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Espaço geográfico, sistema bancário e a hipercapilaridade do crédito no Brasil

L'espace géographique, le système bancaire et l'hypercapillarité du crédit au Brésil

Geographical space, banking system and overpresence of credit in Brazil

Resumos

O presente artigo tem por objetivo a análise do funcionamento atual do sistema bancário brasileiro, sob uma perspectiva geográfica. Fixando a periodização do estudo a partir da instalação do Plano Real (1994), foi possível identificar quais as principais alterações nos conteúdos técnicos e normativos do território brasileiro que têm relação direta com o desenvolvimento recente do sistema bancário nacional. Dentre as principais novidades desse sistema, foi dado destaque a três questões: o maciço processo de privatização dos bancos públicos estaduais; a implementação do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB); e a difusão das novas formas de prestação de serviços bancários (Correspondentes Bancários, cartões de crédito/débito e internet banking principalmente), possibilitada pelos objetos informacionais que vêm sendo instalados no território desde as últimas décadas do século XX.

sistema bancário brasileiro; uso do território; objetos informacionais; conteúdos normativos do território; hipercapilaridade do crédito


L'objectif de cet article est d'analyser le fonctionnement actuel du système bancaire brésilien dans une perspective géographique. En définissant la période d'étude à partir de la mise en place du "Plan Réal" (1994), il a été possible d'identifier les principales modifications de contenus techniques et normatifs du territoire brésilien qui sont en lien direct avec le développement récent du système bancaire national. Parmi les principales nouveautés de ce système, trois éléments ont été mis en évidence: le processus de privatisation en masse des banques publiques des Etats de la Fédération, la mise en œuvre d'un Système de Paiements Brésilien (SPB) et la diffusion de nouvelles formes de prestations de services bancaires (Correspondants Bancaires, cartes de crédit/débit et surtout internet banking , grâce aux moyens informationnels installés sur le territoire depuis les dernières décennies du XXe siècle.

système bancaire brésilien; utilisation du territoire; objets informationnels; contenus normatifs du territoire; hypercapillarité du crédit


This paper aims to analyse today's operation of the Brazilian banking system, under a geographical perspective. Beginning the time interval of this study from the installation of Plano Real (1994), it was possible to identify which were the main alterations in the technical and normative contents in the Brazilian territory that have a direct relationship with the recent development of the national banking system. Among the main innovations of that system, prominence was given to three issues: the massive process of privatization of state public banks; the implementation of the Brazilian System of Payments ( in Portugueses, SPB); and the diffusion of new ways of rendering banking services employees (banking correspondents, credit and debit cards and Internet banking, mainly), made possible by the informational objects that have been installed in Brazilian territory since the last decades of the XX century.

Brazilian banking system; use of territory; informational objects; Brazilian normative contents; overpresence of credit


DOSSIÊ

Espaço geográfico, sistema bancário e a hipercapilaridade do crédito no Brasil

Geographical space, banking system and overpresence of credit in Brazil

L'espace géographique, le système bancaire et l'hypercapillarité du crédit au Brésil

Fabio Betioli Contel

Doutor em Geografia Humana pela FFLCH-USP. Professor do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo. Av. Prof. Lineu Prestes, 338. Cep: São Paulo SP. fbcontel@usp.br

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo a análise do funcionamento atual do sistema bancário brasileiro, sob uma perspectiva geográfica. Fixando a periodização do estudo a partir da instalação do Plano Real (1994), foi possível identificar quais as principais alterações nos conteúdos técnicos e normativos do território brasileiro que têm relação direta com o desenvolvimento recente do sistema bancário nacional. Dentre as principais novidades desse sistema, foi dado destaque a três questões: o maciço processo de privatização dos bancos públicos estaduais; a implementação do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB); e a difusão das novas formas de prestação de serviços bancários (Correspondentes Bancários, cartões de crédito/débito e internet banking principalmente), possibilitada pelos objetos informacionais que vêm sendo instalados no território desde as últimas décadas do século XX.

Palavras-chave: sistema bancário brasileiro, uso do território, objetos informacionais, conteúdos normativos do território, hipercapilaridade do crédito.

ABSTRACT

This paper aims to analyse today's operation of the Brazilian banking system, under a geographical perspective. Beginning the time interval of this study from the installation of Plano Real (1994), it was possible to identify which were the main alterations in the technical and normative contents in the Brazilian territory that have a direct relationship with the recent development of the national banking system. Among the main innovations of that system, prominence was given to three issues: the massive process of privatization of state public banks; the implementation of the Brazilian System of Payments ( in Portugueses, SPB); and the diffusion of new ways of rendering banking services employees (banking correspondents, credit and debit cards and Internet banking, mainly), made possible by the informational objects that have been installed in Brazilian territory since the last decades of the XX century.

Keywords: Brazilian banking system, use of territory, informational objects, Brazilian normative contents, overpresence of credit.

RÉSUMÉ

L'objectif de cet article est d'analyser le fonctionnement actuel du système bancaire brésilien dans une perspective géographique. En définissant la période d'étude à partir de la mise en place du "Plan Réal" (1994), il a été possible d'identifier les principales modifications de contenus techniques et normatifs du territoire brésilien qui sont en lien direct avec le développement récent du système bancaire national. Parmi les principales nouveautés de ce système, trois éléments ont été mis en évidence: le processus de privatisation en masse des banques publiques des Etats de la Fédération, la mise en œuvre d'un Système de Paiements Brésilien (SPB) et la diffusion de nouvelles formes de prestations de services bancaires (Correspondants Bancaires, cartes de crédit/débit et surtout internet banking , grâce aux moyens informationnels installés sur le territoire depuis les dernières décennies du XXe siècle.

Mots-Clés: système bancaire brésilien, utilisation du territoire, objets informationnels, contenus normatifs du territoire, hypercapillarité du crédit.

INTRODUÇÃO

No atual período histórico da globalização, em que uma unicidade técnica é um fator praticamente onipresente no planeta (Santos, 1996, 2000), como entender as parcelas de cada território nacional sem pensar na totalidade mundial? E como entender a materialidade dos sistemas técnicos, das infra-estruturas, sem levar em conta a posição relativa que ocupam nesse mundo unificado?

Uma das maneiras de entender essa relação entre os eventos mundiais e suas repercussões nos lugares pode se dar pela análise das formas geográficas. Não só a partir de sua materialidade, mas também a partir dos conteúdos sociais, econômicos e normativos que incidem atualmente sobre essas formas. Essa é, de maneira sintética, a proposta de se entender os elementos do espaço geográfico como "formas-conteúdo", e não apenas como "formas" simplesmente (Santos, 1978, 1979, 1996).1 1 Sem considerarmos as ações que incidem sobre as formas, em cada período histórico, não se pode depreender a dialética do espaço (e da sociedade): "Tornada forma-conteúdo pela presença da ação, a forma torna-se capaz de influenciar, de volta, o desenvolvimento da totalidade, participando, assim, de pleno direito, da dialética social." (Santos, 1996, p.101). Ainda sobre a proposta de entendimento do espaço geográfico como uma "forma-conteúdo", ver Milton Santos (1979a).

O presente texto tem como objetivo abordar a evolução recente do sistema bancário brasileiro, em sua relação com o território nacional. Para empreendermos essa análise, partiremos das mudanças ocorridas a partir do chamado Plano Real (de 1994), que alteraram profundamente essa relação dos intermediários financeiros com o espaço geográfico no Brasil.

Num primeiro momento, serão tratadas as mudanças ocorridas no controle dos bancos brasileiros, principalmente os bancos públicos estaduais, que foram praticamente aniquilados na década de 1990. Serão objeto ainda de cotejo alguns dos novos sistemas técnicos financeiros (utilizando-nos do exemplo do Sistema de Pagamentos Brasileiro), que permitiram uma maior eficiência da ação dos agentes bancários, assim como catalisaram o surgimento de novos fixos geográficos para a prestação de serviços bancários no território nacional.

POLÍTICAS PÚBLICAS, NORMAS E A RACIONALIDADE GLOBALIZADA NO TERRITÓRIO: o Plano Real e o PROES

O plano de estabilização da moeda, instalado em 1994 no País, chamado Plano Real, permitiu que novos atores e sistemas técnicos fossem acoplados às infra-estruturas produtivas do território, assim como engendrou novas formas de organização das empresas públicas e privadas no país. A partir desse evento (a "estabilidade macroeconômica da moeda"), portanto, outros acontecimentos correlatos se dão, mostrando que a "estabilidade" não é o único (e talvez nem o principal) novo conteúdo que passa a fazer parte do espaço nacional a partir de meados da década de 1990.2 2 A maior parte da bibliografia sobre as conseqüências do Plano Real indica que o controle dos mecanismos que geravam a inflação foi o mais importante resultado do Plano; uma das exceções é o livro de Gilberto Felisberto Vasconcellos (1997, p.171) que, em linhas gerais, nos mostra que "o que está na base da criação do Real é a renegociação da dívida externa. O setor financeiro, comandado de fora, domina a sociedade brasileira".

O Plano Real, tornando as condições macro-econômicas mais interessantes para alguns atores hegemônicos nacionais, assim como para vários tipos de capitais transnacionais, pode ser entendido como um evento que aumenta a eficácia da instalação dos vetores econômicos globalizados no território brasileiro. Nesse sentido, ele pode ser visto ainda como um conteúdo do espaço nacional que incrementa a "atratividade econômica" (MichaletI, 1993) da formação socioespacial brasileira para os investimentos externos diretos, sejam eles meramente especulativos ou mais perenes.3 3 Os investimentos externos diretos se dividem, basicamente, em três tipos: 1) a construção de novas plantas fabris ou comerciais por parte do investidor (chamados greenfield investiments); 2) a compra do controle acionário de uma empresa já existente no país; e 3) os investimentos em ações de uma determinada empresa (portfólio) (Andreff, 2000).

Mas o Plano Real teve também profundas consequências para a organização das atividades culturais, políticas e econômicas no âmbito interno do território. Um dos ramos de atividade que mais fizeram sentir essas mudanças foi, sem sombra de dúvida, o sistema bancário. Roberto Troster (2004, p. 11) afirma que o Plano Real trouxe "uma mudança sem paralelos na nossa história bancária", assim como a empresa de consultoria McKinsey assevera que "desde a estabilização um terremoto sacudiu as instituições financeiras" brasileiras (Instituto McKinsey, 2000, p. 76). Quais as consequências principais da estabilização da moeda para a organização da atividade bancária no Brasil?

De maneira esquemática, Alkimar Moura (1998, p. 30) lista três principais mudanças trazidas para o sistema bancário, a partir da implementação do Plano Real:

  1. ocorreu um decréscimo expressivo das taxas de inflação; essa queda, por sua vez, diminuiu, num primeiro momento, os ganhos das instituições financeiras instaladas no território, que tinham a maior parte de suas receitas no chamado "lucro inflacionário";

  2. com o Plano, incrementou-se também a "abertura financeira externa" do país. A crescente absorção de empréstimos internacionais, ocorrida desde as décadas de 1970 e 1980, e as crescentes dificuldades para o pagamento desse endividamento pressionaram fortemente o Governo Federal para abrir as fronteiras do território para os fluxos de capital estrangeiro de todos os tipos (Investimentos Externos Diretos (IED´s), investimentos no mercado de capitais etc.);

  3. foi criada uma "rede de segurança" para o sistema financeiro nacional, já que a estabilização macroeconômica e a abertura do mercado financeiro aumentaram a necessidade de "criação de mecanismos de proteção mais eficazes e abrangentes" para o sistema montado (Moura, 1998, p.30).

    4 4 Segundo Freitas e Prates (2003, p.243), as normas contidas nos "Acordos de Basiléia" dizem respeito principalmente: a) requerimento de capitais mínimos para o funcionamento das instituições; b) supervisão constante da adequação destes capitais; e c) "fortalecimento da disciplina de mercado" nas instituições. Ainda segundo as autoras (op. cit., 2003, p.245), "o Comitê da Basiléia considera que a segurança e a higidez do sistema financeiro em um mundo dinâmico e complexo só podem ser obtidas com a combinação de supervisão, disciplina de mercado e efetiva administração interna dos bancos".

Não nos parece exagero, destarte, estabelecer um nexo causal entre os processos de liberalização (normativa, econômica e financeira), de privatização ou desnacionalização com o Plano Real. Há uma conexão direta entre esses fenômenos, passível de ser explicitada pela análise da dinâmica territorial brasileira. Obviamente, o Plano teve também consequências sensíveis para a população brasileira como um todo, principalmente pelo fato de ter aumentado o acesso a certos bens de consumo para populações de baixa renda (Rocha, 1999, 2005). Mas o processo de estabilização da moeda trouxe, fundamentalmente, a melhoria do chamado "ambiente de investimento" para os grandes atores do cenário econômico globalizado. Esse raciocínio permite que pensemos no Plano Real como uma estratégia para aumentar a funcionalidade do território brasileiro para os grandes atores da economia global.

Além do Plano Real, que pode ser considerado um novo conteúdo econômico e político do território nacional, houve também uma série de políticas públicas voltadas especificamente para a "reestruturação" do sistema bancário brasileiro. Sob forte influência dos novos critérios de segurança dos "Acordos da Basiléia" (Puga, 1999, p. 449 e ss.), o Governo Federal à época (sob comando do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso) vai implementar dois planos para o "saneamento do sistema bancário nacional". Esses Planos foram o PROES (Programa de Incentivo à Redução do Estado na Atividade Bancária) e o PROER (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional).5 5 O Governo Federal, desde ao menos o ano de 1983 vinha tentando implementar - sem o sucesso esperado - diversos programas de saneamento dos bancos estaduais. Dentre eles, podemos destacar: Programa de Apoio Creditício (PAC), de 1983; Programa de Recuperação Financeira (PROREF), em 1984; Regime de Administração Especial Temporária (RAET), em 1987; Programa de Recuperação, em 1990; e finalmente uma "linha especial para os bancos liquidados em 1990, vinculada a ajustes" (Puga, 1999, p.424), no ano de 1992. Uma análise mais detalhada do PROER pode ser encontrada em Carvalho e Oliveira (2002).

Resultado da edição da Medida Provisória no. 1.514, de 07/08/1996, o PROES tinha como objetivo "reduzir ao mínimo a presença de instituições financeiras controladas pelos governos estaduais no sistema financeiro" (Salviano Jr., 2004, p. 81). Através do PROES, o Governo Federal oferecia financiamentos em longo prazo para que os estados da Federação saneassem (ou diminuíssem sensivelmente) seu endividamento.

Esse endividamento era, de fato, bastante significativo, principalmente nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. O Banespa, em particular, era tido como uma das principais instituições que impediam a resolução da crise fiscal, e o controle do processo inflacionário no país (Garman; Leite; Marques, 1998). Mas não só o Banespa, e sim toda a rede de bancos públicos estaduais é que causariam a instabilidade da moeda (Werlang; Fraga Neto, 1995; Werneck, 1995; Franco, 1999). Para um desses autores, o processo de privatização das instituições financeiras públicas se constituía em "uma oportunidade de ouro de erradicar essa doença (sic) chamada banco estadual" (Franco, 1999) do sistema financeiro brasileiro.6 6 As privatizações de bancos estaduais não ocorreram apenas no Brasil. Na Argentina, a geógrafa María Laura Silveira (1999, p.372) nos mostra que, na década de 1990, se dá uma "reestruturação bancária regional", e a privatização do Banco Provincial de Neuquén é um exemplo bem acabado das conseqüências dessa "reestruturação". Armijo e Jha (1997) descrevem também, para a Índia, um processo semelhante. Para um apanhado bastante completo (mas pouco crítico) do processo de privatizações bancárias no mundo, ver Megginson (2003).

Mas as causas remotas do endividamento dos bancos estaduais vinham das próprias deficiências estruturais do federalismo fiscal e financeiro brasileiro. Expliquemos melhor. Desde ao menos o ano de 1966, o federalismo fiscal montado no país pelo governo militar centralizava os impostos mais dinâmicos na União (Oliveira, 1991, 1995). Aos Estados - principalmente aqueles mais populosos - restavam recursos insuficientes da partilha das receitas fiscais totais, para manter suas políticas públicas regionais (nas áreas de educação, habitação, saúde etc.). Desde a década de 1970, portanto, os Estados da federação passam a fazer uso sistemático de seus bancos públicos, tendo, no processo de endividamento, uma forma para a manutenção do financiamento de serviços públicos essenciais. Como nos lembra Monica Mora (2002, p. 5).

... o endividamento estadual iniciou-se na década de 1970 como alternativa à gestão tributária centralizadora, característica do governo militar. A Reforma Tributária de 1966 e a Reforma Administrativa de 1967 participaram do processo de esvaziamento político-econômico dos governos subnacionais.

Esse endividamento estadual, porém, chega a níveis considerados incontroláveis ao final da década de 1990. Em função da própria política de juros altos implementada pelas autoridades monetárias nos primeiros anos do Plano Real, boa parte dos estados vêem os serviços de suas dívidas se tornarem impagáveis (Lopreato, 2002).7 7 Para Francisco Lopreato, (2002, p. 215), a partir das negociações iniciadas com a União em 1994, os "Estados, reféns da crise financeira, não estavam em condições de defender uma posição de força. A correlação de forças e o quadro de crise deixaram poucas opções aos Estados senão acatarem as regras do programa de renegociação, uma vez que, fora dele, a situação financeira era insustentável e o risco de ingovernabilidade elevado." Daí o recurso ao PROES ser uma das alternativas para sanear a situação financeira dos governos estaduais.

Com o PROES, os governadores passam a contar com a possibilidade de terem suas dívidas financiadas pelo Governo Federal, num prazo mais longo. Em contrapartida, teriam de se desfazer de seus Bancos (Baer; Nazmi, 2000; Makler, 2000; Ness Jr., 2000), assim como de outros ativos (ferrovias, prédios públicos, centrais de abastecimento etc.). Com a adesão dos governadores ao PROES, eram possíveis quatro encaminhamentos para as instituições financeiras estaduais:

a) extinção da instituição financeira;

b) privatização;

c) transformação em instituição não-financeira (agência de fomento);

d) federalização (aquisição do controle pela União, que posteriormente privatizaria ou extinguiria a instituição);

e) saneamento da instituição (Salviano Jr., 2004, p. 84).

A "extinção" se daria com as instituições "já liquidadas extrajudicialmente" (Salviano Jr., 2004, p.84); tratava-se de bancos importantes em seus contextos regionais (basicamente bancos estaduais das unidades menos desenvolvidas da Federação), mas com pouca expressão para as contas públicas nacionais em seu conjunto.8 8 Até o ano de 2002, estavam em processo de liquidação (ou já haviam sido extintos) as seguintes instituições: Banco do Estado do Acre (BANACRE), Banco do Estado do Amapá (BANAP), Banco do Estado do Rio Grande do Norte (BANDERN), Banco de Desenvolvimento do Rio Grande do Norte (BDRN), Banco do Estado do Mato Grosso (BEMAT), Banco do Estado de Rondônia (BERON), Caixa Econômica do Estado de Goiás (CAIXEGO), Minascaixa (MG), Banco do Estado de Alagoas (PRODUBAN) e Banco do Estado de Roraima (BANER).

Outra opção colocada pelos técnicos do Ministério da Fazenda e do Banco Central, no âmbito do PROES, era a da transformação das instituições financeiras estaduais em "agências de fomento". Essas, por sua vez, não teriam a prerrogativa de agir como um banco comercial e "captar depósitos junto ao público", como é função precípua de todos os bancos comerciais (Reed; Gill, 1994). Perdia-se, assim, também a possibilidade de serem comandados regionalmente os recursos financeiros passíveis de captação local.

A partir do momento em que se constituem em agências de fomento, os antigos bancos estaduais passam a ser considerados ainda - do ponto de vista jurídico - como "instituições não-financeiras". A grande novidade, no que diz respeito à ação das "instituições não-financeiras", é que elas não podem se endividar, como era o caso dos bancos estaduais. Seu controle financeiro, por parte das autoridades monetárias é, assim, bastante otimizado.9 9 Foram criadas, no âmbito do PROES, as seguintes Agências de Fomento: a) Agência de Fomento do Amapá; b) Agência de Fomento do Amazonas; c) Agência de Fomento do Paraná; d) Agência de Fomento de Roraima; e) Agência de Fomento de Rondônia; f) Agência de Fomento do Rio Grande do Norte; g) Agência Catarinense de Fomento (BADESC); h) Caixa Estadual S/A - Agência de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul; i) Desembahia; j) Goiás Fomento; k) Agência de Fomento do Acre; l) Agência de Fomento de Alagoas; m) Agência de Fomento do Mato Grosso; n) Agência de Fomento do Piauí; o) Agência de Fomento de Pernambuco.

Importa destacar ainda - como nos lembra Carlos Gutierrez (2006) - que a utilização de agências de fomento como mecanismo de desenvolvimento regional (em lugar dos Bancos Estaduais) padece, ao menos, de dois problemas importantes. Em primeiro lugar, como não são autorizadas por lei a estender uma rede de captação de depósitos, funcionam apenas com uma agência (que é também a sede da instituição). Por se constituírem em instituições "monocéfalas", as agências de fomento acabam por estabelecer uma relação menos orgânica com o território no qual estão instaladas.10 10 Quando as empresas ou instituições instaladas numa cidade ou região têm relações históricas com aquele contexto, e que produzem "efeitos multiplicadores" na própria região em que estão instaladas, pode-se dizer que a divisão do trabalho produz "solidariedades orgânicas" naquela parcela do espaço geográfico. Ao contrário, quando as lógicas da firma instalada desorganizam a vida local/regional a seu favor, utilizando-se apenas de pontos e de redes específicas daquele contexto, podemos falar na consecução de "solidariedades organizacionais" por parte desta(s) firma(s). Sobre a definição de "solidariedades orgânicas" e "organizacionais", ver Santos (1996, p.223-229).

Além da questão da topologia, há também uma "restrição funcional" das agências de fomento, em relação aos bancos comerciais estaduais. Os recursos dos quais passam a dispor as agências são basicamente recursos repassados de instituições nacionais (BNDES) e internacionais (Banco Mundial). Na maior parte das vezes, esses repasses ou empréstimos já vêm com uma destinação específica, planejada em contextos que não têm relação direta com as realidades regionais sobre as quais têm de trabalhar as agências. Um exemplo desse "controle externo" do financiamento é a destinação de vários financiamentos do Banco Mundial para a construção de "arranjos produtivos locais" (Salviano Jr., 2004), nas áreas de atuação das referidas instituições.

Através da criação das agências de fomento, portanto, o uso do território nas regiões não necessariamente é decidido pelas próprias autoridades políticas ou econômicas estaduais. Em uma palavra: há perda de soberania das unidades federativas, já que a decisão sobre os recursos disponíveis não se realiza mais na escala do sistema de ações público de cada parcela do território.11 11 Como lembra também Cleofas Salviano Jr. (2004, p.85), "...as agências são limitadas a uma por estado, e destinam-se a financiar projetos na área do estado a que pertencem, não podendo captar depósitos do público, não tendo acesso a operações de redesconto no Banco Central nem tendo conta de reservas bancárias. Elas apenas podem emprestar capital próprio, repassar recursos orçamentários, de fundos constitucionais e de organizações de desenvolvimento nacionais ou internacionais".

Além da extinção e transformação em agência de fomento, o PROES disponibilizava a opção da privatização das instituições estaduais. A privatização, por seu turno, poderia se dar de duas formas: a) através da privatização direta, isto é, conduzida pelos próprios estados controladores dos bancos; ou b) de forma indireta, isto é, através da federalização das instituições, para sua posterior privatização. O Quadro 1 traz as instituições que foram privatizadas (antes ou depois de sua "federalização"), entre os anos de 1996 e 2005:


Essas foram, portanto, as instituições financeiras antes sob controle estadual, que passaram a ser propriedade de bancos privados, nacionais ou estrangeiros. O aniquilamento da rede de bancos públicos estaduais só não foi maior porque alguns estados conseguiram manter sob seu comando suas instituições financeiras. Dentre as instituições que foram passíveis de serem apenas federalizadas e saneadas pelo PROES, estão:

1) Banco do Estado de Sergipe (BANESE);

2) Banco do Estado do Espírito Santo (BANESTES);

3) Banco do Estado do Pará (BANPARÁ);

4) Nossa Caixa (Caixa Econômica do Estado de São Paulo);

5) Banco de Desenvolvimento do Estado de Minas Gerais (BDMG);

6) Banrisul;

7) Banco do Desenvolvimento do Espírito Santo (BANDES);

8) Banco Regional de Brasília (BRB).

A maior parte destas instituições encontra-se, do ponto de vista burocrático e legal, prontas para serem privatizadas. Recentemente, porém, o Governo Federal tem adotado políticas diferentes para o federalismo financeiro brasileiro. Algumas instituições vêm sendo incorporadas pelo Banco do Brasil, como é o caso do Banco do Estado de Santa Catarina (BESC) e do Banco do Estado do Piauí - que começaram a ser incorporados a partir do final do ano de 2007 (Agência Brasil, 2007). Atualmente, a Nossa Caixa e o Banco Regional de Brasília (BRB) também estão em processo de incorporação por parte do Banco do Brasil (Valor Econômico, 2008).

Durante os cinco anos do PROES, quase R$ 62 bilhões foram gastos com essa alteração patrimonial dos bancos estaduais. Chama-nos a atenção não só por seus valores brutos, mas também porque essa despatrimonialização bancária foi financiada com a emissão de títulos da dívida pública federal. Isto é, além de aumentar a dívida interna do país, o processo de emissão de papéis incrementa o processo de "titularização" dos ativos e passivos nacionais (Banco Central, 2006a).

Dadas essas novas condições normativas e organizacionais do sistema financeiro brasileiro, várias foram as instituições (nacionais e estrangeiras) que se interessaram pela aquisição de bancos no País. Assim como no caso do Plano Real, o PROES pode ser considerado também como uma política que aumentou o interesse dos investidores nacionais e (principalmente) internacionais, em relação ao sistema bancário brasileiro.

Além da influência da estabilização da moeda e das políticas de "saneamento" financeiro, pode-se afirmar ainda que o aumento do interesse dos investidores em relação aos bancos estaduais teve três fatores basilares: a) a topologia das instituições (a distribuição da rede de prestação de serviços); b) os recursos movimentados pela sua proximidade institucional com os governos estaduais; e c) a própria folha de pagamentos do funcionalismo público. Vejamos mais de perto esses três fatores.

No que diz respeito à topologia dos bancos em questão, vale lembrar que era bastante interessante a aquisição das instituições financeiras estaduais, pois elas possuíam redes de agências já consolidadas e muito bem distribuídas (tanto nas capitais quanto no interior dos Estados). Por serem redes há tempos construídas, a maior parte das agências desses bancos possui localização privilegiada, seja no que diz respeito à rede urbana de cada Estado, como no próprio tecido urbano das cidades, onde estão instalados os fixos geográficos12 12 Para o geógrafo Milton Santos (1988), uma definição de espaço geográfico pode se dar através da utilização dos conceitos de "fixos" e "fluxos" geográficos. Para o autor (Santos, 1988, p.77), "O espaço é, também e sempre, formado de fixos e de fluxos. Nós temos coisas fixas, fluxos que se originam dessas coisas fixas, fluxos que chegam a essas coisas fixas. [...] Os fixos nos dão o processo imediato do trabalho [...] Os fluxos são o movimento, a circulação e assim eles nos dão, também, a explicação dos fenômenos da distribuição e do consumo". prestadores de serviços bancários (agências, postos de atendimento, caixas eletrônicos, principalmente).

Um segundo fator que atraiu investidores para a compra dos bancos estaduais diz respeito ao chamado lucro potencial que as instituições apresentavam. Com a aquisição, passaria a haver possibilidade de manipulação das contas dos Tesouros de cada estado da Federação pela entidade compradora do banco estadual. Isto é, "as contas de depósito dos governos estaduais" (Salviano Jr, 2004, p.119) poderiam passar a ser gerenciadas pela instituição compradora, tornando-se, assim, uma fonte de lucros vultosa, se bem aproveitada.

Um terceiro aspecto que envolveu o interesse de grandes investidores pelos bancos estaduais foi a possibilidade de controle das "folhas de pagamento" do funcionalismo público. Tanto no nível estadual, quanto no municipal, a compra dos bancos estaduais abriu uma gama enorme de oportunidades de negócios que envolvia uma clientela bastante interessante. Por se tratar de funcionários públicos, essa pode ser considerada uma clientela cativa, com níveis salariais relativamente elevados e com renda estável (dada sua estabilidade no emprego). Dentre as operações passíveis de serem realizadas com essa "carteira de clientes", estão os empréstimos consignados, a venda de produtos financeiros, a cobrança de taxas de manutenção de contas, as tarifas de prestação de serviços bancários etc.13 13 Vale lembrar que cada compra de banco estadual incluiu uma série de acordos em relação ao controle (ou não) das folhas de pagamento do funcionalismo público. Adquirir o controle do banco não significava, necessariamente, ter o controle sobre os volumes gastos mensalmente com a remuneração deste funcionalismo, portanto.

Por fim, mas não menos importante, a aquisição dos bancos estaduais abriria a possibilidade de prestação de serviços bancários em grande escala para os Estados ex-controladores dos bancos em questão. Alguns exemplos desses serviços passíveis de serem prestados são: a) processamento das enormes folhas de pagamento dos funcionários públicos; b) pagamento dos fornecedores do Estado; c) cobrança de impostos e taxas públicas etc. A cobrança dessas operações se mostrava ainda mais valiosa, pois, desde o início do Plano Real, são as taxas e tarifas um dos principais fatores de remuneração dos bancos, no lugar do "lucro inflacionário".14 14 Estudando três grandes bancos nacionais (Bradesco, Itaú e Unibanco), Coutinho e Amaral (2003, p.1031) mostram que, no período de 1991 a 2000, "... as receitas de tarifas elevaram-se consideravelmente nas três instituições registrando aumento de mais de 100% em sua participação no total das receitas operacionais das instituições financeiras".

Esses foram os principais fatores que levaram à despatrimonialização do Estado brasileiro, com a troca de controle de comando de parte importante dos sistemas de ação financeiros do território. Com essas privatizações, "os recursos econômicos e a capacidade de decisões estratégicas que afetam a sociedade como um todo concentram-se ainda mais nas mãos de alguns poucos indivíduos", lembra-nos Ary Minella (2001, p.69). É preciso ressaltar ainda que essa despatrimonialização teve também como resultado concreto a relocalização daquilo que Roberto Lobato Corrêa (1989, 2006) denominou de "centros de gestão da atividade bancária". Tanto no caso dos grandes bancos privados (Econômico, Nacional e Bamerindus, que tiveram seus headquarters retirados das cidades de Salvador, Belo Horizonte e Curitiba, respectivamente), como no caso dos bancos estaduais, a centralização geográfica do comando das instituições bancárias foi um processo bastante expressivo. Nesse processo, é esvaziada a capacidade de certas capitais regionais do território em comandar minimamente suas infra-estruturas e fluxos financeiros.

A perda das sedes das casas bancárias pelas capitais de estados como a Bahia, Paraná e Minas Gerais constitui-se também numa manifestação do aumento da centralização do comando do território pela Região Metropolitana de São Paulo, onde estão localizadas as sedes dos principais bancos privados nacionais. Não parece incorreto afirmar, destarte, que, desde a instalação do Plano Real, o sistema bancário brasileiro vem ganhando eficiência econômica, mas perdendo capacidade de trabalhar em prol do território como um todo. Haveria recentemente no Brasil, assim, a predominância de lógicas "funcionais" em lugar das "territoriais", para usarmos os termos de John Friedmann e Clyde Weaver (1981).15 15 Para Friedmann e Weaver (1981, p.24), os vetores de planejamento "funcionais" são mais ligados aos atores transnacionais da economia, enquanto que "as forças territoriais derivam de nexos comuns de ordem social forjados pela história dentro de uma localidade concreta". Este raciocínio é bastante próximo à idéia de formação de "solidariedades organizacionais" e "orgânicas" no território, como já comentado na nota 9.

Fica prejudicada, neste sentido, a possibilidade do sistema financeiro nacional trabalhar de forma mais "orgânica", fazendo chegar (ou permanecer) nas "áreas opacas" do território ao menos parte do comando da divisão bancária do trabalho. Ao invés de uma organização mais horizontalizada, com uma distribuição mais capilar das atividades de controle das finanças, foi instalado um controle verticalizado, que privilegiava alguns pontos específicos do espaço nacional como centro de comando das atividades bancárias no país. Daí também podermos falar na consecução de "verticalidades" no uso do território por parte dos bancos.16 16 Os conceitos de "verticalidades" e "horizontalidades" foram criados pelo geógrafo Milton Santos (1991, 1994, 1996), como forma de entendimento das regiões e das redes urbanas que constituem os territórios nacionais. As "verticalidades" são os arranjos que privilegiam as necessidades das empresas cujo centro de decisão se encontra fora das áreas em que efetivamente atuam, muitas vezes em detrimento das necessidades das populações e das firmas locais. Sobre os conceitos de "verticalidades" e "horizontalidades", ver ainda María Laura Silveira (1997, 1999, 2003).

NOVOS SISTEMAS TÉCNICOS E O USO CORPORATIVO DO TERRITÓRIO: o exemplo do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB)

A competição pelos melhores pedaços do planeta passa a ser, no período da globalização, uma das estratégias das corporações transnacionais, sejam elas do ramo industrial, comercial, de serviços ou financeiro. Essa competição que se gera entre elas aumenta a necessidade de velocidade e de segurança nos processos de comunicação "intra-firma", de busca de novos mercados e de inovações nos processos produtivos (Arroyo, 1995).

Essa aceleração chega também aos Estados nacionais. Através da implementação de uma série de políticas públicas, novos sistemas de movimento são desenvolvidos, assim como os de uso tradicional são aprimorados. Tecnologias de transmissão de dados tornam-se cada vez mais ubíquas, eficientes e baratas, para aumentar a produtividade e a velocidade dos fluxos (de imagens, ordens, bits) das empresas hegemônicas. Governos nacionais são "convidados" a alterar os conteúdos normativos de seus territórios, muitas vezes em detrimento dos arranjos horizontais existentes, construídos ao longo de décadas de esforço de planejamento.

Essa alteração na velocidade de transformação dos processos tecnológicos, políticos, e de transportes pode ser entendida como uma manifestação da "aceleração contemporânea", como propõe o geógrafo Milton Santos (1994, 1996). Com a "banalização da invenção", e com a rapidez com que são criados e renovados os arranjos técnicos e políticos, os imperativos da fluidez e da competitividade são tidos como dados incontestáveis do presente. Na verdade, esses dados acabam por ajudar apenas um punhado de empresas hegemônicas, e não a totalidade dos atores econômicos (Santos, 1994, p. 29-39).

As relações do sistema bancário e do sistema financeiro com o espaço geográfico não fogem desse quadro da "aceleração contemporânea". Pelo contrário, as empresas financeiras são, em grande parte, as responsáveis pelo arranjo atual da organização do mundo mais acelerado, um mundo com "dominância da esfera financeira", como bem frisou François Chesnais (1997, 1998).17 17 Para Chesnais (1998, p.12), a própria idéia de mundialização está intrinsecamente ligada às finanças, já que "a abertura, externa e interna, dos sistemas nacionais, anteriormente fechados e compartimentados, proporcionou a emergência de um espaço financeiro mundial".

Dois são os exemplos que podemos apresentar, para entender essa relação do processo de aceleração da história com o sistema financeiro brasileiro. Um diz respeito à conexão desse sistema com as redes globais de transmissão de dados financeiros entre países (através da chamada rede SWIFT, ou Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication), e outro tem relação direta com a modernização técnica e organizacional do sistema financeiro brasileiro (conseguida através da instalação do chamado Sistema de Pagamentos Brasileiro).18 18 Fundada na cidade de Bruxelas, no ano de 1973, a SWIFT é uma rede de "mensageria", que permitia a realização das operações financeiras entre 15 países (basicamente os que compunham a Comunidade Econômica Européia), e tinha 239 bancos como clientes até então (Goldfinger, 1986). Atualmente, cerca de 8.300 diferentes "clientes corporativos" (principalmente bancos e companhias de seguro globais) fazem uso deste sistema técnico, que abrange 208 países do planeta (SWIFT, 2008).

Se a evolução da SWIFT pode ser considerada como uma manifestação do poder das finanças na escala global, a instalação do novo Sistema de Pagamentos Brasileiro, no ano de 2002, é passível de ser entendida como a concretização desse poder no âmbito da formação socioespacial brasileira. O Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) é considerado pelo Banco Central do Brasil como uma sequência lógica das políticas públicas de "fortalecimento do sistema financeiro brasileiro", cujos principais pilares, na década de 1990, foram o Programa de Incentivo à Redução do Estado na Atividade Bancária (PROES) e o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (PROER). Se, na década de 1990, o foco dessas políticas públicas era "o fortalecimento das instituições financeiras", no início deste século, a preocupação se volta para o funcionamento organizacional do sistema financeiro como um todo. Como demonstra documento do próprio Banco Central,

Mais recentemente, o Banco Central do Brasil tem procurado atuar de forma mais intensiva também no sentido de promover o desenvolvimento dos sistemas de pagamentos de varejo, visando, sobretudo, a ganhos de eficiência relacionados, por exemplo, com o maior uso de instrumentos eletrônicos de pagamento, com a melhor utilização das redes de máquinas de atendimento automático (ATM) e de transferências de crédito a partir do ponto de venda (PDV), bem como com a maior integração entre os pertinentes sistemas de compensação e de liquidação (Banco Central, 2007).

Focado na busca do aproveitamento das novas possibilidades trazidas pelas tecnologias bancárias, no ano de 2002 o Banco Central introduz uma expressiva mudança na "rede do sistema financeiro nacional" (Banco Central, 2007). Nesse ano, passa a funcionar o novo Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB).

O Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) pode ser considerado, em primeiro lugar, como um conjunto de normas para regular as transações diárias executadas pelos principais agentes financeiros instalados no território. Através dessa nova forma técnico-organizacional, agentes financeiros privados, instituições públicas e semipúblicas fazem circular os principais fluxos de recursos financeiros no território. Na definição da Associação Nacional das Instituições do Mercado Aberto (ANDIMA), o SPB pode ser entendido como:

... o conjunto de procedimentos, regras, instrumentos e sistemas operacionais integrados, usados para transferir fundos do pagador para o recebedor e, com isso, encerrar uma obrigação de pagamento, interligando desta maneira o setor real da economia com as instituições financeiras e o Banco Central. (ANDIMA, 2002, p.2).

Segundo a análise de João Santana (2005), dois eram os principais problemas detectados no Sistema de Pagamentos Brasileiro, antes de sua renovação em 2002. Em primeiro lugar, as principais transações do Sistema não eram realizadas de forma instantânea. A rede de atores do sistema financeiro atuava de forma menos coesa, e, no decorrer de todos os dias de negócios, havia sempre uma defasagem entre as "posições devedoras" e as "posições credoras" dos agentes. Isto é, as transações de compra e venda de títulos, ativos e demais produtos financeiros eram realizadas sem a confirmação instantânea de que haveria saldo das "posições devedoras" para liquidar suas transações. A confirmação (ou não) da existência de saldos só seria realizada ao final do dia de transação (ou, em certos casos, até quatro ou cinco dias depois).

Sem essa instantaneidade, o chamado risco sistêmico19 19 O risco sistêmico, segundo a Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro (ANDIMA), se define como o "risco que a incapacidade de uma instituição atender suas obrigações no vencimento implique a incapacidade de outras instituições de atenderem suas obrigações no vencimento" (2002, p. 141). da estrutura financeira brasileira era maior. Alguns atores da rede financeira nacional se valiam dessa defasagem temporal para realizar negócios, sem ter necessariamente a contrapartida em recursos financeiros para tal realização. Quando do momento da liquidação da transação, o passivo da instituição poderia estar descoberto, e a transação não era liquidada.20 20 Sem a funcionalidade imprimida pelo Sistema de Pagamentos, pode-se dizer que antes do ano de 2002 "havia uma tendência de tornar os participantes negligentes em suas avaliações dos riscos dos sistemas e contrapartes, em virtude da garantia de liquidação sob a qual operava o sistema financeiro. As mensagens de liquidação financeira, enviadas pelas câmaras de liquidação privadas e pelo Banco Central, não eram processadas em tempo real, ou seja, as liquidações financeiras das operações com ativos financeiros ocorriam, muitas vezes, vários dias após a concretização do negócio." (Santana, 2005, p. 58). Essa quebra de contrato poderia gerar um efeito em cadeia, atingindo negativamente todas as empresas que estivessem de alguma forma ligadas à instituição "fraudadora". Daí o risco sistêmico. Como as empresas financeiras geralmente têm ramificações em praticamente todas as atividades econômicas (grandes bancos, pequenos bancos, indústrias, empresas de prestação de serviços, Estado, autarquias públicas, investidores, correntistas etc.), esse risco influencia (direta ou indiretamente) praticamente toda a formação socioespacial brasileira.21 21 Um segundo problema identificado, que justificava a modernização do Sistema de Pagamentos Brasileiro, se relacionava com a posição do Banco Central do Brasil em caso de problemas de insolvência nas negociações. Antes da criação do novo SPB, o "passivo" gerado por transações fraudulentas era assumido pelo Banco Central do Brasil. Na explicação sucinta de Leandro Alves de Souza (2001, p. 67), a nova forma de funcionamento do SPB permite que "o Banco Central possa transferir para o mercado os riscos" que antes assumia.

Pareceu-nos necessário esse detalhamento um pouco mais acurado do novo Sistema de Pagamentos Brasileiro, pois todos os sistemas de ações e de objetos envolvidos são representativos desse período, em que há um aumento do peso das finanças no uso do território brasileiro. São várias as consequências dessa renovação da base técnica e organizacional do território para seu uso.

No que tange ao funcionamento do sistema bancário (e do sistema financeiro como um todo), o novo Sistema de Pagamentos Brasileiro possibilitou, em primeiro lugar, o surgimento de uma maior quantidade de "produtos" e "inovações financeiras", já que o Sistema proporciona maior rapidez e segurança para os fluxos de títulos (a chamada "moeda escritural"), ordens e informações manipuladas diariamente. Um sistema informacional permite que moedas informacionais circulem com maior eficácia.

Já que o Sistema é também mais seguro para as transações, e menores são os custos envolvidos no transporte ou custódia dos ativos financeiros, aumenta também a "liquidez" das operações realizadas a partir do novo SPB. Nesse sentido é que podemos dizer que aumenta seu poder de influenciar o comportamento dos atores econômicos. Maior segurança e menores custos podem tanto atrair investimentos internacionais quanto drenar poupanças de outros setores de atividades desenvolvidas no território para o sistema financeiro.

O novo Sistema de Pagamentos Brasileiro tanto aumentou a velocidade dos fluxos financeiros no território, quanto permitiu que praticamente todo o território estivesse conectado com os fluxos e os estoques de títulos negociados pelo Sistema. Seja através das agências bancárias, de caixas eletrônicos, ou mesmo através da Internet, a segurança e a eficácia técnica do novo Sistema permite que grandes ou pequenos atores econômicos se utilizem dessa nova rede montada. A partir de uma integração material do território, passamos também a uma eficaz integração organizacional, que permite a circulação veloz e segura das informações financeiras entre os principais atores que se utilizam do SPB.

A REORGANIZAÇÃO DOS FIXOS GEOGRÁFICOS PARA A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS BANCÁRIOS NO PERÍODO ATUAL

Após a análise dos novos conteúdos técnicos, organizacionais e normativos que foram acrescentados a partir do ano de 1994 no território brasileiro, parece ser possível passarmos para o entendimento de como essa modernização, despatrimonialização e aceleração dos fixos e dos fluxos de nosso sistema bancário repercutiram nos usos financeiros do território.

Nesse sentido, parece também importante verificar a evolução da concessão de crédito na escala local do território, e daí nossa preocupação em entender melhor a relação das finanças com algumas das dinâmicas urbanas atuais do espaço nacional. Que novos objetos técnicos fazem parte do processo de "creditização do território" (Santos, 1993, 1996) na escala urbana? Como foi alterada a acessibilidade das populações em relação aos serviços bancários?

A evolução recente da distribuição dos fixos geográficos bancários (Agências, Postos de Atendimento, Caixas Eletrônicos) mostra novidades no que diz respeito a essa acessibilidade aos serviços financeiros por parte das populações urbanas. Em função do aparecimento de novos objetos técnicos que aumentam o alcance social e espacial desses serviços, podemos dizer que foi incrementada sensivelmente a capilaridade da concessão de crédito no território brasileiro. No limite, podemos falar de uma hipercapilaridade das finanças (Contel, 2007).

Esse conjunto de transformações na organização do sistema bancário brasileiro não se restringiu apenas às normas, às técnicas e à divisão financeira do trabalho no território. A difusão das redes e objetos técnicos para a prestação de serviços bancários engendrou mudanças bastante significativas no uso recente do território brasileiro, no que tange a sua "topologia bancária" (Santos; Silveira, 2001, p. 189 e ss.).

O principal dado novo dessa topologia diz respeito aos fixos geográficos que servem para a organização bancária do território: de um padrão fundado eminentemente nas agências bancárias, o sistema bancário passa a utilizar com mais freqüência outras formas geográficas para a prestação de seus serviços. Desde a década de 1970, vemos aprofundada a utilização dos Postos de Atendimento Bancário (PAB´s) e dos "caixas automáticos" (ou "ATM´s"). Recentemente, porém, são também criadas novas formas de acessibilidade aos serviços bancários, dadas principalmente pela expansão do uso de Correspondentes Bancários e de novos "canais eletrônicos" no território.22 22 Por "canais eletrônicos", podemos entender todos os sistemas técnicos informacionais que permitem a prestação de serviços bancários fora dos mecanismos tradicionais (agências e postos de atendimento, basicamente). Dentre os principais canais eletrônicos que surgiram (ou se difundiram com vigor) a partir da década de 1990 no território, podemos destacar: os próprios terminais de saque de dinheiro (ATM's), os cartões de débito, o internet e o home- banking, assim como as centrais de atendimento telefônico ( call- centers). O que se pode dizer dessa difusão dos Correspondentes no espaço nacional, e porque essa difusão foi tão importante?

Com a alteração dos conteúdos normativos do espaço que regulavam a atividade bancária - a partir das Resoluções de no. 2.640 (de 25 de agosto de 1999) e 2.707 (de 30 de março de 2000) do Banco Central, assinadas pelo então Presidente do Banco Central Armínio Fraga -, os Bancos Comerciais e Múltiplos atuantes adquirem a prerrogativa de abertura de Correspondentes Bancários, o que viria a alterar sensivelmente a topologia bancária nacional.23 23 Podemos considerar o Correspondente Bancário como um fixo geográfico bastante simples do ponto de vista de sua operacionalidade e, portanto, muito mais flexível em relação à sua localização potencial. São mais simples principalmente pelo fato de "já existirem" as instalações físicas necessárias à sua abertura: os Correspondentes se localizam necessariamente dentro em algum estabelecimento comercial em funcionamento (padarias, farmácias, casas lotéricas, pequenos supermercados, locadoras de vídeo, entre outros).

Se pensarmos em termos da evolução da capilarização dos serviços bancários, não há dúvida de que os Correspondentes significaram um aumento da acessibilidade da população aos serviços financeiros mais básicos. O crescimento vigoroso do número desses fixos geográficos no território indica essa maior acessibilidade, como mostra a Tabela 1.

O atendimento "tradicional" (indicado na Tabela 1 pela evolução das agências bancárias) apresenta um aumento tênue entre os anos de 2000 e 2007, de apenas 11,6%. Já os Correspondentes Bancários apresentam um crescimento vertiginoso: no mesmo período, aumenta em 514,1% sua participação na topologia bancária nacional. Essa velocidade parece nos autorizar a entendê-los também como um dado da "aceleração contemporânea", nesse caso, diretamente ligado à prestação de serviços bancários no Brasil. No ano de 2001, isto é, apenas um ano após a permissão do uso de Correspondentes por parte do Banco Central, seu número já é maior que o de agências; em 2002, a quantidade de Correspondentes representa o dobro da quantidade de agências, e ultrapassa também o número de PAB´s e Caixas Eletrônicos (ATM´s).

Além do aumento da capilaridade relativa à prestação dos serviços por parte dos bancos, é também preciso destacar algumas características (e vantagens) intrínsecas à utilização dos Correspondentes, nas estratégias territoriais dos bancos contratantes. Dentre elas, pode ser lembrada a maior acessibilidade que eles trazem em relação à população não-bancarizada do território. Em função da localização dos Correspondentes, a distância física em relação à população não-bancarizada é menor, já que os Correspondentes são instalados dentro de estabelecimentos comerciais já existentes.24 24 Essa vantagem para o sistema bancário é fundamental, pois gera uma economia em termos de capital físico, por parte das instituições financeiras contratantes do correspondente. Essa economia provém do uso do "meio ambiente construído" (Harvey, 1980), disponibilizado pelos estabelecimentos comerciais em funcionamento. E, em função ainda da simplicidade das operações típicas dos correspondentes (por exemplo, não é necessário mais a apresentação de comprovantes de renda para a abertura de contas), a distância "psicológica" também é diminuída. Isso significa dizer que o constrangimento usual que a população não-bancarizada sempre nutriu em relação às agências tradicionais perde importância. Assim, abriu-se a possibilidade real para que um enorme contingente de brasileiros fossem bancarizado por intermédio dessa nova rede de fixos geográficos financeiros.25 25 Segundo dados da Federação dos Bancos do Brasil (FEBRABAN) e do Banco Central do Brasil, de um total de 49,9 milhões de contas-corrente existentes no país em 1999, passamos a um total de 71,5 milhões em 2001, para chegarmos ao ano de 2005 com nada menos que 95,1 milhões de contas abertas (Contel, 2007, p.271); atualmente (2007), são cerca de 112,1 milhões de contas-corrente no país (FEBRABAN, 2008). Esses números parecem ser também uma manifestação da "creditização do território", catalisada pela hipercapilaridade dos sistemas técnicos financeiros.

Por último, há também economia sensível de custos "operacionais" para a manutenção do sistema de ações nos Correspondentes. Por serem fixos geográficos cujos trabalhadores realizam operações mais simples, é possível que os bancos treinem e contratem uma mão-de-obra menos especializada, realizadora de operações básicas, pouco complexas em termos operacionais (basicamente a manipulação de um terminal de computador para o atendimento aos clientes). A vantagem principal para os bancos, em termos da mão-de-obra utilizada, porém, reside ainda em outro fator: por não serem considerados "bancários" (nos termos da legislação trabalhista em vigor), os funcionários dos Correspondentes não possuem os direitos que a categoria sindicalizada tem (em relação à jornada de trabalho, ao piso salarial mínimo e à participação nos lucros do Banco, principalmente). A utilização dos Correspondentes, portanto, diminui os gastos dos bancos com salários e mina ainda mais as possibilidades de reivindicação política dos trabalhadores do sistema financeiro nacional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do desenvolvimento de uma série de novos sistemas técnicos informacionais (cujos exemplos mais conhecidos são as telecomunicações via satélite, as redes de fibra ótica, assim como a difusão maciça de computadores de todos os tipos), foi alterada a possibilidade de interconexão das regiões produtivas e dos países, criando-se uma "unicidade técnica" (Santos, 1996, 2000) nunca antes vista na história da humanidade. Essa nova unicidade teve grandes repercussões no Brasil, como procuramos demonstrar para o caso de nosso sistema bancário.

Acompanhada da instalação de novos sistemas técnicos e de "redes corporativas" (Dias, 1995, 2005) no território, ocorreu também, a partir de meados da década de 1990, uma liberalização normativa das atividades financeiras que se mostrou bastante funcional para as grandes empresas (mormente as globais) desse setor. Para as empresas locais, estatais, ou não-hegemônicas, a liberalização é muito mais uma prisão, ou uma espécie de "decreto de pena de morte", como vimos para o caso dos bancos estaduais.

Vimos que a aniquilação do sistema de bancos públicos estaduais tornaria ainda mais verticalizado o arranjo federativo brasileiro, já que os estados da Federação perdem o poder de coordenar suas finanças de acordo com as combinações locais ou regionais dos sistemas de ações e de objetos.

No que diz respeito à formação socioespacial brasileira, a implementação do novo Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) pode ser também considerada como um aprimoramento das "redes corporativas" do território. Neste caso, o SPB vem aumentar a racionalidade e a eficiência da chamada Rede do Sistema Financeiro Nacional. As redes corporativas fazem crescer exponencialmente a eficácia da ação das empresas financeiras hegemônicas, por três principais motivos: a) elas aumentam a velocidade dos fluxos financeiros informacionais, que são tornados instantâneos, em boa parte dos casos; b) elas imprimem também uma maior segurança aos fluxos hegemônicos, colaborando para que mais atores possam se utilizar dessas redes; e c) elas diminuem sensivelmente os custos relacionados à movimentação de recursos, mensagens e informação. Desse modo, aumentam a "produtividade espacial" (Santos, 1996, p. 197) assim como a produtividade dos atores financeiros, e contribuem para que eles se tornem mais poderosos do que os demais atores econômicos presentes no território.

Outra das principais conseqüências desse novo padrão informacional e corporativo de uso financeiro do território tem relação direta com a topologia das instituições e das operações financeiras. A grande novidade da topologia bancária do período foi, sem sombra de dúvida, a difusão dos Correspondentes Bancários no território. Esse fixo geográfico se mostrou, ao mesmo tempo: a) bastante flexível do ponto de vista da localização; b) econômico, no que tange aos custos fixos e variáveis envolvidos em sua manutenção; e finalmente, c) funcional, no que diz respeito à possibilidade de bancarização da população e, consequentemente, da creditização do território.

Essas são as novas racionalidades instaladas no espaço nacional, que aumentam sobremaneira tanto o alcance geográfico da ação das instituições financeiras, assim como o poder delas para comandar os demais conteúdos e ações presentes no território brasileiro. Os tempos locais e regionais são cada vez mais substituídos pelos tempos nacionais ou globais, já que mesmo as famílias e os indivíduos passam a contrair dívidas, comprar produtos financeiros, o que altera o ritmo de reprodução cotidiana de suas vidas. As ações individuais e coletivas, portanto, perdem cada vez mais seu caráter orgânico com os lugares nos quais efetivamente se dão. Dada essa recente hipercapilaridade do acesso ao crédito, vê-se que se instala, de forma ubíqua, uma racionalidade vertical, eminentemente financeira, que impõe muito mais uma solidariedade organizacional que uma solidariedade orgânica ao sistema de ações do espaço brasileiro. A finança se entroniza como um dos principais conteúdos do território nessa contemporaneidade, e passa a comandar as regiões segundo suas vicissitudes.

(Recebido para publicação em novembro de 2008)

(Aceito em março de 2009)

Fabio Betioli Contel - Doutor em Geografia Humana pela FFLCH-USP. Professor do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo. Desenvolve pesquisas na área de geografia urbana, geografia econômica, internacionalização do ensino superior. Suas mais recentes publicações, são: A OMC e o "mercado" educacional: das razões para o interesse às eventuais consequências (coautoria com LIMA, Manolita C.) In: Amatucci, Marcos. (Org.). Internacionalização de empresas. Teorias, problemas, casos. São Paulo: Atlas, 2009, p. 236-281; Aspectos da formação regional paulista. In: DEAECTO, Marisa; SECCO, Lincoln. (Org.). São Paulo: Espaço e História. 1 ed. São Paulo: LCTE, 2008, p. 36-52; A evolução do sistema financeiro brasileiro: uma leitura geográfica. In: OLIVEIRA, Marcio Piñon; COELHO, Maria C. Nunes; CORRÊA, Aureanice. (Org.). O Brasil, a América Latina e o Mundo: Espacialidades Contemporâneas I. 1 ed. Rio de Janeiro: Lamparina/Anpege/Faperj, 2008, v. 1, p. 104-120.

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  • 1
    Sem considerarmos as ações que incidem sobre as formas, em cada período histórico, não se pode depreender a dialética do espaço (e da sociedade): "Tornada forma-conteúdo pela presença da ação, a forma torna-se capaz de influenciar, de volta, o desenvolvimento da totalidade, participando, assim, de pleno direito, da dialética social." (Santos, 1996, p.101). Ainda sobre a proposta de entendimento do espaço geográfico como uma "forma-conteúdo", ver Milton Santos (1979a).
  • 2
    A maior parte da bibliografia sobre as conseqüências do Plano Real indica que o controle dos mecanismos que geravam a inflação foi o mais importante resultado do Plano; uma das exceções é o livro de Gilberto Felisberto Vasconcellos (1997, p.171) que, em linhas gerais, nos mostra que "o que está na base da criação do Real é a renegociação da dívida externa. O setor financeiro, comandado de fora, domina a sociedade brasileira".
  • 3
    Os investimentos externos diretos se dividem, basicamente, em três tipos: 1) a construção de novas plantas fabris ou comerciais por parte do investidor (chamados
    greenfield investiments); 2) a compra do controle acionário de uma empresa já existente no país; e 3) os investimentos em ações de uma determinada empresa (portfólio) (Andreff, 2000).
  • 4
    Segundo Freitas e Prates (2003, p.243), as normas contidas nos "Acordos de Basiléia" dizem respeito principalmente: a) requerimento de capitais mínimos para o funcionamento das instituições; b) supervisão constante da adequação destes capitais; e c) "fortalecimento da disciplina de mercado" nas instituições. Ainda segundo as autoras (op. cit., 2003, p.245), "o Comitê da Basiléia considera que a segurança e a higidez do sistema financeiro em um mundo dinâmico e complexo só podem ser obtidas com a combinação de supervisão, disciplina de mercado e efetiva administração interna dos bancos".
  • 5
    O Governo Federal, desde ao menos o ano de 1983 vinha tentando implementar - sem o sucesso esperado - diversos programas de saneamento dos bancos estaduais. Dentre eles, podemos destacar: Programa de Apoio Creditício (PAC), de 1983; Programa de Recuperação Financeira (PROREF), em 1984; Regime de Administração Especial Temporária (RAET), em 1987; Programa de Recuperação, em 1990; e finalmente uma "linha especial para os bancos liquidados em 1990, vinculada a ajustes" (Puga, 1999, p.424), no ano de 1992. Uma análise mais detalhada do PROER pode ser encontrada em Carvalho e Oliveira (2002).
  • 6
    As privatizações de bancos estaduais não ocorreram apenas no Brasil. Na Argentina, a geógrafa María Laura Silveira (1999, p.372) nos mostra que, na década de 1990, se dá uma "reestruturação bancária regional", e a privatização do
    Banco Provincial de Neuquén é um exemplo bem acabado das conseqüências dessa "reestruturação". Armijo e Jha (1997) descrevem também, para a Índia, um processo semelhante. Para um apanhado bastante completo (mas pouco crítico) do processo de privatizações bancárias no mundo, ver Megginson (2003).
  • 7
    Para Francisco Lopreato, (2002, p. 215), a partir das negociações iniciadas com a União em 1994, os "Estados, reféns da crise financeira, não estavam em condições de defender uma posição de força. A correlação de forças e o quadro de crise deixaram poucas opções aos Estados senão acatarem as regras do programa de renegociação, uma vez que, fora dele, a situação financeira era insustentável e o risco de ingovernabilidade elevado."
  • 8
    Até o ano de 2002, estavam em processo de liquidação (ou já haviam sido extintos) as seguintes instituições: Banco do Estado do Acre (BANACRE), Banco do Estado do Amapá (BANAP), Banco do Estado do Rio Grande do Norte (BANDERN), Banco de Desenvolvimento do Rio Grande do Norte (BDRN), Banco do Estado do Mato Grosso (BEMAT), Banco do Estado de Rondônia (BERON), Caixa Econômica do Estado de Goiás (CAIXEGO), Minascaixa (MG), Banco do Estado de Alagoas (PRODUBAN) e Banco do Estado de Roraima (BANER).
  • 9
    Foram criadas, no âmbito do PROES, as seguintes Agências de Fomento: a) Agência de Fomento do Amapá; b) Agência de Fomento do Amazonas; c) Agência de Fomento do Paraná; d) Agência de Fomento de Roraima; e) Agência de Fomento de Rondônia; f) Agência de Fomento do Rio Grande do Norte; g) Agência Catarinense de Fomento (BADESC); h) Caixa Estadual S/A - Agência de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul; i) Desembahia; j) Goiás Fomento; k) Agência de Fomento do Acre; l) Agência de Fomento de Alagoas; m) Agência de Fomento do Mato Grosso; n) Agência de Fomento do Piauí; o) Agência de Fomento de Pernambuco.
  • 10
    Quando as empresas ou instituições instaladas numa cidade ou região têm relações históricas com aquele contexto, e que produzem "efeitos multiplicadores" na própria região em que estão instaladas, pode-se dizer que a divisão do trabalho produz "solidariedades orgânicas" naquela parcela do espaço geográfico. Ao contrário, quando as lógicas da firma instalada desorganizam a vida local/regional a seu favor, utilizando-se apenas de pontos e de redes específicas daquele contexto, podemos falar na consecução de "solidariedades organizacionais" por parte desta(s) firma(s). Sobre a definição de "solidariedades orgânicas" e "organizacionais", ver Santos (1996, p.223-229).
  • 11
    Como lembra também Cleofas Salviano Jr. (2004, p.85), "...as agências são limitadas a uma por estado, e destinam-se a financiar projetos na área do estado a que pertencem, não podendo captar depósitos do público, não tendo acesso a operações de redesconto no Banco Central nem tendo conta de reservas bancárias. Elas apenas podem emprestar capital próprio, repassar recursos orçamentários, de fundos constitucionais e de organizações de desenvolvimento nacionais ou internacionais".
  • 12
    Para o geógrafo Milton Santos (1988), uma definição de espaço geográfico pode se dar através da utilização dos conceitos de "fixos" e "fluxos" geográficos. Para o autor (Santos, 1988, p.77), "O espaço é, também e sempre, formado de fixos e de fluxos. Nós temos coisas fixas, fluxos que se originam dessas coisas fixas, fluxos que chegam a essas coisas fixas. [...] Os fixos nos dão o processo imediato do trabalho [...] Os fluxos são o movimento, a circulação e assim eles nos dão, também, a explicação dos fenômenos da distribuição e do consumo".
  • 13
    Vale lembrar que cada compra de banco estadual incluiu uma série de acordos em relação ao controle (ou não) das folhas de pagamento do funcionalismo público. Adquirir o controle do banco não significava, necessariamente, ter o controle sobre os volumes gastos mensalmente com a remuneração deste funcionalismo, portanto.
  • 14
    Estudando três grandes bancos nacionais (Bradesco, Itaú e Unibanco), Coutinho e Amaral (2003, p.1031) mostram que, no período de 1991 a 2000, "... as receitas de tarifas elevaram-se consideravelmente nas três instituições registrando aumento de mais de 100% em sua participação no total das receitas operacionais das instituições financeiras".
  • 15
    Para Friedmann e Weaver (1981, p.24), os vetores de planejamento "funcionais" são mais ligados aos atores transnacionais da economia, enquanto que "as forças territoriais derivam de nexos comuns de ordem social forjados pela história dentro de uma localidade concreta". Este raciocínio é bastante próximo à idéia de formação de "solidariedades organizacionais" e "orgânicas" no território, como já comentado na nota 9.
  • 16
    Os conceitos de "verticalidades" e "horizontalidades" foram criados pelo geógrafo Milton Santos (1991, 1994, 1996), como forma de entendimento das regiões e das redes urbanas que constituem os territórios nacionais. As "verticalidades" são os arranjos que privilegiam as necessidades das empresas cujo centro de decisão se encontra fora das áreas em que efetivamente atuam, muitas vezes em detrimento das necessidades das populações e das firmas locais. Sobre os conceitos de "verticalidades" e "horizontalidades", ver ainda María Laura Silveira (1997, 1999, 2003).
  • 17
    Para Chesnais (1998, p.12), a própria idéia de
    mundialização está intrinsecamente ligada às finanças, já que "a abertura, externa e interna, dos sistemas nacionais, anteriormente fechados e compartimentados, proporcionou a emergência de um espaço financeiro mundial".
  • 18
    Fundada na cidade de Bruxelas, no ano de 1973, a SWIFT é uma rede de "mensageria", que permitia a realização das operações financeiras entre 15 países (basicamente os que compunham a Comunidade Econômica Européia), e tinha 239 bancos como clientes até então (Goldfinger, 1986). Atualmente, cerca de 8.300 diferentes "clientes corporativos" (principalmente bancos e companhias de seguro globais) fazem uso deste sistema técnico, que abrange 208 países do planeta (SWIFT, 2008).
  • 19
    O risco sistêmico, segundo a
    Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro (ANDIMA), se define como o "risco que a incapacidade de uma instituição atender suas obrigações no vencimento implique a incapacidade de outras instituições de atenderem suas obrigações no vencimento" (2002, p. 141).
  • 20
    Sem a funcionalidade imprimida pelo
    Sistema de Pagamentos, pode-se dizer que antes do ano de 2002 "havia uma tendência de tornar os participantes negligentes em suas avaliações dos riscos dos sistemas e contrapartes, em virtude da garantia de liquidação sob a qual operava o sistema financeiro. As mensagens de liquidação financeira, enviadas pelas câmaras de liquidação privadas e pelo Banco Central, não eram processadas em tempo real, ou seja, as liquidações financeiras das operações com ativos financeiros ocorriam, muitas vezes, vários dias após a concretização do negócio." (Santana, 2005, p. 58).
  • 21
    Um segundo problema identificado, que justificava a modernização do
    Sistema de Pagamentos Brasileiro, se relacionava com a posição do Banco Central do Brasil em caso de problemas de insolvência nas negociações. Antes da criação do novo SPB, o "passivo" gerado por transações fraudulentas era assumido pelo Banco Central do Brasil. Na explicação sucinta de Leandro Alves de Souza (2001, p. 67), a nova forma de funcionamento do SPB permite que "o Banco Central possa transferir para o mercado os riscos" que antes assumia.
  • 22
    Por "canais eletrônicos", podemos entender todos os sistemas técnicos informacionais que permitem a prestação de serviços bancários fora dos mecanismos tradicionais (agências e postos de atendimento, basicamente). Dentre os principais canais eletrônicos que surgiram (ou se difundiram com vigor) a partir da década de 1990 no território, podemos destacar: os próprios terminais de saque de dinheiro (ATM's), os cartões de débito, o
    internet e o
    home-
    banking, assim como as centrais de atendimento telefônico (
    call-
    centers).
  • 23
    Podemos considerar o
    Correspondente Bancário como um fixo geográfico bastante simples do ponto de vista de sua operacionalidade e, portanto, muito mais flexível em relação à sua localização potencial. São mais simples principalmente pelo fato de "já existirem" as instalações físicas necessárias à sua abertura: os
    Correspondentes se localizam necessariamente dentro em algum estabelecimento comercial em funcionamento (padarias, farmácias, casas lotéricas, pequenos supermercados, locadoras de vídeo, entre outros).
  • 24
    Essa vantagem para o sistema bancário é fundamental, pois gera uma economia em termos de capital físico, por parte das instituições financeiras contratantes do correspondente. Essa economia provém do uso do "meio ambiente construído" (Harvey, 1980), disponibilizado pelos estabelecimentos comerciais em funcionamento.
  • 25
    Segundo dados da Federação dos Bancos do Brasil (FEBRABAN) e do Banco Central do Brasil, de um total de 49,9 milhões de contas-corrente existentes no país em 1999, passamos a um total de 71,5 milhões em 2001, para chegarmos ao ano de 2005 com nada menos que 95,1 milhões de contas abertas (Contel, 2007, p.271); atualmente (2007), são cerca de 112,1 milhões de contas-corrente no país (FEBRABAN, 2008). Esses números parecem ser também uma manifestação da "creditização do território", catalisada pela hipercapilaridade dos sistemas técnicos financeiros.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      Abr 2009

    Histórico

    • Aceito
      Mar 2009
    • Recebido
      Nov 2008
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