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A Promoção da Saúde na Atenção Básica: o papel do setor Saúde, a mudança comportamental e a abordagem individual

RESUMO

O campo da Promoção da Saúde vem sendo institucionalizado e fortalecido, e está presente no discurso governamental, o que mostra a contemporaneidade do tema. Contudo, há diferentes interpretações sobre ela, o que coloca a necessidade de aprofundar alguns temas, o que fazemos neste artigo em relação ao papel do setor Saúde; a mudança comportamental; e a abordagem individual, temas que geralmente recebem interpretações simplistas e, portanto, não poderiam ser classificados como Promoção da Saúde. O artigo apresenta outras formas de compreensão destes temas, por meio da contribuição de trabalhadores(as), gestores(as) da Atenção Básica e de especialistas no tema e com isso ampliar as possibilidades da prática da Promoção da Saúde na Atenção Básica.

PALAVRAS-CHAVE:
Atenção Primária à Saúde; Sistema Único de Saúde; Gestor de Saúde

ABSTRACT

The field of Health Promotion has been strengthened institutionalized and is present in the government discourse, which shows the contemporaneity of the theme. However, there are different interpretations about it, which raises the need to deepen some themes, which we do in this article regarding the role of the health sector; behavioral change; and the individual approach, themes that usually receive simplistic interpretations and therefore could not be classified as Health Promotion. The article intends to present other ways of understanding these themes, through the contribution of workers, managers of Primary Care and of specialists in the subject and thus expand the possibilities of the practice of Health Promotion in Primary Care.

KEYWORDS:
Primary Health Care; Unified Health System; Health Manager

Introdução

O campo da Promoção da Saúde (PS) está em processo de construção e ainda há um grande caminho a percorrer, mas já há passos efetivos para a sua institucionalização e fortalecimento (Malta et al., 2016MALTA, D. C. et al. Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS): capítulos de uma caminhada ainda em construção. Ciência & Saúde Coletiva, v.21, n.6, p.1683-94, 2016.) e a fala recente do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em janeiro de 2019, de que irá fortalecer e ampliar a Atenção Básica (AB) e as ações de PS e prevenção das doenças evidencia a contemporaneidade do tema (Conass, 2019).

Qual será a compreensão do atual ministro sobre elas? Para ele, na AB, “só” se faz PS e prevenção de doenças? Não é objetivo do texto avançar em busca de respostas, entretanto, tanto o ministro quanto o atual presidente da República,1 1 O texto foi escrito em 2019. enquanto deputados federais, votaram a favor da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, que estabeleceu teto para gastos públicos. Seria, para eles a PS e a prevenção de doenças a receita para a diminuição dos gastos no Sistema Único de Saúde (SUS)?

Tal teto de gastos diminuirá os recursos do SUS com forte impacto sobre as políticas públicas, como por exemplo, na política de PS (Malta et al., 2018MALTA, D. C. et al. O SUS e a Política Nacional de Promoção da Saúde: perspectiva resultados, avanços e desafios em tempos de crise. Ciênc. saúde coletiva, v.23, n.6, p.1799-1809. Jun 2018. ISSN 1413-8123.). Recentemente, em maio de 2019, o deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, defendeu a necessidade de revisão do teto de gastos. Segundo ele será necessário ampliar gasto no Brasil (Maia, 2019).

Merece destaque, ainda, que a nova estrutura regimental estabeleceu um Departamento de Promoção da Saúde no organograma do Ministério da Saúde (MS) (Brasil, 2019; Harzheim, 2019). Terá esse Departamento maiores possibilidades de ações de PS na AB que o lócus institucional anterior, na Secretaria de Vigilância em Saúde, no qual se localizava a gestão da política nacional de PS? A resposta a esta pergunta abre perspectivas para pesquisas futuras sobre a PS a partir da atuação do MS.

Assim, diferentes interpretações sobre a PS permeiam a compreensão sobre ela, chegam até mesmo a ser conflitantes. Isso coloca a necessidade de aprofundar alguns temas, para se cotejar as distintas compreensões em busca de torná-la factível na realidade dos serviços de saúde.

A partir daí vamos problematizar neste artigo o papel do setor saúde; a mudança comportamental; e a abordagem individual, temas que geralmente recebem interpretações simplistas, ou seja, segundo interpretações da vertente crítica da PS, elas chegam até mesmo a descaracterizar a PS. O artigo pretende apresentar outras formas de compreensão destes temas, por meio da contribuição de trabalhadores(as), gestores(as) da AB e de especialistas no tema e com isso ampliar as possibilidades da prática da PS na AB.

Metodologia e processo analítico

Foi realizada entrevista semiestruturada com especialistas e consulta a gestores(as) e trabalhadores(as) municipais da AB utilizando o formulário eletrônico FormSUS. Foram entrevistados(as) 13 especialistas, entre novembro de 2017 e fevereiro de 2018, do Grupo de Trabalho em Promoção da Saúde e Desenvolvimento Sustentável da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (GTPSDS/Abrasco), grupo que defende a atuação na determinação social e não se restringe aos fatores de risco e proteção das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) (Abrasco, 2018).

Desde o período inicial de institucionalização da PS, que ocorreu no Brasil no início dos anos 2000, houve uma articulação e ampliação do debate importante, dentre outros, com gestores municipais (Malta et al., 2016MALTA, D. C. et al. Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS): capítulos de uma caminhada ainda em construção. Ciência & Saúde Coletiva, v.21, n.6, p.1683-94, 2016.). Assim, em complemento, gestores(as) e trabalhadores(as) municipais da AB contribuíram por meio do FormSUS, entre agosto de 2017 e junho de 2018, cujo itens foram baseados em nove experiências municipais (ExpMun), relacionadas à PS, do Catálogo de Experiências da Mostra Brasil de 2015 (Conasems, 2016). Nesse formulário, a instrução era para ser feita a classificação das ExpMun como ações de PS ou não, indicando elementos que levaram a isso.

Todos(as) os(as) sujeitos de pesquisa consentiram sua participação a partir da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ou ao assinalar item correspondente do FormSUS. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Ensp/Fiocruz sob protocolo n.2.182.130.

Foi realizada a análise categorial-temática, a mais apropriada para as investigações qualitativas em saúde, que consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem a comunicação, cuja presença tem significado para o objeto em análise (Minayo, 2008MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 11.ed. São Paulo: Hucitec, 2008. 407p.; Bardin, 2011BARDIN, L. Análise de conteúdo. Trad. Luís Antero Reto, Augusto Pinheiro. São Paulo: Edições 70, 2011.). Os temas fundantes das hipóteses iniciais que se desejava problematizar e discutir foram naturalmente incluídos nas questões disparadoras da entrevista e na instrução de preenchimento do formulário, o que induziu, de alguma forma, as categorias, que foram confirmadas e ampliadas a partir da fase da pré-exploração do material, podendo ser compreendidos como temas previstos (Oliveira; Jaime, 2016OLIVEIRA, R. F. O.; JAIME, P. C. O encontro entre o desenvolvimento rural sustentável e a promoção da saúde no Guia Alimentar para a População Brasileira. Saude soc., São Paulo, v.25, n.4, Oct./Dec. 2016. http://dx.doi.org/10.1590/s0104-12902016158424
http://dx.doi.org/10.1590/s0104-12902016...
).

A classificação em si da ação como de PS, no FormSUS, não foi o mais relevante, houve especial interesse nas argumentações, justificativas, afirmativas e negativas sobre o porquê dessa opção, pois nelas é que havia elementos que permitiam a análise e enriqueciam as possibilidades interpretativas sobre a PS.

Desse processo culminaram as seguintes categorias que serão discutidas: Papel do Setor Saúde na PS; Mudança comportamental; Abordagem individual. Ressalta-se que, ainda que as formas de coletar dados tenham sido distintas, com sujeitos distintos, a PS e temas correlatos foram “fios condutores” que permitiram a categorização.

O papel do setor Saúde

Houve amplo reconhecimento do protagonismo e liderança do setor Saúde na PS, com 11 especialistas abordando a questão. Houve enfoque na importância e necessidade de articulação com outros setores, mas também para dentro da Saúde, agregando as chamadas “caixinhas”, que podem limitar uma perspectiva ampliada da saúde. Assim, há quase um consenso sobre a centralidade do papel do setor Saúde na PS a partir da sua capacidade indutora de levar questões da Saúde para outros setores e esferas.

Dentro da Saúde, tal pensamento, por “caixinhas”, significaria não questionar o cotidiano dos serviços e equipes de saúde no seu fazer. Silva e Tavares (2016SILVA, D. A. J.; TAVARES, M. F. L. Ação intersetorial: potencialidades e dificuldades do trabalho em equipes da Estratégia Saúde da Família na cidade do Rio de Janeiro. Saúde debate, Rio de Janeiro, v.40, n.111, out./dez. 2016.) afirmam que as equipes de saúde realizam ações sem o devido planejamento e avaliação e defendem que as ações de PS terão maior expressão quando houver retroalimentação entre esses dois processos, contribuindo para a tomada de decisão, privilegiando as necessidades de saúde da população.

O desenvolvimento do planejamento é essencial para o estabelecimento de vínculo com a comunidade e para, assim, compreender melhor os riscos para o surgimento de doenças, podendo criar estratégias mais eficazes para combater os principais agravos (Nunes Filho et al., 2017). Não só riscos para doenças, mas também formas de atuar a partir das condições de vida dos usuários.

Rocha e Padilha (2016ROCHA, R. M.; PADILHA, M. A. Um debate possível: o saber fazer da promoção da saúde. Editorial. Rev. Bras. Pesq. Saúde, Vitória, v.18, n.4, p.4-6, out.-dez. 2016.) defendem serem necessárias mudanças no saber fazer dos trabalhadores da saúde no tocante à capacidade para resolver as demandas que chegam, as quais se explicitam na especificidade do campo de conhecimento profissional que são voltadas para as enfermidades, mas não às necessidades individuais e sociais da população.

Outro ponto amplamente discutido - por 10 especialistas e em 1 ExpMun - relaciona-se ao papel do setor Saúde na mudança da forma de ofertar o cuidado na Atenção à Saúde a partir da reorientação dos serviços de saúde. Superar um olhar restrito ao adoecimento é fortemente defendido, o que possivelmente cursaria com a inversão do modelo com especial atenção aos determinantes e condicionantes da saúde, sem deixar de dar a devida importância ao biológico na doença. Não se defende sair de um extremo, no qual estes são privilegiados e até mesmo recebem todo o enfoque, para outro no qual não seriam abordados. É necessário que as necessidades de saúde sejam abordadas em uma perspectiva mais ampliada.

Dessa forma, a hipótese de que a PS pensa muito “para fora” do setor Saúde, por colocar a intersetorialidade como uma condição quase sine qua non, é relativizada, já que há o reconhecimento de que a Saúde tem o papel não só de articular e levar questões da Saúde para outros setores, mas também de olhar para dentro, fazer sua parte, inclusive no cuidado. É essencial afirmar que há o reconhecimento da importância da intersetorialidade, não objetivando diminuí-la, mas buscando-se dar destaque para os avanços necessários na intrassetorialidade.

Norman e Tesser (2015NORMAN, A. H.; TESSER, C. D. Acesso ao cuidado na Estratégia Saúde da Família: equilíbrio entre demanda espontânea e prevenção/promoção da saúde. Saúde Soc., São Paulo, v.24, n.1, p.165-79, 2015.) retratam uma compreensão que expropria a importância e responsabilidade da Saúde da PS, em especial por separá-la da prevenção e do cuidado. Para eles, os sistemas de saúde têm um campo específico, mas limitado na produção de saúde, já que defendem que se produz saúde em sua maior parte a partir de outros setores da sociedade relacionados a condições gerais de vida: educação formal, emprego e renda, moradia adequada, redistribuição de riquezas, implantação efetiva da democracia, entre outros.

Ou ainda, que a PS, em suas macroações, e a abordagem preventiva populacional dependem principalmente de medidas que estão além da esfera dos serviços de saúde da AB e da ESF, embora possa envolvê-las. Assim, segundo estes autores, a prevenção de doenças e o cuidado são mais diretamente dependentes do sistema de saúde, enquanto as demais responsabilidades pertencem principalmente a outros setores (Norman; Tesser, 2015NORMAN, A. H.; TESSER, C. D. Acesso ao cuidado na Estratégia Saúde da Família: equilíbrio entre demanda espontânea e prevenção/promoção da saúde. Saúde Soc., São Paulo, v.24, n.1, p.165-79, 2015.).

Há concordância com a importância de outros setores na produção de saúde, assim como da especificidade da Saúde no cuidado, na prevenção de doenças e, ainda, na PS. Porém, não há como afirmar que um ou outro setor ou ação é mais importante que a outra, uma espécie de hierarquia, essa ideia é um exemplo da cristalização que ocorre na vertente crítica da PS.

Exemplificando, de forma simplista, mas que permite ilustrar a problematização, é como se um sujeito doente com um quadro agudo ou crônico, ao receber uma promoção no trabalho e aumentar sua renda pudesse ser considerado possuir “mais” saúde do que outro que está saudável, sem nenhum quadro patológico, sinal ou sintoma de doença, se sentindo bem, mas que não mudou sua renda ou escolaridade ou local de moradia.

Para a compreensão da PS e do papel do setor Saúde defendida aqui, nem um, nem outro caso exemplificado permitiria tal classificação. Logo, a Saúde tem seu papel tanto na PS quanto no cuidado e prevenção de doenças, não há como separá-los.

Em 1 ExpMun e 4 especialistas abordaram a necessidade de a organização dos serviços de saúde contemplarem as especificidades do território e da população atendida, em uma estratificação de risco que, ao considerá-la, se tornará mais efetiva em proteger e promover a saúde por considerar critérios de diferentes naturezas: clínicos, sociais, econômicos, familiares e outros. A estratificação de risco contribui para a tomada da decisão terapêutica (Colombo et al., 2010COLOMBO, F. C. et al. VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão: Avaliação clínica e laboratorial e estratificação de risco. J. Bras. Nefrol., São Paulo, v.32, supl.1, sept. 2010.) a partir da definição de estratégias de intervenção em autocuidado e em cuidado profissional (OPAS, 2013).

Esse é um aspecto que colabora para que os serviços e equipes de saúde participem ativamente das soluções dos problemas de saúde ao objetivar empoderar as pessoas para que possam atuar em prol da saúde individual e coletiva a partir do que essas pessoas consideram prioridade e não só de prescrições técnico-profissionais. Isso permitirá a conjunção entre a vida real e concreta das pessoas, suas possibilidades, interesses, crenças etc., e o trabalho dos profissionais de saúde, baseado em premissas científicas.

Assim a autonomia e equidade, princípios caros à PS, poderão ser efetivados e, mesmo que os profissionais não conheçam ou não acreditem na PS enquanto conceito estruturado e práticas, o cuidado que eles ofertam poderá ser uma forma de promover saúde.

Destaca-se que 9 especialistas chamaram atenção para o fato de também ser papel do setor Saúde na PS estar aberto a parcerias e alianças lideradas por outros setores, de ofertar apoio, não sendo protagonista. Ou seja, há consistente reconhecimento do protagonismo da Saúde na PS, mas com clareza de que ela tem que estar disponível para iniciativas e ações nas quais será mais um a participar ou até mesmo quando não participar. Compreende-se que isso ainda precisa ser conquistado, que atualmente não é uma realidade.

O papel do setor Saúde na PS gira tanto em torno tanto do seu protagonismo e liderança, com destaque para a articulação intrassetorial, ou seja, “olhar para dentro” e reorientar serviços, políticas e ações de saúde, como da importância de articulação com outros setores, estando aberto a ser partícipe e não necessariamente o protagonista. Sobre esse último aspecto, deve-se explorar a capacidade indutora para evidenciar que políticas e ações de outros setores influenciam diretamente nas condições de saúde individuais e coletivas.

É necessário considerar que a PS inclui estratégias e abordagens amplas e diversas, e ainda ações coordenadas e integradas nas quais são necessárias mudanças na legislação, medidas fiscais, taxações e mudanças organizacionais (Souza; Loch, 2017SOUZA, R. K. T.; LOCH, M. R. Promoção da Saúde. In: ANDRADE, S. M. et al. (Org.) Bases da Saúde Coletiva. Livro Eletrônico. 2.ed. rev. ampl. - Londrina: EdUEL, 2017.). Desse modo, também é papel do setor Saúde, “olhando para dentro e para fora”, buscar mudar o “senso comum”, ou seja, o pensamento societal, para que seja facilitada a opção por modos de vida mais saudáveis.

Mudança comportamental

Verificou-se a concordância sobre a necessidade e a importância da mudança de comportamento. Mudar hábitos e estilo de vida para prevenir doenças foi defendido em 8 experiências municipais e por 2 especialistas.

O acesso a hábitos de vida mais saudáveis, na perspectiva de facilitar a adoção e incorporação ao cotidiano, é uma questão essencial ao se pensar e debater a mudança de comportamento, já que uma das principais críticas na PS se refere às recomendações feitas não serem factíveis. Para Penido e Romagnoli (2018PENIDO, C. M. F.; ROMAGNOLI, R. C. Apontamentos sobre a clínica da autonomia na promoção da saúde. Psicologia & Sociedade, v.30, e173615, 2018.), a conscientização é importante para aumentar os graus de autonomia, mas não é suficiente. Assim, o acesso é condição para a construção e pactuação de tais mudanças, refletindo uma visão mais ampliada, que considera aspectos estruturais e rechaça a responsabilização individual exclusiva ou culpabilização das pessoas pelos comportamentos.

Foi amplamente debatida em 7 ExpMun e 11 especialistas a forma como será construída e efetivada a mudança de comportamento, desde a participação de equipe multidisciplinar e multiprofissional, o que mostra a integração de vários serviços e equipes da AB; levar em consideração os saberes das pessoas a partir das formas e contextos nos quais as pessoas vivem, sem imposições e prescrições descontextualizadas; até a clareza de que o comportamento é decorrente de muitas outras coisas, e não apenas da informação que possa ser passada pelos profissionais de saúde.

A promoção de comportamentos saudáveis tem sido apontada como importante desafio para as políticas públicas. Tais comportamentos são influenciados por aspectos econômicos, sociais e psicológicos, entre outros (Loch et al., 2019LOCH, M. R. et al. Controle remoto ou remoto controle? A economia comportamental e a promoção de comportamentos saudáveis. Rev Panam Salud Publica, v.43:e18, 2019.), aparentemente afastando a vertente conservadora da PS. É fundamental que os profissionais envolvidos com essa temática, que por natureza é intersetorial, se apropriem de elementos que possam ajudá-los a desenvolver ações mais efetivas (Loch et al., 2019). Do mesmo modo, Madeira et al. (2018MADEIRA, F. B. et al. Estilos de vida, habitus e promoção da saúde: algumas aproximações. Saúde Soc. São Paulo, v.27, n.1, p.106-15, 2018.) afirmam que as pessoas têm capacidade de escolher seus estilos de vida, mas essas escolhas são limitadas por suas condições de vida.

Bagrichevsky, Estevão e Vasconcellos-Silva (2015BAGRICHEVSKY, M.; ESTEVÃO, A.; VASCONCELLOS-SILVA, P. R. Desigualdades sociais, promoção da saúde e práticas corporais: por uma ressignificação contextualizada. In: BAGRICHEVSKY, M.; ESTEVÃO, A. Saúde coletiva: dialogando sobre interfaces temáticas. Ilhéus, BA: editus, 2015. 542p.) criticam propostas que objetivam mudanças de comportamentos como eixo central da PS. Em 7 ExpMun defende-se que as mudanças comportamentais são consequência e assim não devem ser a centralidade dos objetivos das ações de PS. O empoderamento e a autonomia dos sujeitos são questões-chave dessa construção e pactuação, pois aumentarão a possibilidade de fazer escolhas sem faltar clareza de que o contexto e o ambiente interferem nelas e que os serviços e trabalhadores da saúde são facilitadores do processo de mudança de comportamento, mas a decisão é do indivíduo.

As escolhas humanas não são resultado de uma cuidadosa ponderação de custos e benefícios, alguns aspectos como fatores psicológicos, cognitivos, emocionais, sociais, entre outros, podem influenciar a tomada de decisão por parte das pessoas (Loch; Guerra, 2017LOCH, M. R.; GUERRA, P. H. Bikes vs Car: análise crítica do documentário de Fredrik Gertten. Resenhas. Interface, Botucatu, v.21. n.62, jul./set. 2017.; Loch et al., 2019). As pessoas, em sua maioria, não têm dúvida em relação aos seus objetivos mais ou menos universais como manter a saúde, mas existem vieses que são especialmente eficazes em solapar as estratégias para chegar a esses fins. Em especial aqueles relacionados à racionalidade, ou falta dela, na realização de escolhas que mais as beneficiariam e, assim, as campanhas educativas parecem ter um impacto limitado na “correção” desses vieses (Loch et al., 2019).

Destaca-se ainda a necessária consideração de que a efetividade de orientações individuais e comunitárias se torna restrita em condições sociais, culturais e existenciais adversas ou impeditivas, situações muito comuns no Brasil (Norman; Tesser, 2015NORMAN, A. H.; TESSER, C. D. Acesso ao cuidado na Estratégia Saúde da Família: equilíbrio entre demanda espontânea e prevenção/promoção da saúde. Saúde Soc., São Paulo, v.24, n.1, p.165-79, 2015.), o que também é verdadeiro ao pensar as mudanças de comportamento. Logo, tais mudanças se darão por meio do empoderamento e do aumento da autonomia, assim buscar-se-á alcançar maior participação e envolvimento de sujeitos e coletivos com as decisões relacionadas à saúde, entre outras.

Penido e Romagnoli (2018PENIDO, C. M. F.; ROMAGNOLI, R. C. Apontamentos sobre a clínica da autonomia na promoção da saúde. Psicologia & Sociedade, v.30, e173615, 2018.) concluem que não é simples sustentar ações de PS que visam a ampliar a autonomia dos usuários no autocuidado. Para elas, não há fórmulas a seguir, em especial em contextos vulneráveis e precarizados, mas sim rotas singulares e complexas a serem traçadas.

Para Machado, Vieira e Silva (2010MACHADO, M. F. A. S.; VIEIRA, N. F. C.; SILVA, R. M. Compreensão das mudanças comportamentais do usuário no Programa Saúde da Família por meio da participação habilitadora. Ciência & Saúde Coletiva, v.15, n.4, p.2133-43, 2010.), a mudança é necessária a partir do que as autoras denominaram de participação habilitadora, a qual consiste em mudança consciente tanto pela participação efetiva do usuário/família nos meios de produção de conhecimentos e de habilidades para a PS, quanto pela mudança de atitude e valores dos trabalhadores da AB, ao estimular o usuário a conhecer efetivamente o contexto da saúde, relacionando-o aos seus direitos, a partir de sua experiência vivenciada.

Esse tipo de participação, segundo Machado, Vieira e Silva (2010MACHADO, M. F. A. S.; VIEIRA, N. F. C.; SILVA, R. M. Compreensão das mudanças comportamentais do usuário no Programa Saúde da Família por meio da participação habilitadora. Ciência & Saúde Coletiva, v.15, n.4, p.2133-43, 2010.), é um processo consciente e crítico que leva à autonomia e emancipação do usuário no qual a mudança de comportamento para cuidar da saúde se dará pela aprendizagem sobre saúde, pelas habilidades aprendidas, pelo entendimento das condições de saúde articuladas ao estilo de vida e como os serviços de saúde operam. As autoras relataram um caso de sua pesquisa no qual houve maior participação de usuários que conseguiram um profissional de saúde para a unidade do território, identificando tal ação como mudança de comportamento.

Madeira et al. (2018MADEIRA, F. B. et al. Estilos de vida, habitus e promoção da saúde: algumas aproximações. Saúde Soc. São Paulo, v.27, n.1, p.106-15, 2018.) afirmam que estilos de vida saudável são hegemonicamente interpretados como um conjunto de comportamentos individuais capazes de favorecer a saúde, a partir da sua compreensão como fenômeno eminentemente biológico. Os autores registram que a PS acrescenta o conceito da determinação social às discussões acerca das relações entre estilos de vida e saúde com o objetivo de favorecer a superação do modelo de culpabilidade individual centrada na abordagem de risco epidemiológico nas discussões sobre estilo de vida.

Tal superação, que fortalece a forma de construção da mudança de comportamento, se dará, segundo Madeira et al. (2018MADEIRA, F. B. et al. Estilos de vida, habitus e promoção da saúde: algumas aproximações. Saúde Soc. São Paulo, v.27, n.1, p.106-15, 2018.), com o fortalecimento conceitual do ideário da PS no favorecimento de ações integrais, inclusivas, participativas e de empoderamento individual e coletivo, em contraponto a ações prescritivas focadas na prevenção ou controle de doenças, ainda marcantes nas práxis em saúde.

O desenvolvimento de ações educativas foi abordado em 4 ExpMun e por 1 especialista, e a troca de saberes e conhecimentos, com a consequente melhoria da qualidade de vida e promoção do bem-estar, foi citada em 5 ExpMun. Esses registros fortalecem a perspectiva de como a mudança de comportamento é planejada e operacionalizada ser essencial e demonstram que condenar, a priori, essa possibilidade pode ser um equívoco na busca por melhores condições de saúde individuais e coletivas.

Assim, as mudanças comportamentais podem ser necessárias, porém, a questão é a forma como elas serão construídas na relação entre os sujeitos, trabalhadores e serviços de saúde. É desejável manter a possibilidade de escolha das pessoas, mas também é desejável o incentivo às escolhas consideradas saudáveis e sustentáveis. Em outras palavras, afirma-se que o Estado pode e deve induzir o cidadão, por exemplo, a optar pelo que se afigura como a melhor decisão, sem, todavia, obrigá-lo a isso (Loch et al., 2019LOCH, M. R. et al. Controle remoto ou remoto controle? A economia comportamental e a promoção de comportamentos saudáveis. Rev Panam Salud Publica, v.43:e18, 2019.), buscando aliar autonomia e empoderamento.

Defende-se a compreensão de que as mudanças de comportamentos são complexas e processuais e não estão apenas na esfera individual, única e simplesmente da vontade. Logo, ainda que possa existir alguma possibilidade em eventos e ações pontuais, elas são reduzidas. Portanto, para construir mudanças de comportamento ações pontuais não devem ser o maior investimento ou objetivo, elas até podem servir para sensibilizar, mas não se permite crer que são suficientes.

Loch e Guerra (2017LOCH, M. R.; GUERRA, P. H. Bikes vs Car: análise crítica do documentário de Fredrik Gertten. Resenhas. Interface, Botucatu, v.21. n.62, jul./set. 2017.) fizeram uma reflexão sobre a velocidade com que algumas ações demoram para ter impacto já que mudanças de comportamentos e até mesmo de valores podem demorar. Assim, a criação de novas formas ou ofertas de ações de PS pode não fazer automaticamente com que grandes contingentes passem a usufrui-las.

Em 2 ExpMun e na fala de 3 especialistas critica-se a abordagem comportamental por se aproximar do conceito de estilo de vida em um formato mais tradicional, predominante e hegemônico, mais próximo dos referenciais da prevenção de doenças. Outra crítica é ter o objetivo de modificação de fatores de risco a partir de hábitos de vidas individuais, uma vez que há pouca construção de condições melhores, mesmo do ponto de vista dos comportamentos individuais, remetendo à discussão do acesso já realizada.

Knuth, Silva e Mielke (2018KNUTH, A, G.; SILVA, I. C. M.; MIELKE, G. I. Promoção da Saúde: um convite à releitura de imprecisões teóricas na área de Atividade Física e Saúde. Rev Bras Ativ Fís Saude, v.23:e0032, 2018. DOI: 10.12820/rbafs.23e0032.
https://doi.org/10.12820/rbafs.23e0032....
) criticam a ideia de “tudo” nos indivíduos e nada, ou quase nada, no contexto, defendendo ser necessário reconhecer que modificar um comportamento, em âmbito populacional, é papel não só da Saúde. Souza e Loch (2017SOUZA, R. K. T.; LOCH, M. R. Promoção da Saúde. In: ANDRADE, S. M. et al. (Org.) Bases da Saúde Coletiva. Livro Eletrônico. 2.ed. rev. ampl. - Londrina: EdUEL, 2017.) acreditam que não é papel do profissional de saúde fazer julgamentos morais e prescrever comportamentos, mas sim ter sua atuação como facilitador, fornecendo informações e construindo conjuntamente com o sujeito formas mais saudáveis de viver, a partir do fortalecimento individual e coletivo da autonomia.

Compartilha-se uma reflexão: ora, o que, de fato, está sendo denominado como mudança de comportamento? É comum pensá-la, por exemplo, em parar de fumar, fazer atividade física, ter uma alimentação saudável, entre muitos outros exemplos possíveis. Mas como vimos anteriormente, foi denominada como mudança de comportamento a participação para ampliação de acesso em uma unidade de saúde, ou seja, denominou-se como mudança de comportamento o empoderamento e a maior participação social para conquistar um direito.

É necessário desconstruir a conotação negativa apriorística da mudança de comportamento, a partir da defesa desta absolutamente pactuada com os sujeitos e associada à busca de mudanças no contexto no qual os sujeitos e coletividades estão inseridos.

Abordagem individual

A abordagem individual na PS é um tema ainda pouco explorado, uma vez que há a ideia de que, para caracterizá-la, as ações têm que necessariamente ser coletivas ou envolver grupos. Dos especialistas entrevistados nesta pesquisa, 10 consideraram que a abordagem individual é um dos componentes da PS, ou seja, não se esgota nela, sendo necessário considerar seus princípios e diretrizes, pois, dessa forma, o contato individual é considerado um momento importante para a construção de confiança e vínculo, e a relação entre o sujeito e o profissional, contribuirá para a PS a partir do empoderamento de ambos.

De forma oposta, 2 ExpMun e 1 especialista, ao tratarem da abordagem individual, não consideraram a ação de saúde como PS, uma vez que seria atendimento individualizado ou ainda que, por ser feita isoladamente, necessariamente não consideraria outros elementos além daqueles que dizem respeito somente ao sujeito. Em outras três situações em que apareceram a questão: em 1 ExpMun afirmou-se que a abordagem individual não é PS por conter ações de prevenção e cuidado individuais, em outra ExpMun, por não abranger todos os envolvidos na ação de saúde, e para 1especialista conceitualmente a abordagem individual não é PS.

Norman e Tesser (2015NORMAN, A. H.; TESSER, C. D. Acesso ao cuidado na Estratégia Saúde da Família: equilíbrio entre demanda espontânea e prevenção/promoção da saúde. Saúde Soc., São Paulo, v.24, n.1, p.165-79, 2015.) afirmam que a PS em sua dimensão micro e a assistência à saúde do indivíduo podem ser sinérgicas, já que todos os aspectos da pessoa, vida passada e familiar, cultura e sociedade, papéis, associações e relacionamentos, entre outros, podem ser abordados naquele momento. Ressalta-se, portanto, o caráter indissociável da PS e do cuidado, que convergem numa clínica centrada na pessoa, na família e na comunidade.

Foi apontada, por 8 especialistas entrevistados, a forma que a abordagem individual deve ser desenvolvida para caracterizar a PS, desde a participação dos sujeitos no processo terapêutico até o conhecimento e consideração, pelos profissionais, das condições gerais de vida dos sujeitos, nos contextos nos quais vivem, com clareza de que haverá questões que fogem à governabilidade de ambos, mas que ainda assim podem ser acolhidos e debatidos.

Também trouxeram a construção de práticas dialógicas e libertadoras, nas quais há respeito e estímulo a saberes diversos - técnicos, científicos, do cotidiano de vida das pessoas etc. - para oportunizar nesses encontros a criação e fortalecimento de vínculo, confiança, autonomia e apoio mútuo. É destacado por 1 especialista que essa forma de desenvolver a abordagem individual, em geral, ainda não ocorre, mas ela é possível e necessária.

A partir do modelo de determinantes sociais da saúde de Dahlgren e Whitehead (Brasil, 2013), afirma-se que os fatores determinantes e condicionantes da saúde estão dispostos no âmbito pessoal, além do comunitário e estrutural. Os comportamentos, modos de vida ou fatores de risco individuais precisam ser problematizados.

É importante destacar que há o afastamento da perspectiva defendida neste manuscrito sobre a abordagem individual na PS quando ocorre a responsabilização exclusiva dos sujeitos sobre seu comportamento individual, desconsiderando os fatores sociais, econômicos, culturais, entre outros, a partir da crença de que mudanças são de plena governabilidade dos sujeitos e coletividades, conforme já exposto.

Pettres e Da Ros (2018PETTRES, A. A.; DA ROS, M. A. Determinação social da saúde e a promoção da saúde. Arq. Catarin Med., v.47, n.3, p.183-96, jul./set. 2018.) consideram que as formas de viver verificam-se em nível individual, ao qual se tem algum arbítrio, autonomia relativa. Dessa forma, a situação individual de saúde também estaria relacionada com o jeito de vida, singular, e com os processos que os reproduzem e transformam expressos por meio da jornada de trabalho, padrão familiar e pessoal de consumo (alimentação, descanso) e valores pessoais.

Norman e Tesser (2015NORMAN, A. H.; TESSER, C. D. Acesso ao cuidado na Estratégia Saúde da Família: equilíbrio entre demanda espontânea e prevenção/promoção da saúde. Saúde Soc., São Paulo, v.24, n.1, p.165-79, 2015.) defendem que é atividade de PS possível e desejável o atendimento individual ou por meio de microações coletivas, mas destacam ser necessário existir o compromisso em responder ao sofrimento dos indivíduos. Esses autores afirmam ainda que a atuação local sobre determinantes coletivos e sociais deve ser almejada, sem que prejudique o cuidado longitudinal das pessoas, especificidade da Saúde.

Desse modo, há uma determinada forma de a abordagem individual se aproximar da PS. A relação profissional de saúde e paciente, ou sujeito-sujeito, não pode ser desenvolvida sem interação, negociação e pactuação, apenas com prescrições de determinadas terapêuticas. Deve-se, sim, basear em escuta qualificada do contexto de vida desse sujeito, para a partir daí ver as possibilidades terapêuticas, inclusive ver a factibilidade, porque ainda que, cientifica, clínica e epidemiologicamente, haja a “melhor” terapêutica, a mais eficaz, isso pode não dialogar com a realidade daquele sujeito e será necessário fazer adaptações, sob o risco de se tornar basicamente uma prescrição totalmente descontextualizada e até não factível de ser realizada.

Pressupostos, princípios, diretrizes e estratégias da PS destacadas como necessárias para a abordagem individual foram autonomia, participação, empoderamento, intersubjetividade e “capacidade da presença” nos encontros, não só física, que levará a práticas mais libertadoras, emancipatórias e que fortalecerão a corresponsabilização na relação entre sujeitos, profissionais e usuários no processo saúde-doença-cuidado. A tríade Formação, Educação Permanente e Educação em Saúde também foi lembrada como importante para o alcance desta abordagem individual como PS.

Assim, a abordagem individual defendida aqui considera que questões estruturais e contextuais condicionam, em maior ou menor grau, a forma como os sujeitos se relacionam com a saúde, a partir daí as informações e recomendações são ressignificadas a partir da interação com os sujeitos, seus saberes, crenças, valores e desejos.

Considerações finais

Foram apresentadas algumas interpretações críticas da PS por meio da contribuição de trabalhadores(as) e gestores(as) da AB e de especialistas no tema. Há, ainda, uma “aura” extremamente discursiva sobre a PS, o que não dialoga com a realidade dos serviços de saúde do SUS.

Amplamente utilizada nas publicações científicas, a PS como expressão, conceito, ideários e ideias, Promoção de / à Saúde, ainda permite, ou mesmo exige, que se questione o que ela é e quais são seus limites, para assim, avançar na sua compreensão e, especialmente, na sua operacionalização, em especial na AB. São múltiplas as possibilidades de compreensão, o que gera até mesmo contradições, tendo sido comum a expressão “promoção e prevenção da saúde”, o que a rigor significaria prevenir a saúde, ou seja, evitar que se tenha saúde.

Tal multiplicidade referida remete-se às formas diversas de interpretações e sentidos sobre a PS, já que ela é utilizada como um “salvo-conduto”, ou seja, uma forma de incluir um tema, qualquer tema, dentro de uma esfera qualitativamente positiva na saúde, uma salvaguarda. Há uma disputa de sentidos e ao buscar desvelá-la, pretendeu-se contribuir para que seja possível efetivar a PS no cotidiano dos serviços e equipes de saúde, especialmente da AB.

Na PS, há o desafio da Saúde equilibrar o olhar “para dentro e para fora”. A intersetorialidade é estruturante, mas não pode impedir que a Saúde faça uma parte que também é sua por meio da Atenção à Saúde, do cuidado. Ou seja, o setor Saúde tem o papel não “só” de articular e levar questões para outros setores. Pensar a PS dentro da Saúde remete a não naturalizar a relação entre elas, desconfiar se são intrínsecos, pois, a PS passa pelas indefinições corriqueiras a partir dessa crença. É tudo e é nada.

Defende-se também a mudança de comportamento como uma importante possibilidade de efetivação da PS, destacando a questão da governabilidade dos sujeitos para isso, já que existe todo um contexto social, cultural e econômico, entre outros, que tornará factível e facilita, ou não, a adoção de determinado comportamento. A forma como as ações são construídas é uma questão-chave. Além disso, é essencial reconhecer que mudanças de comportamentos são complexas e processuais, e que há uma temporalidade necessária para que ações individuais e coletivas cursem com tais mudanças.

A abordagem individual defendida como PS é aquela baseada em interação, negociação e pactuação, buscando-se evitar uma relação sujeito-sujeito entre profissionais de saúde e as pessoas, que culminem em prescrições descontextualizadas de determinadas terapêuticas. A partir da escuta qualificada e do conhecimento e consideração do contexto de vida desse sujeito é construído um projeto terapêutico mais factível de ser realizado. Na abordagem individual defendida não há dúvidas de que questões estruturais e contextuais condicionam, em maior ou menor grau, a forma como as pessoas se relacionam com a saúde. Mesmo que concordem e desejem realizar as condutas sugeridas e prescritas, podem não conseguir efetivá-las.

A vida tem ganhado, na sociedade moderna, cada vez mais complexidade e não deve ser objetivo da PS um preventivismo exacerbado, só “trabalhando” com o que for indubitavelmente saudável - se é que algo assim existe -, mas de contribuir para vidas com mais qualidade e mais saúde. Deve-se considerar inclusive o que as pessoas acreditam sobre isso, em um diálogo sem hierarquizações com a ciência, as evidências e a tradução realizada por serviços e profissionais de saúde.

Diferentes concepções de PS resistem e coexistem, favorecendo uma multiplicidade de interpretações, que é constituinte do campo da PS. Não foi objetivo deste artigo uniformizar ou unificar a PS em um conceito ou interpretação, já que tal multiplicidade de interpretações é uma marca importante da construção do campo da PS. Buscou-se elementos para avançar no debate e defender algumas perspectivas sobre a PS, notadamente em sua vertente crítica.

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Nota

  • 1
    O texto foi escrito em 2019.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    28 Nov 2019
  • Aceito
    03 Jan 2020
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