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Partidos dominam registro de candidaturas, lideranças conectam melhor com o eleitorado

RESUMO

O texto analisa as eleições para prefeito no Brasil entre 2000 e 2020, com o objetivo de identificar a contribuição das organizações e das lideranças partidárias na estruturação do processo eleitoral. Avaliamos duas etapas das eleições. Na definição das candidaturas verificamos a presença constante dos mesmos partidos lançando candidaturas em duas eleições consecutivas. Adotamos o mesmo critério para avaliar a continuidade das lideranças que se candidatam pelos partidos. Concluímos que essa primeira etapa é caracterizada por uma ampla taxa de volatilidade, mas os partidos estão mais presentes em duas eleições consecutivas do que as lideranças. No momento da votação na segunda eleição, os eleitores avaliam os partidos e lideranças que representam candidaturas em constelações diferentes. O resultado mostra que as lideranças conseguem fidelizar os eleitores mais do que os partidos políticos. O trabalho traz evidências empíricas sobre o grau de partidarização e personalização das eleições no Brasil. Ele contribui também para o debate sobre a definição conceitual, a elaboração de desenhos de pesquisa e a operacionalização de indicadores a respeito do tema do personalismo na política.

PALAVRAS-CHAVE:
Personalismo; Partidarismo; Liderança; Partidos políticos; Processo eleitoral

ABSTRACT

By analyzing mayoral elections in Brazil between 2000 and 2020, we aim to identify the role of political parties and party leaders in structuring the electoral process. We evaluate two stages of the elections. Focusing on how candidates are defined for the election, we verified a stronger presence of the same parties that launched candidacies in two consecutive elections. Adopting the same criteria to assess the continuity of the same leaders, the dropout rate is higher. When voting in the second election, voters evaluate the parties and leaderships that launch their candidacies in different constellations. Results show that leaderships manage to retain voters more than political parties. The study provides empirical evidence of the degree of election partisanship and personalization in Brazil. It also contributes to the debate on conceptual definitions, on the elaboration of survey designs and the operationalization of indicators regarding personalism in politics.

KEYWORDS:
Personalism; Partisanship; Leadership; Political parties; Electoral process

Introdução

Os partidos importam nas eleições locais no Brasil? Segundo os comentaristas políticos, as eleições municipais são estruturadas em torno de lideranças políticas. Os partidos teriam apenas um papel secundário. Mesmo que ideias sobre o personalismo nas eleições locais permeiem as entrelinhas da ciência política, elas não costumam ser elaboradas conceitualmente, explicitadas como tese, traduzidas em desenhos de pesquisa e testadas a partir de dados da realidade brasileira. Este texto se propõe a realizar um teste nesse sentido. Pretendemos responder sobre que peso as lideranças individuais e as organizações partidárias têm na estruturação das disputas eleitorais locais. A questão central é em que medida as disputas pela prefeitura estão estruturadas em torno dos partidos e/ou das lideranças que lançam candidaturas ao cargo. O texto é estruturado em cinco seções. Primeiro revisamos abordagens teóricas importantes na ciência política sobre o personalismo na política. No segundo passo identificamos o caso brasileiro como oportunidade de pesquisa sobre o assunto; em seguida detalhamos as hipóteses de trabalho, o desenho de pesquisa, a operacionalização das variáveis e o banco de dados. Na terceira seção apresentamos os resultados da análise dos dados. Na quarta, discutimos os resultados e os avanços que o trabalho oferece em termos metodológicos e materiais. Por último, resumimos os principais achados e avaliamos as tarefas para futuras pesquisas.

A literatura e o caso brasileiro

O personalismo na política é um tema que perpassa as entrelinhas da literatura da ciência política sobre a representação política no Brasil. O uso coloquial do termo personalismo contrapõe lideranças individuais a partidos, sugerindo que a política se organiza em torno de personalidades carismáticas ou influentes, relegando as organizações partidárias a um fenômeno de menor importância. Quando o conceito do personalismo é usado na ciência política, ele é especificado no contexto de diferentes teorias. Podemos separar três correntes. Para alguns, o personalismo está associado à dinâmica do processo eleitoral. Segundo essa concepção, no momento da escolha nas urnas, os eleitores valorizam mais atributos pessoais do que propostas políticas dos candidatos. Características das lideranças como o gênero, a idade, a aparência ou outros atributos, considerados apolíticos, tem maior peso. A apresentação de projetos políticos, a discussão de propostas de governo, o desempenho em cargos públicos no passado, a capacidade de comunicação e negociação, que representam conteúdos políticos, são menos valorizados. Essa vertente do personalismo está associada ao termo da “personalização” da representação política (Aarts et al., 2013AARTS, K.; BLAIS, A.; SCHMITT, H. (Org.) Party Leader Effects on the Vote. Oxford University Press, 2013.; Garzia, 2013GARZIA, D. The Rise of Party/Leader Identification in Western Europe. Political Research Quarterly, v.66, n.3, p.533-44, 2013. https://doi.org/10.1177/1065912912463122
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; Lobo; Curtice, 2015LOBO, M. C.; CURTICE, J. (Org.) Personality Politics?: The Role of Leader Evaluations in Democratic Elections. Oxford University Press, 2015.). Ele influencia também a pesquisa sobre a comunicação política. Segundo pesquisas nessa área, as imagens dos candidatos e os recursos audiovisuais da sua apresentação ao eleitor ocupam mais lugar do que os programas de governo e os partidos pelos quais eles se apresentam (Langer, 2007LANGER, A. I. A Historical Exploration of the Personalisation of Politics in the Print Media: The British Prime Ministers (1945-1999). Parliamentary Affairs, v.60, n.3, p.371-87, 2007. https://doi.org/10.1093/pa/gsm028
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; Mcallister, 2007MCALLISTER, I. The Personalization of Politics. In: DALTON, R. J.; KLINGEMANN, H. D. (Org.) The Oxford Handbook of Political Behavior. Oxford University Press, 2007. Disponível em: <http://www.oxfordhandbooks.com/view/10.1093/oxfordhb/9780199270125.001.0001/oxfordhb-9780199270125-e-030>.
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).

Uma segunda arena de pesquisas que explora o termo do personalismo encontramos no campo de estudos sobre sistemas eleitorais e comportamento legislativo. O argumento é que determinados sistemas eleitorais fortalecem o papel dos representantes individuais enquanto outros valorizam o papel dos partidos políticos. A ciência política desenvolveu a teoria da “conexão eleitoral” sobre diferentes tipos de vínculos entre representantes e seu eleitorado, consequência do sistema eleitoral. Em sistemas eleitorais caracterizados por distritos de magnitude grande e um papel forte dos partidos em função de listas de candidatos preordenadas, o papel dos partidos políticos é valorizado o que favorece a representação de interesses regionais ou nacionais. Contrariamente, em sistemas eleitorais de magnitude baixa e sem listas fechadas, o representante individual ganha centralidade e a representação política no legislativo passa pelo atendimento de demandas locais no distrito. Essa teoria da conexão eleitoral, entendida como individualização da representação, foi desenvolvida originalmente nos Estados Unidos com seus distritos eleitorais unipessoais (Cain et al., 1987CAIN, B.; FEREJOHN, J.; FIORINA, M. The Personal Vote. Constituency Service and Electoral Independence. Harvard University Press, 1987.; Mayhew, 1974MAYHEW, D. R. Congress: The Electoral Connection. Yale University Press, 1974.). Mas posteriormente Carey e Shugart (1995CAREY, J. M.; SHUGART, M. S. Incentives to cultivate a personal vote: A rank ordering of electoral formulas. Electoral Studies, v.14, n.4, p.417-39. 1995. https://doi.org/10.1016/0261-3794(94)00035-2
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) desenvolveram um índice do grau de personalização do voto para todos os sistemas eleitorais que permitiu ampliar o argumento para outros países (Zittel, 2017ZITTEL, T. The Personal Vote. In: The SAGE Handbook of Electoral Behaviour. SAGE Publications Ltd., 2017. v.2 (v.1-2, p.668-85). https://doi.org/10.4135/9781473957978.
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).

Uma terceira abordagem sobre o personalismo na política tem origem na pesquisa sobre organizações partidárias. A questão central é em que medida os partidos políticos representam um projeto político coletivo e permitem a ascensão de novas lideranças baseado em processos institucionalizados e abertos, ao contrário de partidos criados e dominadas por pequenos grupos de lideranças. Nessa abordagem o conceito do personalismo é entendido como uma modalidade de organizar a ação coletiva no processo eleitoral e no exercício dos mandatos em função de relações interpessoais, tipicamente hierarquizadas e assimétricas. Relações de confiança e de lealdade interpessoal estruturam grupos políticos em torno de lideranças importantes. O conceito oposto é o da institucionalização das organizações partidárias, baseado em regras e procedimentos de participação, ascensão e seleção de lideranças que são formalizadas e transparentes. A personalização dos partidos que gira em torno de lideranças influentes, é vista como polo oposto ao da institucionalização das organizações partidárias onde a disputa interna é mais aberta (Gunther; Diamond, 2003GUNTHER, R.; DIAMOND, L. Species of Political Parties: A New Typology. Party Politics, v.9, n.2, p.167-99, 2003. https://doi.org/10.1177/13540688030092003
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; Mainwaring; Torcal, 2006MAINWARING, S.; TORCAL, M. Party system institutionalization and party system theory after the third wave of democratization. In: KATZ, R. S.; CROTTY, W. J. (Org.) Handbook of Party Politics. Sage, 2006. p.204-27.; Musella, 2017MUSELLA, F. Political Leaders Beyond Party Politics. Springer, 2017.; Scarrow, 2005SCARROW, S. E. Implementing Intra-Party Democracy. Political Parties and Democracy in Theoretical and Practical Perspective, 2005. Disponível em: <http://kasyp.net/fileadmin/kasyp_files/Documents/reused/PP_Political_Finance_Policy_Parties___Democratic_Develpt_Michael_Johnston.pdf>
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).

Teorias, hipóteses, desenho e dados da pesquisa

A nossa análise tem como referência teórica essa terceira abordagem. Não respondemos à questão sobre o conteúdo do vínculo entre eleitor e representante, tema central na primeira abordagem. Também não abordamos a questão das consequências da personalização do sistema eleitoral para a representação política, tratado na segunda abordagem. Queremos analisar em que medida a disputa municipal pelas prefeituras gira em torno das lideranças políticas ou dos partidos pelos quais se candidatam. Contribuímos para responder à questão sobre qual dos dois atores (partidos ou lideranças) é mais central para organizar o processo eleitoral.

Argumentamos que o cenário da política partidária no Brasil é propício para responder a questão. Na maioria das democracias consolidadas encontramos alto grau de fidelização entre os partidos e suas lideranças. As lideranças raramente se dissociam dos partidos políticos onde iniciaram a carreira. A carreira de políticos bem-sucedidos tipicamente passa por vários cargos. Os partidos também tendem a manter os seus quadros. Por outro lado, trocam as lideranças naturalmente em processos de renovação geracional. Nesses contextos de alta fidelidade partidária as oportunidades para analisar a influência de lideranças e partidos separadamente são limitadas. Consequentemente são poucos os trabalhos que exploram situações de dissociação entre partidos e lideranças. Fowler e Hall (2014FOWLER, A.; HALL, A. B. Disentangling the Personal and Partisan Incumbency Advantages: Evidence from Close Elections and Term Limits. Quarterly Journal of Political Science, v.9, n.4, p.501-31, 2014. https://doi.org/10.1561/100.00014013
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) analisam cenários onde partidos trocam de candidato. Os autores identificam o peso do personalismo em eleições estaduais nos Estados Unidos onde a legislação permite somente determinado número de reeleições. Os autores comparam o desempenho de um partido que concorre com o mesmo candidato em eleições subsequentes com a situação quando este candidato é substituído por outro, concluindo que o efeito da continuidade das lideranças foi subestimado pela literatura. O segundo cenário, quando candidatos trocam de partido, raramente é explorado, devido à falta de numérico para alavancar análises estatísticas do fenômeno. Alguns pesquisadores recorrem a pesquisas de opinião nos quais confrontam eleitores com cenários hipotéticos. Holsteyn e Andeweg (2010HOLSTEYN, J. J. M. van; ANDEWEG, R. B. Demoted leaders and exiled candidates: Disentangling party and person in the voter’s mind. Electoral Studies, v.29, n.4, p.628-35, 2010.https://doi.org/10.1016/j.electstud.2010.06.003.
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) perguntaram eleitores na Holanda, com um sistema eleitoral com listas fechadas, se votariam na mesma lista caso o cabeça de chapa fosse outro. Eles constatam que somente um em cada dez eleitores mudaria o voto para outro partido, seguindo a maior identificação com a liderança.

Nas novas democracias da terceira onda de democratização (Huntington, 1994HUNTINGTON, S. P. A terceira onda: A democratização no final do século XX. São Paulo: Ática, 1994.), as formas de relacionamento menos estáveis entre partido e liderança oferecem oportunidades para pesquisar o papel dos dois atores separadamente. Aqui entra o caso brasileiro, porque (para a felicidade da pesquisa acadêmica e a tristeza dos partidos políticos brasileiros) as lideranças políticas têm relações bastante tênues com os partidos políticos no Brasil. Não somente os partidos se apresentam frequentemente com candidatos diferentes. Da mesma forma candidatos mudam de partido, apresentando-se por siglas diferentes em eleições consecutivas. Faganello e Fernandes (2018FAGANELLO, M. A.; FERNANDES, J. L. M. Migração partidária nos municípios brasileiros (2000-2016). Revista de Sociologia e Política, v.26, n.66, p.101-24, 2018. https://doi.org/10.1590/1678-987318266605
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) constataram que a taxa de mudança de partido entre os candidatos que disputam duas eleições municipais consecutivas é de 1 entre 10 para o cargo de prefeito, e de 1 entre 5 para as eleições para vereador. O caso brasileiro, com frequentes separações entre partidos e políticos, oferece um campo rico de pesquisa para avaliar a relação entre lideranças, partidos e o eleitorado e o papel do partidarismo e personalismo neste relacionamento.

Teorias: reavaliando os conceitos

Como identificamos na revisão da literatura, os trabalhos que analisam a importância das lideranças e das organizações partidárias como atores estruturadores do processo eleitoral trabalham com um modelo unidimensional, com dois polos. Nessa concepção, os processos eleitorais podem ser estruturados alternativamente por partidos ou por lideranças. Na medida em que se afastam de um polo, se aproximam do outro. O Quadro 1 ilustra essa concepção predominante na literatura. No Cenário 1 do Quadro 1 a organização do processo de representação política passa em primeiro lugar pelos partidos políticos. Onde os partidos são fortes, o papel das lideranças fica em segundo lugar. Os partidos representam um conjunto de valores, propostas e práticas políticas. A personalização do processo eleitoral representa uma subversão desse processo de institucionalização da política pelos partidos políticos. Na medida em que lideranças políticas crescem dentro e forma dos partidos políticos e conseguem captar a atenção do eleitorado, elas entram em choque com os princípios da disciplina e coesão partidária. A personalização, assim a concepção, mina a consolidação dos partidos como organizações fortes e estáveis.

A proposta aqui discorda dessa avaliação unidimensional do personalismo e partidarismo. Argumentamos que tanto lideranças influentes como organizações partidárias podem contribuir para estruturar o processo eleitoral. O modelo mais adequado para sistematizar o peso do personalismo e do partidarismo nas eleições é uma matriz bidimensional, onde partidos fortes e fracos encontram lideranças fortes e fracas. O Quadro 2 representa a nossa reinterpretação dos conceitos da partidarização e da personalização como dimensões independentes da análise das relações entre o eleitorado e o sistema representativo. Desse modelo bidimensional emergem quatro cenários diferentes.

Quadro 1
Cenários de vínculos entre eleitores e representantes na concepção clássica

Para ilustrar o modelo avaliamos a reapresentação de partidos e lideranças que disputaram uma eleição para prefeito, no pleito subsequente para o mesmo cargo. Um primeiro cenário é representado pela presença de partidos fortes e lideranças fortes. Tanto partidos como lideranças disputam as duas eleições e ambos têm bom desempenho eleitoral. O segundo cenário é representado por partidos fortes e lideranças fracas. Os primeiros se reapresentam no pleito seguinte e obtém bom desempenho. As lideranças não se reapresentam ou são penalizadas nas urnas. O terceiro cenário se refere à situação oposta, de continuidade das lideranças nas eleições e de um bom desempenho nas urnas, enquanto os partidos desistem do próximo pleito e são fracos quando resolvem disputar. O quarto cenário, que representa partidos e lideranças fracas, é identificado a partir de eleições consecutivas de alta volatilidade em relação aos nomes de lideranças e das siglas partidárias que se apresentam.

Quadro 2
Cenários de vínculos entre eleitores e representantes na concepção revisada

Desenho: explorando alianças, conflitos e desistências

Cabe agora explicitar como operacionalizar essa proposta de analisar a personalização e partidarização das eleições para prefeito a partir dos dados de 2000 a 2020. O ponto de partida é a caracterização de lideranças e partidos como fortes ou fracos em dois momentos da disputa eleitoral: no momento do registro das candidaturas e na hora da votação pelo eleitorado.

Em relação ao registro das candidaturas, avaliamos a frequência com que partidos e lideranças que disputaram uma eleição para prefeito se decidem em relação as diferentes possibilidades para o próximo pleito: disputam novamente ou se retiram, disputam juntos ou separados? Como afirmamos acima, há quatro cenários: a disputa da próxima eleição pelo partido e pela liderança (Cenário 1), a disputa pelo mesmo partido, com ausência da liderança (Cenário 2), disputa pela mesma liderança, com ausência do partido (Cenário 3) e retirada dos dois atores do próximo pleito (Cenário 4).

Em relação ao desempenho nas urnas, avaliamos a diferença na porcentagem de votos que os partidos e lideranças tem em duas eleições subsequentes. A finalidade é poder comparar a resposta dos eleitores a esses diferentes cenários escolhidos pelas lideranças e partidos. Os eleitores recompensam a decisão de partidos e candidatos pela reapresentação na mesma dupla? Como se decidem quando os dois concorrem em candidaturas separadas no próximo pleito? Qual é o desempenho comparativo entre os cenários 2 e 3, quando somente um dos dois componentes da chapa da primeira eleição se reapresenta?

Criamos um banco de dados com as candidaturas registradas nas eleições de 2000 a 2016, que formam as unidades de análise. O banco de dados reúne 73.519 candidaturas a prefeito apresentadas nessas eleições. Esses registros incluem informações sobre o ano da eleição, o Estado, a região, o tamanho do município, além das informações sobre as candidaturas como o nome da candidata, a sigla do partido, a porcentagem de votos no primeiro turno e o resultado das eleições (se a candidata foi eleita ou não). A esses registros acrescentamos informações sobre a eleição seguinte em dois passos. Primeiro incluímos a informação se na próxima eleição consecutiva (de 2004 a 2020) o mesmo partido disputou novamente o cargo no município, incluindo também as informações complementares sobre o nome da liderança com qual disputaram, além das informações sobre o desempenho nas urnas e do resultado do pleito. Depois repetimos o mesmo processo para as lideranças. Acrescentamos os registros das lideranças que disputaram a eleição seguinte, incluindo também as informações complementares como nome do partido, votação e resultado. Resumindo, o banco de dados registra três conjuntos de informações, referente à dupla partido/liderança que disputou a primeira eleição: os resultados da primeira eleição, os resultados da segunda eleição caso o mesmo partido tenha disputado e os resultados da segunda eleição caso a mesma liderança tenha disputado. A partir dessas informações produzimos as variáveis centrais sobre a classificação das recandidaturas nos diferentes cenários, bem como sobre os dois indicadores centrais da análise: a frequência de ocorrência de recandidaturas nos diferentes cenários e a resposta dos eleitores através da diferença de votação entre os dois pleitos.

Cabe mencionar como lidamos com algumas situações especificas, como a renomeação, cisão, incorporação ou fusão de partidos ou a criação de novas siglas. Tratamos partidos que mudaram de nome ou que fusionaram entre duas eleições como siglas iguais. Um exemplo é o caso do PFL que entre as eleições de 2004 e 2008 mudou o nome para DEM. Se o partido PFL disputou as eleições para prefeito em determinado município e na eleição seguinte disputou como DEM, interpretamos o caso como continuidade do partido. Da mesma forma, a fusão dos partidos PL e Prona que resultou no partido PR foi interpretado como continuidade. O mesmo tratamento foi administrado aos casos de incorporação, como a absorção do PAN pelo PTB entre 2004 e 2008. Por outro lado, as cisões de partidos ou a criação de novas siglas foi interpretado como um partido diferente em relação coma primeira eleição. Se as mesmas lideranças que lançaram candidaturas pelo PT em 2008 disputam em 2012 pelo PSOL, interpretamos essa constelação como mudança de partido. Tratamento igual se aplicou aos casos de outras siglas novas.

Para os casos das lideranças cabem também comentários explicativos. Há várias situações nas quais as lideranças optam por não disputar a eleição consecutiva. Lideranças desistem de disputar o mesmo cargo novamente quando são impedidos pela legislação (limite de reeleição, outros impedimentos legais), quando disputam eleições para outro cargo eletivo (dependendo da ambição política podem ser cargos mais ou menos importantes), quando escolhem um cargo político não eletivo (secretário de governo, administração indireta) ou quando abandonam a política (por idade, por carreira em outro setor). O nosso banco de dados não consegue diferenciar toda gama de motivos da desistência. Optamos por aplicar o critério binário de reapresentação versus desistência. A análise detalhada de milhares de candidaturas inviabilizaria a pesquisa nesse campo que conta com poucos trabalhos empíricos ainda. A elaboração de uma solução mais sofisticada para a questão da classificação das escolhas das lideranças constitui um desafio para uma pesquisa posterior.

Para avaliar a força dos partidos e das lideranças identificamos dois indicadores. Para o momento da definição das candidaturas analisamos separadamente para os dois componentes da chapa (formada pelo partido e pela liderança) se eles deram sequência à disputa pelo mesmo cargo na eleição seguinte. A continuidade dos partidos é interpretada como indicador de partidos fortes. A mesma avaliação se aplica à continuidade ou desistência das lideranças no próximo pleito. Para o momento da votação, identificamos partidos e lideranças fortes a partir da análise da sua capacidade de reter ou até aumentar o seu eleitorado. Analisamos perdas e ganhos relativos à primeira eleição, comparando os diferentes cenários de candidaturas.

Cabe mapear como as cinco escolhas e os dois momentos de avaliação se encaixam no modelo conceitual do Quadro 2. O Quadro 3 detalha as possíveis constelações de partidos e candidatos que emergem dessas escolhas. Analisando duas eleições subsequentes, lideranças estão diante de três alternativas: não se apresentar novamente, apresentar a candidatura pelo mesmo partido e apresentar a candidatura por outro partido. A escolha dos partidos é a mesma. Eles podem não disputar as eleições, disputar as eleições com o mesmo candidato ou disputar as eleições com outro candidato.

Quadro 3
Matriz de escolhas de partidos e lideranças

O primeiro cenário é formado pelos casos nos quais tanto partidos como candidatos se reapresentam. Mas as possibilidades se desdobram em duas situações radicalmente diferentes. Classificamos como cenário 1a os casos da reapresentação da mesma dupla partido/liderança. Outra situação encontramos quando partido e liderança se separam e resolvem disputar as eleições seguintes com outra chapa: o partido lança outro político e a liderança disputa por outro partido, ambos se enfrentando como adversários na próxima eleição. Esse cenário é classificado como 1b para os partidos e 1c para os candidatos. Contabilizamos a frequência da ocorrência das candidaturas dessas diferentes escolhas. Naturalmente a frequência do cenário 1b e 1c é idêntica. Por outro lado, analisamos também o desempenho comparativo das candidaturas nas diferentes situações. Nesse caso cabe separar a situação 1b (comparando a votação dos mesmos candidatos nas duas eleições) da situação 1c (comparando desempenho dos mesmos partidos nos dois pleitos). Os cenários 2 e 3 correspondem às recandidaturas apenas dos partidos ou apenas das lideranças na próxima eleição. Para ambos os cenários identificamos a frequência na primeira etapa da definição das chapas e o desempenho eleitoral na segunda etapa. O cenário 4 se refere à dupla desistência. Nesse caso cabe identificar somente a frequência de ocorrência na primeira etapa da constituição das candidaturas. Dados comparativos sobre a votação naturalmente não existem.

Análise dos dados: candidaturas e votação

A partir desses cenários podemos elaborar o desenho de análise que permite avaliar com mais precisão a presença de partidos e/ou lideranças como atores estruturadores da competição eleitoral. A avaliação abrange duas etapas do processo da disputa eleitoral. A primeira etapa se refere à apresentação das candidaturas, as duplas formadas por um partido e uma candidata. Esse pode ser interpretado como lado da oferta do processo eleitoral. A segunda etapa diz respeito à reação do eleitorado a essa oferta. A decisão do eleitorado por uma das candidaturas à prefeitura representa a demanda do processo eleitoral. Em seguida analisamos os dados sobre a disputa eleitoral separadamente a partir dessas duas ópticas. A unidade de medida da oferta é o número de candidaturas apresentadas. A demanda do eleitor é medida pela porcentagem de votos que as candidaturas recebem.

A apresentação das candidaturas

Nesta primeira dimensão da apresentação regular ou esporádica de lideranças e/ou partidos nas eleições municipais avaliamos separadamente a ocorrência dos cenários diferentes acima. O cenário 1a, quando um partido disputa a próxima eleição no mesmo município com a mesma liderança é identificado como “mesma dupla”. Os cenários 1b/c estão presentes quando novamente tanto o partido como a liderança que disputaram a primeira eleição se reapresentam no próximo pleito, mas agora em duplas separadas. O partido lança outro candidato e o candidato se lança por outro partido na próxima eleição. A frequência de candidaturas da primeira eleição que seguem esse caminho é identificada como “duplas separadas”. O cenário 2 se dá quando o candidato na primeira eleição não disputa o próximo pleito, mas o partido lança outro candidato na eleição seguinte (“só partido”). O cenário 3 se dá na situação oposta onde o partido não reapresenta candidatura, porém o candidato disputa a próxima eleição por outra sigla (“só candidato”). Finalmente, no cenário 4 nem partido nem candidato da dupla da primeira eleição disputa o pleito seguinte (“nenhum”).

A Tabela 1 retrata a distribuição das duplas partido/liderança que disputaram a primeira eleição sobre os cinco possíveis cenários de reapresentação na eleição seguinte. Verificamos que o maior grupo (51,3%) é representado pelo Cenário 4 no qual nenhum dos componentes das duplas partido/liderança na primeira eleição se reapresenta no próximo pleito. Em sentido oposto, temos as duplas onde ambos os componentes se reapresentam na próxima eleição, seja na mesma constelação no Cenário 1a (15,8%) ou com outros parceiros como no Cenário 1b/c (1,1%). Finalmente restam os cenários das duplas para as quais somente um dos dois componentes segue na próxima eleição. Em 23,7% dos casos somente o partido segue e o candidato deixa de se reapresentar (Cenário 2). Em 8,2% encontramos a situação contrária, quando a liderança se reapresenta enquanto o partido deixa de disputar o próximo pleito (Cenário 3).

Tabela 1
Frequência de cenários das candidaturas a prefeito em duas eleições

Uma outra forma de explorar os mesmos dados é olhar separadamente pela óptica dos partidos e dos candidatos, bem como avaliando a relação entre os dois. Para avaliar a continuidade dos partidos, somamos todas as situações (os cenários 1a, 1b e 2) nas quais as organizações partidárias decidem disputar a prefeitura na eleição seguinte, chegando a uma taxa de partidarismo de 40,5%. Mudando a óptica para a continuidade das lideranças, somamos os cenários 1a, 1c e 3 para chegar à taxa de continuidade das lideranças de 25%.

Agora analisamos esses mesmos indicadores dos diferentes cenários pela óptica de alguns critérios como o ano da eleição (para identificar eventuais mudanças no tempo), as regiões geográficas do Brasil (eventualmente indicando a influência de fatores macrossociais sobre os partidos), o tamanho dos municípios (porque a literatura sugere frequentemente maior taxa de personalismo da política local em detrimento dos partidos) e também separando as candidaturas em graus de competitividade (para verificar eventuais diferenças entre candidaturas com grande capital político e outras que representam um balão de ensaio tanto para o partido como pelo candidato).

Analisando os indicadores no tempo (Gráfico 1), verificamos pequenas alterações entre os anos eleitorais, mas seria difícil identificar tendencias claras de ascensão ou declínio em uma direção. A tendencia mais clara parece ser a crescente participação do Cenário 5 no decorrer do tempo. Por outro lado, os dois indicadores da presença isolada de partidos e lideranças se movimentam em sentido oposto. Os casos de partidos seguindo com outro parceiro estão em declínio enquanto o número de lideranças seguindo com outros partidos está aumentando.

Gráfico 1
Frequência das candidaturas, no tempo

Na distribuição dos diferentes cenários sobre as macrorregiões podemos dizer que a dupla desistência (Cenário 4) está mais rara no Sul, enquanto a candidatura da mesma dupla (Cenário 1a) ocorre com mais frequência, em comparação com as outras regiões. A relação entre partidarismo puro (só partido) e personalismo puro (só liderança) apresenta alguma diferença entre as regiões. No Sul os partidos estão mais presentes e as lideranças se reapresentam com menos frequência (uma relação de 6:1). Nas regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte esses dois indicadores se aproximam (relação 2:1). No entanto essas diferenças entre as regiões não afetam a ordem da frequência relativa dos cenários. Em todas as regiões está em primeiro lugar o abandono duplo, seguido pelo partido solo, a dupla estável e a liderança sola, ficando a dupla dividida em último lugar.

O tamanho dos municípios também tem um impacto sobre o comportamento dos indicadores. Novamente o Gráfico 3 indica que a ordem da presença relativa dos diferentes cenários não muda entre os municípios em função do seu tamanho. Por outro lado, há uma tendência de queda da apresentação da mesma dupla, na medida em que o tamanho dos municípios aumenta. Em relação à presença somente dos partidos e das lideranças observamos novamente uma evolução em direções opostas. Da mesma forma que a proporção do Cenário 3 aumenta nos municípios maiores, o personalismo diminui.

Gráfico 2
Frequência das candidaturas, por região

Gráfico 3
Frequência das candidaturas, por tamanho do município

O Gráfico 4 ilustra que o capital político das candidaturas tem influência forte sobre a frequência dos diferentes cenários. Identificamos três grupos usando dois critérios para definir o capital político das candidaturas. No primeiro grupo, de capital político baixo, estão os candidatos que alcançaram menos que 20% dos votos na primeira eleição. Nesse grupo a taxa de desistência dupla alcança 75%. Consequentemente a frequência dos outros cenários cai bastante. O grupo de capital político intermediário é formado pelas candidaturas que alcançaram 20% dos votos ou mais, mas não foram vitoriosas na primeira eleição. A taxa de desistência nesse grupo cai para 51% e os outros cenários alcançam frequências maiores. O terceiro grupo de capital político elevado é formado pelas chapas eleitas na primeira eleição. As duplas eleitas têm as menores taxas de desistência (35,2%). A taxa de reapresentação dos partidos cresce para 29,4%. Igualmente, a reapresentação das lideranças com o mesmo partido aumenta para 24,1%. Somente a apresentação separada dos candidatos (Cenário 3) mantem o mesmo patamar, em comparação com o grupo de capital político intermediário. No caso das candidaturas eleitas devemos levar em conta que devido às restrições à reeleição somente parte das lideranças poderá recandidatar-se no próximo pleito.

Gráfico 4
Frequência das candidaturas, por capital político

Cabe lembrar que em todas as análises por subgrupos (eleição, região, tamanho, capital político), que geram variações na proporção dos grupos, a ordem dos cenários se mantém. O grupo maios é formado pelas desistências mútuas (Cenário 4), seguido pela reapresentação dos partidos somente (Cenário 2) e das duplas estáveis (Cenário 1a), ficando em último lugar as candidaturas das lideranças (Cenário 3) e da dupla separada (Cenário 1bc).

A reação do eleitorado

Na segunda dimensão avaliamos como os eleitores reagem à reapresentação dos dois componentes partido/liderança em diferentes constelações na eleição seguinte. O critério de avaliação é a porcentagem de votos. A estratégia de avaliação é comparar o desempenho nas duas eleições. Qual é o ganho ou a perda média de votos, dada a opção dos partidos e lideranças por um dos cenários diferentes? Antes de analisar o desempenho no voto precisamos fazer duas pequenas adaptações. Primeiro excluímos o Cenário 4 da avaliação. Quando nenhum dos dois componentes se reapresenta na eleição subsequente, o desempenho eleitoral é zero. Por outro lado, os cenários 1b/c, com a reapresentação de partidos e lideranças em combinações diferentes da primeira eleição, se desdobram em duas avaliações. A primeira compara o resultado da primeira eleição com a recandidatura do partido, a segunda com a recandidatura da liderança. Mesmo que numericamente esse cenário seja minoritário, como vimos na análise da etapa anterior (representando apenas 1% dos casos), a comparação do desempenho eleitoral de partidos e lideranças que se enfrentam na eleição seguinte nos permite confrontar de forma mais clara o peso do partido e da liderança em eleições consecutivas.

Os resultados no Gráfico 5 mostram diferenças substantivas no desempenho de voto entre duas eleições, dependendo dos diferentes cenários. No cenário 1a, quando a mesma dupla se reapresenta, o desempenho aumenta aproximadamente 0,8 pontos percentuais (pp) em relação à votação na primeira eleição. Os cenários 1b/c, de reapresentação dividida, nos permitem a avaliação separada da influência dos dois componentes. Em primeiro lugar vale destacar que ambos os componentes perdem votos quando entram de forma dividida no próximo pleito. O partido é mais penalizado do que as lideranças. O partido que se reapresenta com outro candidato (Cenário 1b) perde 11 pp em relação ao desempenho na primeira eleição. Comparativamente, a liderança que se reapresenta com outro partido (Cenário 1c) perde 4,5 pp dos votos. Em comparação com a reapresentação unida, a disputa separada cobra um tributo grande junto ao eleitor. Nos casos em que apenas o partido disputa uma nova eleição, também há uma perda de 0,8 pp para a votação anterior. Quando apenas a liderança se reapresenta, há um ganho de 1,6 pp.

No conjunto esses resultados sugerem maior vínculo dos eleitores às lideranças em comparação com os partidos. Comparando o Cenário 1b com 1c, quando os dois componentes entram de forma dividida na próxima eleição, mas também na comparação do Cenário 2 com o Cenário 3, quando um dos dois componentes se reapresenta de forma unilateral, os eleitores mantem maior taxa de fidelidade com as lideranças do que com os partidos. Na dupla dividida a diferença é de 6,5 pp, na apresentação só do partido ou da liderança alcança 2,4 pp, sempre a favor da liderança.

Gráfico 5
Diferença de votação entre a primeira e a segunda eleição

Da mesma forma que analisamos os dados das candidaturas pela lente das eleições, tamanho dos municípios, regiões e capital político, cabe verificar se a reação do eleitorado às escolhas de partidos e lideranças varia em função desse contexto. Comparando a série de cinco eleições no tempo subsequentes observamos novamente variações em relação a todos os indicadores. Há movimentos de crescimento e de perda em relação ao desempenho de todos os cenários. A taxa de desempenho eleitoral da mesma dupla aumenta da primeira para a segunda eleições, para depois recuar novamente. Movimentos similares observamos em relação ao desempenho das outras categorias. A segunda observação se refere ao ranqueamento dos diferentes cenários pelo desempenho eleitoral. Por um lado, vale notar que não se trata de oscilações dos resultados entre os anos, mas de ondulações. Por outro lado, a ordem de desempenho se mantém, em todos os anos em comparação com universo total. Observamos o melhor desempenho comparativo para os candidatos que se reapresentam (Cenário 4), seguido pelas duplas iguais (Cenário 1a) e os partidos (Cenário 2). As duplas divididas têm o pior desempenho em todos os anos, ficando os candidatos (Cenário 1b) em penúltimo e os partidos (Cenário 1b) que enfrentam as suas antigas lideranças em último lugar.

Gráfico 6
Diferença de votação, no tempo

A avaliação dos municípios por tamanho mostra novamente variações interessantes. As candidaturas repetidas (Cenário 1a) tem desempenho comparativo melhor nos pequenos e nos grandes municípios. Em relação às candidaturas divididas, há uma tendencia similar de penalização maior dos partidos (Cenário 1b) nos municípios pequenos e grandes. Em relação às lideranças que disputam com os partidos da primeira eleição (Cenário 1c) há uma tendência diferente. Na medida em que o tamanho dos municípios aumenta, elas são penalizadas cada vez menos pelo eleitor quando entram de forma dividida na disputa seguinte. A diferença entre o desempenho de partidos e lideranças aumenta na medida que o tamanho dos municípios aumenta. Da mesma forma como na análise anterior, a divisão em subgrupos por tamanho de município não altera a ordem de desempenho eleitoral nos diferentes cenários.

Gráfico 7
Diferença de votação, por tamanho

A análise separada por região (Gráfico 8) traz os mesmos resultados constantes em relação à ordem de desempenho dos diferentes cenários. A comparação mais detalhada dos cenários revela uma taxa decrescente de desempenho das duplas estáveis, na medida em que passamos da região Sul para a região Norte. Por outro lado, a diferença mais acentuada entre partidos e lideranças em disputas divididas (cenário 1b/c) encontramos no Sul, enquanto a região Centro-Oeste desponta com as maiores diferenças entre partidos e lideranças em voo solo (cenários 2 e 3).

Finalmente, o Gráfico 9 que analisa o desempenho comparativo de candidaturas pela lente do capital político revela diferenças significativas entre cenários e deslocamentos na ordem do desempenho. Entre as candidaturas de baixo capital político, em média todos os cenários de reapresentação ganham em relação ao desempenho anterior. Também notamos que os partidos que se reapresentam de forma separada têm desempenho melhor que as lideranças que optam pelo mesmo caminho. Nas candidaturas de capital político intermediário e alto essa relação se inverte. Os partidos perdem mais que as lideranças quando comparamos os cenários 1b e 1c ou os cenários 2 e 3. A ordem relativa do desempenho comparativo é diferente nos três cenários. Nas candidaturas de baixo capital político a sequência é c2, c3, c1b, c1, c2. No capital político intermediário encontramos a sequência c3, c1a, c2, c1c, c1b e nas candidaturas dos eleitos na primeira eleição a sequência é c1, c3, c1c, c2 e c1b.

Gráfico 8
Diferença de votação, por região

Gráfico 9
Diferença de votação, por capital político

Discussão dos resultados

Analisamos os pleitos municipais para prefeito entre 2000 e 2020 com a finalidade de identificar empiricamente o papel das lideranças e dos partidos na estruturação das eleições locais. Reinterpretamos conceitualmente as categorias de personalismo e partidarismo como alocados em uma matriz bidimensional. Usamos como indicador de forte partidarização das disputas a decisão do partido de apresentar candidaturas para prefeito em duas eleições consecutivas. Partidos que reapresentam candidaturas consecutivas são considerados fortes, partidos que não lançam candidatos na próxima eleição são vistos como fracos. Da mesma forma, identificamos o papel das lideranças políticas nas disputas locais. Lideranças que disputam duas eleições consecutivas são vistas como fortes enquanto a desistência de disputar a próxima eleição é interpretada como indicador de uma liderança fraca.

Identificados os cenários diferentes (combinando partidos fortes e fracos com lideranças fortes e fracos), diagnosticamos que para toda base de dados analisando 70 mil candidaturas em duas eleições subsequentes, aproximadamente metade se enquadra na categoria de personalização e partidarização fraca (Cenário 4). Essa taxa aumenta para três quartos quando ficamos em candidaturas que alcançaram menos de um quinto dos votos válidos no primeiro pleito. Focando apenas nas candidaturas vitoriosas a taxa de abandono duplo cai para um terço das chapas eleitas.

A constelação oposta, de presença forte de partidos e lideranças, se desdobra em duas situações diferentes. Em primeiro lugar predominam os casos de candidaturas que se reapresentam na mesma constelação. Em 15% dos casos o partido disputa a próxima eleição com a mesma liderança encabeçando a chapa. Por outro lado, há outro subgrupo nesse cenário onde os dois componentes se apresentam em chapas separadas. Numericamente esses casos são marginais, cobrindo 1% das candidaturas. Mas para a avaliação do comportamento do eleitor esses casos serão importantes.

Os outros dois cenários (2 e 3) são formados pela presença de partidos fortes, em combinação com lideranças fracas (24%) e pela situação oposta de lideranças que disputam a próxima eleição, em combinação com a desistência dos partidos do primeiro pleito (8%). Como mencionado antes, a comparação desses dois dados deve levar em conta as diferenças nas oportunidades que se oferecem a estes dois atores.

Quando analisamos as eleições separadamente ou quando agrupamos os municípios por região ou tamanho encontramos algumas variações nessas proporções. O peso de cada cenário muda, mas a ordem das frequências relativas se mantém. Tanto no universo total dos casos analisados como também nos subgrupos, o maior grupo se encaixa na categoria 4 (de personalização e partidarização fraca), seguido pela categoria 3 (de partidarização), a categoria 1 (de fortes partidos e lideranças) e a categoria 2 (de personalização).

A segunda parte da avaliação se refere à reação do eleitorado às escolhas que partidos e lideranças fazem a respeito da decisão pela recandidatura. Aqui identificamos novamente um padrão claro. Uma vez que classificamos o partidarismo e personalismo fraco a partir da desistência de ambos os atores do segundo pleito, os eleitores não podem avaliar essa opção pelo voto. Para os outros três cenários os dados mostram que a apresentação das duplas na mesma combinação (Cenário 1a) e a reapresentação das lideranças apenas (Cenário 3), tem comparativamente o melhor desempenho eleitoral. Quando o partido disputa separadamente, sem a liderança (Cenário 2), o resultado é comparativamente pior. As perdas são somente superadas pelos casos nos quais partidos e lideranças fortes entram em conflito e disputam as próximas eleições separadamente (Cenário 1bc). Quando os partidos disputam contra as suas próprias lideranças na primeira eleição, as perdas das lideranças (Cenário 1c) são menores do que dos partidos (Cenário 1b). Em todas as situações analisadas separadamente (ano, região, tamanho, capital político) essas posições relativas de ganhos e perdas se mantêm.

Também jogamos luz sobre as duas situações nas quais o eleitorado é forçado a optar por um dos caminhos da personalização ou da partidarização. Na primeira situação, no caso da divisão entre partido e liderança (Cenário 1bc) constatamos que ambos perdem votos em relação ao primeiro pleito. Mas as perdas dos partidos são maiores que as perdas das lideranças. A segunda situação, onde podemos contrastar a lealdade dos eleitores com partidos ou com lideranças, é a comparação entre o cenário 2 (só partido) e 3 (só liderança). Novamente os eleitores são mais fiéis às lideranças que se reapresentam por outro partido em comparação com os partidos que disputam a próxima eleição com outra liderança.

Resumo e perspectivas

A questão da importância dos partidos políticos na estruturação do processo de representação, especialmente em contraste com a tese sobre o papel das lideranças individuais que seriam mais importantes nesse processo, permeia a ciência política. Especialmente nas novas democracias oriundas da terceira onda de redemocratização a ideia que a partidarização e a personalização da política são dois princípios conflitantes é forte.

Partindo da literatura sobre os partidos políticos e o seu relacionamento com lideranças individuais desenvolvemos uma proposta de conceituar personalismo e partidarismo em uma matriz bidimensional. Argumentamos que os dois princípios não necessariamente entram em conflito, mas podem se complementar ou dissociar. Argumentamos que esse modelo conceitual é mais adequado para captar a realidade do que os modelos anteriores, que enxergam personalismo e partidarismo como dois polos opostos e mutuamente excludentes. Consideramos essa a primeira contribuição do texto para a literatura.

A segunda contribuição consiste na proposta de operacionalização dos conceitos da personalização e partidarização a partir da decisão de partidos e lideranças optarem pela reapresentação das suas candidaturas em duas eleições subsequentes para o mesmo cargo. Analisamos os dados das eleições para prefeitura, comparando todos os cinco pares de eleições consecutivas no período entre 2000 e 2020. Em relação às mais de 70 mil candidaturas apresentadas durante esse período analisamos as duas etapas do processo eleitoral. A primeira etapa se refere à decisão de líderes e partidos que disputaram o mesmo cargo na eleição seguinte. Percebemos que na apresentação das candidaturas os partidos se impõem como ator com mais frequência. Mas cabe lembrar que a estrutura de oportunidade dos partidos e dos candidatos é diferente e as comparações confrontando partidos e lideranças devem ser lidas com reserva. A segunda etapa da avaliação foca na reação do eleitorado às escolhas de partidos e lideranças políticas. Usando como indicador de desempenho a diferença de votação entre o primeiro e o segundo pleito os resultados são igualmente uniformes. As duas situações nas o eleitorado manifesta o grau de vinculação com os partidos ou com lideranças mostram que para os eleitores a liderança gera mais fidelidade na votação do que o partido. Isso se aplica tanto à comparação da apresentação separada (comparando cenários 2 e 3) como também ao confronto direto entre os dois atores (Cenário 1a). Podemos concluir que a seleção das candidaturas é mais partidarizada enquanto a escolha do eleitor é mais fortemente influenciada pela lealdade com lideranças em detrimento das organizações partidárias.

Essa é uma contribuição inicial para avaliar a importância de partidos e lideranças nos processos de representação no Brasil. O tema permeia as entrelinhas da literatura especializada, mas raramente é traduzido em desenhos de pesquisa. Há alternativas à operacionalização dos conceitos da personalização e partidarização aqui proposta. Também existe espaço para avançar da pesquisa descritiva e explorar modelos causais. Os dados dessa análise descritiva desafiam algumas das explicações correntes. A concepção que o personalismo estaria mais presente em municípios pequenos aparentemente não se confirma nos dados. Futuras pesquisas deverão explorar essas e outras preconcepções a partir de dados empíricos. Ideias sobre o personalismo e partidarismo dos processos de representação política ocupam um lugar demasiadamente importante na ciência política para ser relegado a entrelinhas e evidencias anedóticas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Out 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2022

Histórico

  • Recebido
    24 Ago 2022
  • Aceito
    13 Set 2022
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