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Participação política, legitimidade e eficácia democrática

Participation politique, légitimité et efficacité démocratique

Political participation, legitimacy and democratic effectiveness

Resumos

O presente trabalho constitui uma reflexão acerca da importância de se oferecerem oportunidades institucionais de participação política aos cidadãos a fim de se consolidar o regime democrático de governo. Argumenta-se que a participação é indispensável para a consecução de duas metas: a) Conferir maior legitimidade ao regime e às decisões elaboradas em seu âmbito. Discute-se o argumento sobre como a carência de oportunidades de participação acaba por tornar os cidadãos apáticos e insatisfeitos com a democracia. Considera-se, então, a necessidade de promover mecanismos de intervenção mais fortes e frequentes para a esfera civil; b) Implementar as políticas públicas de maneira mais efetiva. A participação possui uma faceta instrumental, por possibilitar uma melhor qualidade na formulação, implementação e efetividade das decisões políticas e programas governamentais. Assim, no texto, defende-se a adoção de novos dispositivos participativos institucionais por meio da demonstração de suas vantagens.

democracia; participação; legitimidade; instituições; políticas públicas


Ce travail présente une réflexion sur l'importance d'offrir des opportunités institutionnelles de participation politique aux citoyens en vue de consolider le régime démocratique de gouvernement. Il est estimé que la participation est indispensable pour atteindre deux objectifs: 1) Attribuer une plus grande légitimité au régime et aux décisions élaborées dans son champ d'application. On y discute de l'argument concernant le manque d'opportunités de participation qui rend les citoyens apathiques et insatisfaits quant à la démocratie. C'est alors que l'on prend en considération la nécessité de promouvoir des mécanismes d'intervention plus forts et plus fréquents pour la sphère civile. 2) Mettre plus efficacement en œuvre des politiques publiques. La participation a un aspect instrumental, car elle permet une meilleure qualité de formulation, de mise en place et d'effectivité des décisions politiques et des programmes gouvernementaux. On défend donc l'adoption de nouveaux dispositifs institutionnels de participation grâce à la démonstration de leurs avantages.

démocratie; participation; légitimité; institutions; politiques publiques


This paper is a reflection on the importance of offering institutional opportunities for political participation for the citizens, in order to consolidate the democratic system of government. It is argued that participation is essential to achieve two goals: 1) Confer more legitimacy to the regime and the decisions elaborated in its scope. An argument is made about how the lack of participation opportunities eventually make citizens apathetic and dissatisfied with democracy. The need to promote for more frequent and stronger intervention mechanisms to the civil sphere is considered. 2) More effectively implement public policies. Participation has an instrumental facet, by providing a better quality in the formulation, implementation and effectiveness of policy decisions and government programs. So, in this text, the adoption of new participatory institutional devices through the demonstration of its advantages is defended.

democracy; participation; legitimacy; institutions; public policies


ARTIGOS

Participação política, legitimidade e eficácia democrática

Political participation, legitimacy and democratic effectiveness

Participation politique, légitimité et efficacité démocratique

Francisco Paulo Jamil Almeida Marques

Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas. Professor de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará. Líder do Grupo de Pesquisa em Política e Novas Tecnologias (PONTE/UFC). Universidade Federal do Ceará, Instituto de Cultura e Arte - ICA, Departamento de Comunicação Social, Av. da Universidade, 2762, Benfica. Cep: 60020-180 - Fortaleza -Ceará - Brasil. marquesjamil@yahoo.com.br

RESUMO

O presente trabalho constitui uma reflexão acerca da importância de se oferecerem oportunidades institucionais de participação política aos cidadãos a fim de se consolidar o regime democrático de governo. Argumenta-se que a participação é indispensável para a consecução de duas metas: a) Conferir maior legitimidade ao regime e às decisões elaboradas em seu âmbito. Discute-se o argumento sobre como a carência de oportunidades de participação acaba por tornar os cidadãos apáticos e insatisfeitos com a democracia. Considera-se, então, a necessidade de promover mecanismos de intervenção mais fortes e frequentes para a esfera civil; b) Implementar as políticas públicas de maneira mais efetiva. A participação possui uma faceta instrumental, por possibilitar uma melhor qualidade na formulação, implementação e efetividade das decisões políticas e programas governamentais. Assim, no texto, defende-se a adoção de novos dispositivos participativos institucionais por meio da demonstração de suas vantagens.

Palavras-chave: democracia, participação, legitimidade, instituições, políticas públicas.

ABSTRACT

This paper is a reflection on the importance of offering institutional opportunities for political participation for the citizens, in order to consolidate the democratic system of government. It is argued that participation is essential to achieve two goals: 1) Confer more legitimacy to the regime and the decisions elaborated in its scope. An argument is made about how the lack of participation opportunities eventually make citizens apathetic and dissatisfied with democracy. The need to promote for more frequent and stronger intervention mechanisms to the civil sphere is considered. 2) More effectively implement public policies. Participation has an instrumental facet, by providing a better quality in the formulation, implementation and effectiveness of policy decisions and government programs. So, in this text, the adoption of new participatory institutional devices through the demonstration of its advantages is defended.

Keywords: democracy, participation, legitimacy, institutions, public policies.

RESUMÉ

Ce travail présente une réflexion sur l'importance d'offrir des opportunités institutionnelles de participation politique aux citoyens en vue de consolider le régime démocratique de gouvernement. Il est estimé que la participation est indispensable pour atteindre deux objectifs: 1) Attribuer une plus grande légitimité au régime et aux décisions élaborées dans son champ d'application. On y discute de l'argument concernant le manque d'opportunités de participation qui rend les citoyens apathiques et insatisfaits quant à la démocratie. C'est alors que l'on prend en considération la nécessité de promouvoir des mécanismes d'intervention plus forts et plus fréquents pour la sphère civile. 2) Mettre plus efficacement en œuvre des politiques publiques. La participation a un aspect instrumental, car elle permet une meilleure qualité de formulation, de mise en place et d'effectivité des décisions politiques et des programmes gouvernementaux. On défend donc l'adoption de nouveaux dispositifs institutionnels de participation grâce à la démonstration de leurs avantages.

Mots-clés: démocratie, participation, légitimité, institutions, politiques publiques.

INTRODUÇÃO

Uma das preocupações mais candentes dos estudiosos contemporâneos dedicados ao exame da teoria democrática se encontra no diagnóstico de crise da relação entre esfera civil1 1 Ao longo deste trabalho, existe a preferência pelo emprego dos termos "esfera civil" e "participação civil" em detrimento de categorias como "sociedade civil" e "participação cívica" ou "popular", na medida em que se considera que essas últimas expressões tendem a implicar comprometimento e mobilização mais efetivos dos cidadãos no que concerne à disposição para a prática política. Não por desacreditar na importância de movimentos sociais e de sua influência, mas por enxergar que a maioria dos cidadãos, nas democracias contemporâneas, se encontra desorganizada ou mesmo indisposta a se intrometer nos negócios públicos, entende-se, aqui, que as expressões "esfera civil" e "participação civil" podem, de maneira mais adequada, dar conta das realidades democráticas contemporâneas. e esfera dos representantes políticos, pois se considera haver um distanciamento incômodo na divisão do trabalho político desses agentes (Manin, 1997). Tal inquietação se revela desde a resignação de Habermas ([1962] 1984) atinente à decadência da esfera pública burguesa (já que a ênfase no estatuto da representação teria afastado a atividade política dos cidadãos comuns e comprometido a acessibilidade deles às arenas de debate e produção de decisões relacionadas à coisa pública) e chega até a algumas das produções mais recentes da área, de acordo com as quais, em diferentes ocasiões, testemunha-se o mero ajuntamento do substantivo "democracia" ao adjetivo "eleitoral" (Gastil, 2000; Miguel, 2003).

Nesse sentido, determinados autores chegam a indicar a existência de uma "crise da democracia" in totum, uma vez que as promessas desse regime de governo atinentes à inclusão dos cidadãos nos debates destinados a tratar dos negócios públicos, bem como aos mecanismos institucionais (ou seja, aqueles oferecidos pelas instituições do estado democrático) voltados para tal participação, ainda não se consolidaram da maneira e no ritmo esperado, limitando-se à intervenção mais relevante da esfera civil aos períodos eleitorais (Cohen; Arato, 1992; Galbraith, 1992; Giddens, 1994). Ou seja, se não há participação, segue o argumento, não haveria democracia2 2 É importante ressaltar que este trabalho parte de uma perspectiva que trata da carência de oportunidades institucionais de participação. Isto é, assume-se como premissa a falta de instrumentos aprofundados e efetivos que sejam cunhados ou postos em prática pelo Estado com o intuito de operar intromissões e influências nos negócios públicos por parte dos cidadãos. Dessa forma, não será considerada, com maior vigor, a participação política da esfera civil que se dá por meio de associações e demais entidades da sociedade organizada, cujas atividades políticas estão em plena ebulição, sobretudo após a redemocratização do país, nos anos 80 (Coelho; Nobre, 2004). (Barber, 2004).

Neste trabalho, por outro lado, não obstante representar mais um esforço na defesa e na consecução de artifícios participativos, compreende-se a participação política dos cidadãos como apenas um dos valores atinentes à ideia geral de democracia.3 3 A "ideia de democracia" é compreendida por Wilson Gomes (2007) como um conjunto de valores essenciais a serem considerados quando da conceituação deste regime de governo. De acordo com o autor: "A 'ideia de democracia' pode ser materializada numa definição mínima, que se pode facilmente compartilhar e que, ao mesmo tempo, contenha o essencial da democracia" (Gomes, 2007). Em outras palavras, defende-se que a ideia de democracia evoca um conjunto de valores que precisam ser compreendidos de forma complementar - ainda que determinados modelos, tradições e ênfases em teoria democrática enfatizem um ou outro destes valores como sua pedra angular - para que se disponha de uma concepção razoável de democracia que permita o incremento de determinados aspectos das práticas políticas. Em outras palavras, defende-se que a participação política dos cidadãos não seria o único traço definidor das democracias e de suas práticas, devendo tal categoria ser tomada em um quadro analítico mais amplo e que leve em conta dimensões distintas igualmente importantes para se afirmar a legitimidade e a superioridade do regime de governo em questão.

Acredita-se, então, que, dentre os valores a constituírem a ideia de democracia, podem ser arrolados a transparência, a visibilidade, as liberdades políticas e os direitos delas decorrentes e, mais uma vez, a participação propriamente dita. À exceção desse último, é preciso admitir, nunca, ou, pelo menos, desde o advento das democracias modernas, os outros valores ganharam uma configuração tão aperfeiçoada como a atual.4 4 Não se quer dar a impressão de que todos os outros valores se encontram em perfeita forma e aplicação, mas apenas fazer compreender que eles vivenciam uma fase especial de incremento. Tal diagnóstico é corroborado por instituições independentes de estados, tais como a Reporters Without Borders [Repórteres Sem Fronteiras] (2007), a Internacional Transparency [Transparência Internacional] (2007) e a Freedom House (2000 e 2006), em relatórios que ressaltam, justamente, os valores de democracia acima referidos. Assim, em lugar de se afirmar o diagnóstico acerca da existência de uma crise generalizada da democracia, parece mais razoável falar da dificuldade na consecução de um dos valores específicos a integrarem a ideia conceitual desse regime de governo, a saber, a participação. É com tal perspectiva que, neste trabalho, propõe-se pensar a importância da participação política dos cidadãos para a ideia de democracia.

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Se parece consenso a noção de que valores como a liberdade e a transparência são imprescindíveis, ainda que em maior ou menor medida, a depender, por exemplo, do enfoque teórico selecionado, o mesmo não pode ser dito em relação à participação da esfera civil.5 5 A questão da participação política dos cidadãos apetece de forma distinta pelo menos três grandes sistematizações em teoria democrática. De uma maneira geral, a concepção liberal de democracia, das quais o elitismo competitivo de Schumpeter (1942) é um dos ramos de maior reverberação, defende um papel limitado dos cidadãos no que se refere ao domínio da política. O argumento consiste na defesa do estímulo ao indivíduo para que ele busque seu progresso material, deixando os negócios políticos, assim, nas mãos de representantes experientes e versados na condução da coisa pública, sem se comprometer, adicionalmente, a estabilidade do sistema. Nessa tradição, o voto é o instrumento por excelência (quiçá, o único) a permitir o controle e a participação política dos cidadãos. Há modelos, contrariamente, que defendem a consecução de princípios participativos mais fortes e apelam para a importância do papel educacional na vida democrática, enfatizando, então, a necessidade de um maior envolvimento dos cidadãos. Os autores participativos, nestes termos, colocam-se em posição diametralmente oposta aos liberais-elitistas, sustentando que, sem participação efetiva, não se pode, sequer, falar de democracia (Pateman, 1992). Um terceiro modelo, de sedimentação mais recente, é denominado "deliberativo", e leva em boa conta a importância de ideais democráticos, a exemplo da participação. Essa tradição, contudo, não deixa de atentar para dificuldades práticas de se implementarem esses valores. Os autores deliberacionistas vão se preocupar, de maneira mais específica, com a preservação de direitos (tão defendida pelos liberais) e do estatuto da representação política, ao mesmo tempo em que procuram pensar o processo de legitimação das decisões como necessariamente catalisado pela possibilidade de intervenção contínua e discursiva da esfera civil (Bohman, 1996; Gutmann; Thompson, 1996). A importância desse valor não é consensual e chega a conformar o traço por excelência a diferenciar os modelos de democracia mais proeminentes (Held, 1987).

Mas é preciso enxergar que, por trás do debate teórico acerca da desejabilidade, da extensão e da natureza que deve ter a participação, encontram-se duas outras questões fundamentais para se compreender a relevância desse tema. A primeira se refere à importância da participação para a manutenção, o aperfeiçoamento e a consolidação da democracia e de sua legitimidade; a segunda tem a ver com as utilidades empíricas que podem ser apontadas como argumentos favoráveis ao oferecimento oportunidades de participação aos cidadãos. O texto é estruturado de maneira a cobrir os fenômenos e categorias principais dessas duas dimensões.

Acredita-se que uma exploração mais cuidadosa desses dois aspectos contribui para: (1) evidenciar o porquê da necessidade de se pro-mover a participação dos cidadãos como um dos valores mais importantes da ideia de democracia e de suas práticas; (2) refutar determinadas premissas adotadas por aqueles modelos de democracia de base liberal-elitista; e para (3) amparar, de forma adicional, aquelas vertentes, em teoria democrática, cujo interesse se encontra na defesa de mecanismos de participação efetivos. Esse é o empreendimento específico do presente artigo.

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PARTICIPAÇÃO E LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA

Por quais motivos promover a participação dos cidadãos agrega legitimidade ao regime democrático? Quais são os mecanismos e características da participação que podem ser tomados como elementos fundamentais para se garantir a legitimidade?

Um aspecto precisa ser esclarecido a fim de se compreender melhor a questão da legitimidade democrática. Ele se refere ao fato de que a democracia não mais parece sofrer concorrência paritária de qualquer outro regime político no mundo. A defesa de regimes democráticos se tornou uma posição-padrão, estando as divergências fundamentadas na quantidade e qualidade desejável de democracia e de seus valores. Ou seja, do ponto de vista específico de princípios, e em oposição a regimes ditatoriais ou tirânicos, a legitimidade atribuída ao regime democrático de governo é praticamente inquestionável.

Porém uma interpretação diferente da noção de legitimidade emerge dos debates mais recentes em teoria política. A questão enfatizada por essa acepção peculiar de legitimidade é concernente não à disputa entre regimes (democracias versus ditaduras), mas, na verdade, tem a ver com o quão diferentemente legítimos podem ser interpretados os arranjos, as configurações e as práticas que distinguem as democracias. Quesitos de essências diversas podem ser arrolados para se aferir em que medida as práticas democráticas estão mais próximas ou afastadas de um ideal de legitimidade. Este trabalho ressalta a questão determinada da participação dos cidadãos como um dos aspectos mais importantes a marcar o quão intensa pode ser a legitimidade de diferentes regimes democráticos.

Democracia e legitimidade: aspectos gerais

Todo regime político procura preservar sua condição hegemônica. Pode-se dizer que uma das diferenças entre a democracia e os regimes autoritários ou tirânicos se encontra na forma como essa preservação se dá. Nas ditaduras, o emprego da força busca garantir alguma forma de estabilidade ao governante, que, assim, obtém a prerrogativa de impor normas e políticas. Nas democracias, a estabilidade tem muito de seu fundamento na legitimidade das decisões engendradas mediante métodos e dispositivos característicos, como, por exemplo, a soberania dos cidadãos.

David Easton (1965) é um dos autores clássicos a tratar da questão da legitimidade governamental. O estudioso identifica duas dimensões que compreendem o apoio político a um determinado regime. A primeira dimensão é chamada de "apoio difuso" e se manifesta quando os cidadãos argumentam a favor da manutenção das instituições e das práticas políticas que caracterizam a atuação de um regime ou governo particular. Contam para a solidificação do apoio dessa natureza o caráter da socialização política e os aspectos relativos ao perfil do comportamento político dos cidadãos, assim como a internalização de valores específicos, a exemplo daqueles apontados por Almond e Verba (1963).

A segunda dimensão foi batizada de "apoio específico" e ganha expressão quando um grupo ou personalidade determinada que esteja a vigorar no poder recebe a deferência dos cidadãos graças a seu desempenho. Geralmente, o apoio político específico se refere à conjuntura que marca uma época ou às atitudes de quem está no governo (Easton, 1965).

Essa diferenciação entre as formas de apoio permite uma melhor distinção entre, de um lado, a rejeição a um determinado governo ou grupo político que se encontra no poder e, de outro, a rejeição generalizada ao regime político em vigência. Em outras palavras, deve-se ressaltar o fato de que a recusa a um governo não necessariamente significa que um regime deixou de ser legítimo ou que, no caso da democracia, a esfera civil se encontra tensa a ponto de apoiar ou se mobilizar pela promoção de modificações mais radicais em termos políticos.

Easton tem em conta, então, que o apoio difuso é mais importante para a manutenção e estabilidade longeva de um regime do que o apoio específico e, por isso, a crença dos cidadãos nos valores democráticos é uma fonte de reserva fundamental de legitimidade para se manter o equilíbrio do regime (Easton, 1965).

Em livro organizado por Pippa Norris (1999), a questão do apoio político difuso e específico pensada por Easton aparece ligada, de modo mais exato, com a legitimidade dos regimes democráticos. A autora propõe uma escala que trata das duas modalidades de apoio a partir do exame de cinco aspectos determinados: a) importância que os cidadãos particularmente atribuem à comunidade política (sentimento que os liga uns aos outros no sentido de estarem dispostos a cooperar ou a se mobilizar politicamente); b) valores defendidos pelo regime em questão, que são compartilhados pelos cidadãos (concordância com a desejabilidade na consecução de princípios tais como liberdade, participação e tolerância); c) avaliação do desempenho do regime vigente (satisfação dos cidadãos com o desempenho do sistema em oposição àquilo prometido ou considerado ideal); d) apoio às próprias instituições existentes (parlamentos, governos e demais órgãos integrantes da burocracia); e) satisfação com os agentes e elites que se encontram no poder (Norris, 1999, p.9-13). Norris, assim, aprofunda a ideia de Easton de que a legitimidade deve ser compreendida a partir de uma multiplicidade de fatores, o que torna variável a intensidade de apoio que os cidadãos podem prestar aos regimes democráticos.

Os aspectos apontados por Easton e Norris como fundamentais para o apoio político levam em conta, de forma singular, o suporte oferecido pela esfera civil para se averiguar a legitimidade e o quociente de estabilidade de determinado regime. Essa sustentação, conferida pelo apego político dos cidadãos a instituições ou a alguns de seus agentes, é acentuada quando se está referindo à democracia, visto que esse é o regime que mais se propõe a defender um ideal de soberania popular.

O que um determinado grupo de autores vem defendendo com vigor cada vez maior é a ideia de que o regime democrático está a perder apoio, tanto difuso quanto específico e, consequentemente, legitimidade ante a esfera civil. A causa principal desse fenômeno se encontraria, para os especialistas em pauta, na insatisfação dos cidadãos com as práticas democráticas, na medida em que se constata a persistência de problemas relativos à administração do interesse público, à justiça social e a um arranjo que pouco parece se interessar pelas disposições e contribuições da esfera civil em relação à produção da decisão política (Bennett, 1986; Eliasoph, 1998; Pharr, Putnam; Dalton, 2000; Gastil, 2000; Nye, Zelikow; King, 1997; Eisenberg; Cepik, 2002).

A inquietação mais candente desses estudiosos é relativa, assim, ao risco de serem corrompidas as bases da legitimidade do regime democrático, ao passo em que se aprofunda uma sensação de instabilidade ou, conforme discutido no início deste artigo, de crise.

Legitimidade democrática e a carência de recursos participativos

Se o suporte oferecido pela esfera civil é tão importante para se compreender de quanta legitimidade um dado regime dispõe, é certo afirmar que algumas características que marcam a atuação política dos cidadãos nas democracias contemporâneas merecem atenção. Muitos daqueles autores que apontam uma crise da democracia, de acordo com o que foi exposto anteriormente, também insistem que tal crise se reflete na carência de legitimidade desse regime, comprovada, segundo eles, por fenômenos crescentes como a apatia, o cinismo, a insatisfação e a sensação de escasso poder político por parte da esfera civil.

John Gastil (2000), por exemplo, ao afirmar que a falta de confiança dos cidadãos em seus representantes acaba por comprometer o próprio sentimento de legitimidade das instituições políticas, assegura que as práticas democráticas atuais não podem, sequer, ser consideradas representativas, pois (1) os cidadãos não sentem que os eleitos zelam por seus interesses, (2) não se pode constatar a existência de um diálogo franco e aberto entre esfera civil e instituições políticas do estado democrático e (3) há dúvida acerca da integridade e do espírito responsável dos governantes (Gastil, 2000, p.4-5).

Para fundamentar sua ideia de que a democracia enfrenta uma crise de legitimidade, dadas as condições inadequadas de relacionamento entre esfera civil e esfera política, Gastil faz uma analogia com a perspectiva de Albert Hirschman acerca das atitudes de consumidores insatisfeitos com empresas prestadoras de serviços ou provedoras de bens. Hirschman considera que os clientes, quando não se sentem contemplados por determinado produto, podem to-mar três diferentes atitudes em relação a seu fornecedor: voz (quando não gostam de algo, reclamam), saída (procuram uma opção diferenciada, isto é, outro provedor) e lealdade (mantêm sua fidelidade mesmo que estejam desgostosos com algo).

No caso dos sistemas políticos representativos, o argumento de Gastil é o de que a esfera da cidadania tem poucas oportunidades de tornar sua voz política efetiva. Ao mesmo tempo, ela quase nada pode fazer, estando seus integrantes dispostos isoladamente, para modificar as estruturas do contrato social no qual está inserida, o que limita o emprego do recurso de saída do sistema. Tais condições acabam pondo em risco a lealdade dos cidadãos em relação ao regime democrático, na argumentação desse autor, uma vez que, ao não se sentirem contemplados, ou ao não reconhecerem traços de correção no exercício das práticas representativas, podese deixar de acreditar na democracia a ponto de não mais se ver necessidade de defendê-la (Gastil, 2000, p.176).

Dessa forma, ao avaliarem os mecanismos participativos existentes e perceberem que possuem pouca influência sobre as decisões tomadas, ou ao tomarem conhecimento de casos frequentes de corrupção e de denúncias, ou, ainda, ao perceberem escassos ganhos materiais e progressos no que se refere à promoção de justiça social, os cidadãos acabariam se tornando apáticos ou, mesmo, cínicos em relação a temas de interesse público.

De acordo com Luís Felipe Miguel, a causa dessa apatia dos cidadãos não é, necessariamente, resultado da "alienação" civil. Ela é atinente, na verdade, aos aspectos problemáticos que caracterizam a relação entre instituições políticas e a esfera da cidadania. O autor aponta, por exemplo, a inexistência de mecanismos de input que permitam que se fale em algo além de "democracia eleitoral". Fatos como o comparecimento declinante às urnas, a desconfiança crescente dos cidadãos e o esvaziamento de entidades ligadas ao campo político, tais como os partidos, são resultantes da sensação de que os cidadãos não possuem espaço efetivo de influência política (Miguel, 2003).

Em suma, as referências arregimentadas até esse ponto vão se referir à ideia de que a legitimidade do regime democrático está cada vez mais em xeque na medida em que os cidadãos não mais se sentem contemplados pelos dispositivos atualmente oferecidos a eles para se envolverem na discussão da coisa pública. Mas há questionamentos a essa hipótese acerca da relação entre participação e legitimidade.

Seymour Lipset (1981) apresenta, em seu livro clássico Political Man, publicado originalmente em 1960, um estudo acerca das condições mais favoráveis para se manter a estabilidade das democracias. De acordo com esse autor, sistemas de partido único ou de vários partidos tendem a ser mais turbulentos que regimes bipartidários; da mesma forma, estados unitários enfrentam mais resistências que suas contrapartes federativas. Lipset demonstra preocupação especial com um fator de interesse para este artigo: para ele, o baixo comparecimento dos cidadãos às urnas, contrariamente ao diagnóstico dos especialistas acima apresentados, não deve ser tomado como algo necessariamente ruim. A abstenção é fruto, afirma, não de uma insatisfação com a democracia ou a representação, mas tem sua causa em três diferentes fatores: estabilidade do sistema político; redução de conflitos sociais; maior compartilhamento de valores e diminuição de disputa ideológica. Ou seja, para tal estudioso, a apatia é um fenômeno natural, não havendo razões de maior importância para os cidadãos estarem mobilizados.6 6 Norberto Bobbio concorda com essa linha argumentativa ao afirmar que "... a apatia política não é de forma alguma um sintoma de crise de um sistema democrático mas, como habitualmente se observa, um sinal da sua perfeita saúde: basta interpretar a apatia política não como recusa ao sistema mas como benévola indiferença" (Bobbio, 2000, p.82).

Lipset ressalta que os grandes momentos de efervescência e manifestação dos cidadãos, expressos no alto comparecimento às urnas, por exemplo, ocorre quando o sistema passa por instabilidade ou enfrenta problemas de coesão social. Dessa forma, Seymour Lipset reproduz a ideia de Schumpeter (1942) de que, se não há questionamentos por parte dos cidadãos, é porque as instituições políticas e suas práticas vêm sendo adequadamente avaliadas do ponto de vista da legitimidade.

A perspectiva exposta por Lipset parece desprezar que há uma diferença fundamental entre apatia e insatisfação. Ou seja, ao estabelecer uma relação positiva entre o baixo comparecimento dos cidadãos às urnas e a estabilidade e a legitimidade democrática, o argumento desse especialista não se debruça sobre a hipótese de que tal afastamento pode ser resultado, na verdade, de um descontentamento com as estruturas existentes e de uma falta de recursos para fazer valer a influência e o controle públicos no que concerne aos negócios de interesse da esfera da cidadania.

O mais curioso é que Lipset não chega a considerar como preocupante nem mesmo o emprego deficiente do único mecanismo de participação que modelos, a exemplo do elitismo, propõem como fundamental: as eleições.7 7 A ideia de que a participação vem se tornando menos intensa é reforçada por pesquisas relativas ao comparecimento dos cidadãos às eleições em países onde votar é opcional, como aquelas realizadas por Cassell e Luskin (1988). Além disso, o comportamento dos cidadãos e a legitimidade das práticas democráticas não podem ser medidos apenas por meio do comparecimento eleitoral, merecendo estima, assim, outras dimensões e índices, como a filiação partidária, a mobilização cívica e o interesse por notícias relativas ao domínio da política. Ou seja, um único índice, o número maior ou menor de eleitores de uma eleição para outra, parece pouco para se aferir com precisão o apego da esfera da cidadania às instituições que caracterizam o regime democrático.

Adicionalmente, a explicação de autores como Lipset não responde a uma simples questão: Por que motivo o número de votos em branco e nulos, sobretudo em países onde o voto é obrigatório, vem insistindo em se manter em taxas incomodamente baixas a cada eleição? A hipótese mais consistente parece ser, de fato, aquela relativa à insatisfação com as práticas democráticas (reverberando-se sobre a legitimidade do regime), e não aquela que relaciona a apatia dos cidadãos com a avaliação de que os negócios públicos seguem um rumo adequado.

Mas suponha-se que, de fato, o não-comparecimento dos cidadãos às eleições implique devoção, como quer Lipset, às regras da democracia, garantindo-se, assim, nos termos apresentados por Easton (1965), uma reserva formidável de estabilidade. É de se duvidar, porém, que, em tal contexto, não houvesse uma ocasião sequer na qual parte dos cidadãos se sentisse descontente, seja com uma política, seja com uma decisão particular, abalando-se, assim, o chamado "apoio específico". Ora, nesse caso, que canal ou que outros mecanismos políticos estariam à disposição dos cidadãos para manifestarem tal posicionamento?

O fato é que, praticamente, não há espaço para esse tipo de recurso na montagem institucional das democracias modernas. Dessa forma, como expôs Hirschman, uma vez que não há artifícios para se exercer a voz, por um lado, e se não existe opção plausível de ser considerada além do regime democrático, por outro, mostrase consistente a tese de que a legitimidade do regime democrático passa a correr algum risco.

Em outras palavras, ainda que se diga das argumentações céticas em relação à participação e à legitimidade serem diagnósticos exagerados ou que apontam para direções equivocadas, devese reconhecer a presença de um incômodo relativo à inadequada disposição institucional em processar demandas caras à esfera civil. Não há oportunidades, sequer, de se discutir a própria legitimidade do sistema político por parte daqueles que são por ele afetados. É nesse ponto que reside o questionamento acerca do grau de legitimidade de regimes democráticos que não municiam os cidadãos de dispositivos de input de opinião e influência.

Nesses termos, a questão de legitimidade democrática associada à participação da esfera civil encontra sua preocupação mais especial na ausência de artifícios que possam contemplar, de modo minimamente satisfatório, as manifestações daqueles que são os reais soberanos do regime de governo em questão. Assim, são comuns perspectivas que vão defender a necessidade de modificações institucionais a fim de se corrigir tais deficiências na atual configuração das democracias. Esses argumentos são sustentados não apenas no plano teórico, mas já vêm sendo aceitos e apregoados, em alguma medida, por agentes internos ao campo político, o que culmina na realização de experimentos cujo intuito é favorecer uma maior parcela de interferência e controle dos cidadãos sobre os negócios públicos, conforme será explorado adiante.

Da necessidade de mecanismos participativos para a manutenção da legitimidade democrática

Por mais controversa que seja a atribuição de importância e a desejabilidade de alguns dos valores integrantes da ideia de democracia, qualquer uma das concepções que lide com a conceituação desse regime de governo prevê um componente que confere aos cidadãos uma competência fundamental na vida política das sociedades. O poder da esfera civil é a tradução do que se chama teoricamente de "soberania popular", segundo a qual o conjunto dos cidadãos é a verdadeira e única autoridade especial, dispensando-se e rechaçando-se a necessidade, por exemplo, de um monarca.

O que se discute arduamente em teoria democrática é a extensão e a natureza dessa soberania popular. Alinhando-se, grosso modo, duas das diversas interpretações que lidam com a relação entre soberania e legitimidade, pode-se dizer que há quem afirme que a soberania só existe quando exercida de fato e continuamente pelo conjunto dos cidadãos, aproximando-se, assim, de uma perspectiva de democracia participativa ou até mesmo direta. Por outro lado, existem estudiosos a reconhecerem a ideia de soberania popular como o poder de os cidadãos instituírem as constituições - e não necessariamente de governar, uma vez que elas estejam aprovadas - que vão direcionar a vida política de sociedades que optaram pelo regime democrático. Isto é, nessa última perspectiva, a soberania dos cidadãos é demonstrada pela capacidade de eles serem partícipes da fundação do marco jurídico que rege a sociedade e em delegar mandatários. A pedra angular da divergência desses dois pontos de vista, conforme é possível perceber, encontra-se, na prática, na concepção de participação política que cada con-junto de autores considera mais adequada.

Andreas Kalyvas (2005) é um dos autores que interpreta a ideia de esfera civil soberana como detentora do poder de fundar constituições. "O soberano é o autor original de uma nova ordem constitucional ...", afirma (p.226) (Tradução própria). Para o estudioso, é a participação dos cidadãos nesse processo criador que reafirma a soberania e sustenta a legitimidade do conjunto de dispositivos jurídicos mais fundamentais de uma sociedade democrática. Uma vez aprovada a constituição, os soberanos encontrariam, no poder de delegação de cargos políticos aos representantes, a manifestação mais fiel de sua força.

De modo distinto, há uma interpretação que considera insuficiente, para se garantir legitimidade à democracia, a interferência dos cidadãos que se limita à elaboração da Constituição e à indicação de representantes.8 8 Historicamente, essa concepção é defendida por Rousseau (2002), ao afirmar que nenhuma legitimidade pode ser auferida a um regime que lança mão de representantes do povo, alienando-se a verdadeira soberania dos cidadãos. Um governo tem sua legitimidade alcançada, afirma Rousseau, na medida em que obedece aos preceitos do que indica a "vontade geral". Seyla Benhabib (1996), por exemplo, reafirma a necessidade de se reforçar a legitimidade do regime democrático como um bem público mediante a promoção de espaços de deliberação que contem com a participação ativa da esfera civil. A autora enfatiza que quanto mais discursivo, aberto e coletivo for o processo de produção da decisão política, mais se estará aproximando de um ideal de legitimidade e racionalidade democráticas.

Como parte da empreitada deliberacionista, Jürgen Habermas (2003) afirma que a relação entre soberania popular e legitimidade se revela na participação dos cidadãos na produção das leis e regras a regerem a vida em sociedade. Isso significa que apenas aquelas normas decorrentes de um processo discursivo e que contaram com a concordância de todos os cidadãos podem ser tidas como legítimas. James Bohman (1996), por sua vez, está de acordo apenas parcialmente com Habermas, ao defender que nem todos os cidadãos precisam concordar com o resultado final para se reputar uma decisão como legítima; na verdade, o necessário, além do próprio processo de legitimação, encontra-se na abertura do processo a qualquer cidadão interessado; na disponibilidade de razões publicamente acessíveis; e no consenso não acerca das decisões, mas sobre os métodos e substâncias indispensáveis que servem de fundamento para essas decisões (Bohman, 1996, p.183-184).9 9 Em outras palavras, de acordo com Bohman, o sistema democrático é legítimo na medida em que prevê uma deliberação pública caracterizada pela intervenção contínua dos cidadãos e de agentes políticos dispostos a colaborar na elaboração das decisões e a obedecer àquilo que foi decidido. "Porque a deliberação requer o exercício público das capacidades para a autonomia, a legitimidade deriva, em primeiro lugar, da participação dos cidadãos na produção da decisão. Na deliberação, os cidadãos governam a si mesmos e dão a si regras de vida comum." (Bohman, 1996, p.151). Tradução própria.

James Bohman sustenta que, para se contar com um mínimo de controle público e para se continuar mantendo apoio e garantindo legitimidade às práticas democráticas, evitando-se, assim, a possibilidade de instalação de regimes tirânicos ou autoritários, faz-se imprescindível a participação.10 10 Bohman deixa clara sua visão de que instituições que não procuram levar em consideração as contribuições dos cidadãos e se mantêm afastadas da influência civil perdem sua legitimidade. "Certamente, instituições minimamente democráticas asseguram alguma estabilidade e continuidade; entretanto, quando um estado existente se distancia da dinâmica pública em sociedades complexas, ele não mais preenche ou expressa as necessidades públicas. [...] Instituições que não permanecem responsáveis perante novos públicos perdem sua legitimidade." (Bohman, 1996, p.201202). Tradução própria.

... as instituições e seus recursos não podem permanecer sob controle democrático sem algum mecanismo para dar ao input público o papel determinante e último. [...] Assim, o estado requer um input público constante de modo a resolver problemas e para ser legítimo; todavia, alguma estrutura institucional é necessária para coletar os diversos inputs da sociedade civil. (Bohman, 1996, p.197-198). Tradução própria.

O incômodo mais visível desses especialistas que defendem uma perspectiva forte de soberania popular se refere, fundamentalmente, à limitação da intervenção política dos cidadãos às contendas eleitorais.11 11 Denise Vitale (2007) concorda com essa perspectiva, conforme expõe no trecho seguinte: "... as eleições não são um mecanismo suficiente para assegurar a realização da vontade popular. Os mandatos, legislativo ou executivo, são períodos longos durante os quais os cidadãos ficam desprovidos de meios de avaliação, controle e sanção das ações de seus representantes. Ao longo de cada mandato, enquanto os governos tomam milhares de decisões que afetam a vida dos cidadãos, estes não têm nenhuma forma de controlar os representantes, restando apenas a possibilidade de não-reeleição e de alteração no próximo mandato." (Vitale, 2007, p.149). Esses eventos, afirmam tais estudiosos, são apenas um momento específico do desenrolar da vida democrática das sociedades, chancelando a autorização para uma representatividade formal. É forçoso notar, segue o argumento, que mesmo ditaduras podem lançar mão de recursos eleitorais na tentativa de agregar legitimidade ao regime sem, contudo, atuar verdadeiramente de modo democrático. Daí se aponta a necessidade de pensar a democracia com traços mais consistentes de participação, inclusive institucionais.

Há alguma razão em se afirmar, assim, que a ligação entre soberania popular e legitimidade se traduz na ânsia desses autores pela promoção de modificações institucionais a fim de se propiciarem mecanismos de participação mais adequados aos cidadãos. A intervenção por meio desses mecanismos, todavia, não é justificada apenas graças à filiação teórico-ideológica ou pela simples convicção de que a participação é boa para a democracia, mas, também, por se confiar na ideia de que a introdução de artifícios dessa natureza promove, na visão peculiar a esses estudiosos, bens empíricos importantes para se aperfeiçoarem as práticas do regime em pauta. Esses aspectos serão explorados de forma mais detalhada no tópico a seguir.

A PARTICIPAÇÃO COMO INDUTORA DA EFICÁCIA DE DECISÕES E DE POLÍTICAS PÚBLICAS

A ideia de que a participação da esfera civil nos negócios públicos é incompatível com uma gestão eficiente do estado - defendida por autores elitistas, a exemplo de Schumpeter (1942) -, conforme argumentavam os economistas e administradores liberais de marcada influência após a Segunda Guerra Mundial, vem sendo questionada já há algum tempo.

Autores ligados à área de administração pública, como Leonardo Valles Bento (2003), reforçam a ideia de que conceder oportunidades de participação aos cidadãos traz benefícios práticos à execução de programas governamentais. Isto é, deve-se levar em consideração que determinadas políticas possuem uma eficácia reconhecidamente maior quando há um envolvimento direto da comunidade na execução do projeto. Vera Coelho (2007), por exemplo, defende a ideia de que o sucesso das políticas públicas está condicionado à auscultação da população no que se refere às suas necessidades. "Afinal, quem melhor do que a própria população para conhecer os problemas que a afetam ou saber a qualidade dos serviços que está recebendo?", pergunta a autora (Coelho, 2007, p.78).

Dito de modo mais específico, ao defenderem a adoção de mecanismos participativos mais efetivos, autores como James Creighton (2005), John Gastil (2000), Vera Coelho (2007) e Celina Souza (2001) buscam agregar os seguintes benefícios à elaboração e à execução de políticas públicas:

a) Lide com informações importantes para o aperfeiçoamento de planejamentos e de políticas governamentais. Ao considerar criticamente as demandas encaminhadas pelos cidadãos e os arrazoados que as fundamentam, os agentes públicos têm a possibilidade de obter, daqueles atingidos pelos projetos, contribuições substantivas, conhecendo suas reais necessidades e vislumbrando possíveis dificuldades na implementação de programas ou políticas. Esses fatores acabam por colaborar no sucesso final dessas iniciativas.

b) Otimização dos prazos e custos quanto à implementação de políticas. Mesmo que se possa dizer que a previsão de mecanismos de participação torna o processo decisivo mais lento, uma vez que diversos agentes terão de ser ouvidos e reivindicações cautelosamente avaliadas, Creighton (2005) argumenta que esse tempo pode ser compensado de duas formas: uma vez concluído o processo de elaboração de uma iniciativa específica, sua implementação será, possivelmente, mais rápida, visto que não enfrentará dificuldades, como ações judiciais, por exemplo. Ou seja, reconhecendo que suas demandas foram efetivamente debatidas, aumenta-se a possibilidade de os cidadãos se portarem de maneira favorável ou menos opositora a determinado programa. Além dis-so, uma vez que os cidadãos forneçam informações e opinem sobre quais políticas seriam as melhores ou como elas deveriam ser operacionalizadas, oferecendo motivos, os custos de tal implementação podem ser diminuídos.

c) Imposição de dificuldades à prática do clientelismo e do patrimonialismo. Uma vez que mecanismos institucionais de participação efetiva estejam disponíveis, e a depender da dimensão decisória com a qual se lide, aponta-se a tendência de diminuição da necessidade de intermediários para se levar à frente reivindicações de interesse dos cidadãos. Ou seja, a oferta de canais de input participativos não chega a dispensar a necessidade de representantes eleitos, mas diminui a dependência da esfera da cidadania no que concerne à disposição dos mandatários em encaminhar processos considerados importantes. A troca de favores e a perpetuação de práticas clientelistas e patrimonialistas, identificada historicamente nas instituições representativas do estado brasileiro por autores como Raymundo Faoro (1995), estão propensas, assim, a serem amenizadas com a adequação de recursos participativos.

d) Estímulo à atividade cívica e à aquisição de repertório cognitivo sobre o funcionamento dos processos políticos institucionais e nãoinstitucionais. A existência desses artifícios de influência e controle aumenta a competência política dos cidadãos mediante o desenvolvimento de habilidades, como o saber acerca de procedimentos para encaminhar reivindicações, a sustentação de argumentos e razões em debate, o contato com representantes, dentre outras aptidões. Esses aspectos são enfatizados por Almond e Verba (1963) como importantes para evitar que burocratas desconsiderem as requisições da esfera civil. "The more politically competent a population is, the more inhibited is the bureaucracy in its ability to act arbitrarily and without consideration of the individual"12 12 Tradução própria: "Quanto mais politicamente competente é uma população, mais constrangida está a burocracia no que concerne à sua habilidade de agir arbitrariamente e sem consideração ao indivíduo". (Almond; Verba, 1963, p.171-172).

e) Organização da sociedade para requisições de cunho político. Jacobi e Barbi (2007) ressaltam que iniciativas dessa natureza, impetradas pelas instituições do estado, podem ter o mérito de provocar uma forma de envolvimento que leva em conta não só o emprego de recursos de participação oferecidos, mas, também, a organização e o uso de mecanismos de mobilização internos à sociedade civil e suas entidades.

f) Oportunidade de cidadãos de renda mais baixa tomarem parte no processo de decisão política. De acordo com Celina Souza (2001), a sensação de que as oportunidades de participação institucionalmente oferecidas são eficazes diminui o desequilíbrio do poder decisório e reforça a ideia de que os cidadãos percebem a prestação de serviços e bens por parte do estado não como favor, mas como direito. Isso não quer dizer que grupos mais organizados ou de renda mais alta abram mão de participar de iniciativas como o orçamento participativo (OP). A diferença é que os cidadãos mais pobres, segue o argumento, passam a enxergar uma chance efetiva de apresentarem suas reivindicações, ainda que experiências como o OP se limitem à discussão sobre a alocação de recursos públicos.

g) Modificações na maneira como as instituições políticas percebem as demandas do público. Gastil (2000) argumenta que há experiências nas quais os agentes políticos modificaram sua impressão de que os cidadãos pouco teriam a contribuir, dada uma suposta falta de capacidade e conhecimento de aspectos técnicos. Ou seja, a depender do caso, o ceticismo dos governos em relação aos cidadãos pode diminuir, caso a eles sejam oferecidas chances de intervir politicamente no plano institucional.

h) Credibilidade das instituições que promovem mecanismos de input participativos. Em geral, os cidadãos demonstram uma melhor impressão no que se refere à transparência acerca da atuação das instituições políticas e conferem maior credibilidade geral ao governo (fortalecendo, por tabela, a legitimidade do regime democrático), e não apenas às suas decisões e políticas. Tal argumento está em consonância com o diagnóstico de Almond e Verba (1963), que detectaram um crescimento na sensação de legitimidade do sistema uma vez que os cidadãos se sentem parceiros na produção da decisão política e na implementação de políticas.

***

Algumas das iniciativas governamentais cuja intenção é fomentar a participação da esfera civil já demonstram ser possível alcançar, em maior ou menor medida, esses benefícios. Um grupo considerável de estudiosos, sobretudo brasileiros, sustenta que uma das experiências de participação mais conhecidas no Brasil e no mundo, o Orçamento Participativo, vem obtendo êxito na consecução desses benefícios, citando-se, sobretudo, o exemplo de cidades como Belo Horizonte e Porto Alegre.13 13 Celina Souza (2001) destaca como um dos principais méritos destes programas a delegação de poder a grupos sociais anteriormente excluídos do processo político. Diz a autora: "... o mérito do OP parece não estar necessariamente nos ganhos materiais para segmentos de baixa renda, mas sim na ampliação da participação e do poder de decisão para grupos anteriormente excluídos do processo decisório" (Souza, 2001, p.94).

Deve-se levar em consideração, porém, que nem todos os benefícios apontados na lista acima se manifestam da mesma maneira, dão-se na mesma intensidade ou ocorrem com a mesma frequência nas diversas iniciativas de participação que já vêm sendo empreendidas pelas instituições democráticas. Isso se deve ao fato de que há uma série de questões a serem estimadas quando se está pensando na dinâmica dos recursos de participação a serem tornados disponíveis.

Uma participação mais ou menos alargada está condicionada por fatores como a disposição dos cidadãos e a cultura cívica que marca determinadas sociedades, bem como pela forma como as instituições estão efetivamente comprometidas em atuar de maneira favorável à participação da esfera da cidadania.

Em algumas ocasiões, deve ser destacado, os resultados de uma maior participação dos cidadãos podem, inclusive, ir de encontro àquilo sugerido pela lista de benefícios apresentada logo acima. Há possibilidades, por exemplo, de instituições e organizações civis não chegarem a um acordo, mesmo quando se dispõem a discutir. Veja-se o caso de audiências públicas sobre determinadas questões polêmicas, como a transposição do Rio São Francisco.

Ademais, podem ser testemunhadas ocasiões em que os agentes públicos demonstram indisposição em considerar os argumentos e reivindicações alheias, ou que, simplesmente, não conferem a devida atenção às informações providas pelos cidadãos, ainda que, institucionalmente, o processo tenha previsto tal fenômeno (é o caso de determinadas audiências públicas). Há casos, ainda, em que males como o clientelismo e o patrimonialismo encontram formas de se perpetuar, ou nos quais aqueles mesmos líderes políticos e intermediários atuam de modo a coordenar e manipular a forma como os cidadãos participam (Arnstein, 1969). Por último, conforme John Dryzek (2000) salienta, deve estar no horizonte normativo a necessidade de se manter a autonomia da sociedade civil. Os cidadãos, argumenta o autor, precisam continuar a possuir suas arenas próprias de discussão e devem evitar voltar todas as suas demandas para as instituições do estado. O receio de Dryzek é o de que uma postura ativa do estado, no que se refere à participação e ao engajamento, acabe por minar formas de organização própria da sociedade, resultando, assim, em modalidades passivas de participação.

Nada garante, portanto, que o processo de emprego das oportunidades de participação, uma vez que elas estejam disponíveis, vá se desenvolver com esses resultados. Deve-se salientar que os benefícios apontados são apenas possibilidades que dependem, em boa medida, (1) de uma elaboração cuidadosa dos mecanismos envolvidos com a participação e (2) da consideração consistente de uma rede de fatores externos. O importante, a partir dessas colocações, é que se avance na reflexão sobre como evitar que os problemas apontados se manifestem ou que façam fracassar as iniciativas de participação.

CONCLUSÃO

Neste trabalho, o esforço foi o de contribuir no direcionamento de inovações institucionais para o aperfeiçoamento das práticas democráticas, argumentando-se em favor do oferecimento de ferramentas participativas que permitam aos cidadãos uma intervenção política mais aprofundada do que aquela conferida pelo voto.

Pelo que foi exposto ao longo do texto, aqueles autores que defendem uma noção mais limitada de soberania e de participação podem até questionar a utilidade e a qualidade das decisões políticas que envolvem os cidadãos, mas não apresentam elementos suficientes para refutar o benefício fundamental de que uma participação mais alargada confere um caráter de maior legitimidade às práticas democráticas. Isto é, ao lançar mão de autores relevantes no cenário nacional e internacional, procurou-se arrolar, de forma circunstanciada, os prós e contras de se oferecer mecanismos mais variados e eficazes de participação política. Do lado positivo, as seguintes vantagens de se envolverem os cidadãos nas práticas políticas foram discutidas: lide com informações importantes para o aperfeiçoamento de planejamentos e de políticas governamentais; otimização dos prazos e custos quanto à implementação de políticas; imposição de dificuldades à prática do clientelismo e do patrimonialismo; estímulo à atividade cívica e à aquisição de repertório cognitivo sobre o funcionamento dos processos políticos institucionais e não-institucionais; organização da sociedade para requisições de cunho político; oportunidade de cidadãos de renda mais baixa tomarem parte no processo de decisão política; modificações na maneira como as instituições políticas percebem as demandas do público; credibilidade das instituições que promovem mecanismos de input participativos.

Há, por outro lado, ressalvas concernentes ao aumento da participação que precisam estar no horizonte heurístico dos teóricos da Ciência e da Filosofia Políticas e na agenda dos agentes responsáveis pela gestão da coisa pública: por exemplo, a demora natural que tomam as consultas à esfera civil pode acabar comprometendo a eficácia das ações do Estado, prejudicando os próprios cidadãos.

Ainda assim, acredita-se que o texto demonstrou haver uma vantagem teórica e uma vantagem empírica em se oferecerem mecanismos de participação, não obstante ser necessário se pensar em um cuidadoso redesenho de instituições e das práticas que elas fomentam a fim de se possibilitar uma participação produtiva que aponte na direção de se alcançarem os benefícios acima listados com maior eficácia.

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Recebido para publicação em abril de 2009

Aceito em fevereiro de 2010

Francisco Paulo Jamil Almeida Marques - Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pelo PósCom-UFBA. Professor do Curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará. Líder do Grupo de Pesquisa em Política e Novas Tecnologias (PONTE/UFC). Tem projeto de pesquisa financiado pelo CNPq (Edital 002/2010). Atua, especificamente, na área de Jornalismo, Comunicação, Política e Tecnologia, examinando os seguintes temas: teoria democrática, deliberação pública, participação política, governo eletrônico, ciberdemocracia e demais aspectos relacionados aos new media.

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  • TRANSPARENCY INTERNATIONAL. Corruption perception report, 2007 Disponível em: <http://www.transparency.org/policy_research/surveys_indices/cpi>. Acesso em: 07 fev. 2008.
  • YOUNG, Iris Marion. Inclusion and democracy Oxford: Oxford University Press, 2000.
  • 1
    Ao longo deste trabalho, existe a preferência pelo emprego dos termos "esfera civil" e "participação civil" em detrimento de categorias como "sociedade civil" e "participação cívica" ou "popular", na medida em que se considera que essas últimas expressões tendem a implicar comprometimento e mobilização mais efetivos dos cidadãos no que concerne à disposição para a prática política. Não por desacreditar na importância de movimentos sociais e de sua influência, mas por enxergar que a maioria dos cidadãos, nas democracias contemporâneas, se encontra desorganizada ou mesmo indisposta a se intrometer nos negócios públicos, entende-se, aqui, que as expressões "esfera civil" e "participação civil" podem, de maneira mais adequada, dar conta das realidades democráticas contemporâneas.
  • 2
    É importante ressaltar que este trabalho parte de uma perspectiva que trata da carência de oportunidades
    institucionais de participação. Isto é, assume-se como premissa a falta de instrumentos aprofundados e efetivos que sejam cunhados ou postos em prática pelo Estado com o intuito de operar intromissões e influências nos negócios públicos por parte dos cidadãos. Dessa forma, não será considerada, com maior vigor, a participação política da esfera civil que se dá por meio de associações e demais entidades da sociedade organizada, cujas atividades políticas estão em plena ebulição, sobretudo após a redemocratização do país, nos anos 80 (Coelho; Nobre, 2004).
  • 3
    A "ideia de democracia" é compreendida por Wilson Gomes (2007) como um conjunto de valores essenciais a serem considerados quando da conceituação deste regime de governo. De acordo com o autor: "A 'ideia de democracia' pode ser materializada numa definição mínima, que se pode facilmente compartilhar e que, ao mesmo tempo, contenha o essencial da democracia" (Gomes, 2007). Em outras palavras, defende-se que a ideia de democracia evoca um conjunto de valores que precisam ser compreendidos de forma complementar - ainda que determinados modelos, tradições e ênfases em teoria democrática enfatizem um ou outro destes valores como sua pedra angular - para que se disponha de uma concepção razoável de democracia que permita o incremento de determinados aspectos das práticas políticas.
  • 4
    Não se quer dar a impressão de que todos os outros valores se encontram em perfeita forma e aplicação, mas apenas fazer compreender que eles vivenciam uma fase especial de incremento. Tal diagnóstico é corroborado por instituições independentes de estados, tais como a
    Reporters Without Borders [Repórteres Sem Fronteiras] (2007), a
    Internacional Transparency [Transparência Internacional] (2007) e a Freedom House (2000 e 2006), em relatórios que ressaltam, justamente, os valores de democracia acima referidos.
  • 5
    A questão da participação política dos cidadãos apetece de forma distinta pelo menos três grandes sistematizações em teoria democrática. De uma maneira geral, a concepção liberal de democracia, das quais o elitismo competitivo de Schumpeter (1942) é um dos ramos de maior reverberação, defende um papel limitado dos cidadãos no que se refere ao domínio da política. O argumento consiste na defesa do estímulo ao indivíduo para que ele busque seu progresso material, deixando os negócios políticos, assim, nas mãos de representantes experientes e versados na condução da coisa pública, sem se comprometer, adicionalmente, a estabilidade do sistema. Nessa tradição, o voto é o instrumento por excelência (quiçá, o único) a permitir o controle e a participação política dos cidadãos. Há modelos, contrariamente, que defendem a consecução de princípios participativos mais fortes e apelam para a importância do papel educacional na vida democrática, enfatizando, então, a necessidade de um maior envolvimento dos cidadãos. Os autores participativos, nestes termos, colocam-se em posição diametralmente oposta aos liberais-elitistas, sustentando que, sem participação efetiva, não se pode, sequer, falar de democracia (Pateman, 1992). Um terceiro modelo, de sedimentação mais recente, é denominado "deliberativo", e leva em boa conta a importância de ideais democráticos, a exemplo da participação. Essa tradição, contudo, não deixa de atentar para dificuldades práticas de se implementarem esses valores. Os autores deliberacionistas vão se preocupar, de maneira mais específica, com a preservação de direitos (tão defendida pelos liberais) e do estatuto da representação política, ao mesmo tempo em que procuram pensar o processo de legitimação das decisões como necessariamente catalisado pela possibilidade de intervenção contínua e discursiva da esfera civil (Bohman, 1996; Gutmann; Thompson, 1996).
  • 6
    Norberto Bobbio concorda com essa linha argumentativa ao afirmar que "... a apatia política não é de forma alguma um sintoma de crise de um sistema democrático mas, como habitualmente se observa, um sinal da sua perfeita saúde: basta interpretar a apatia política não como recusa ao sistema mas como benévola indiferença" (Bobbio, 2000, p.82).
  • 7
    A ideia de que a participação vem se tornando menos intensa é reforçada por pesquisas relativas ao comparecimento dos cidadãos às eleições em países onde votar é opcional, como aquelas realizadas por Cassell e Luskin (1988).
  • 8
    Historicamente, essa concepção é defendida por Rousseau (2002), ao afirmar que nenhuma legitimidade pode ser auferida a um regime que lança mão de representantes do povo, alienando-se a verdadeira soberania dos cidadãos. Um governo tem sua legitimidade alcançada, afirma Rousseau, na medida em que obedece aos preceitos do que indica a "vontade geral".
  • 9
    Em outras palavras, de acordo com Bohman, o sistema democrático é legítimo na medida em que prevê uma deliberação pública caracterizada pela intervenção contínua dos cidadãos e de agentes políticos dispostos a colaborar na elaboração das decisões e a obedecer àquilo que foi decidido. "Porque a deliberação requer o exercício público das capacidades para a autonomia, a legitimidade deriva, em primeiro lugar, da participação dos cidadãos na produção da decisão. Na deliberação, os cidadãos governam a si mesmos e dão a si regras de vida comum." (Bohman, 1996, p.151). Tradução própria.
  • 10
    Bohman deixa clara sua visão de que instituições que não procuram levar em consideração as contribuições dos cidadãos e se mantêm afastadas da influência civil perdem sua legitimidade. "Certamente, instituições minimamente democráticas asseguram alguma estabilidade e continuidade; entretanto, quando um estado existente se distancia da dinâmica pública em sociedades complexas, ele não mais preenche ou expressa as necessidades públicas. [...] Instituições que não permanecem responsáveis perante novos públicos perdem sua legitimidade." (Bohman, 1996, p.201202). Tradução própria.
  • 11
    Denise Vitale (2007) concorda com essa perspectiva, conforme expõe no trecho seguinte: "... as eleições não são um mecanismo suficiente para assegurar a realização da vontade popular. Os mandatos, legislativo ou executivo, são períodos longos durante os quais os cidadãos ficam desprovidos de meios de avaliação, controle e sanção das ações de seus representantes. Ao longo de cada mandato, enquanto os governos tomam milhares de decisões que afetam a vida dos cidadãos, estes não têm nenhuma forma de controlar os representantes, restando apenas a possibilidade de não-reeleição e de alteração no próximo mandato." (Vitale, 2007, p.149).
  • 12
    Tradução própria: "Quanto mais politicamente competente é uma população, mais constrangida está a burocracia no que concerne à sua habilidade de agir arbitrariamente e sem consideração ao indivíduo".
  • 13
    Celina Souza (2001) destaca como um dos principais méritos destes programas a delegação de poder a grupos sociais anteriormente excluídos do processo político. Diz a autora: "... o mérito do OP parece não estar necessariamente nos ganhos materiais para segmentos de baixa renda, mas sim na ampliação da participação e do poder de decisão para grupos anteriormente excluídos do processo decisório" (Souza, 2001, p.94).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      Abr 2009
    • Aceito
      Fev 2010
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