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Em tempos globais, um "novo" local: a Ford na Bahia

In global times, a "new" place: Ford in Bahia

En periode de mondialisation, un "nouveau" local: Ford à Bahia

Resumos

O artigo analisa a dinâmica da Região Metropolitana de Salvador (RMS) a partir da implantação da Ford, discutindo a perspectiva do 'lugar' (a periferia metropolitana), dentro de uma relação assimétrica com os negócios globais na era da flexibilidade. O texto caracteriza o complexo Ford de Camaçari a partir da reestruturação produtiva e das mudanças na organização e funcionamento dos territórios e, na segunda parte, seus impactos sobre a periferia metropolitana de Salvador. Na conclusão demonstra que as mesmas circunstâncias que permitiram a vinda da montadora para Camaçari constrangem as ambições originais de melhor equacionamento entre crescimento econômico e progresso social: a flexibilidade dos novos arranjos, que tornam os espaços periféricos estratégicos, compromete o "enraizamento" do investimento; a "produção enxuta", exígua de emprego e diligente na sua precarização, inibe os benefícios sociais.

reestruturação produtiva; mercado de trabalho; indústria automobilística; periferia metropolitana; segregação socioespacial


This paper makes an analysis of the dynamics of the Metropolitan Area of Salvador (in Portuguese, RMS) starting from the implantation of Ford, discussing the perspective of the 'local' (the metropolitan periphery), inside of an asymmetrical relationship with global businesses in the age of flexibility. The Ford Automotive Compound is caracterized in the first part of the paper from its productive reestructuring and changes in the organization and work of territories, and, in the second part, from its impact on the the metropolitan periphery from Salvador. In its conclusion it demonstrates that the same circumstances that allowed the arrival of the automotive maker in Camaçari constrain the original ambitions of better ratio between economical growth and social progress: the flexibility of the new automotive production methods, making peripheric spaces strategic, compromises on the permanence of the investments; and the "streamlined production", easy on job production and hard on job flexibilization inhibit social benefits.

productive restructuring; job market; automobile industry; metropolitan periphery; socioespatial segregation


Cet article traite de l'analyse de la dynamique de la Région Métropolitaine de Salvador (RMS), à partir de l'implantation de l'usine Ford. On y discute de la perspective du "lieu" (la périphérie métropolitaine), dans une relation asymétrique avec les affaires globales à une époque de flexibilité. On y caractérise le complexe Ford de Camaçari à partir de la restructuration productive et des changements dans l'organisation et le fonctionnement des territoires. Ses impacts sur la périphérie métropolitaine de Salvador sont présentés dans la deuxième partie. En conclusion, on y démontre que ce sont les mêmes circonstances qui ont permis l'arrivée de l'usine de montage à Camaçari qui représentent une contrainte pour les ambitions qui, à l'origine, voulaient atteindre une meilleure équation entre la croissance économique et le progrès social. La flexibilité de ces nouveaux arrangements, qui rendent les espaces périphériques stratégiques, compromet "l'enracinement" des investissements, la "production exiguë", l'exiguïté des emplois et la diligence dans leur précarisation, elle inhibe les avantages sociaux.

restructuration productive; marché du travail; industrie automobile; périphérie métropolitaine; ségrégation sociale et spatiale


Em tempos globais, um "novo" local: a Ford na Bahia1 1 À Tânia Franco, meus agradecimentos pelas sugestões e revisão do artigo.

In global times, a "new" place: Ford in Bahia

En periode de mondialisation, un "nouveau" local: Ford à Bahia

Angela Franco

Arquiteta. Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela UFBA. Professora da Universidade Salvador - UNIFACS. Rua: Félix Mendes, 18. Cep: 40.100-020. Garcia - Salvador - Bahia - Brasil. amafranco@terra.com.br

RESUMO

O artigo analisa a dinâmica da Região Metropolitana de Salvador (RMS) a partir da implantação da Ford, discutindo a perspectiva do 'lugar' (a periferia metropolitana), dentro de uma relação assimétrica com os negócios globais na era da flexibilidade. O texto caracteriza o complexo Ford de Camaçari a partir da reestruturação produtiva e das mudanças na organização e funcionamento dos territórios e, na segunda parte, seus impactos sobre a periferia metropolitana de Salvador. Na conclusão demonstra que as mesmas circunstâncias que permitiram a vinda da montadora para Camaçari constrangem as ambições originais de melhor equacionamento entre crescimento econômico e progresso social: a flexibilidade dos novos arranjos, que tornam os espaços periféricos estratégicos, compromete o "enraizamento" do investimento; a "produção enxuta", exígua de emprego e diligente na sua precarização, inibe os benefícios sociais.

Palavras chave: reestruturação produtiva, mercado de trabalho, indústria automobilística, periferia metropolitana, segregação socioespacial.

ABSTRACT

This paper makes an analysis of the dynamics of the Metropolitan Area of Salvador (in Portuguese, RMS) starting from the implantation of Ford, discussing the perspective of the 'local' (the metropolitan periphery), inside of an asymmetrical relationship with global businesses in the age of flexibility. The Ford Automotive Compound is caracterized in the first part of the paper from its productive reestructuring and changes in the organization and work of territories, and, in the second part, from its impact on the the metropolitan periphery from Salvador. In its conclusion it demonstrates that the same circumstances that allowed the arrival of the automotive maker in Camaçari constrain the original ambitions of better ratio between economical growth and social progress: the flexibility of the new automotive production methods, making peripheric spaces strategic, compromises on the permanence of the investments; and the "streamlined production", easy on job production and hard on job flexibilization inhibit social benefits.

Keywords: productive restructuring, job market, automobile industry, metropolitan periphery, socioespatial segregation

RÉSUMÉ

Cet article traite de l'analyse de la dynamique de la Région Métropolitaine de Salvador (RMS), à partir de l'implantation de l'usine Ford. On y discute de la perspective du "lieu" (la périphérie métropolitaine), dans une relation asymétrique avec les affaires globales à une époque de flexibilité. On y caractérise le complexe Ford de Camaçari à partir de la restructuration productive et des changements dans l'organisation et le fonctionnement des territoires. Ses impacts sur la périphérie métropolitaine de Salvador sont présentés dans la deuxième partie. En conclusion, on y démontre que ce sont les mêmes circonstances qui ont permis l'arrivée de l'usine de montage à Camaçari qui représentent une contrainte pour les ambitions qui, à l'origine, voulaient atteindre une meilleure équation entre la croissance économique et le progrès social. La flexibilité de ces nouveaux arrangements, qui rendent les espaces périphériques stratégiques, compromet "l'enracinement" des investissements, la "production exiguë", l'exiguïté des emplois et la diligence dans leur précarisation, elle inhibe les avantages sociaux.

Mots-clés: restructuration productive, marché du travail, industrie automobile, périphérie métropolitaine, ségrégation sociale et spatiale.

A Bahia ingressou nos anos 2000 sediando, enfim, a indústria automobilística, após a dura disputa pela vinda da Ford, que contou com um amplo arco de alianças locais, de governantes estaduais a sindicatos, evento de enorme significado para o desenvolvimento baiano, há muito estabelecido pelo planejamento governamental. Sendo um setor produtor de bens finais, o fabrico de automóveis seria capaz, em tese, de quebrar a rigidez do padrão de industrialização local, dada pela concentração na produção de bens intermediários e petroquímicos, cujos efeitos dinamizadores se dão, em boa medida, fora da região. Dentro da estratégia de diversificação da economia baiana, portanto, aquele segmento industrial seria uma opção promissora, como atestavam as experiências inaugurais do sul do país, que resultaram em mercados de trabalho estruturados e em importantes redes de cidades.

Na Região Metropolitana de Salvador (RMS), as elevadas e ascendentes taxas de desemprego mais do que justificavam o entusiasmo, mas ele se assentava em objetivos mais ambiciosos, como um melhor equacionamento entre crescimento econômico e progresso social, mediante a alteração do padrão de urbanização herdado do ciclo petroquímico, marcado por um mercado de trabalho segmentado e precário, associado a forte segregação socioespacial. Assim, além de quebra do modelo monossetorial da industrialização baiana e de geração de empregos diretos e indiretos, caberia à Ford o até então inédito papel, determinado por negociações com os governos estadual e municipais envolvidos, de contribuir para alterar o padrão de segregação espacial da região, ao estabelecer, como critério de contratação de trabalhadores operacionais, a moradia nos municípios da periferia metropolitana.

Contudo, em tempos de globalização, a empreitada delineada carrega um paradoxo: as mesmas circunstâncias que possibilitaram a vinda de uma das maiores montadoras de automóveis do mundo para uma região periférica, como a RMS, colocam sérios constrangimentos no caminho das ambições baianas. Trata-se, portanto, de um caso paradigmático, em torno do qual se podem problematizar questões relativas à presença de um empreendimento global em territórios periféricos. Esse é o objetivo deste artigo, estruturado em duas partes principais.

Na primeira, aborda-se a reestruturação produtiva, presidida pelo princípio da flexibilidade, e as modificações que vem ocasionando na organização e funcionamento dos territórios, submetidos a investimentos produtivos dotados de extrema mobilidade e destituídos das propensões enraizadoras no local, com efeitos socialmente estruturadores. Em paralelo, trata-se das mudanças no papel do Estado, conduzido a um comportamento competitivo e empreendedor, e a novo protagonismo das esferas subnacionais, colocadas em acirrada disputa pela atração dos investimentos. Na sequência, privilegia-se a reestruturação produtiva no âmbito da indústria automobilística em escala global e nacional, a nova geografia do setor daí resultante, marcada pela busca dos espaços periféricos e, por fim, procede-se à caracterização do Complexo Ford implantado em Camaçari.

A segunda parte do artigo atenta para os impactos da implantação do Complexo Ford na periferia metropolitana de Salvador e para sua problematização. Inicia-se com a compreensão do legado dos tempos da petroquímica, anteriores aos investimentos automotivos; em seguida, detém-se na análise dos efeitos da nova onda industrial relacionados à geração da riqueza, empregos e rendimentos e às mudanças no padrão de urbanização até então consolidado e, finalmente, discute perspectivas do lugar (periferia metropolitana) dentro de uma relação assimétrica como a estabelecida com os negócios globais na era da flexibilidade.

A MOBILIDADE DOS NEGÓCIOS E A COMPETIÇÃO ENTRE LUGARES

São vários os estudiosos que vão de encontro à ideia de que o desenvolvimento espetacular de técnicas que comprimem o tempo e (quase) eliminam a distância - base dos processos de reestruturação produtiva e de globalização - desemboca numa economia desligada de territórios. Para Veltz (1999), contudo, a imagem de uma economia pura de fluxos indiferente aos lugares não se sustenta, sendo contraditória com a crescente polarização geográfica das atividades: as cidades mundiais, concentrando uma parte cada vez mais considerável da riqueza e do poder, estariam longe do "universo a-espacial da teleatividade".

Mas também é verdade que tal concentração de poder, pensada em relação às corporações, está associada ao incremento da capacidade de dispersão geográfica dos negócios da era flexível. Como assinala Harvey (1994), o capitalismo está se tornando um sistema cada vez mais "organizado" através da mobilidade geográfica e das respostas flexíveis nos âmbitos da produção e do consumo, mediante contínua inovação tecnológica, de produto e institucional.

Para Veltz, trata-se do desaparecimento progressivo e rápido do mundo "bem organizado pela proximidade e pela distância geométrica". Nesse contexto, de drástica redução dos custos de transporte e de comunicação, de troca instantânea de instruções e informações de ou para qualquer parte do mundo, e de minimização das tradicionais restrições locais relativas a fontes de matérias-primas e mercados, as relações horizontais entre polos de atividade são, com frequência, mais determinantes que as relações verticais entre eles e suas periferias, regionais e até nacionais. Enfim, "a economia global está imediatamente presente na economia local" (Veltz, 1999, p. 60), ainda que isso esteja impregnado do distanciamento, criado pela mundialização, entre o espaço das grandes empresas e a vida das sociedades locais.

Os novos termos dessa dispersão geográfica das atividades econômicas ou, para Veltz (1999), da multilocalização, estão relacionados com os novos modos da competição global e com a racionalidade organizacional das empresas sob o princípio da flexibilidade.

Quanto ao primeiro aspecto, trata-se da exacerbação da competitividade nos mercados, centrada na variedade e na capacidade de reação, dando lugar às ondas de investimentos cujo objetivo principal - adquirir posições no mercado - é buscado numa corrida na qual a rapidez e os efeitos de imitação desempenham uma função essencial. Essa intensificação da competição, agregada à abertura das economias nacionais - novidade para os paises latino-americanos, especialmente o Brasil, a partir dos anos 1980 e 1990 -, reforçaram consideravelmente o grau de incerteza para as empresas e a importância de diferenciais (qualidade, variedade, reatividade) na competitividade. A essa diferenciação crescente dos produtos, bens e serviços corresponderia a passagem de uma competição centrada nos preços, para uma competição focada, simultaneamente, no preço e na diferenciação ou, ainda, de uma economia mundial dominada pela oferta, para uma economia mundial dominada pela demanda2 2 Na nova multinacionalização, não deixam de estar presentes as tradicionais vantagens - estratégicas, competitivas e comparativas - características das décadas de 1960 e 1970, utilizadas concomitantemente, em graus diferentes conforme os países, os setores, as empresas e as conjunturas. Entretanto, os fatores de então não teriam hoje o mesmo significado, assim como a ideia de vantagem absoluta, sobretudo tecnológica, reaparece com vigor (Veltz, 1999). (Veltz, 1999).

Diante dos novos termos da competitividade, entende-se o afinco das corporações para com o princípio da flexibilidade, que permite a reconfiguração interna de recursos, sobretudo quanto ao uso do trabalho e, ao mesmo tempo, a externalização das limitações, riscos e incertezas. Em qualquer caso, constitui uma estratégia fundamental na gestão empresarial, embora tenha seus limites, razão pela qual, ao lado das estratégias flexibilizadoras, observa-se o desenvolvimento de todo tipo de dispositivos de garantia como outra tendência fundamental.

A geografia associada a tais estratégias não se explicita na oposição entre "um mundo de pequenas empresas flexíveis e inovadoras, suporte fundamental da territorialização da economia, e um universo rígido de grandes empresas atracadas aos modelos da produção em série e indiferentes aos territórios" (Veltz, 1999, p. 13). Afastando-se do enfoque dos "distritos industriais", revitalizado como paradigma da flexibilidade a partir do sucesso da Terceira Itália, o autor lembra que aquelas estratégias concernem tanto às pequenas quanto - e, sobretudo -, às grandes empresas. Estas lideram as mudanças produtivas e organizacionais que acabam por tornar cada vez mais imbricadas as diferentes escalas empresariais.

À mesma linha de argumentação filia-se Markusen (1995), ao pesquisar áreas de atração de investimentos nesse ambiente de hipermobilidade. Segundo a autora, não são apenas os novos distritos industriais3 3 Markusen constata ser rara a ocorrência desses novos distritos fora da Europa e dos Estados Unidos. Os exemplos tomados referem-se aos Distritos Italianos (da Terceira Itália) e às experiências high tech americanas de Orange County e do Silicon Valley, com grandes diferenças entre si, sobretudo quanto aos resultados sociais. A experiência italiana é permeável à influência dos sindicatos e tem fortes laços comunitários, enquanto, nas experiências americanas, a cooperação mal transcende a "esfera do capital", tendendo para um "extremado conservadorismo laissez-faireano [...]" (Markusen, 1995, p. 20-21). - formados por firmas pequenas e inovadoras, articuladas em um arranjo cooperativo de âmbito e direção regionais e com capacidade de adaptação e crescimento apesar das tendências da globalização - as estruturas que se cristalizam em meio à crescente mobilidade do capital. Suas análises mostram que experiências bem diversas têm conduzido àquela atração, com ênfase não nas pequenas firmas, mas na força de governos e de corporações multinacionais na configuração de distritos industriais.4 4 A diversidade de formas espaciais é demonstrada por Markusen através de experiências nos Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul e Brasil e da farta literatura sobre "especialização flexível" ou "novos distritos industriais" (Markusen, 1995).

O desacordo com a supremacia do paradigma dos distritos também se revela na supervalorização da escala local (e da microlocal), contrariando evidentes preferências geográficas em favor das grandes cidades, das regiões densamente povoadas e das metrópoles (Veltz, 1999; Markusen, 1995). Isso remete, de volta, à questão do território e seu papel na dinâmica da produção flexível. Ela carrega um grande paradoxo, uma vez que a economia avançada se move cada vez mais no "extraeconômico" e, nesse movimento, o território, como "estrutura de organização, de interações sociais, e não como uma reserva de recursos sem passado e sem futuro" (Veltz, 1999, p.14), desempenha uma função essencial.

O paradoxo se completa com a questão das "temporalidades": por um lado, a globalização acelera os ritmos, impondo uma "economia da velocidade", na qual as empresas são progressivamente devoradas pelo curto prazo, em razão das incertezas ligadas aos novos termos da competição mundial, à financeirização da economia e ao domínio da lógica dos investidores que eleva os ganhos de capital ao tempo em que reduz horizontes. Por outro lado, a competitividade da economia "real" aciona recursos que não podem ser criados e renovados senão na estabilidade e ao longo do tempo, tais como as habilidades dos trabalhadores, a confiança nas relações entre atores, a capacidade coletiva de manipular os sistemas técnicos cada vez mais sofisticados e frágeis, além das externalidades do meio físico que, resultantes da combinação de múltiplos processos e agentes, tipificam os tecidos urbanos (Veltz, 1999).

O território seria um elemento-chave na articulação dessas temporalidades: em certa medida, permite "reduzir" os ritmos, dando acesso àqueles "recursos lentos" da competitividade. Entretanto, ao mesmo tempo, e nas grandes cidades, o território configura

... una máquina formidable para acelerar los fluxos, para vincular los ritmos del consumo y de los modos de vida con los de la producción e el capital, para limitar la incertidumbre garantizando a las empresas las amplas posibilidades de externalización de los riesgos (por ejemplo, mediante el uso masivo de la subcontratación) y el acceso a los mercados más flexibles del trabajo más cualificado (Veltz, 1999, p. 15).

Como alerta o autor, tais tensões temporais recaem, sobretudo, sobre os indivíduos, famílias e comunidades locais, e estão também na origem das intensas desigualdades concentradas nas grandes cidades, refletindo o choque entre aquela compulsão e a ausência de perspectivas de grande parte da população.

No atual contexto da economia da velocidade, da incerteza e da flexibilidade, as virtudes das metrópoles, embora realçadas, não implicam nenhum determinismo geográfico: as vantagens dos tecidos metropolitanos não desqualificam outras formas de desenvolvimento territorial. O que, aliás, condiz com aquela outra dinâmica fundamental da economia globalizada, a de operar pela diversidade. Esta seria controlada, e não suprimida, numa estratégia que supõe estreita articulação com as especificidades locais dos mercados e dos contextos sociopolíticos. Isso se daria - distinguindo a multilocalização de hoje da anterior - mediante uma centralização crescente e uma diversificação das normas sócio-organizativas (a exemplo das políticas salariais, níveis de pessoal, formas jurídicas das filiais etc), com o objetivo de adaptar-se, o mais possível, às especificações locais (Veltz, 1999).

Assim, a mobilidade lograda pelo capital, além de não implicar indiferença territorial, embora possibilite a dispersão geográfica e a proliferação de arranjos espaciais, tira o enraizamento territorial do âmbito exclusivo dos interesses dos lugares, para colocá-lo, também, na raia da competitividade das empresas e das economias. Ao lado da potencialização da seletividade geográfica, esse compartilhamento dos interesses em torno do enraizamento territorial tem uma dimensão política inequívoca, o que será delineado melhor com a compreensão do novo papel do Estado.

Ficou muito difundida a ideia de que os Estados estariam batendo em retirada, uma vez inexoravelmente superados pela força da globalização. Isso requer abordagem mais cuidadosa, pois parece tratar-se da redefinição da atuação estatal e, algumas vezes, até do seu reforço, num ambiente no qual as empresas requerem relações mais fluidas, no lugar das estratégias de controle e compromisso vividas antes da era flexível. Com efeito, Veltz (1999) salienta que a articulação entre políticas setoriais tradicionais (como a industrial) e outras formas de políticas estatais (macroeconômica, de ordenação do território, de acolhimento do investimento estrangeiro, de desenvolvimento local, etc.) ficou problemática, em virtude da dissociação entre o espaço das empresas e os espaços públicos institucionais.

Dentre as principais tendências a respeito, o autor se refere ao debilitamento das políticas de incentivo ao investimento, em contraste com o incremento das ajudas à exportação. Outra consiste em que as políticas industriais se tornam menos verticais (específicas de um setor, por exemplo) e mais horizontais, objetivando melhorar o funcionamento geral dos mercados e influir em fatores transversais (como pesquisa e desenvolvimento e a formação).

Uma terceira tendência se traduz na centralidade das políticas relativas ao investimento estrangeiro e na sua propensão a passarem do controle à abertura. Os Estados nacionais tentam manter certo controle sobre os fluxos, ao tempo em que abrandam sua desconfiança em relação às empresas. Estas, sobretudo as grandes, se convertem, fundamentalmente nos países em dificuldades, "em colaboradores mimados, aos quais há que se tentar seduzir e fixar a todo custo [...] O atrativo do território se converte em objeto principal das políticas públicas" (Veltz, 1999, p. 136). Tal inclinação seria marcante em países em vias de desenvolvimento, que revisaram seus critérios de investimento num sentido bem mais liberal. Tradicionalmente, eles compunham um esquema no qual normas restritivas impostas às empresas estrangeiras eram compensadas com a garantia de acesso a mercados fechados. O desmanche desse sistema, a partir dos anos 1980-1990, deu lugar a uma concorrência aguda entre espaços nacionais pela atração de empresas então completamente refratárias a regras e limitações. Entretanto, adverte o autor, isso não impede o ressurgimento localizado de medidas de monitoramento análogas àquelas dos anos 1960-1970, a depender das relações de força dentro do jogo estratégico que se dá entre Estados e entre Estados e grandes empresas. Por trás dessas inclinações gerais, que traduziriam a forte imbricação entre as estruturas estatais e a economia privada, mesmo nos paises teoricamente mais liberais, observa-se, de forma generalizada, uma grande dificuldade na organização daquelas políticas dentro de conceitos ou objetivos federativos (Veltz, 1999).

Não apenas entre Estados nacionais se processa aquela concorrência, mas, desde os poderosos movimentos no sentido da descentralização, também entre os espaços subnacionais, contribuindo para essas dificuldades em torno da unidade da federação.5 5 No Brasil, a trajetória das políticas de desenvolvimento ilustra as mudanças na atuação do Estado. A partir dos anos 90, ajustes neoliberais comandam as decisões governamentais, na contramão das políticas desenvolvimentistas com que eram enfrentadas, até então, as desigualdades regionais, dificultando o planejamento de médio e longo prazos e a priorização de atividades produtivas e regiões. As mais atrasadas, como a Nordeste, desaceleradas suas economias, lançaram-se, com o argumento da desigualdade regional, mas sem o guarda-chuva do desenvolvimentismo, na disputa pela atração de investimentos de que o episódio da Ford na Bahia é emblemático (Guimarães Neto, 2004). A acirrada disputa por investimentos, mediante toda sorte de benefícios e subsídios, se baseia em estratégicas diferenciações locais:

... o poder local se reconstitui no sentido de construir um sistema regulatório que guie as práticas da vida cotidiana, através do qual se diferencie de outras localidades com as quais disputa a "hospedagem" de novos investimentos externos. Intensificam-se as diferenciações entre as localidades, o que acentua a fragmentação territorial e regulatória no interior de uma mesma nação (Fernandes, 2001, p. 33).

As escalas subnacionais vão se qualificar nessa disputa através de uma série de práticas, desde aquelas anteriormente reguladas nacionalmente (como as disputas entre capital e trabalho), até a oferta das condições gerais de reprodução da vida urbana (as várias políticas sociais), passando pela qualificação da mão de obra, produção de espaço construído, logística e infraestrutura locais. Embora possam representar melhoria de condições de vida da sociedade em geral, são respostas muito mais às exigências locacionais das empresas do que às mobilizações sociais locais, dada a relação assimétrica estabelecida por essas partes. Nessa assimetria, segundo Fernandes (2001, p.34), o poder local costuma "inverter prioridades, desviando recursos públicos para atender aos interesses corporativos [...] além de intensificar diferenças entre níveis salariais e arranjos nas condições de trabalho", resultando em estruturas sociais territorialmente divergentes e em mercados de trabalho altamente fragmentados.

Essa espécie de concorrência "espúria" com as localidades rivais corresponde a um estilo mais empresarial de gestão, como sugeriu Harvey (1996), com a idéia de "empresariamento urbano" substituindo o "gerenciamento urbano". Assim:

Planejadores e autoridades locais são persuadidos a adotar uma postura mais pró-ativa e empresarial [...] de suporte ao capital privado, incluindo o uso de financiamentos de alavancagem, subsídios diretos, parcerias público - privadas e remoção de restrições regulatórias como medidas para tornar investimentos mais atrativos e assegurar o envolvimento do setor privado na revitalização urbana (Swyngedouw

et al., apud

Fernandes, 2001, p. 38).

Tamanho zelo com o empreendimento privado deve encontrar alguma forma de legitimação, o que dota as novas políticas do local de outras tantas estratégias dirigidas para a formação de identidades territorialmente determinadas, de um chamado "patriotismo local", requisitado para a construção de um "consentimento concertado" que viabiliza politicamente aquela, não raras vezes, inversão de prioridades (Vainer, 2000; Arantes, 2000; Fernandes, 2001).

Em nome da luta contra o inimigo, no qual a crise transforma as localidades concorrentes, os conflitos intraurbanos são esvanecidos sob a idéia da pátria local. O consenso assim constituído implica o reforço da tradicional e pragmática solidariedade entre poder público e setores empresariais, agora com a coadjuvância (ou protagonismo) de grupos transnacionais, todos movidos por forte concorrência e seduzidos pelo crescimento das cidades. Essa convergência de perspectiva - que diz mais respeito às elites urbanas, que aos demais habitantes e (ou) usuários da cidade - radica no pressuposto de que, sem crescimento, a cidade desvaloriza-se e, junto com ela, os ativos nela imobilizados. Nenhuma novidade, lembra Fernandes (2001), não fosse tal ameaça potencializada pelas características destes tempos de globalização (relocalizações de investimentos, competitividade acirrada entre localidades, taxas de crescimento baixas, etc).

O apoio governamental, por sua vez, é obtido mediante a adesão da população local às metas de crescimento, pela via do já mencionado patriotismo local, construído sobre valores culturais e, dada a crise, sobre o velho argumento dos novos empregos, questão particularmente cara aos segmentos populares e de enorme centralidade política por força da reestruturação produtiva. Eficaz como marketing, o argumento do emprego é, no mínimo, inconsistente, quando emitido pela esfera local, cuja margem de manobra, nesse aspecto, é insignificante. Como é sabido, são as políticas macroeconômicas aquelas de maior efeito sobre o nível de emprego, apesar das desregulações na vida urbana e dos incentivos empreendidos pelas esferas locais, justamente para atrair novos investimentos. Tais procedimentos resultam em altíssimo ônus para o poder público (custos relativos à renúncia fiscal e aos incentivos disponibilizados) e em elevados custos sociais (pelas perdas salariais e trabalhistas decorrentes das desregulamentações no mundo do trabalho, pela elevação dos custos da vida urbana - da terra e das mercadorias em geral - e pelo dreno dos recursos públicos das áreas sociais).6 6 Nos países menos avançados, esse empreendedorismo urbano conta com as agências multilaterais de financiamento, entre as quais se destaca o Banco Mundial, difusor de "... métodos de planejamento urbano sensitivos ao mercado" e da escala local - a municipalidade - para efeito do desenvolvimento econômico. O Brasil dos anos 90 vivencia o interesse crescente nas estratégias competitivas para atração de negócios, então identificadas na gestão de cidades como o Rio de Janeiro, Curitiba e Santo André, exemplos recorrentes das melhores práticas disponibilizados pelos estrategistas de cidades (Fernandes, 2001).

Aqui caberia retomar Veltz (1999), quando questiona sobre as possibilidades de o Estado e as instâncias subnacionais, em particular, fazerem mais que tentar seduzir os investidores, nacionais ou estrangeiros. Ou seja, indagações sobre se haveria lugar para políticas mais seletivas, nas quais as instituições públicas já não se contentassem em administrar as condições gerais para o desenvolvimento econômico e em "vender" bem seus recursos, mas fossem, verdadeiramente, atores que orientam as trajetórias do sistema produtivo.

O autor não se alinha com o pensamento segundo o qual a dissociação entre o espaço das empresas e o das nações seria tal, que uma clara opção teria de ser feita. Nessa lógica, a política estatal teria como único objetivo o de incrementar a competitividade nacional (ou da região, da cidade), desenvolvendo suas infraestruturas materiais e imateriais. Por sua vez, as concepções de atração de investimentos e de políticas públicas que deixam maior margem de manobra ao Estado, fundamentalmente através de uma política mais seletiva, teriam, reconhecidamente, margem estreita. Para escapar de tais polarizações, dever-se-ia transcender o meramente econômico, para apreender o território como uma "estrutura ativa [...] e não somente como um perímetro/receptáculo das atividades" [...] os territórios não são campos de manobra, senão atores" (Veltz, 1999, p. 138). E o Estado não seria a base estritamente técnica da economia (provedor de formação, de infraestruturas materiais, sociais etc), mas a dimensão da coesão social e condição da própria eficiência do sistema econômico, como visto na era gloriosa do capitalismo.

A reestruturação global da indústria automobilística e a busca pelos espaços periféricos

As circunstâncias internacionais que cercam a vinda da Ford para a Bahia remetem ao processo de reestruturação produtiva que vem alterando, drasticamente, a indústria automobilística em âmbito global, sobretudo a partir dos anos 1980, impulsionado pela 3ª revolução tecnológica de base microeletrônica e associado a mudanças nos padrões de gestão da produção e do trabalho e na geografia do setor em escala mundial.

A reestruturação produtiva tem sido associada à crise que se abateu, na virada dos anos 1970 para os 80, sobre a produção em massa, sistema produtivo iniciado pela Ford - daí a denominação de fordista - adaptado pela General Motors e assim difundido, a partir dos anos 1940, por quase toda a estrutura produtiva capitalista, estabelecendo-se como paradigma dominante em praticamente todos os sistemas de montagem no mundo ocidental.

Baseado na produtividade obtida à custa da exploração de escalas crescentes vis a vis um mercado de consumo de massa, esse sistema entra em crise devido à sua rigidez diante de uma demanda por renovação e diversificação, num mercado cada vez mais concorrencial e internacionalizado. A crise do trabalho dos fins dos anos 1960 - expressão da recusa, por parte dos trabalhadores, do modelo organizacional estabelecido e das dificuldades de cumprimento dos pactos trabalhistas por parte das empresas - e as crises monetária e do petróleo, no período 1971-1974, completam o quadro de esgotamento do sistema de produção em massa ou, no mínimo, de estancamento de sua difusão nos moldes até então verificados.

Nesse contexto, consolida-se outro sistema de produção, de origem japonesa, desenvolvido em larga medida pela Toyota Motor Company (e, por isso, inicialmente conhecido como toyotismo), bastante distinto do modelo de produção em massa, porque adaptado às condições do Japão pósguerra, defrontado com mercados pequenos e incertos. Assentado numa estratégia de "redução permanente dos custos com volume constante" (Toyota) e na "inovação e flexibilidade" (Honda), o assim configurado modelo japonês vai resultar numa notável performance das firmas que o conceberam e, sob o rótulo de produção enxuta, aparecer como a alternativa mais coerente com um mundo em profundas mudanças.

Na verdade, a disseminação da produção enxuta embute uma diversidade de modelos. Não se estaria, portanto, diante de um modelo único, acabado, mas de uma trajetória na qual

mais pragmáticos, os dirigentes das firmas declaram voluntariamente, hoje, pesquisar e aplicar as 'melhores práticas' constatadas em quaisquer que sejam seus concorrentes (Boyer; Freyssenet, 2000, p. 17).

Entretanto, a adição das "melhores práticas" em todos os domínios da gestão (concepção, fabricação, compras, distribuição) não seria suficiente para garantir o melhor desempenho. Tal automatismo não combina com a diversidade de condições macroeconômicas e sociais nas quais evoluem as firmas, suas escolhas estratégicas e seus sistemas de produção, mesmo se verificadas algumas continuidades e convergências. Com efeito, a noção de modelo em elaboração mediante combinações diversas de elementos novos e já consagrados tem se verificado empiricamente, como indicam os vários estudos sobre os novos investimentos automotivos no Brasil que, sob o signo geral da produção enxuta, caracterizam-se mais pela diversidade que por semelhanças (Ramalho, 2004, 2006 e 2006a; Abreu, Beynon, Ramalho, 2006; Sako, 2006; Garcia, Guimarães, 2006; Neves, Carvalho Neto, 2006).

Sendo um modelo em "fazimento", caracteriza-se por um elevado grau de experimentalismo, para o que os locais periféricos têm sido úteis, suscitando mudanças a todo o momento e implicando uma tensão permanente, sentida por todos os envolvidos no processo. Em geral, a busca por inovações tem promovido uma radicalização da estratégia japonesa, levando-a às últimas consequências como um "princípio permanente de tensão, que tem como objetivo [...] conseguir, na empresa, a internalização da gestão da mudança" (Coriat apud Teixeira; Vasconcelos, 1999, p. 18).

A despeito da diversidade de trajetórias e de modelos industriais estabelecidos, pode-se, sobretudo para a Ford, traçar as linhas gerais desse processo de transição. Uma primeira mudança se refere à passagem da automação rígida, baseada em máquinas "dedicadas", fundamentais ao controle da produção fordista, para a automação flexível que, com os avanços da microeletrônica, é progressivamente viabilizada com o desenvolvimento de máquinas de comando numérico, robôs e sistemas informacionais os mais diversos. Com isso, não apenas os controles tornaram-se mais confiáveis e menos caros, potencializando o próprio avanço da automação flexível, como também a sua utilização permite, agora, a fabricação de um amplo mix de produtos, possibilitando a estratégia de sua diferenciação, de modo a enfrentar os mercados saturados e (ou) sob intensa disputa em escala mundial (Alban; Souza; Ferro, 2000; Uderman; Cavalcante, 2004).

Outra mudança diz respeito aos novos requerimentos do trabalho, traduzidos na "multifuncionalização", que consiste numa mão de obra altamente treinada em várias funções, possibilitando não só a operação das máquinas flexíveis, como a rápida reconfiguração de todo sistema produtivo, sempre que necessário. Em flagrante oposição aos requisitos de especialização do trabalhador fordista, essa polivalência, associada a estruturas hierárquicas horizontalizadas e à manipulação de máquinas de controle microeletrônico, tem resultado numa redução significativa dos empregos na linha de montagem e na intensificação do trabalho em escala sem precedentes (Alban; Souza; Ferro, 2000).

A chamada qualidade total corresponde a outra quebra da rigidez fordista, constituindo-se como "uma alternativa à qualidade amostral da produção em massa". Tomada como um princípio de aperfeiçoamento constante do processo produtivo, mediante a participação ativa do trabalhador, implica a assimilação da tensão como elemento permanente do ambiente de trabalho, fundamental para a internalização da noção de mudança, tão cara aos modelos flexíveis (Alban; Souza; Ferro, 2000).

Articulando esse conjunto de mudanças, desenvolveu-se o sistema Just in time (JIT) de gerenciamento, caracterizado por baixos estoques associados a requerimentos de fornecimento de peças e componentes "no tempo certo" e na "quantidade certa". O sistema JIT não apenas significa mudanças radicais na tradicional relação vertical entre montadoras e fornecedores, mas também uma profunda reconfiguração espacial da indústria automobilística. Operando de maneira integrada - com plantas de autopeças "dedicadas" -, tais empresas não precisariam se situar junto aos polos tradicionais, podendo escolher localizações mais favoráveis em função dos custos de matérias-primas e insumos, transportes, mão de obra e, sobretudo, dos incentivos fiscais. Para as empresas, as vantagens advindas desse sistema são claras:

... as montadoras assumem um enorme poder de barganha, estabelecendo um verdadeiro leilão de incentivos fiscais entre as diversas regiões interessadas. Foi exatamente isso o que as montadoras japonesas fizeram ao entrar no mercado americano, sendo logo copiadas pelas européias e, também, pelas próprias americanas na medida em que estas se adaptaram à produção enxuta. (Alban, Souza e Ferro, 2000, p. 14).

É com o advento da produção enxuta que os incentivos fiscais, de fato, ganham relevância. Até então, os incentivos à relocalização eram praticamente inviabilizados pelas vantagens da "polarização concentrada", ao tempo em que a atuação, de forma não-integrada, impossibilitava a coordenação de uma mudança espacial de todo o sistema - montadoras e fábricas de autopeças. As novas bases tecnológicas, produtivas e organizacionais vão se constituir, portanto, em mecanismos fundamentais para o enfrentamento da crise da indústria automotiva, redesenhando a espacialização do setor em escala mundial e conferindo aos incentivos fiscais um papel sem precedentes.

A essa enorme mobilidade lograda com a produção enxuta soma-se outra característica dos novos arranjos entre montadoras e fornecedores, de importância crescente a partir dos anos 1990, colocada nos seguintes termos:

Entre as medidas tomadas por certas firmas americanas e européias e mais recentemente por firmas japonesas, para reduzir seu ponto morto, melhor controlar a variedade e ter uma capacidade ampliada para se ajustar às variações conjunturais da demanda, há uma com consequências ao mesmo tempo mundial e certamente de longa duração: a externalização de numerosas atividades de concepção e de fabricação em benefício de fornecedores de primeira linha, independentes ou que assim se tornaram. Os fornecedores foram colocados de fato em posição de estruturar e gerenciar a fileira automotiva no seu setor de competência. Eles adquiriram uma importância, cujo amanhã nos dirá se as montadoras estarão em condições de controlá-los (Boyer e Freyssenet, 2000, p. 33).

Na mesma direção, mas deixando entrever o comando das montadoras na externalização de atividades, Teixeira e Vasconcelos (1999) interpretam que as empresas automobilísticas

... estão tentando seguir uma linha que as transforma de fabricantes de veículos em vendedores de serviços de consumo

7 7 Tal tendência também tem sido impulsionada pela dinâmica da globalização associada à liberalização da circulação de capitais, que realçou a importância dos acionistas, atores das empresas situados, até então, em posição mais discreta. Eles começaram a exigir remuneração cada vez maior para seus capitais móveis, forçando a adoção de uma série de medidas e direcionando as empresas para atividades potencialmente mais rentáveis, como os serviços ligados ao automóvel (Boyer; Freyssenet, 2000).

[...] a esta integração para frente, corresponde uma retirada dos segmentos a montante: as empresas estão vendendo suas próprias fábricas de autopeças de acordo com a tendência de se desvencilharem, cada vez mais, das atividades diretas de produção

8 8 A exemplo da Volkswagen, que já teria definido uma linha estratégica que a levaria a transformar-se em uma empresa de projetos, marketing e serviços, sem atividades diretas de produção. No consórcio modular da empresa em Resende, Rio de Janeiro, até a montagem final dos caminhões VW é terceirizada.

(Teixeira e Vasconcelos, 1999, p. 18).

Assim, as montadoras têm buscado transferir, para os fornecedores, atribuições antes consagradas como atividades típicas dos fabricantes de autoveículos e, consequentemente, destes têm recebido não somente peças, como também componentes complexos já montados, com claros efeitos sobre a redução de estoques e de logística.9 9 Enquanto as montadoras tradicionais trabalhavam com 1000 a 2000 supridores diretos, as japonesas lidam com 100 a 200. Na produção fordista ocidental, as montadoras respondiam pela fabricação de 70% dos componentes utilizados, ao passo que, na produção enxuta, essa proporção se reduz para 30% (Teixeira e Vasconcelos, 1999).

Essa tendência à estruturação de uma "cadeia totalmente integrada" evidencia-se, num primeiro momento, na constituição dos "distritos industriais". Neles, as empresas que formavam a cadeia clientes-fornecedores buscavam reduzir seus custos de transporte de produtos, assistência técnica e manutenção industrial através da localização mais próxima entre elas. A fábrica da Fiat, instalada na Região Metropolitana de Belo Horizonte, ainda na segunda metade dos anos 1970, é um exemplo. Tais arranjos evoluem, nos anos 1990,

... para experimentos como a criação de consórcios modulares e a formação de condomínios industriais, a vanguarda corrente de inovação nas relações montadoras-fornecedores (Uderman; Cavalcante, 2004, p. 5).

O consórcio modular pressupõe uma terceirização radical, na qual os fornecedores são responsáveis pela montagem e por garantir os módulos de montagem, enquanto a montadora, que dá a "marca", faz a supervisão e o teste dos veículos produzidos. A Volkswagen de Resende, no Rio de Janeiro, implantada em 1996, tipifica esse arranjo.

Mais recentemente, surgem os condomínios industriais, colocados em posição intermediária entre os distritos industriais e o consórcio modular, cujos exemplos destacados, o da Ford em Camaçari, Bahia (inaugurada em fins de 2001) e a General Motors em Gravataí, Rio Grande do Sul (implantada em 2000), guardam diferenças entre si. De um modo geral, o condomínio industrial é configurado quando as montadoras reúnem, ao redor de sua fábrica, seus principais fornecedores, definindo partes ou módulos a serem produzidos e estipulando que lhe construam plantas dedicadas. Atuando no mesmo sítio - e muitas vezes na mesma edificação -, montadoras e fornecedores constroem relações de dependência mútua, numa espécie de rede hierarquizada, na qual a montadora detém o domínio da estratégia de desenvolvimento e operação da planta.

Tais arranjos combinam uma estratégia de terceirização com a exigência de coabitação de fornecedores e montadoras. A terceirização, por sua vez, alcança tanto as tarefas quanto a propriedade de ativos (Sako, 2006). A variedade desses arranjos, portanto, resultaria de diferentes padrões de propriedade de ativos, de intensidade e diversidade da terceirização de tarefas e do grau de proximidade das operações dos fornecedores de autopeças e módulos com a dos fabricantes de veículos. O Complexo Ford, de Camaçari, ocuparia uma posição intermediária entre os arranjos de Resende e Gravataí.10 10 A Ford de Camaçari e a Volkswagen de Resende são proprietárias de terrenos e edificações usadas pelos fornecedores. Na GM de Gravataí, esses itens são detidos por cada empresa do arranjo; em 2004, o número de fornecedores no local de montagem variava de 7 (VW, Resende) a 21 (Ford, Camaçari) e o percentual de empregados das montadoras sobre o total de empregos era de 22,5% (VW, Resende), 43,5% (Ford/, Camaçari) e 69,6% (GM, Gravataí)(Sako, 2006). Na Ford de Camaçari, não há a integração radical de Resende, mas não há a separação entre montadora e fornecedores da GM de Gravataí (Teixeira; Vasconcelos, 1999). Tal variedade traduziria, também, diferentes possibilidades de combinações de estratégias corporativas com políticas governamentais locais, dentre as quais subsídios e incentivos que implicam a transferência de ativos para as empresas. (Teixeira; Vasconcelos, 1999; Sako, 2006; Abreu; Beynon; Ramalho, 2006)

Apesar dessa variedade, todos os novos arranjos produtivos buscam diminuir custos e flexibilizar o risco do investimento. Ao operar um condomínio industrial - o caso da Ford é exemplar -, a montadora não está apenas firmando contratos de fornecimento, mas também compartilhando os investimentos necessários com seus parceiros e, sobretudo, dividindo os riscos do empreendimento. Assim, "... torna-se mais fácil descontinuar o projeto e reiniciá-lo em qualquer outra parte do mundo, caso as condições locais não permaneçam favoráveis" (Teixeira; Vasconcelos, 1999 p. 23). Essa possibilidade é também salientada como uma estratégia de "minimização das barreiras à saída" (Lung, 2000), especialmente importante diante das incertezas dos mercados emergentes, locus privilegiado dos recentes investimentos automobilísticos. Nesses mercados, os novos arranjos produtivos têm se dirigido para territórios virgens na produção automotiva e nas tradições trabalhistas e sindicais vinculadas ao setor, bem como de governança menos estruturada, facilitando o alcance das metas de flexibilidade e inovação permanentes perseguidas pelas montadoras e a obtenção de toda sorte de incentivos ofertados pelas localidades em troca da atração de investimentos.

Com a corrida das montadoras para os chamados países emergentes, novos padrões de localização da indústria automobilística em nível mundial se efetivaram a partir dos anos 1990. De fato, os mercados tradicionais, fortemente disputados pelas empresas japonesas desde os anos 1980, e pelas coreanas, na década seguinte - num desafio à hegemonia das principais montadoras americanas e ameaçando a vida das congêneres europeias -, apresentavam sinais de saturação: supercapacidade de produção e taxas baixas de habitantes por carro.

Em vista dessa saturação, a América Latina e partes da Ásia apresentavam-se como mercados promissores, além de representarem oportunidades para cortar custos, crescer a produtividade e testar métodos inovadores de produção e de arranjos organizacionais, metas neles mais factíveis. Ademais, nesses territórios, potencializados pela constituição dos mercados regionais, como o Mercosul, tal movimento foi facilitado por um ambiente amigável aos investimentos estrangeiros diretos, resultado da liberalização comercial que marcou o ajuste à ordem globalizada e que significou, para a maioria dos países da América Latina, o esgotamento do modelo de substituição de importações, base do seu processo de industrialização11 11 De fato, se, nas décadas de 1950 e 1960, as políticas de substituição de importações contribuíram para atrair investimentos que objetivavam tirar partido dos altos lucros propiciados pelos mercados protegidos da América Latina, nos anos 1990, quando se impunha a integração global, abertura comercial e investimentos estrangeiros diretos pareciam estar altamente correlacionados, especialmente no caso da indústria automobilística (Uderman; Cavalcante, 2004). (Uderman; Cavalcante, 2004).

Contudo, as empresas de automóvel estão engajadas numa corrida para países emergentes num ambiente de incertezas quanto à evolução desses mercados - desde as de ordem política, envolvendo a liberalização comercial, até a forte volatilidade da demanda nesses espaços, passando pelo crescimento dos fluxos financeiros internacionais (sobretudo dos capitais especulativos), articulado a políticas cambiais e de juros - com efeitos diretos sobre a demanda, os custos e a competitividade da indústria automobilística.

Quadro no qual "as firmas buscam, antes de tudo, definir formas de investimento adaptadas a este mundo de incertezas" (Lung, 2000, p. 57). As duas principais respostas das montadoras a essas incertezas têm sido: a separação da produção e das vendas, com parte da produção destinada à exportação para outros países industrializados e (ou) emergentes; e a "minimização das barreiras à saída" mediante novos padrões de relacionamento com fornecedores (tal como o condomínio industrial, adotado pela Ford de Camaçari). Vale lembrar que a socialização dos riscos entre montadoras e fornecedores se estende a governos e comunidades locais, uma vez que as empresas são geralmente beneficiadas por financiamentos públicos. A propósito, o autor elucida:

As montadoras colocam sistematicamente em competição os países ou as regiões suscetíveis de receber investimentos para fábricas de montagem. Os governos e as autoridades locais são, então, estimulados a oferecer subsídios e exonerações fiscais cada vez maiores. O financiamento público pode atingir proporções consideráveis (ver o caso do Brasil e a pressão exercida pela Ford para seu projeto "Amazon"), diminuindo na mesma proporção o volume dos recursos avançados pelas montadoras (Lung, 2000, p. 59).

A despeito da incerteza dos mercados emergentes, eles parecem se consolidar como a válvula de escape da crise das montadoras tradicionais e como alvo privilegiado da expansão das empresas japonesas nos anos 2000, além das chinesas, dentre outras.

A INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA NO BRASIL, A DESCONCENTRAÇÃO ESPACIAL E A VINDA DA FORD PARA A BAHIA

Na primeira onda de investimentos automotivos de meados dos anos 1950 até o final da década de 1960, todas as montadoras aqui instaladas optaram pelo município de São Paulo e seu entorno, conhecido como a região do ABCD. Esse padrão foi levemente modificado com a segunda onda de investimentos, nos anos 1970 e 1980, quando montadoras já instaladas decidiram por localizar novas plantas no Vale do Paraíba e, principalmente, quando a Volvo e a Fiat excluíram São Paulo de suas cogitações, instalando-se em Curitiba, no Paraná, e no município de Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais, respectivamente.12 12 Ainda assim, a região paulista não apenas permanecia como principal mercado, como detinha a quase totalidade do parque produtor de autopeças, sendo que a fuga em relação a esse centro exigia fortes incentivos compensatórios, o que de fato se efetivou em ambos os casos (Alban; Souza; Ferro, 2000). Esse quadro só seria revertido nos anos 1990, com a terceira onda de investimentos automotivos favorecida pela abertura comercial e a estabilização monetária, que garantiram um ambiente amigável aos investimentos externos e condições favoráveis de mercado. Diante da saturação dos mercados tradicionais, um grande potencial do mercado local era vislumbrado com a baixa relação habitantes por veículo, num país populoso como o Brasil.13 13 Apesar dos baixos níveis de renda per capita e dos elevados índices da concentração da renda, os incentivos aos carros populares, aliados à estabilização monetária, anunciavam possibilidades concretas de expansão desse mercado (Alban; Souza; Ferro, 2000).

No âmbito da liberalização comercial, o setor automotivo foi beneficiado por uma das poucas ações de política industrial do período, o chamado Regime Automotivo, no qual se vinculava a importação de veículos e componentes, mediante baixas tarifas, ao comprometimento com a produção local (Alban; Souza; Ferro, 2000). Não surpreende que o Brasil tenha se tornado um dos alvos preferidos de investimentos no mundo, com mais de um terço das intenções de investimentos das multinacionais do setor industrial no país direcionadas para a indústria automobilística, intenções essas compartilhadas por quase todos os maiores produtores mundiais de carros (Uderman; Cavalcante, 2005).

Enfim, com o imenso grau de mobilidade conquistado através da produção enxuta e suas variantes, e fugindo a controles - como a organização sindical característica da localização tradicional - a terceira onda de investimentos automotivos iria incidir, na sua maior parte, fora de São Paulo, conduzida por um processo de competição entre estados brasileiros, um intenso leilão de incentivos fiscais, mudando por completo a configuração espacial do setor automotivo no país (Uderman; Cavalcante, 2005; Alban; Souza; Ferro, 2000). Estabeleceu-se uma espécie de "dispersão concentrada", mantendo-se ainda a forte centralidade de São Paulo, relativizada, agora, por outras porções geográficas, sobretudo sulistas. Os únicos pontos fora dessa poligonal, salientam Uderman e Cavalcante (2005), são as plantas da MMC Automotores e da Ford de Camaçari, a última implantada. Na luta política pela vinda da montadora para a Bahia, essa centralidade foi arguida contra acusações de favoritismo baiano embutido na "emenda Ford", apelido da lei que possibilitou o investimento, finalmente sancionada após reavivar velhos embates Nordeste versus Sudeste.14 14 Trata-se da Lei Federal n. 9826/1999, que ampliou o prazo de habilitação das montadoras no âmbito do Regime Automotivo Especial para as Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Sobre a trajetória da "emenda Ford" ver Franco (2008).

Quanto à evolução da produção doméstica de veículos, os dados da Anfavea evidenciam o salto de cerca de 900 mil veículos em 1990, para algo em torno de 1,8 milhão, em 2003. Enquanto isso, o emprego total, no mesmo período, caiu do patamar dos 117 mil para aproximadamente 80 mil, por conta da notável produtividade verificada: a relação veículos por empregado, que era de 7,8 em 1990, salta para 23,1 em 2003, significando que, em média, um trabalhador isolado produzia, nesse último ano, três vezes mais que no início da década de 1990 (Uderman; Cavalcante, 2005).

O Complexo Industrial Ford Nordeste em Camaçari, Bahia

Inaugurado em 12 de outubro de 2001, no município de Camaçari, o Complexo Industrial Ford Nordeste (CIFN) representou um investimento da ordem de US$ 1,9 bilhão, o maior da empresa em âmbito mundial.15 15 Desse valor, US$ 1,2 bilhão coube à Ford e o restante ao conjunto das sistemistas - empresas fornecedoras que integram o complexo (Mercês, 2005). O montante financiado não é informado pelas empresas,16 16 A imprensa, por ocasião da disputa em torno da vinda da Ford para a Bahia, divulgou alguns números desse financiamento: o BNDES se comprometeu com R$ 700 milhões e o BNB com cerca de R$ 250 milhões iniciais (Franco, 2008). mas a estrutura operacional do financiamento envolveu instituições privadas e estatais.17 17 O BNDES financiou máquinas e equipamentos nacionais, com Desenbahia e BNB como intermediadores locais; o financiamento de máquinas importadas contou com recursos do Unibanco ou com capital próprio das empresas. Compõe ainda a infraestrutura financeira, uma linha de empréstimos do Banco do Brasil e de bancos privados (como o Unibanco) - até um teto de R$ 400 milhões - para micro e pequenas empresas instaladas ou que venham a adensar a rede de fornecedores da Ford na Bahia (Mercês, 2005). Investimento e propriedade da Ford, as instalações físicas (prédios, galpões) são cedidas e compartilhadas com as sistemistas que investiram na aquisição de seu maquinário, ferramentas e equipamentos18 18 É um modelo de subcontratação que preserva, nas mãos da empresa-âncora, a propriedade de ativos, de modo similar ao consórcio modular da VW/Resende, no Rio de Janeiro, e diferente do condomínio industrial da GM/ Gravataí, no Rio Grande do Sul (Sako, 2006). (Mercês, 2005) mas, para sua implantação, o CIFN contou, sobretudo, com uma série de ações e compromissos do Governo do Estado relativos à infraestrutura física19 19 Doação da gleba (469 ha); implantação do arruamento e pátios internos à planta industrial dotados de toda a infraestrutura; melhoria do sistema viário de acesso e do entorno; suporte para as tubulações; fornecimento de energia elétrica, água potável e gás natural; infraestrutura de proteção contra incêndio; captação e tratamento de efluentes industriais e esgotamento doméstico; pátio de resíduos sólidos; sistema de telecomunicações; reflorestamento ecológico; infraestrutura ferroviária e portuária (Consórcio..., 2003). e social.20 20 Investimentos em qualificação profissional e ampliação dos recursos de ensino existentes; melhoria e ampliação das condições de atendimento à saúde; estímulo à implantação de unidades habitacionais e de lazer para fixação da mão de obra local; ampliação da capacidade de atendimento em creches; investimentos em instalações da Polícia Civil, Militar, Rodoviária e Corpo de Bombeiros; concessão de linhas regulares de transporte coletivonos municípios de Camaçari e Dias D´Ávila; infraestrutura física para cadastramento, triagem e recrutamento (Consórcio..., 2003). O arranjo produtivo do CIFN é classificado pelos especialistas como um consórcio industrial, com o sistema de produção modular sequenciada, mediante operações just in time e just in sequence - na hora certa e na sequência correta. Dele fazem parte, além da Ford - responsável pela estamparia, montagem da carroceria, pintura, montagem final e controle de qualidade - trinta e um "parceiros", fornecedores de peças, componentes e módulos diretamente na linha de montagem. Na área do Complexo, estão instaladas vinte e cinco empresas sistemistas, enquanto outras seis estão localizadas fora dele, nos municípios de Camaçari, Dias D´Avila e Feira de Santana (Ford..., 2006), sendo que 88% delas são de pequeno e médio portes, segundo o número de funcionários,21 21 Por esse critério, a microempresa teria até 20 funcionários; a pequena mais de 20 e menos de 100 empregados; a média mais de 100 e menos de 500, e a grande mais de 500. Mercês alerta, contudo, que, se o critério fosse o faturamento, os resultados seriam outros, já que tais empresas são, na maioria, filiais de matrizes estrangeiras com posições consolidadas no mercado. conforme Mercês (2005).

A capacidade plena foi atingida no prazo pretendido, com "912 veículos fabricados por dia ou um veículo a cada 80 segundos" (Ford, 2006...), apesar dos alegados obstáculos.22 22 Obstáculos de natureza diversa, tais como qualificação e (ou) indisponibilidade de mão de obra experiente, logística, etc. Para maiores detalhes, ver Franco (2008). Mediante antecipações superavitárias das metas intermediárias, as produções de 2003 e 2004 extrapolaram as previsões em cerca de 11% e 30%, respectivamente. Do mesmo modo, a meta de exportar 25% da produção para mercados internacionais foi superada desde 2002, considerado o marco zero da operação do Complexo. Tal desempenho se deu à custa de elevada dependência de compras externas de insumos, peças, componentes e serviços especializados (de estados do sul do país e de outros países), revelando a ausência de encadeamentos à montante, tão fundamental ao enraizamento local do complexo automotivo (Consórcio..., 2003; Mercês, 2005; Franco, 2008).

As expectativas de geração de emprego também foram superadas. A meta prevista de cinco mil empregos diretos no final de 2005, com a produção na sua capacidade plena, foi atingida em meados de 2003 e, a partir de agosto de 2004, com a implantação do terceiro turno de trabalho, esse número se ampliou, atingindo 8,5 mil empregos diretos, em 2006. Predominam os contratos formais de trabalho, inclusive nas micro e pequenas empresas (Mercês, 2005). Sob o comando da Ford, o gerenciamento dos recursos humanos baseia-se num sistema único, aplicável a todos os empregados do Complexo, do que decorre uma estrutura comum de salários para operadores - mas não para gerentes e engenheiros - aplicada à Ford e a fornecedores próximos, negociada com o sindicato, filiado à CUT. Das negociações resultou a criação do Comitê de Gestão de Recursos Humanos (G7), composto de sete empresas principais do Complexo, para monitorar o sistema de recursos humanos e evitar conflitos trabalhistas (Sako, 2006).

Tais conflitos teriam, entre suas motivações, a defasagem dos salários pagos pela Ford em relação àqueles adotados pela empresa na região paulista (cerca de um terço, inicialmente). Após inúmeras greves e manifestações, os metalúrgicos do CIFN chegaram a uma média salarial em torno de 45% daquilo que o operacional ganha no ABC. Já do ponto de vista das fornecedoras de autopeças, e confirmando as queixas de muitas das sistemistas, os níveis salariais hoje vigentes estão bem próximos aos praticados nos outros estados - em algumas empresas tais níveis superam o da matriz e, em outras, atingem de 70% a 80% do que é praticado fora - resultado daquela singularidade da gestão local de recursos humanos (Franco, 2008).

Os empregos diretos, em 2002, correspondiam, em sua grande maioria, a níveis salariais baixos: cerca de 55,6% com até dois salários mínimos (SM) de renda mensal; 29% entre dois e dez SM e apenas 15,4% acima dos dez SM (Consórcio..., 2003). Não surpreende, portanto, a declaração do presidente da montadora, Bill Ford, de que a fábrica de Camaçari estaria a salvo do corte de postos de trabalho que ocorreria em todo o mundo, particularmente nos Estados Unidos, até 2005, sob a justificativa de que "é a fábrica com menores custos em todo o mundo" (Menor..., 2002, p. 3). Trata-se de níveis salariais que, embora defasados em relação a outras praças, sobretudo do Sul e Sudeste do país, superam, como advoga a própria Ford, a média regional e a do município de Camaçari. Justificar-se-iam, assim, os júbilos em torno dos empregos do CIFN, ainda que desprovidos dos encantamentos que acompanharam aqueles do setor petroquímico.

A mão de obra empregada é composta por 79% de residentes em Camaçari e Dias D'Ávila, sobretudo, e em municípios metropolitanos circunvizinhos, e por apenas 17% de residentes em Salvador.23 23 Para maiores detalhes sobre o perfil salarial, residência, nível de escolaridade, diversidade étnico-cultural, jornadas de trabalho e saúde dos empregados do CIFN, ver Franco (2008). Esse talvez seja o traço mais marcante desses novos empregos, pois, em princípio, inverte a situação construída no ciclo petroquímico,24 24 Pesquisa realizada em 2002, no universo de trabalhadores do Polo Petroquímico aponta a seguinte distribuição segundo local de residência: 59% (Salvador); 30,2% (Camaçari); 6,2% (Dias D'Ávila); 3,3% (Lauro de Freitas) e 1,3% (outra localização) (Prefeitura Municipal de Camaçari, 2006). em função do requisito da moradia em Camaçari (e entorno) para um emprego operacional no CIFN, sacramentado após as negociações entre os governos estadual e municipais envolvidos e a montadora, na tentativa de corrigir as disfunções urbanas até então engendradas.

A REGIÃO METROPOLITANA DE SALVADOR EM TEMPOS DE INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA

A herança da era petroquímica

Segundo o Censo Demográfico de 2000, a RMS,25 25 A RMS é composta por dez municípios: Salvador, Camaçari, Candeias, Itaparica, Lauro de Freitas, São Francisco do Conde, Simões Filho, Vera Cruz, Dias D'Ávila e Madre de Deus. Cinco deles concentram os segmentos industriais de peso na região (química, petroquímica, siderúrgica, metalúrgica): Camaçari, Dias D'Ávila, Simões Filho, São Francisco do Conde e Candeias. As unidades industriais estão localizadas, sobretudo, no interior da região, próximas às sedes municipais e, em alguns casos, próximas ao bordo da Baía de Todos os Santos. A exceção é a Milenium situada na orla do município de Camaçari. com cerca de 3 milhões de habitantes, é a sexta área metropolitana mais populosa do país, e Salvador, com 81% desse contingente, situa-se como a terceira maior cidade brasileira. Essa centralidade demográfica reflete o processo de metropolização de Salvador, desde a sua constituição como a principal praça agroexportadora (ao lado de Recife) e como sede do Governo Geral do Brasil, até a sua longa estagnação, decorrente da transferência da capital do país para o Rio de Janeiro e, principalmente, da crise da economia agroexportadora colonial.

Dessa letargia, em que o crescimento demográfico foi inibido e o tecido urbano se manteve praticamente inalterado, Salvador emerge somente a partir dos anos 1950, e como novo polo articulador de uma região urbano-industrial, sob a supremacia da região Sudeste. Essa entrada na rota modernizante do país se inicia com a implantação das atividades de extração e refino do petróleo (criação da Petrobrás e da Refinaria Landulfo Alves - RLAM), passando pelos investimentos industriais incentivados dos anos 1960 (Centro Industrial de Aratu) e, nos anos 1970, com o Polo Petroquímico de Camaçari. Estratégico para complementar a matriz industrial brasileira com a produção de insumos básicos e bens intermediários e convertido no eixo dinâmico da economia regional e baiana, o polo petroquímico representou "o último vagão do trem da política de substituição de importações", adotada nacionalmente desde a década de 1950 (Souza, 2004).

Politicamente, tal processo configuraria a versão baiana da modernização conservadora brasileira - o carlismo - uma combinação de modernização econômica com conservantismo político, mediante a conciliação de interesses políticos com os de setores hegemônicos do capitalismo nacional. Em nome dos interesses da Bahia, combatiam-se dissensões, negava-se o conflito social, resultando num "padrão aclamativo de legitimação", pelo qual se afirmava o moderno, ao tempo em que era truncado o pluralismo político. Tamanha "esterilização do espaço público" inibiu iniciativas no sentido da formulação e execução de estratégias complementares ou alternativas de desenvolvimento regional, bem como de políticas públicas capazes de modificar o quadro social adverso da região (Dantas Neto, 2003).

Principal referência dessa modernização, o polo petroquímico provocou profundos impactos no tecido metropolitano. Um deles, definidor do processo de urbanização da região, é a segmentação qualitativa do mercado de trabalho, à qual correspondeu, desde o início, uma segmentação espacial. Com efeito, a quase totalidade dos postos de trabalho de melhor qualidade, gerados nas empresas petroquímicas ou fora delas, foi ocupada por trabalhadores residentes em Salvador e Lauro de Freitas.26 26 Característica que atingia, inclusive, os empregos mais bem remunerados da administração pública dos municípios periféricos. Já nos municípios periféricos, principalmente Camaçari e Dias D'Ávila, o mercado de trabalho pautou-se na precariedade, seja quanto às formas de inserção, seja quanto aos níveis de remuneração, estruturando-se em torno das atividades das empresas prestadoras de serviços e das atividades de comércio e de serviços ligados ao consumo da população aí residente, todas elas permeadas pela informalidade (Borges; Franco, 1997).

Estruturou-se, assim, uma rede urbana periférica - localizada mais ao interior da região metropolitana, nos municípios de Camaçari, Dias D'Ávila, Candeias, Simões Filho, São Francisco do Conde e, mais recentemente, Madre Deus - locus de residência e de consumo de grandes parcelas de trabalhadores cujas precárias condições de inserção ocupacional e os baixos níveis de remuneração por ela propiciados fazem da pobreza desse urbano uma redundância. Portanto, o urbano periférico não se constituiu como espaço de consumo das camadas de renda média e alta. Elas dão corpo ao complexo urbano que é Salvador e aos espaços abastados também presentes fora do município da capital, sobretudo na orla metropolitana - a do próprio município de Camaçari, além de Lauro de Freitas -, ocupada, desde os anos 1970, por loteamentos e condomínios de média e alta renda e, agora, segundo a mais recente tendência, por investimentos turísticos sofisticados.

A partir do final dos anos 1980, a economia regional foi palco de um dos mais precoces ajustes observados no país, no bojo da reestruturação produtiva, enfática na terceirização, com a qual as empresas responderam à crise e às exigências da competitividade global. Não é sem razão que a década de 1990 vivencia a interrupção do processo de estruturação do mercado de trabalho que se vinha desenhando até então,27 27 Isso se evidencia com: a queda do peso das atividades industriais na estrutura ocupacional da RMS (no ramo químico e petroquímico, em apenas dez anos, foram eliminadas cerca de 16 mil vagas - de 28 mil, em 1989, para pouco mais de 12 mil, em 1999); a tendência à redução do "núcleo estruturado" do mercado de trabalho versus o aumento dos vínculos empregatícios precários (nos quais se inclui boa parte dos terceirizados); o desemprego, que não apenas se elevou, mas, atingindo desigualmente os segmentos da força de trabalho, pela primeira vez afetou a todos; e a redução dos rendimentos médios reais dos ocupados (Borges, 2003). reforçando o processo de periferização da mão de obra, tanto em termos ocupacionais (alargando os segmentos excluídos das relações estabilizadas), quanto em termos espaciais, reiterando a tendência de os núcleos urbanos dos municípios periféricos se constituírem em local de residência desses trabalhadores. Com efeito, não apenas as terceiras passaram a optar pela localização nessas sedes municipais, como passaram a adotar o local de moradia próximo ao sítio industrial como critério de seleção de mão de obra. É nesses termos que a periferia metropolitana tendeu a se constituir como a franja dos fluxos de migrantes semi ou não-qualificados oriundos do interior do estado e também, com o arrefecimento dos fluxos para a região Centro-sul, observado desde os anos 1980, de outras regiões do Nordeste (Borges; Franco, 1997). A esse processo, determinado pela (des)estruturação do mercado de trabalho, se sobrepõem outros, que atuam na constituição de uma periferia urbana com as características descritas: são os processos originários da valorização do solo urbano na capital e do esgotamento do seu padrão de crescimento periférico, implicando crescentes dificuldades de fixação de segmentos de população e de migrantes pobres no município-sede e sua expulsão para a periferia metropolitana.28 28 Os dados dos Censos de 1991 e 2000 demonstram esse crescimento acelerado dos municípios periféricos, sobretudo dos industriais e de suas sedes, a taxas bastante superiores à da capital e acima da média metropolitana (Borges e Franco,1997).

Na década de 1990, as desigualdades entre núcleo e periferia destacavam a RMS como a portadora da maior proporção de pobres dentre as regiões metropolitanas brasileiras, presentes tanto no núcleo como na periferia. Entretanto, a periferia de Salvador era a mais homogeneamente pobre, abrigando, bem menos que as demais, estratos de renda mais elevados (Borges; Franco, 1997). No início dos anos 2000, esse traço persiste, como demonstram Carvalho e Codes (2006): os já altos níveis de pobreza (35,3% em 1991 e 30,7% em 2000) e de indigência (15% em 1991 e 13,5% em 2000)29 29 Níveis de pobreza (frequência de moradores com renda mensal familiar, per capita, de até meio salário mínimo) e de indigência (frequência de moradores com renda mensal familiar, per capita, de até um quarto do salário mínimo) (Carvalho; Codes, 2006). de Salvador são superados por todos os outros municípios metropolitanos, em ambos os anos. A queda verificada nesses níveis, nos anos 1990, favoreceu todos os municípios da região, à exceção de Camaçari, no qual cresceram as proporções de pobres e indigentes.

Quanto à concentração da renda, fenômeno acentuado em toda a RMS (48% da renda são apropriados pelos 10% mais ricos, contra 1,7% pelos 20% mais pobres), a sua exacerbação, nos municípios de Salvador e Lauro de Freitas, aponta para a presença, nesses municípios, de estratos de renda mais elevados, enquanto, nos municípios industriais em geral, a ausência deles (ou a presença de um urbano menos diferenciado) resulta numa concentração mais aliviada, ainda que em níveis perversos.30 30 Em Camaçari, os 10% mais ricos se apropriam de 48,2% e os 20% mais pobres de 2,0% da renda (Carvalho; Codes, 2006).

Assim, apesar da concentração de investimentos industriais nos municípios periféricos e do intenso processo de urbanização por eles vivenciado, esses territórios não lograram caracterizar-se como tecido urbano-industrial proporcional à magnitude dos capitais neles investidos, e Camaçari é um bom exemplo disso: em 2000, enquanto o município pontificava como o segundo PIB da Bahia, ocupava a 20ª posição, dentre os municípios baianos, em renda familiar per capita. Essa mesma disparidade se explicita nos Índices de Desenvolvimento Econômico (IDE)31 31 O IDE busca refletir o grau de riqueza alcançado pelo município, através de uma proxy do PIB municipal, aliada a indicadores de infraestrutura econômica (energia elétrica, telefonia, rede bancária, estabelecimentos de comércio e serviços) e de qualificação da mão de obra formal. Sinaliza, portanto, a capacidade de geração de renda e de atração de novos investimentos do município (SEI. Classificação dos Municípios Baianos, 2007). e de Desenvolvimento Social (IDS):32 32 O IDS qualifica o município quanto ao grau de desenvolvimento social através de indicadores: do nível de saúde (incidência de doenças de notificação obrigatória, óbitos por causas mal definidas, número de estabelecimentos de saúde, de leitos, de profissionais da saúde, de vacinas aplicadas); de educação (matrículas e níveis de escolaridade); saneamento (energia elétrica e água tratada) e renda dos chefes de família (SEI. Classificação dos Municípios Baianos, 2007). os principais municípios industriais - Camaçari, Candeias e Simões Filho -, bem posicionados no ranking dos 415 municípios baianos, em termos de IDE (2º, 3º e 5º respectivamente), não repetem o mesmo desempenho quando se trata de desenvolvimento social (10º, 28º e 31º respectivamente) (Franco, 2008).

SOB O IMPACTO DA NOVA ONDA INDUSTRIAL

Na primeira metade dos anos 2000, a economia baiana consolida o seu crescimento alicerçado no setor industrial, associado, principalmente, aos novos investimentos puxados pelo segmento automotivo. Com efeito, a evolução do PIB baiano sofre uma clara inflexão, no sentido ascendente, a partir de 2003, não por acaso momento da antecipação das metas produtivas do CIFN, configurando o "efeito Ford". Na RMS, que concentra mais da metade do PIB da Bahia, o município de Camaçari - locus, por excelência, da indústria baiana -, segundo maior PIB dentre os municípios baianos em 1999 (atrás de Salvador), alcança o primeiro lugar em 2003, respondendo por quase 1/3 do PIB metropolitano e por quase 17% do estadual (Pessoti, 2006).

Dos investimentos industriais realizados no período 1994-2004, 66% se concentraram na RMS, sendo que o município de Camaçari abrigou nada menos que 52% do total e 79% do investido na região. Atestando o caráter capital intensivo dessas indústrias, tais montantes investidos no espaço metropolitano se traduziram em apenas 28% do emprego gerado pelos empreendimentos no estado, característica mais acentuada em Camaçari, onde se situaram 11% daquele total e 38% do montante da RMS. Como seria de esperar, foi a indústria automobilística a grande responsável pela magnitude e concentração dos investimentos na RMS, com 40% deles, dividindo com o segmento petroquímico (com cerca de 30%) o papel principal e tendo o município de Camaçari como o cenário privilegiado dos novos acontecimentos.

Impulsionando tais investimentos, o governo estadual exercitou uma estratégia calcada, centralmente, na dotação da infraestrutura e na oferta de incentivos fiscais e financeiros.33 33 Para maiores informações, ver Cerqueira (2007) e Franco (2008). Os programas de incentivos fiscais, convém lembrar, estão associados à mudança no padrão de atuação do governo central na economia, com o abandono dos projetos de desenvolvimento regional, delegando a cada unidade federativa a tarefa de, por si, promovê-lo. Revestem-se de grande diversidade, ligada à tendência de adaptar os incentivos às necessidades empresariais, o que acaba comprometendo a possibilidade de os governos estadual e municipais presidirem os investimentos a partir da lógica do desenvolvimento regional e da superação das fragilidades locais, enquanto cedem benefícios fiscais para empresas que decidem como e onde vão se instalar.

Ademais, com a isenção nos fluxos de comércio de matérias-primas, peças, material intermediário e componentes vindos do exterior, incluídos em quase todos os programas de incentivos, os reflexos negativos sobre o encadeamento produtivo local são óbvios, já que a isenção para operações de importação desestimula a internalização da produção. Com relação à indústria automobilística implantada, essa questão ficou evidenciada nas poucas ligações do CIFN com os setores locais - inclusive com a petroquímica -, bem como pelas frágeis possibilidades de desdobramento dos seus negócios na região, tão caro ao pretendido enraizamento do empreendimento (Desenbahia, 2002, 2003; Mercês, 2005; Cerqueira, 2007; Franco, 2008).

Finalmente, no que se refere aos impactos para a receita de Camaçari, espaço de convergência dos ciclos petroquímico e automotivo e primeiro PIB da Bahia, desde 2003,34 34 As informações da SEI apontam para a manutenção de Camaçari como o primeiro no ranking do estado, em 2004 e, a partir daí, para a 2ª posição, novamente atrás de Salvador, por conta da estabilização do efeito Ford. o município não arrecada ICMS na mesma escalada de crescimento de sua riqueza: as participações do ICMS (arrecadado e repassado) no PIB gerado caem ao longo do período 1999-2003. Trata-se de um dado preocupante, pois o ICMS constitui o principal item da receita municipal, respondendo pela capacidade de gasto do poder local que, com a atração incentivada de investimentos industriais, é também pressionado por crescentes demandas sociais e urbanas. Faz sentido, portanto, a noção comum, compartilhada por governantes e munícipes, de que se trata de um município rico, mas de riqueza impalpável para a maioria de sua população, situação paradigmática da industrialização excludente que tem caracterizado a periferia metropolitana de Salvador.

Quanto às tendências do mercado de trabalho regional, os dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), para o período de 1998-2005, apontam para o aumento da taxa de atividade simultânea à manutenção de elevadíssimas taxas de desemprego, as quais, contrariamente ao ciclo anterior, apresentaram, nos anos 2000, um viés de queda (de 26,4% em 1998, para 26,0% em 2004, para a RMS). Os declínios mais expressivos observados em Camaçari, sobretudo, e nos municípios industriais35 35 Os municípios industriais compreendem: Candeias, Simões Filho, São Francisco do Conde, Dias D´Ávila, Madre Deus e Lauro de Freitas. não os tira da triste condição de campeões nesse indicador, mas indicam que foram palco privilegiado da criação dos novos empregos na região: em 2005, Camaçari e os municípios industriais ainda amargavam taxas de desemprego de 26,6% e 31,1%, respectivamente.

Outra mudança em relação ao quadro anterior está na ampliação do assalariamento com carteira assinada, alimentando a tendência à formalização da ocupação, paralelamente à diminuição do peso das ocupações precárias que compõem o informal.36 36 Para a PED, o informal é composto de: assalariados sem carteira; autônomos, donos de negócio familiar, empregadores e outros sem contribuição para a previdência social; empregados domésticos. Mais enfaticamente, tal fenômeno se verifica em Camaçari e nos municípios industriais, refletindo a incidência, neles, da nova onda de empregos industriais. Todavia, os dados também revelam a imensa margem ainda mantida pela informalidade (41% dos ocupados residentes em Camaçari) naquele que é a sede do maior PIB e da indústria mais moderna, entre os municípios baianos.

A tendência de queda do rendimento médio dos ocupados mantém-se, numa espécie de contrapartida, perversa do aumento da formalização da ocupação. Nos anos 2000, isso aconteceu para a RMS, Salvador e municípios industriais, à exceção de Camaçari, onde o rendimento médio real passou de R$ 588 para R$ 605. Trata-se de uma ocorrência esperada: a entrada em cena da Ford, com salários médios acima da média regional, embora inferiores aos da petroquímica, parece justificá-la. Mas a segmentação espacial entre núcleo e periferia metropolitana é evidente: os moradores de Camaçari e municípios industriais atingem apenas 77% (Camaçari) e 70% (municípios industriais) da renda média dos ocupados que residem na capital, mesmo computando-se a incidência dos gerentes e executivos habitantes dos condomínios fechados da orla de Lauro de Freitas e Camaçari. A gravidade desse quadro provém do fato de que a própria capital, tomada como referência, é exemplo de níveis precários de remuneração do trabalho (pouco mais de 2 salários mínimos, na média dos ocupados), uma infeliz marca impressa no mercado de trabalho metropolitano, o mais estruturado da Bahia.

No mercado de trabalho de Camaçari, a obtenção de melhores salários deve ser buscada na indústria de transformação, mesmo que esse setor pague menos que antes a seus operários. Com base na Relação Anual de Informações Sociais (RAIS/ MTE), houve aumento da participação desse setor industrial no estoque total de empregos e no incremento havido entre 2000 e 2004 em todos os municípios industriais da RMS. Mas o destaque fica por conta de Camaçari, onde esse setor absorveu, em 2004, 36,3% dos empregos totais do município e respondeu por 44,5% do aumento de postos de trabalho,37 37 Sozinho, Camaçari respondeu por 69,5% do incremento dos empregos industriais na RMS, no período 2000-2004, seguido pelos demais municípios industriais, que absorveram 45,2% daquele acréscimo metropolitano. Ou seja, o saldo positivo desses empregos, na primeira metade dos anos 2000, deveu-se à periferia metropolitana, sobretudo a Camaçari. O único município a apresentar pequeno decréscimo absoluto nos postos de trabalho industriais foi Simões Filho. tudo isso acompanhado da queda do rendimento médio do trabalhador, também captada pela RAIS.

O requisito de moradia em Camaçari (e entorno), para um emprego operacional no CIFN, é um fator inusitado que, em princípio, teria grande influência na nova dinâmica urbana da periferia metropolitana. Tanto é que foi objeto de negociação entre o governo estadual e os governos municipais envolvidos, e a montadora, na tentativa de corrigir, com tão vultoso empreendimento, as distorções do modelo urbano engendrado no ciclo petroquímico, marcado por forte segmentação ocupacional e por uma não menos intensa segregação dos espaços de moradia. Entretanto, tudo aponta para a persistência da matriz básica da segregação socioespacial: a periferia metropolitana mantém-se como o locus de moradia dos trabalhadores formais ocupantes de postos menos qualificados, subalternos na hierarquia, com menores salários (sobretudo os "chão-de-fábrica") e dos trabalhadores informais de todo tipo, cujas ocupações também proliferam no bojo dos novos investimentos.38 38 Essa periferia está também presente em Salvador. Contudo, os impactos dos novos empregos dizem mais respeito ao município de Camaçari e seu entorno imediato, como demonstraram os dados analisados. Enquanto isso, Salvador e a orla marítima dos municípios de Lauro de Freitas e Camaçari continuam como o espaço de moradia dos segmentos mais qualificados, superiores hierárquicos, com salários mais altos ligados aos negócios industriais, bem como ao comércio e aos serviços, setores que também se expandem com o novo ciclo industrial e que já vinham crescendo na esteira dos investimentos imobiliários e turísticos de alto padrão, turbinados a partir dos anos 1990, com a abertura a investimentos de grandes grupos estrangeiros.

A renda média das famílias é a variável mais elucidativa dessa persistente articulação entre segmentação ocupacional do mercado de trabalho e segregação dos territórios de moradia: enquanto as famílias metropolitanas em geral, passaram a viver com menos reais nos anos 2000, as de Camaçari teriam a comemorar a vinda da Ford, pois lograram um aumento na renda do lar. Mas, ao se compararem com as famílias da capital (ou da RMS), verão que conseguiram alcançar apenas dois terços do montante com o qual elas vivem, sendo que as dos municípios industriais sequer atingiram esse patamar (Franco, 2008).

O NOVO NO MESMO E A PERSPECTIVA DO LUGAR

Apesar da persistência dos velhos traços, a dinamização do urbano periférico é inequívoca, com a ampliação do núcleo formal do mercado de trabalho propiciada pelo novo setor industrial e com integrantes, majoritariamente, residindo nas sedes dos municípios industriais. Embora percebendo salários médios inferiores aos dos companheiros do ABC paulista, constituem uma massa salarial superior àquela que circulava antes do advento Ford e de potencial consumo local. O terciário se complexifica, com a afluência de comércio e serviços mais sofisticados, paralela à proliferação dos negócios informais. O mercado imobiliário explode (elevação da carência e preços de imóveis), as pressões sobre os serviços públicos crescem, e a vida social "se agita", com a multiplicação de equipamentos de entretenimento e lazer. E, seguindo a pauta do progresso urbano, a violência vem colocando, cotidianamente, a periferia metropolitana nas páginas policiais, com as sedes municipais como o palco principal dos crimes cometidos (Franco, 2008).

Essa justaposição de Camaçari e mercado de trabalho com Camaçari e espaço de moradia não traz, necessariamente, a possibilidade de rompimento do ciclo vicioso inserção ocupacional precária e urbano precário, já que os mecanismos para isso se mantêm. Mas permitiria refletir sobre a dimensão política dessa identidade entre trabalho e moradia, ou seja, na possibilidade de interferência em processos de determinação extra-local - e sujeitos à lógica da globalização -, de modo a favorecer os impactos positivos no desenvolvimento socioeconômico local. Para tanto, as dificuldades já não advêm do autoritarismo que presidiu o ciclo petroquímico, em que pese o seu prolongamento via carlismo, estando associadas, no atual ambiente democrático, ao diapasão da reestruturação produtiva em curso e ao novo protagonismo dos agentes locais, reféns da chantagem permanente que envolve empregos e investimentos.

Entretanto, observa-se certo avanço na institucionalidade local,39 39 Sobre o papel do Sindicato dos Metalúrgicos do Estado da Bahia e dos governos estadual e municipal de Camaçari na vinda da Ford, ver Franco (2008). mesmo que sujeito a considerações. As próprias empresas, impulsionadas pelos requisitos de responsabilidade social - também estratégicos na sua competitividade - patrocinam ações sociais e desenvolvem mecanismos de participação da comunidade local. No casodo Complexo Ford, tais iniciativas, embora auxiliares das políticas públicas, são por demais acanhadas em relação ao poderio do benfeitor que, além disso, parece estar permanentemente a contradizer os princípios da responsabilidade social com sua atuação intramuros da fábrica.40 40 Sobre as iniciativas do CIFN e das empresas do Polo Petroquímico em nome da responsabilidade social corporativa (Franco, 2008; Borges e Franco, 1997). Importante e eficaz mecanismo de marketing e de empatia com o local, a atuação responsável não deve ser tomada como formato de uma nova institucionalidade, substitutiva da esfera pública tradicional.

Quanto ao sindicato, ator importante na vinda da montadora, ele percebe que as questões vivenciadas demandam uma visão social mais ampla, mas suas energias se esvaem nas crescentes disputas que resultam da "produção enxuta" e da compulsão empresarial pela inovação, numa região sob forte desestruturação do mercado de trabalho e campeã, há décadas, em taxas de desemprego no país. Sequer se verificam articulações com sindicatos de categorias diferentes (caso dos petroquímicos), a despeito de viverem situações constrangedoramente semelhantes e partilharem preocupações com os rumos do desenvolvimento local e regional.

O governo estadual, além de conceder toda sorte de incentivos e subsídios, vem exercitando "salvaguardas" na tentativa de fixar e "otimizar" os investimentos realizados. Elas abrangem desde o compromisso selado de contratar mão de obra local e residente na periferia metropolitana, até os intentos de aumentar o conteúdo baiano dos veículos aqui produzidos, através do programa de "baianização" do investimento, passando pela dotação de um novo e "irreversível" patamar logístico regional, incluindo os de formação de mão de obra. Caudatários no processo, os governos municipais empenham-se no preparo de seus territórios para atender a condições negociadas com o investidor e às demandas urbanas ampliadas com a intensificação dos fluxos migratórios, atraídos pela novidade industrial. Num ambiente democrático, vêm adotando mecanismos mais avançados de participação direta e exercitando uma administração mais enfática nas áreas sociais. Isso não vem se realizando sem problemas evidenciadores da complexa arquitetura política local, em meio a uma esfera pública fragilizada por tempos autoritários não tão remotos e chantageada por interesses poderosos, e globais.

Trata-se, enfim, da dimensão política do território, que poderia conduzir a mudanças na direção de superar a prostração local diante dos imperativos da ordem globalizada, operando uma política de acolhimento de investimentos mais seletiva ou, ainda, uma vez abrigados, à conduta socialmente mais justa dos negócios e do Estado hospedeiro. Ou, finalmente, abrir caminhos até então impensados, pois, apesar de as tendências apontadas terem caráter universal e nivelador, sequer os arranjos produtivos com que se concretizam são os mesmos, em função das especificidades do lugar.

(Recebido para publicação em maio de 2009)

(Aceito em julho de 2009)

Angela Franco - Arquiteta, Mestre em Ciências Sociais e Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela UFBA. Professora da Universidade Salvador - UNIFACS. É autora de vários artigos publicados e seu mais recente trabalho científico é a tese de doutorado Globalização e Fiesta na Bahia: impactos e tendências da implantação da indústria automobilística na Região Metropolitana de Salvador, 2008.

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  • ______. Novas conjunturas industriais e participação local em estratégias de desenvolvimento. In: RAMALHO, J.R.; SANTANA, M.A. (org.). Trabalho e desenvolvimento ragional: efeitos sociais da indústria automobilística no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Mauad: UFRJ - PPGSA; Brasília, DF: Capes, 2006 p. 11-42.
  • ______. Dinâmicas sóciopolíticas em novos territórios produtivos: introdução. Caderno CRH, Salvador, v.19, n. 46, p. 9-18 jan/abr. 2006a.
  • SEI (Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia). Classificação dos municípios baianos Salvador: SEI, 2007.
  • SAKO, M. Administrando parques industriais de autopeças no Brasil: uma comparação entre Resende, Gravataí e Camaçari. Caderno CRH, Salvador, v.19, n. 46, p. 63-76 jan/abr. 2006.
  • SOUZA, Celina. Regiões Metropolitanas: trajetória e influência das escolhas institucionais. In: RIBEIRO, L.C.de Q. (org.). Metrópoles: entre a coesão e a fragmentação, a cooperação e o conflito. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo; Rio de Janeiro: FASE, 2004.
  • TEIXEIRA, Francisco L.C. e VASCONCELOS, Nilton. Mudanças estruturais e inovações organizacionais na indústria automotiva. Conjuntura & Planejamento, Salvador, n. 66, nov. 1999. (Edição especial: O setor automotivo na Bahia).
  • UDERMAN, S.; CAVALCANTE. L.R. The cost of a structural change: a large automobile plant in a brazilian less developed region. In: Annual Meeting of the Western regional Science Association, 43, 2004, Maui (HW). Proceedings...Maui: Western Science Association, 2004.
  • ______. Fiscal Incentives, Public Policies and Structural Changes: a large automobile plant in a Brazilian less developed region. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO - ENANPAD, 29. Brasília, Distrito Federal, 2005. Anais..Brasília: ANPAD, 2005.
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  • VELTZ, P. Mundialización, ciudades y territórios: la economía de archipiélago. Barcelona: Editorial Ariel, S.A., 1999.
  • 1
    À Tânia Franco, meus agradecimentos pelas sugestões e revisão do artigo.
  • 2
    Na nova multinacionalização, não deixam de estar presentes as tradicionais vantagens - estratégicas, competitivas e comparativas - características das décadas de 1960 e 1970, utilizadas concomitantemente, em graus diferentes conforme os países, os setores, as empresas e as conjunturas. Entretanto, os fatores de então não teriam hoje o mesmo significado, assim como a ideia de vantagem absoluta, sobretudo tecnológica, reaparece com vigor (Veltz, 1999).
  • 3
    Markusen constata ser rara a ocorrência desses novos distritos fora da Europa e dos Estados Unidos. Os exemplos tomados referem-se aos Distritos Italianos (da Terceira Itália) e às experiências
    high tech americanas de
    Orange County e do Silicon Valley, com grandes diferenças entre si, sobretudo quanto aos resultados sociais. A experiência italiana é permeável à influência dos sindicatos e tem fortes laços comunitários, enquanto, nas experiências americanas, a cooperação mal transcende a "esfera do capital", tendendo para um "extremado conservadorismo laissez-faireano [...]" (Markusen, 1995, p. 20-21).
  • 4
    A diversidade de formas espaciais é demonstrada por Markusen através de experiências nos Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul e Brasil e da farta literatura sobre "especialização flexível" ou "novos distritos industriais" (Markusen, 1995).
  • 5
    No Brasil, a trajetória das políticas de desenvolvimento ilustra as mudanças na atuação do Estado. A partir dos anos 90, ajustes neoliberais comandam as decisões governamentais, na contramão das políticas desenvolvimentistas com que eram enfrentadas, até então, as desigualdades regionais, dificultando o planejamento de médio e longo prazos e a priorização de atividades produtivas e regiões. As mais atrasadas, como a Nordeste, desaceleradas suas economias, lançaram-se, com o argumento da desigualdade regional, mas sem o guarda-chuva do desenvolvimentismo, na disputa pela atração de investimentos de que o episódio da Ford na Bahia é emblemático (Guimarães Neto, 2004).
  • 6
    Nos países menos avançados, esse empreendedorismo urbano conta com as agências multilaterais de financiamento, entre as quais se destaca o Banco Mundial, difusor de "... métodos de planejamento urbano sensitivos ao mercado" e da escala local - a municipalidade - para efeito do desenvolvimento econômico. O Brasil dos anos 90 vivencia o interesse crescente nas estratégias competitivas para atração de negócios, então identificadas na gestão de cidades como o Rio de Janeiro, Curitiba e Santo André, exemplos recorrentes das melhores práticas disponibilizados pelos estrategistas de cidades (Fernandes, 2001).
  • 7
    Tal tendência também tem sido impulsionada pela dinâmica da globalização associada à liberalização da circulação de capitais, que realçou a importância dos acionistas, atores das empresas situados, até então, em posição mais discreta. Eles começaram a exigir remuneração cada vez maior para seus capitais móveis, forçando a adoção de uma série de medidas e direcionando as empresas para atividades potencialmente mais rentáveis, como os serviços ligados ao automóvel (Boyer; Freyssenet, 2000).
  • 8
    A exemplo da Volkswagen, que já teria definido uma linha estratégica que a levaria a transformar-se em uma empresa de projetos, marketing e serviços, sem atividades diretas de produção. No consórcio modular da empresa em Resende, Rio de Janeiro, até a montagem final dos caminhões VW é terceirizada.
  • 9
    Enquanto as montadoras tradicionais trabalhavam com 1000 a 2000 supridores diretos, as japonesas lidam com 100 a 200. Na produção fordista ocidental, as montadoras respondiam pela fabricação de 70% dos componentes utilizados, ao passo que, na produção enxuta, essa proporção se reduz para 30% (Teixeira e Vasconcelos, 1999).
  • 10
    A Ford de Camaçari e a Volkswagen de Resende são proprietárias de terrenos e edificações usadas pelos fornecedores. Na GM de Gravataí, esses itens são detidos por cada empresa do arranjo; em 2004, o número de fornecedores no local de montagem variava de 7 (VW, Resende) a 21 (Ford, Camaçari) e o percentual de empregados das montadoras sobre o total de empregos era de 22,5% (VW, Resende), 43,5% (Ford/, Camaçari) e 69,6% (GM, Gravataí)(Sako, 2006). Na Ford de Camaçari, não há a integração radical de Resende, mas não há a separação entre montadora e fornecedores da GM de Gravataí (Teixeira; Vasconcelos, 1999).
  • 11
    De fato, se, nas décadas de 1950 e 1960, as políticas de substituição de importações contribuíram para atrair investimentos que objetivavam tirar partido dos altos lucros propiciados pelos mercados protegidos da América Latina, nos anos 1990, quando se impunha a integração global, abertura comercial e investimentos estrangeiros diretos pareciam estar altamente correlacionados, especialmente no caso da indústria automobilística (Uderman; Cavalcante, 2004).
  • 12
    Ainda assim, a região paulista não apenas permanecia como principal mercado, como detinha a quase totalidade do parque produtor de autopeças, sendo que a fuga em relação a esse centro exigia fortes incentivos compensatórios, o que de fato se efetivou em ambos os casos (Alban; Souza; Ferro, 2000).
  • 13
    Apesar dos baixos níveis de renda per capita e dos elevados índices da concentração da renda, os incentivos aos carros populares, aliados à estabilização monetária, anunciavam possibilidades concretas de expansão desse mercado (Alban; Souza; Ferro, 2000).
  • 14
    Trata-se da Lei Federal n. 9826/1999, que ampliou o prazo de habilitação das montadoras no âmbito do Regime Automotivo Especial para as Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Sobre a trajetória da "emenda Ford" ver Franco (2008).
  • 15
    Desse valor, US$ 1,2 bilhão coube à Ford e o restante ao conjunto das sistemistas - empresas fornecedoras que integram o complexo (Mercês, 2005).
  • 16
    A imprensa, por ocasião da disputa em torno da vinda da Ford para a Bahia, divulgou alguns números desse financiamento: o BNDES se comprometeu com R$ 700 milhões e o BNB com cerca de R$ 250 milhões iniciais (Franco, 2008).
  • 17
    O BNDES financiou máquinas e equipamentos nacionais, com Desenbahia e BNB como intermediadores locais; o financiamento de máquinas importadas contou com recursos do Unibanco ou com capital próprio das empresas. Compõe ainda a infraestrutura financeira, uma linha de empréstimos do Banco do Brasil e de bancos privados (como o Unibanco) - até um teto de R$ 400 milhões - para micro e pequenas empresas instaladas ou que venham a adensar a rede de fornecedores da Ford na Bahia (Mercês, 2005).
  • 18
    É um modelo de subcontratação que preserva, nas mãos da empresa-âncora, a propriedade de ativos, de modo similar ao consórcio modular da VW/Resende, no Rio de Janeiro, e diferente do condomínio industrial da GM/ Gravataí, no Rio Grande do Sul (Sako, 2006).
  • 19
    Doação da gleba (469 ha); implantação do arruamento e pátios internos à planta industrial dotados de toda a infraestrutura; melhoria do sistema viário de acesso e do entorno; suporte para as tubulações; fornecimento de energia elétrica, água potável e gás natural; infraestrutura de proteção contra incêndio; captação e tratamento de efluentes industriais e esgotamento doméstico; pátio de resíduos sólidos; sistema de telecomunicações; reflorestamento ecológico; infraestrutura ferroviária e portuária (Consórcio..., 2003).
  • 20
    Investimentos em qualificação profissional e ampliação dos recursos de ensino existentes; melhoria e ampliação das condições de atendimento à saúde; estímulo à implantação de unidades habitacionais e de lazer para fixação da mão de obra local; ampliação da capacidade de atendimento em creches; investimentos em instalações da Polícia Civil, Militar, Rodoviária e Corpo de Bombeiros; concessão de linhas regulares de transporte coletivonos municípios de Camaçari e Dias D´Ávila; infraestrutura física para cadastramento, triagem e recrutamento (Consórcio..., 2003).
  • 21
    Por esse critério, a microempresa teria até 20 funcionários; a pequena mais de 20 e menos de 100 empregados; a média mais de 100 e menos de 500, e a grande mais de 500. Mercês alerta, contudo, que, se o critério fosse o faturamento, os resultados seriam outros, já que tais empresas são, na maioria, filiais de matrizes estrangeiras com posições consolidadas no mercado.
  • 22
    Obstáculos de natureza diversa, tais como qualificação e (ou) indisponibilidade de mão de obra experiente, logística, etc. Para maiores detalhes, ver Franco (2008).
  • 23
    Para maiores detalhes sobre o perfil salarial, residência, nível de escolaridade, diversidade étnico-cultural, jornadas de trabalho e saúde dos empregados do CIFN, ver Franco (2008).
  • 24
    Pesquisa realizada em 2002, no universo de trabalhadores do Polo Petroquímico aponta a seguinte distribuição segundo local de residência: 59% (Salvador); 30,2% (Camaçari); 6,2% (Dias D'Ávila); 3,3% (Lauro de Freitas) e 1,3% (outra localização) (Prefeitura Municipal de Camaçari, 2006).
  • 25
    A RMS é composta por dez municípios: Salvador, Camaçari, Candeias, Itaparica, Lauro de Freitas, São Francisco do Conde, Simões Filho, Vera Cruz, Dias D'Ávila e Madre de Deus. Cinco deles concentram os segmentos industriais de peso na região (química, petroquímica, siderúrgica, metalúrgica): Camaçari, Dias D'Ávila, Simões Filho, São Francisco do Conde e Candeias. As unidades industriais estão localizadas, sobretudo, no interior da região, próximas às sedes municipais e, em alguns casos, próximas ao bordo da Baía de Todos os Santos. A exceção é a Milenium situada na orla do município de Camaçari.
  • 26
    Característica que atingia, inclusive, os empregos mais bem remunerados da administração pública dos municípios periféricos.
  • 27
    Isso se evidencia com: a queda do peso das atividades industriais na estrutura ocupacional da RMS (no ramo químico e petroquímico, em apenas dez anos, foram eliminadas cerca de 16 mil vagas - de 28 mil, em 1989, para pouco mais de 12 mil, em 1999); a tendência à redução do "núcleo estruturado" do mercado de trabalho versus o aumento dos vínculos empregatícios precários (nos quais se inclui boa parte dos terceirizados); o desemprego, que não apenas se elevou, mas, atingindo desigualmente os segmentos da força de trabalho, pela primeira vez afetou a todos; e a redução dos rendimentos médios reais dos ocupados (Borges, 2003).
  • 28
    Os dados dos Censos de 1991 e 2000 demonstram esse crescimento acelerado dos municípios periféricos, sobretudo dos industriais e de suas sedes, a taxas bastante superiores à da capital e acima da média metropolitana (Borges e Franco,1997).
  • 29
    Níveis de pobreza (frequência de moradores com renda mensal familiar, per capita, de até meio salário mínimo) e de indigência (frequência de moradores com renda mensal familiar, per capita, de até um quarto do salário mínimo) (Carvalho; Codes, 2006).
  • 30
    Em Camaçari, os 10% mais ricos se apropriam de 48,2% e os 20% mais pobres de 2,0% da renda (Carvalho; Codes, 2006).
  • 31
    O IDE busca refletir o grau de riqueza alcançado pelo município, através de uma proxy do PIB municipal, aliada a indicadores de infraestrutura econômica (energia elétrica, telefonia, rede bancária, estabelecimentos de comércio e serviços) e de qualificação da mão de obra formal. Sinaliza, portanto, a capacidade de geração de renda e de atração de novos investimentos do município (SEI. Classificação dos Municípios Baianos, 2007).
  • 32
    O IDS qualifica o município quanto ao grau de desenvolvimento social através de indicadores: do nível de saúde (incidência de doenças de notificação obrigatória, óbitos por causas mal definidas, número de estabelecimentos de saúde, de leitos, de profissionais da saúde, de vacinas aplicadas); de educação (matrículas e níveis de escolaridade); saneamento (energia elétrica e água tratada) e renda dos chefes de família (SEI. Classificação dos Municípios Baianos, 2007).
  • 33
    Para maiores informações, ver Cerqueira (2007) e Franco (2008).
  • 34
    As informações da SEI apontam para a manutenção de Camaçari como o primeiro no ranking do estado, em 2004 e, a partir daí, para a 2ª posição, novamente atrás de Salvador, por conta da estabilização do efeito Ford.
  • 35
    Os municípios industriais compreendem: Candeias, Simões Filho, São Francisco do Conde, Dias D´Ávila, Madre Deus e Lauro de Freitas.
  • 36
    Para a PED, o informal é composto de: assalariados sem carteira; autônomos, donos de negócio familiar, empregadores e outros sem contribuição para a previdência social; empregados domésticos.
  • 37
    Sozinho, Camaçari respondeu por 69,5% do incremento dos empregos industriais na RMS, no período 2000-2004, seguido pelos demais municípios industriais, que absorveram 45,2% daquele acréscimo metropolitano. Ou seja, o saldo positivo desses empregos, na primeira metade dos anos 2000, deveu-se à periferia metropolitana, sobretudo a Camaçari. O único município a apresentar pequeno decréscimo absoluto nos postos de trabalho industriais foi Simões Filho.
  • 38
    Essa periferia está também presente em Salvador. Contudo, os impactos dos novos empregos dizem mais respeito ao município de Camaçari e seu entorno imediato, como demonstraram os dados analisados.
  • 39
    Sobre o papel do Sindicato dos Metalúrgicos do Estado da Bahia e dos governos estadual e municipal de Camaçari na vinda da Ford, ver Franco (2008).
  • 40
    Sobre as iniciativas do CIFN e das empresas do Polo Petroquímico em nome da responsabilidade social corporativa (Franco, 2008; Borges e Franco, 1997).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Nov 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2009

    Histórico

    • Aceito
      Jul 2009
    • Recebido
      Maio 2009
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