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Globalização e trabalho: perspectiva comparativa entre Norte e Sul

DOSSIÊ

Globalização e trabalho: perspectiva comparativa entre Norte e Sul

Paola CappellinI; Christian AzaïsII

IProfessor-Doutor do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pesquisadora do CNPq. Largo S. Francisco de Paula , n. 1 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil. cappellin@uol.com.br

IIProfessor-Doutor da Universidade de Picardie Jules Verne (AmiensFrança). Pesquisador no IRISES UMR 7170 Paris Dauphine. IRISES (UMR 7170 CNRS), Université Paris Dauphine - 75 775 Paris Cedex 16. christian.azais@dauphine.fr

INTRODUÇÃO

Seguindo uma abordagem comparativa, este dossiê reúne artigos cujo objeto é refletir sobre as recentes transformações, em diversas sociedades contemporâneas que manifestam a força de mecanismos de desregulamentação dos mercados de trabalho e do emprego, assim como a desregulação dos regimes de solidariedade e proteção social. Vários países são colocados a confronto: Brasil, Cabo Verde, França, Portugal, Uruguai e, em menor medida, os Estados Unidos e a União Européia.

O fenômeno da globalização parece estar sufocando as perspectivas disciplinares, dificultando a compreensão da noção de espaços nacionais, subordinando a dimensão regional dos fenômenos e valorizando os acontecimentos internacionais. Os artigos apresentados neste dossiê têm em comum a idéia de manter ativa uma perspectiva de territorialidade das manifestações, problematizando a atual ênfase que subordina toda e qualquer alteração das relações sociais à força reorganizadora da globalização. Esta preocupação de situar nos espaços nacionais territorializados as recentes transformações que atingem as relações de trabalho, as configurações do mercado de trabalho, as práticas de negociação e de relações industriais, e mais ainda as modalidades de desregulação dos sistemas de inserção no trabalho, é fruto do interesses dos pesquisadores de identificar as especificidades desses países. Alguns desses artigos chegam a questionar sobre as diferentes formas de inserção dos indivíduos nestes espaços sociais, e, de outro, mostram a amplitude dos impactos da globalização sobre as formas de inserção no mercado de trabalho.

O que reúne os autores é também a ousadia intelectual de buscar nas reflexões cruzadas Sul e Norte os processos que diferenciam e aproximam as sociedades nacionais. Este exercício é possível pelo fato dos autores adotarem como central o conceito de sociedade salarial. Este conceito, proposto por Castel (1995), tem um estatuto diferenciado da "relação salarial" fordista, própria à Escola da Regulação francesa. Ele refere-se a uma moldagem entre história e economia, onde a relação salarial pode assumir configurações diferentes quando se localizam as transformações que comandam as relações cada vez mais conflituosas na relação entre o público e o privado, quando se redefinem o lugar do Estado neste processo.

A análise da regulação diferenciada dos mercados de trabalho no Sul e no Norte pode ser compreendida mediante o acompanhamento do grau de desmercantilização/remercantilização da força de trabalho que cada uma das sociedades atingiu ao longo de seu desenvolvimento, ou ainda, da solidez/fragilidade/inexistência de suas sociedades salariais.

O dossiê procurou explorar esta problemática reunindo artigos de autores que compõem uma equipe de pesquisa, com formação multidisciplinar, na medida em que agrega um cientista político, economistas e sociólogos.

A ordem de apresentação dos artigos obedece à seguinte lógica: o primeiro texto, de Olivier Giraud, trata de forma teórica a questão da globalização; o segundo texto, de Liana Carleial e Christian Azaïs aborda, de um ponto de vista macro, as transformações pelas quais os mercados de trabalho da França e do Brasil, principalmente, estão passando; a partir do terceiro artigo entra-se numa análise centrada em diversos grupos sociais, os empresários com Paola Cappellin, os sindicatos com Francisco Pucci e os trabalhadores na pluma de Cinara Rosenfield.

Olivier Giraud apresenta as várias facetas do conceito de globalização, lembrando que se o conceito não é novo, ele passou a ter feições múltiplas que não se limitam à abordagem econômica. Para o autor, a globalização é antes de mais nada um fenômeno sociológico. A globalização é então a transformação do quadro de inscrição do social. Os grupos, as identidades, as organizações, a ação coletiva, o poder, etc. são fenômenos sociais que não se limitam a uma inscrição num espaço social em tensão entre o local – como lugar de emergência - e o nacional como lugar de ressonância. Os diferentes fenômenos sociais abrangidos existem, têm um significado, se conectam, têm conseqüências, se interrelacionam num espaço mais amplo, num espaço global. Na maioria dos setores mais difusos e menos estruturados do que os espaços nacionais, este espaço global toma profundidade, se nutre, se constrói incessantemente. No esporte, na arte, em vários setores industriais – automóvel- ou dos serviços – os softwares de management – e no setor da energia ou da ciência, este espaço global é de fato altamente estruturado. No âmbito desta leitura peculiar da globalização, o artigo coloca a questão das definições e dos mecanismos precisos que caracterizam a globalização. Ele indaga principalmente a universalidade deste fenômeno. Os mecanismos que "fazem" a globalização se aplicam de maneira comparável nos países do Norte e nos países do Sul? Como a globalização afeta a distância e as clivagens que separam os países do Norte e do Sul?

O segundo artigo, de autoria de Liana Carleial e Christian Azaïs assume como central as configurações dos mercados de trabalho, debatendo o conceito de hibridização. Os países colocados frente a frente são a França, o Brasil e, em contraponto, os Estados Unidos. Duas idéias principais são aqui desenvolvidas. Primeiro, se defende a asserção segundo a qual o movimento de uniformização constatado entre os mercados de trabalho do Norte e do Sul é mais aparente do que real, em razão de uma inscrição diferenciada dos países na globalização. Com isto, os autores sublinham o fato de que longe da forma estatal ter desaparecido, ela é incontornável para apreender este processo. A mudança na natureza dos contratos de trabalho, sua multiplicação, a permanência e até a consolidação do assalariamento, de forma oposta às expectativas e aos preconceitos, constituem processos dos quais não escapam nem um país desenvolvido como a França, nem o Brasil, conhecido pela importância estrutural de seu "setor informal". O conceito de hibridização traduz as diversas formas de flexibilização e precarização vivenciadas pelos trabalhadores do Norte e do Sul; ele mostra que as semelhanças são aparentes. A segunda asserção trata da desregulamentação do mercado de trabalho que, ao oposto das idéias veiculadas pelos economistas liberais, defensores de uma flexibilização de um mercado de trabalho tido como demasiado rígido, é apresentada como condição sine qua non para alcançar o equilíbrio no mercado de trabalho. No entanto, elas não são criadoras de empregos. Os exemplos dos Estados Unidos e, em menor medida, de países como a França e o Brasil confirmam tal proposição.

A ruptura entre emprego/proteção social e diferenciadas modalidades de solidariedade nacional são manifestações que têm proporcionado a circulação internacional do lema da responsabilidade social, entendida como recurso retórico empresarial. Assumindo o interesse de diferenciar a aparente homogeneidade deste lema nos meios empresariais, as autoras Paola Cappellin e Raquel Giffoni Pinto tratam de três percursos: EUA, Brasil e União Européia. No primeiro caso, é evidente que as pressões de diferentes atores sociais são dirigidas às empresas estado-unidenses, ao longo dos anos 1960. No Brasil, as elaborações do lema de responsabilidade social provêm de associações empresariais em meados dos anos 60 e se ampliam justo quando a sociedade, no fim dos anos 1990, demanda prosseguir em direção a integrar o compromisso da aplicação das normas e direitos do trabalho. Na União Européia, este lema envolve o empresariado no final da década de 1990, com o compromisso de fazer retroagir a alta taxa de desemprego estrutural. Esta percepção comparativa internacional chega a demonstrar a variedade de conteúdos da responsabilidade social que busca dar conta da grande questão hoje em debate nas sociedades: recompor o compromisso da capacidade do vínculo de emprego ser fonte de cidadania social.

Sucessivamente a complexidade das relações entre nação, mercado de trabalho e integração regional é desenvolvida pelo artigo de Francisco Pucci. Tendo como referência a realidade nacional do Uruguai, o autor analiza a evolução das relações laborais no marco dos processos de reestruturação produtiva que começam a ser implementados a partir da conformação de mercados regionais no Cone Sul. A hipótese defendida é que as transformações no mundo do trabalho, ocorridas no Uruguai, não dizem respeito unicamente à aplicação de um modelo econômico ou social específico de desenvolvimento, mas estão também inscritas em modificações estruturais de longo prazo, associadas às mudanças nas relações sociais que se produzem em escala mundial. Contudo, a evolução concreta das relações laborais se explicam através das características específicas dos processos de integração regional tal como vêm se conformando no âmbito do MERCOSUR.

Finalmente, a perspectiva das mudanças no reconhecimento social dos sujeitos em práticas de trabalho inseridos no setor de Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) é tratada pelo artigo de Cinara L. Rosenfield, quando oferece uma análise comparativa entre Brasil, Portugal e Cabo Verde. O objetivo da autora é compreender o contexto do trabalho na chamada sociedade da informação e as diferentes formas de trabalho que nela se desenvolvem, em especial o teletrabalho em call centers. Diante de um novo paradigma tecnológico característico da era da informação, trata-se de analisar as novas maneiras de trabalhar e as diferentes dimensões do trabalho. A Teoria Crítica de Axel Honneth permite à autora pensar a experiência do trabalho no seio daquilo que o autor intitula "paradoxos do capitalismo". O significado do trabalho em sua dimensão social ganha força ao ser demonstrado que o "novo capitalismo" logra produzir progresso moral, baseado nos legados do Estado Social e do modelo taylorista e fordista de trabalho, e, simultaneamente, produzir o seu contrário ao erodir o alcance emancipador dessas normas e valores. Os paradoxos do capitalismo em rede encontram no trabalho em call centers a produção exemplar desta contradição.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Set 2008
  • Data do Fascículo
    Dez 2007
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