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Capitalismo globalizado e recursos territoriais: fronteiras da acumulação no Brasil contemporâneo

RESENHAS

Humberto Miranda do Nascimento

ALMEIDA, A. W. B. et al. Capitalismo globalizado e recursos territoriais: fronteiras da acumulação no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Lamparina, 2010.

O livro desdobra-se em nove temas que vão desde o amparo teórico necessário e permanente da crítica ao capital, até os novos desafios políticos colocados à sociedade pelas frentes de expansão do capital vis-à-vis os crescentes conflitos pelo território. Os nove temas do livro não têm a pretensão de resultar numa unicidade forçada de questões, mas de propor uma multiplicidade aberta e crítica de subsídios à reflexão-intervenção ou reflexão interferente sobre o atual processo de capitalista em que os recursos territoriais estão em jogo. Todavia a nova forma que o processo de acumulação assume exige mais que uma retomada do papel regulador do Estado, compensando a materialização do poder dos interesses do capital privado sobre o território: exige a constituição de novas bases sociais sobre as quais se poderá mover à ação reguladora do Estado.

No primeiro tema, Crise econômica e reiteração do capitalismo dependente no Brasil, de João Antônio de Almeida, a crise econômica atual é discutida à luz do enfoque estruturalista, retomando o que foi a crise de 1930 até o neoliberalismo e, no contexto da crise de 2007-2008, analisando as razões que continuam a reforçar o capitalismo dependente. No segundo, Acumulação primitiva permanente e desenvolvimento capitalista no Brasil contemporâneo, de Carlos Brandão, a discussão volta-se para "a lógica econômica da valorização fácil e rápida [...] de natureza imediatista, rentista e patrimonialista" (p.49) que se estabelece na "estrutura genética" do capitalismo no Brasil e opera sobre a "plataforma territorial-econômica" do país, cujo resultado é a montagem de "máquinas de produção de múltiplas desigualdades".

No terceiro, Financiamento público ao desenvolvimento: enclave político e enclaves econômicos, de Luis Fernando Novoa Garzon, o autor analisa o papel do financiamento público dos investimentos em infraestrutura no Brasil nos últimos anos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), destacando-o como um subsidiador franco da drenagem da base de recursos naturais do país, para commoditizar o território e seus frutos (criando valores de troca). No quarto, Agroestratégias de desterritorialização: direitos territoriais e étnicos na mira dos estrategistas dos agronegócios, de Alfredo Wagner Berno de Almeida, discutem-se as estratégias do agronegócio nos territórios que constituem suas fronteiras de expansão, às expensas do direito ao território das populações tradicionais. No quinto, A expansão da fronteira de expansão petrolífera: consequências sobre territórios e populações e populações tradicionais, de Francisco Del Moral Hernández e Clélio Bermann, a questão do petróleo é abordada dentro da perspectiva de integração da infraestrutura física sul-americana, em que os novos interesses do capital na região amazônica continental podem revelar e aprofundar os conflitos de uso e ocupação do espaço, relacionados aos interesses das populações tradicionais.

Henri Acserald e Gustavo das Neves Bezerra, no texto Desregulação, deslocalização e conflito ambiental: considerações sobre o controle das demandas sociais, tratam das demandas sociais sob a ótica de sua (in)capacidade de resistir à nova mobilidade do capital na apropriação do espaço, devido à chantagem de localização/deslocalização , maneira pela qual os grandes investimentos funcionam como "quase-sujeitos" das políticas de regulação do território, sujeitando a população local a aceitar docilmente os imperativos do progresso. É possível resistir à chantagem locacional dos investimentos?

Em seguida, no sétimo, Da foz às nascentes: análise histórica e apropriação econômica dos recursos hídricos no Brasil, de Antonio Augusto Rossotto Ioris, o mote é a relação entre a questão da água e o desenvolvimento nacional. A abordagem chama a atenção para as formas de apropriação dos recursos hídricos que aprofundam o caráter desigual e excludente do desenvolvimento, especialmente quando convivemos com crescentes problemas de uso das águas urbanas e rurais, o precário enfrentamento das enchentes nas cidades e, ao mesmo tempo, o incentivo ao uso ou acesso privado das melhores fontes, levando à produção permanente de escassez para fins de suprimento da coletividade.

Em Conflitos ambientais Norte-Sul: agrocombustíveis para quem?, Klemens Laschefski e Andréa Zhouri fazem uma interessante exposição acerca das dimensões ambientais e territoriais do conflito Norte-Sul, sujeito às novas determinações do crescimento do mercado da economia agro-green-business. Discutem as novas territorialidades incentivadas pelos interesses da indústria de combustíveis e do latifúndio, que estruturam uma relação de poder sobre o espaço, desafiando os movimentos sociais a criarem estratégias mais amplas de enfrentamento, dado o potencial de conflitos ambientais explícitos e implícitos. Por fim, em Mineração de bauxita, industrialização de alumínio e territórios na Amazônia, de Maria Célia Nunes Coelho, Maurílio de Abreu Monteiro, Luis Henrique Cunha e Luiz Jardim Wanderley, a Amazônia ganha foco através da mineração e seus impactos associados ao avanço da fronteira mineral na Amazônia oriental brasileira, produzindo novos processos de territorialização e de luta pelo território. Os autores acentuam o caráter conflituoso que perpassa a implantação dos projetos de exploração mineral, na medida que levam "à superposição e à convivência de diferentes economias ou territórios em construção" e como acabam estruturando novas relações de poder e de disputas pelo território.

Reconhecer a necessidade de maior controle social por parte da sociedade e garantir um novo conteúdo social à ação reguladora do Estado, a fim de contra-arrestar a mobilidade dos capitais com novas arenas de lutas sociais constituídas em torno da disputa pelo território constituem os grandes desafios desse livro.

Recebido para publicação em 09 de dezembro de 2011

Aceito em 03 de janeiro de 2012

Humberto Miranda do Nascimento- Professor do Instituto de Economia e coordenador do CEDE - Centro de Estudos do Desenvolvimento Econômico da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Desenvolve estudos e pesquisas na área de desenvolvimento e planejamento urbano-regional. Principais temas de pesquisa: agricultura e urbanização, desenvolvimento do semiárido brasileiro e infraestrutura no desenvolvimento urbano-regional. Formação: graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Feira de Santana, na Bahia, em 1997, com o Mestrado e Doutorado em Desenvolvimento Econômico, Espaço e Meio Ambiente pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, em 2000 e 2005, respectivamente. humbertomn@eco.unicamp.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jun 2012
  • Data do Fascículo
    Abr 2012
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