. Entretanto, a dureza das descrições da vida escolar das crianças é nuançada pela retomada das histórias de vida e de escolarização das crianças e da professora responsável pela classe, permitindo-nos conhecer as crianças de outros modos e em outros contextos diferentes da sala de aula, suas habilidades e potenciais de aprendizado. Organizado desse modo, cenário e personagens, a questão da produção do fracasso escolar é apresentada de forma questionadora e reflexiva, tensionando teses que sempre confirmavam a certeza da incapacidade e da inaptidão intelectual das crianças provenientes de famílias pobres.

Com o objetivo de desvelar as formações familiares e sociais historicamente determinadas de forma relacionada à produção do fracasso pela escola, Patto (2015_______. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. 4.ed. São Paulo: Intermeios, 2015.) utiliza as histórias de vida das crianças e das professoras por meio de inúmeras entrevistas com os diferentes atores envolvidos no processo: pais, professores(as), crianças e especialistas, além de observações das crianças no contexto da sala de aula e fora dele. A leitura das histórias de vida nos possibilita ter uma visão orgânica e articulada de elementos relacionados ao sistema, às ideologias que os sustentam, assim como de práticas e representações dos professores que passam, na maior parte das vezes, despercebidas favorecendo a produção do fracasso no contexto escolar como acontecem nas histórias de crianças como Ângela e Nailton, que foram localizadas e novamente entrevistadas 25 anos após a pesquisa inicial (Trento; Amaral, 2015TRENTO, D. R. de S.; AMARAL, D. K. Quatro histórias de (re)provação escolar - Notas sobre os rumos das vidas de Ângela, Nailton, Augusto e Humberto. In: PATTO, M. H. S. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. 4.ed. São Paulo: Intermeios, 2015.). Passemos as histórias revisitadas.

Ângela deseja “ser inteligente”, considera tal característica importante para uma mulher, e diz isso reiteradas vezes no reencontro com as pesquisadoras. Como filha mais velha de um casal de migrantes nordestinos, Ângela assume para si desde cedo as tarefas relacionadas aos cuidados com a casa e com os irmãos mais novos, preferindo, em algumas situações ficar em casa em vez de ir para a escola, o que poderia ter resultado na sua primeira reprovação, segundo sua mãe. Sua entrada na escola no ano 1982 é marcada pelo contexto de excesso de responsabilidades domésticas e pouca atenção individualizada dos adultos, o que acarretaria na percepção de Patto (2015_______. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. 4.ed. São Paulo: Intermeios, 2015., p.310) sobre Ângela certa confusão “quanto ao seu lugar no grupo familiar e foi com essas carências e essa confusão [...]”, que iniciou sua experiência na escola primária. Na percepção de Cícera, mãe de Ângela, a filha não tinha “amor na escola” e “não gosta de estudar”, porém a mãe não estava completamente convencida disso, demonstrava ansiedade e dúvidas sobre o destino escolar da filha, parecia ter-se apropriado de um discurso alheio, indicando em alguns momentos “perplexidade” diante do fracasso da filha e elaborando várias hipóteses sobre o fato.

De acordo com Patto (2015_______. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. 4.ed. São Paulo: Intermeios, 2015., p.313), “[...] não se pode entender o comportamento escolar de uma criança sem levar em conta a maneira como a escola se relaciona com a sua subjetividade”. Na sala de aula, segundo a professora Neide, Ângela gostava de brincar de bonecas e não acompanhava a turma, por esse motivo logo foi categorizada pela professora e especialistas como uma criança “imatura”, “deficiente mental” cujo “desinteresse dos pais” pela vida escolar da criança e a “paranoia da mãe” justificariam o seu fracasso. Rotulada precocemente, teve sua vida escolar transformada em assunto de “domínio público”, tornando-se objeto de incontáveis “profecias autorrealizadoras” sobre o fracasso das crianças provenientes das camadas populares. Por outro lado, na percepção da investigadora:

Seu comportamento em sala de aula não sugere qualquer tipo de deficiência mental; seu desempenho não difere do da maioria de seus colegas, muitos dos quais foram aprovados: responde como pode a solicitações que carecem de significado, não entende muitas vezes explicações incompreensíveis, revela capacidade num curto período no qual é objeto de atenção e da simpatia da professora, para voltar a procurar a janela como possibilidade de “fuga” de uma situação mortificante, radicalizando, assim, o próprio comportamento valorizado pelas educadoras: a passividade. (Patto, 2015_______. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. 4.ed. São Paulo: Intermeios, 2015., p.312)

No relato organizado 25 anos depois, Ângela conta que concluiu o Ensino Médio no período noturno aos 30 anos de idade, demonstrando dificuldade em se desvencilhar dos estigmas dos seus primeiros anos de escolarização, somando-se a isso as dificuldades para conciliar a vida de mãe trabalhadora com os estudos, necessitando interromper o curso por diversas vezes. Diz do seu desejo de frequentar a universidade, possui o sonho de tornar-se veterinária ou administradora, e explica que para alcançar tal intento realizou o Enem, mas não obteve sucesso. Os estudos constituem parte importante na vida de Ângela; apesar de todas as dificuldades vivenciadas desde a infância, ela percebe no acesso aos níveis superiores de ensino maiores probabilidades de conseguir melhores empregos e salários.

Colega de turma de Ângela, a história de Nailton tem início em 1984, quando cursava pela terceira vez a primeira série aos 9 anos de idade. Ele era o segundo de cinco filhos de Glória e Pedro, dois migrantes nordestinos de pouca escolaridade, e estava entre as crianças consideradas problema da classe da professora Neide; mas, no seu caso, o comportamento e aprendizado insatisfatórios são explicados em termos médicos. Assim como Ângela, fora classificado como “deficiente mental” e a rotulação elaborada no ambiente escolar é referendada por especialistas do campo da medicina. Na primeira consulta, em 1982, Nailton é diagnosticado pelo psiquiatra como oligofrênico, mas de caso leve; esse solicita vários testes e exames e acaba por encaminhá-lo para um grupo de “estimulação social e psicopedagógica”, além de receitar um remédio (ansiolítico). Em 1983, retorna ao ambiente médico em várias situações, recebendo para cada consulta um novo medicamento (de forma geral, ansiolíticos e antidepressivos) e, por fim, o encaminhamento médico para a classe especial. Entretanto, quando observado e entrevistado em sua casa, longe do ambiente escolar, Nailton demonstra afeição pelas brincadeiras de rua e pelos colegas, habilidade para a construção de pipas, além de outros artefatos para suas brincadeiras (Patto, 2015_______. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. 4.ed. São Paulo: Intermeios, 2015.).

Nailton deixou a escola na 5ª série, em 1991, quando completaria 16 anos, e “[...] A vivência de processos de violência (sutil ou não) certamente contribuiu para que o desfecho de sua trajetória de escolarização se desse na 5ª série” (Trento; Amaral, 2015TRENTO, D. R. de S.; AMARAL, D. K. Quatro histórias de (re)provação escolar - Notas sobre os rumos das vidas de Ângela, Nailton, Augusto e Humberto. In: PATTO, M. H. S. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. 4.ed. São Paulo: Intermeios, 2015., p.422), pois “[...] Havia mais obstáculos do que incentivo à aprendizagem” (idem) de Nailton. Quando entrevistado, na fase adulta de vida, Nailton procura se furtar às lembranças do passado, dizendo que “eram coisas do passado”. Tal resistência “[...] pode ser indicativa de quanto a instituição escolar deixou marcas negativas. Ele parecia querer silenciar as angústias de suas experiências escolares” (ibidem, p.421). Ao contrário da sua colega de classe, Ângela, Nailton não apresenta desejo de frequentar o ensino superior, fez um curso de mecânica e “ensina ao filho de quatro anos as letras do alfabeto, iniciativa que parece querer assegurar ao filho um bom começo de vida escolar” (ibidem, p.426) denotando a valorização do aprendizado e o anseio de que o filho não tenha o mesmo destino que o seu.

Ao retomar as histórias de vida e de escolarização das crianças consideradas “fracassadas” escolares é possível não somente questionar as explicações médicas, psicológicas, sociológicas e históricas sobre o tema do fracasso nas escolas de periferia e entre as crianças das camadas populares, mas reafirmar a relevância dos estudos que usam os relatos de vida, (re)constituídos neste trabalho por meio das entrevistas, como fontes e objetos de estudo. É por meio dessa metodologia de pesquisa que fica comprovada a insuficiência da escola laica, pública, gratuita e pretensamente para todos na condução dos aprendizados e desenvolvimentos múltiplos dos indivíduos, tornando-se, desse modo, em espaços da construção de histórias de submissão e rebeldia. Uma análise mais detida da instituição escolar como local de acesso democrático e igualitário aos saberes é feita a partir de estudo de Bourdieu e Passeron.

Os herdeiros e as desigualdades frente ao sistema de ensino

No livro Os herdeiros: Os estudantes e a cultura, Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron (2014BOURDIEU, P.; PASSERON, J.-C. Os herdeiros: os estudantes e a cultura. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2014.) colocam em questão a ideia de igualdade de oportunidades de acesso à universidade; esmiúçam, mediante dados empíricos, os sentidos da democratização da educação a partir de um momento no qual o sistema demonstra oferecer as mesmas oportunidades a todos. Ao fazê-lo, a obra evidencia a relação entre a classe dominante, o seu capital cultural e o modo de funcionamento do ensino superior e os modos pelos quais alguns estudantes detêm vantagens sobre os outros. Publicado em 1964, o trabalho teve grande repercussão no meio acadêmico e nos movimentos sociais. O termo “herdeiro” foi incorporado no livro para referir-se aos filhos das famílias cultas que serão orientados para os cursos de ensino superior mais valorizados socialmente. As análises realizadas evidenciam que a função de perpetuação das desigualdades diante da cultura é predominante nos processos de escolarização, mediante práticas pedagógicas, de ensino e de avaliação, os privilégios sociais são convertidos em méritos, talentos individuais e dons: “para uns, a aprendizagem da cultura da elite é uma conquista que se paga caro; para outros, uma herança que compreende ao mesmo tempo a facilidade e as tentações da facilidade” (Bourdieu; Passeron, 2014, p.9). Dotados de um “corpo de saberes, de saber-fazer e de saber-dizer que constitui o patrimônio das classes cultas” (ibidem, p.10), tais estudantes têm sua relação com a universidade favorecida por tratar-se da mobilização de uma herança, enquanto os filhos das classes desfavorecidas, ao ingressarem no sistema de ensino e entrarem em contato com a cultura escolar, precisam adaptar-se a tal cultura por estarem muito longe da lógica da vida universitária. O livro recebeu muitas críticas: os autores foram acusados de apresentar determinismos que não dariam margem ao movimento dos atores e às suas estratégias no espaço social, causando pessimismo entre os educadores. Contudo, a obra contribuiu para dar nova orientação às pesquisas educacionais, no âmbito da sociologia e da história, que passaram a investigar mecanismos que perpetuam as desigualdades, elucidando as diferenças entre acesso e êxito escolar no sistema de ensino francês. O contexto político dos anos 1960, os movimentos sociais e culturais, e especialmente o movimento estudantil de maio de 1968, propício às contestações, favoreceram a recepção à obra e a proliferação de suas ideias, contestando de modo significativo a democratização da instituição escolar e a autoridade docente. A propósito de tal movimento, Olgária Matos (1998MATOS, O. C. F. Paris 1968: As barricadas do desejo. São Paulo: Brasiliense, 1998., p.13) afirma que

[...] em 68, o próprio movimento de jovens operários e estudantes praticou a espontaneidade consciente e criadora. Não se considerou o sistema de partidos ou grupos de pressão a qualquer nível; não se participou nem do sistema nem de seus métodos. Desde o início o movimento não tem dirigentes, nem hierarquia, nem disciplina partidária ou outra; ele contesta os profissionais da contestação, viola as regras do jogo que as oposições dominam. [...] Com a crítica ao mundo burocratizado e desencantado, colocou como lema a verdade triunfante do desejo.

Em tal contexto, a relação pedagógica também foi colocada em questão, especialmente a relação entre professores e alunos no ensino superior.

Bourdieu e Passeron demonstram como são produzidas as desigualdades escolares observadas estatisticamente e constatam que as desigualdades sociais são transfiguradas em desigualdades de desempenho acadêmico por meio, por exemplo, de práticas de avaliação e da elaboração das categorias de juízo professoral. A argumentação é construída mediante a apresentação dos dados empíricos que desvelam um sistema propagado sob a ideia de ser oferecido a todos e que seria, portanto, libertador, mas, no entanto, conserva as desigualdades sociais e as converte em desigualdades escolares. O tom de denúncia marca a narrativa que evidencia ainda o quanto as formas de seleção e eliminação estão associadas às práticas pedagógicas no cotidiano universitário. Para Ione Ribeiro Valle e Denice Barbara Catani (2014VALLE, I. R.; CATANI, D. B. Apresentação. Revista Linhas, Florianópolis, v.15, n.29, p.4-12, jul./dez. 2014., p.6),

[...] os autores mostram o quanto a ordem pedagógica estava obsoleta em relação aos novos modos de vida e de consumo, tendo se tornado incapaz de responder às expectativas das gerações mais jovens. Além disso, a perspectiva desenvolvida por Bourdieu e Passeron obriga a pensar a escola nas suas relações com a sociedade que a produz e nas relações sociais específicas que se travam no interior das instituições, justamente onde as regras apresentam uma autonomia relativa. Ao visar o conjunto da instituição de ensino superior, Os herdeiros argumenta em favor de uma reforma universitária, traduzida na ideia de uma pedagogia racional que, além de se opor ao caráter sacralizado do magistério, coloca-se no contrapé de uma forma hedonista altamente valorizada pela juventude dos anos 1960.

Ao distinguir os “eleitos”, a escola legitima os privilégios ligados à origem socioeconômica, ao capital cultural e ao nascimento. Segundo Bourdieu e Passeron (2014BOURDIEU, P.; PASSERON, J.-C. Os herdeiros: os estudantes e a cultura. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2014., p.23) as taxas de “mortalidade escolar” diferem de acordo com as classes sociais:

[...] a escola elimina continuamente as crianças originárias dos meios desfavorecidos, encontrar-se-ia uma prova da importância dos obstáculos culturais que devem superar esses sujeitos no fato de constatarem-se ainda no nível do ensino superior as diferenças de atitudes e de aptidões significativamente ligadas à origem social, ainda que os estudantes que elas separam tenham sido submetidos durante quinze a vinte anos à ação homogeneizante da escola e que os mais desfavorecidos dentre eles devam somente a uma maior adaptabilidade ou a um meio familiar mais favorável a possibilidade de escapar da eliminação.

No momento contemporâneo, no qual a emergência de uma pandemia e seu consequente isolamento social impõem que a escolarização, para que continue ocorrendo, reinvente suas práticas, seus tempos e seus espaços, modificando a relação pedagógica, o acesso à tecnologia, o capital cultural herdado e a escolarização dos pais mostram-se como trunfos para o sucesso escolar. A obra, publicada há mais de meio século, continua a proliferar análises acerca da meritocracia escolar e da vinculação entre origem social e fracasso escolar.

Habitus, heranças e eleitos

Os alunos cuja origem socioeconômica é mais favorecida trazem consigo atitudes, hábitos e treinamentos aplicáveis aos trabalhos escolares, além de saberes e um “saber-fazer”, gostos e um “bom gosto” que, por não terem sido recebidos pela universidade, garantem rentabilidade escolar:

[...] a cultura “livre”, condição implícita do sucesso universitário em algumas disciplinas, é repartida desigualmente entre os estudantes originários de meios diferentes, sem que a desigualdade dos rendimentos possa explicar as diferenças constatadas. O privilégio cultural é evidente quando se trata da familiaridade com as obras que somente a frequentação regular do teatro, do museu ou do concerto (frequentação que não é organizada pela escola, ou somente de maneira esporádica) pode oferecer. Ele é ainda mais manifesto no caso das obras, geralmente as mais modernas, que são as menos “escolares”. (Bourdieu; Passeron, 2014BOURDIEU, P.; PASSERON, J.-C. Os herdeiros: os estudantes e a cultura. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2014., p.34)

O capital trazido pelos “herdeiros” evidenciado inicialmente pela linguagem, pela participação nos cursos e pela sua produção é um trunfo no cotidiano universitário e, mediante a apreciação dos professores, acaba por ser convertido em bom desempenho escolar. O habitus desses estudantes é elemento de distinção em meio ao corpo discente. De acordo com Pierre Bourdieu (2005BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2005., 2006), o habitus pode ser entendido como um conjunto de disposições incorporadas que estão na origem da ação das pessoas. O habitus do indivíduo também está associado às suas aspirações, às probabilidades de acesso ao ensino superior e à arte. Ele aciona um sentido de jogo no indivíduo que o orienta em sua prática. De acordo com a geração ou a classe social, algumas práticas para uns são consideradas naturais; e para outros, impensáveis. No caso dos herdeiros, os modos de falar, de escrever, o vocabulário e as práticas culturais que trazem à universidade vão ao encontro daqueles exigidos por ela que, por sua vez, são definidos pela cultura erudita. A herança cultural que é trazida pelos eleitos ao ensino superior, e é evidenciada também mediante o habitus que ostentam, contribui para o seu sucesso escolar e assegura a sensação de pertencimento entre esses estudantes e a instituição na qual estão inseridos. De modo ilustrativo, se o ensino universitário fosse representado por um jogo, os herdeiros seriam aqueles que teriam sido iniciados em suas regras antes de ser dada a partida.

O tom de denúncia emitido pela obra também sinaliza com uma possível ruptura na lógica de funcionamento do sistema de ensino pela ideia de uma pedagogia racional, na qual, mediante uma diferenciação nas estratégias de ensino e nas práticas de avaliação, haveria uma tentativa de minimizar as diferenças trazidas pelos alunos diante do seu meio familiar. De acordo com Bourdieu e Passeron (2014BOURDIEU, P.; PASSERON, J.-C. Os herdeiros: os estudantes e a cultura. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2014., p.98):

[...] toda democratização real supõe portanto que se ensine lá onde os mais desfavorecidos podem adquiri-la, isto é, a escola; que se alargue o domínio do que pode ser racionalmente tecnicamente adquirido por uma aprendizagem metódica em detrimento do que é irredutivelmente abandonado ao acaso dos talentos individuais, isto é, de fato à lógica dos privilégios sociais; que se monetize sob a forma de aprendizagens metódicas os dons totais e infrangíveis da ideologia carismática.

Os autores afirmam ainda que o interesse pedagógico dos estudantes das classes mais desfavorecidas seria exigir dos professores que revelem o segredo, ou seja, que o desempenho exemplar demonstrado é fruto também de uma herança social ou de um árduo investimento na própria formação. E ponderam os autores: “mas a pedagogia racional está para ser inventada e em nada poderia ser confundida com as pedagogias atualmente conhecidas que, não tenho outros fundamentos psicológicos, na verdade servem a um sistema que ignora e quer ignorar as diferenças sociais” (ibidem, p.98-9). Ou ainda forjá-las mediante a produção de um discurso que propaga como equivalentes as oportunidades de acesso à educação e as chances de sucesso escolar.

Um discurso que identifica as dificuldades e forja a desigualdade

A ideia de “fracasso escolar” como compreendemos atualmente nem sempre existiu, sendo tal explicação sobre o desempenho dos estudantes acompanhada do mais acentuado processo de ingresso das camadas populares na escolarização. Em diversas partes do mundo, incluindo o Brasil, ao final do século XIX e primeiras décadas do século XX esboçava-se a constituição do sistema de ensino primário, dos quais os grupos escolares viriam a ser parte importante. Nessas instituições, os exames assumiram papel central na organização desse tipo de escola e acompanharam a organização da cultura escolar que nos é familiar até os dias de hoje. Crianças que até então estudavam em classes organizadas independentemente da idade em salas, muitas vezes, alugadas pelos seus professores passaram a ser dispostas em classes homogêneas onde eram ensinadas simultaneamente. A verificação em relação à aquisição dos conhecimentos ocorreria ao final de cada grau, determinando a aprovação ou a reprovação dos alunos. Com o passar do tempo, estabeleceram-se novas formas de classificar e hierarquizar os alunos que criaram ou reafirmaram discriminações em relação ao desempenho daqueles que por algum motivo não conseguiam atingir o esperado nos exames (Catani; Gallego, 2009CATANI, D. B.; GALLEGO, R. C. Avaliação. São Paulo: Ed. Unesp, 2009.).

O processo de democratização da educação promoveu o ingresso das camadas populares nas escolas. As histórias dos estudantes investigados por Patto, assim como, no caso francês, as análises de Bourdieu revelam o quão excludentes podem ser as instituições para aqueles que não se adaptam a padrões e a ideais docentes de bom aluno. Apesar da extensão da escola às classes desfavorecidas, essa escola não sofreu mudanças significativas em suas atribuições e nas formas de ensinar aos alunos. “No passado, a exclusão atingia os que não ingressavam na escola; hoje, atinge os que nela chegam, operando, portanto, de forma menos transparente” (Beisiegel apud Patto, 2015, p.142). Não temos, aqui, a pretensão de esmiuçar tal questão tão bem explicitada por outros pesquisadores como Patto (1988, 2015); Beisiegel (2005), Catani e Gallego (2009CATANI, D. B.; GALLEGO, R. C. Avaliação. São Paulo: Ed. Unesp, 2009.); Gil e Lima (2019GIL, N. L.; LIMA, A. L. G. (Org.) O rendimento da escola brasileira em questão. São Paulo: Feusp, 2019.). Quisemos, apenas, demonstrar algumas ocorrências históricas e sociais que contribuíram para que se forjasse as ideias de “fracasso escolar”. Patto (1988, p.75) sustenta que a partir de 1970, quando a escola passa a receber uma numerosa clientela nova que desestabiliza seu relativo êxito, a “teoria da carência cultural” se estabelece no pensamento educacional brasileiro propagando a crença na menor capacidade das crianças pobres para aprenderem os conteúdos escolares por serem portadoras de distúrbios no desenvolvimento psicológico.

Em artigos da época voltados à discussão, Patto (1988PATTO, M. H. S. O fracasso escolar como objeto de estudo: anotações sobre as características de um discurso. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v.65, p.72-7, maio 1988.) identifica a existência de um discurso que advogava que as condições de vida de determinadas crianças eram incompatíveis com o desempenho escolar esperado. As afirmações ignoravam o quanto podiam contribuir para o enfraquecimento de qualquer proposta de superação da condição, pois o que gerava o fracasso localizava-se fora da escola e apenas mudanças de ordem política e social mais amplas, que incidiriam sobre a vida das famílias, seriam capazes de solucionar o problema. Tal percepção ainda se faz presente na atualidade, quando se justifica o mau desempenho dos alunos com base em uma suposta desestrutura familiar.

Como já mencionado, debates advindos da medicina, que ocupou espaço fundamental na constituição da psicologia educacional, contribuíram decisivamente para a explicação do insucesso dos alunos dando aura de cientificidade a um discurso estruturado, muitas vezes, com base em preconceitos de ordem social e racial e eufemizados pela ciência que foi chamada a legitimar e a justificar o que Bourdieu (2019_______. O racismo da inteligência. In: ___. Questões de Sociologia. Petrópolis: Vozes, 2019. p.248-51., p.250) denominou “racismo da inteligência”. A crença sobre a maior lentidão das “crianças carentes” justificou, segundo Patto (1988PATTO, M. H. S. O fracasso escolar como objeto de estudo: anotações sobre as características de um discurso. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v.65, p.72-7, maio 1988.), reformas educacionais baseadas na diminuição do ritmo do ensino, o que mostra a força que algumas representações têm de instituírem visões, comportamentos e propostas educativas. Sobre isso, Azanha (1976AZANHA, J. M. P. A questão dos pressupostos no discurso pedagógico. In: NAGLE, J. (Org.) Educação e linguagem - para um estudo do discurso pedagógico. São Paulo: Edart, 1976. p.83-97., p.93) assinala o risco que se corre quando se tomam por absolutas pressuposições essencialmente relativas, conferindo-se a elas força de propostas pedagógicas, cujo fundamento é grandemente questionável. Nas propostas de reforma educacional figuram pretensões dogmáticas pautadas em expressões ou explicações que foram inquestionavelmente tomadas como verdades sem que se leve em conta que seu significado é objeto de disputas, visto que elas se fundam em representações distintas sobre como ver o mundo, as funções da educação, da escola e do trabalho dos professores. Azanha (1976, p.93) ainda afirma que a busca de dados empíricos tem tido apenas o sentido de exemplificação e não de comprovação das afirmações e análises. Algumas expressões como “ensino verbalista”, “escola que não prepara para a vida”, “rigidez curricular” são extremamente ambíguas e impedem que se tenha qualquer utilidade descritiva nos estudos sobre o sistema educacional brasileiro.

O debate sobre a linguagem correntemente utilizada em educação pode servir para que lembremos que ela é um campo de esforços e de decisões práticas no qual programas são propostos e rejeitados. Os argumentos educacionais não servem apenas a funções “descritivas”, mas também a funções “políticas”, de tal forma que o uso disseminado, em pesquisa educacional como em debates sobre metas, de termos como “necessidades”, pode facilitar provavelmente a confusão e a simplificação. Em síntese, o discurso educacional abrange inúmeros contextos diferentes, perpassando a esfera científica, a ética e a prática, as quais emprestam uma variedade de ênfases a noções que são ostensivamente comuns. Os efeitos dessa imprecisão podem gerar a desarticulação entre aquilo que se determina como sendo fracasso escolar em relação às propostas práticas para superá-lo ou revertê-lo (Scheffler, 1974SCHEFFLER, I. A linguagem da educação. São Paulo: Saraiva; Ed. da Universidade de São Paulo, 1974., p.17). Ao final da introdução do livro, Scheffler (1974, p.18) diz que uma tarefa fundamental da análise proposta seria a de “deslindar os diferentes contextos nos quais se discute e se argumenta sobre educação”, sendo sua obra voltada a discutir apenas alguns aspectos selecionados sem, contudo, dar a palavra final sobre os tópicos tratados. Ele ressalta a vastidão e a complexidade do tema, assinalando a necessidade de seu “cultivo continuado de muitos estudiosos”. No Brasil, A linguagem da educação oportunizou a reflexão sobre aspectos aos quais não dedicamos a devida atenção, mas que são extremamente importantes para aqueles que pensam e produzem conhecimentos na área da educação.

Considerações finais

A pandemia da Covid-19 impôs o distanciamento social como condição à preservação da vida. Nesse contexto, a escolarização precisou ser adaptada para que ocorresse no espaço privado, e não público e institucional, causando uma transformação tanto nas relações e práticas pedagógicas, quanto no tempo e no espaço escolar. Conforme apresentado em Os herdeiros, a condição dos estudantes das classes mais desfavorecidas ante o sistema de ensino produz efeitos que culminam em seu desempenho: a origem socioeconômica trazida ao ingresso da escolarização acaba, ao longo do processo, por ser transfigurada em sucesso ou fracasso escolar. Entre as variáveis que culminam no fracasso dos estudantes menos favorecidos estão o capital cultural e a tecnologia do estudo, um modo de se relacionar com o conhecimento e as práticas engendradas por ele. No caso brasileiro, a modalidade de ensino remoto acrescentou outras variáveis que esgarçaram ainda mais as diferenças entre acesso e êxito na escola: os equipamentos tecnológicos que permitem que o ensino seja transmitido aos alunos no espaço doméstico, como computadores, celulares e ainda uma conexão à internet que estabeleça uma transmissão de qualidade aliados a, no caso de crianças e adolescentes, adultos escolarizados que sejam capazes de auxiliá-los na realização das tarefas escolares.

Na educação básica, é conhecido o quanto a escolaridade dos pais também pode impactar a aprendizagem. Ao investigar o fracasso escolar, Patto, nos anos de 1990, já chamava a atenção para a importância da realização da lição de casa para o desempenho dos estudantes e para o quanto, no caso das crianças, era fundamental o auxílio de um adulto escolarizado. Essas variáveis, em geral, se sobrepõem quando tratamos do sucesso escolar e corroboram, também para o caso da escolarização básica, as ideias de Bourdieu e Passeron segundo as quais devemos nos preocupar mais com as condições circunstanciais que cercam o estudante do que um possível talento. No momento atual, o contexto da pandemia e as decorrentes modalidades de ensino remoto, em um país com tão graves contrastes sociais e econômicos, podem transformar-se em instrumentos de elevação e consolidação de desigualdades sociais. Scheffler (1974SCHEFFLER, I. A linguagem da educação. São Paulo: Saraiva; Ed. da Universidade de São Paulo, 1974.) nos ajuda a pensar, entre outras coisas, nos slogans educacionais como o da escola democrática e libertadora, propagado tanto no caso francês quanto no caso brasileiro, que a análise do sistema de ensino apresentada em Os herdeiros ajuda a desconstruir. Além do quê, suas análises se tornam fundamentais no atual momento em que o discurso de que o acesso às ferramentas digitais para o acompanhamento das aulas remotas se faria suficiente para a equalização de oportunidades entre os alunos.

Referências

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  • VALLE, I. R.; CATANI, D. B. Apresentação. Revista Linhas, Florianópolis, v.15, n.29, p.4-12, jul./dez. 2014.

Notas

  • 1
    O dossiê intitulado “Os clássicos que escolhemos como nossos: reflexões sobre seus efeitos estruturantes em educação”, organizado pelas professoras Juliana de Souza Silva (Feusp) e Katiene Nogueira da Silva (Feusp), reúne textos em que se buscou refletir sobre os livros e os autores que se tornaram “clássicos” para cada um de nós. Ele é fruto de um empreendimento coletivo que vem sendo realizado na Faculdade de Educação da USP desde 2019 sob a forma de ciclos de palestras no qual, além da iniciativa aqui explicitada, examinaram-se as questões relativas ao desenvolvimento do gosto pela leitura e à formação da biblioteca pessoal em nossas trajetórias e as análises que reconstituíam os potenciais efeitos formativos/educativos de algumas obras literárias.
  • 2
    Maria Helena Souza Patto nasceu na cidade de Taubaté, em São Paulo. Formou-se, em 1965, em Psicologia no Instituto de Psicologia da USP, onde cursou também o mestrado e o doutorado e atuou como docente. Em seus escritos, as dimensões econômica, política, social e cultural sempre estão presentes. As pesquisas desenvolvidas por ela referem-se ao chamado “fracasso escolar” das crianças pertencentes às camadas mais pobres que habitam os grandes centros urbanos de uma sociedade capitalista como a brasileira. Entre suas principais obras encontram-se Introdução à psicologia escolar (1981), Psicologia e ideologia (1984), A produção do fracasso escolar (1990).
  • 3
    Pierre Félix Bourdieu nasceu na região do Béarn, na França, em 1930. Nascido em uma família de origem campesina, ingressou em 1951 na École Normale Supérieure e graduou-se em Filosofia. Após prestar serviços militares na Argélia, assumiu, em 1958, o cargo de professor assistente na Faculdade de Letras em Argel. Em 1981 assumiu a cátedra de Sociologia no Collège de France. Lecionou, também, em renomadas universidades ao redor do mundo. É autor de centenas de trabalhos, entre os quais destacam-se A reprodução, escrito em parceria com Jean-Claude Passeron, A distinção (1979) e O poder simbólico (1989). Posicionou-se fortemente contra a política neoliberal. Morreu em Paris, em 2002, aos 72 anos.
  • 4
    Jean-Claude Passeron nasceu em 1930, em Nice, na França. Estudou na Escola Normal Superior de Paris onde formou-se em Filosofia. Realizando pesquisas em Sociologia e em colaboração com Pierre Bourdieu publicou obras consagradas no campo educacional, como Os herdeiros e A reprodução. Com Jean-Claude Chamboredon, Passeron e Bourdieu escreveram O ofício do sociólogo, livro considerado referência em metodologia das ciências sociais. Nos anos 1960 foi diretor do departamento de Sociologia da Universidade de Nantes e ajudou a fundar a Universidade experimental de Vincennes. Em 1980 ingressou na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais. Criou e dirigiu a revista Enquête, também conhecida como Cahiers du Cercom, destinada a publicar pesquisas sobre a cultura, a comunicação, os modos de vida e a socialização.
  • 5
    Israel Scheffler nasceu em 1923 em Nova York. Realizou o bacharelado e o mestrado em Psicologia no Brooklyn College e defendeu sua tese de doutorado na University of Pennsylvania em 1952, onde estudou com Nelson Goodman. Desenvolveu sua carreira na Harvard University, aposentando-se em 1992. Seus principais interesses residiram na interpretação filosófica da linguagem, simbolismo, ciência e educação. Suas obras foram traduzidas para diversos idiomas. Entre as principais estão: A linguagem da educação (1974), Philosophy and Education: Modern Readings (1958) e Conditions of Knowledge: An Introduction to Epistemology and Education (1965). Morreu em Nova York, em 2014, aos 90 anos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    11 Mar 2021
  • Aceito
    29 Jun 2021
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