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Exclusão social e ruptura dos laços sociais: análise crítica do debate contemporâneo

RESENHAS

Exclusão social e ruptura dos laços sociais: análise crítica do debate contemporâneo

Claudete Gomes Soares

LEAL, Giuliana Franco. Exclusão social e ruptura dos laços sociais: análise crítica do debate contemporâneo. Santa Catarina: Editora UFSC: Florianópolis, 2011. 233p.

Quais os significados da pobreza, da marginalização, privação material e dos processos de precarização do trabalho na sociedade contemporânea? Quais desafios os novos rearranjos dessa sociedade, ora denominada pós-industrial, da informação, sociedade em redes impõem as ciências sociais e aos analistas sociais? Com quais categorias de análise daremos conta de explicar as novidades que nos cercam? Em que medida essas novidades representam rupturas ou continuidades com um tipo de organização social que convencionamos chamar de sociedade industrial, capitalista, moderna?

Essas são questões que permeiam a problemática em debate no livro de Giuliana Franco Leal. Motivada pela popularização que a noção de exclusão ganhou na sociedade contemporânea, a partir da década de 1990, Leal se debruça sobre uma parte da literatura das ciências humanas (e não apenas sociais): sociologia, ciência política, psicologia social, educação, etc. com o objetivo de recuperar os usos e significados do termo exclusão social evidenciando seus limites enquanto categoria de análise para as explicações dos fenômenos sociais geralmente a ele associado.

É em razão da fragilidade do termo enquanto instrumento de análise que ela se refere a ele como noção e não como conceito. Embora um levantamento bibliográfico possa revelar a popularização do termo nas ciências humanas, evidente no número de títulos e de situações sociais a ele associado, a verdade é que na maioria das vezes ele carece de definição, precisão, rigor. O que leva Leal a classificá-lo como "apoio superficial que não se configura como instrumento analítico que traga algo de verdadeiramente novo para a compreensão da realidade social" (p.12).

A questão que a autora se coloca é se existiria na proliferação dos usos do termo exclusão social algum movimento no sentido de tornar a noção de exclusão mais rigorosa, alçando-a a instrumento de análise social. É na busca por esse movimento que se desenvolve o livro. A autora toma como ponto de partida algo que sugere uma definição, uma regularidade: exclusão como vulnerabilidade, como não acesso aos recursos materiais e imateriais. Para então se lançar sobre as várias perspectivas e olhares sobre o tema da exclusão social e suas implicações teórico-metodológicas. No entanto, diante de um tema tão vasto, ainda era necessário mais um recorte. Entre as várias abordagens da exclusão, o livro se dedica à que trata a exclusão social como fragilização e quebra dos laços sociais.

É no primeiro capítulo que a autora mais se dedica à questão da fragilização e da quebra dos laços sociais: "tecidos pelo trabalho, pelo consumo e pelas relações de sociabilidade primária" (p.25). A presença da bibliografia francesa, predominante neste capítulo, justifica-se pelo pioneirismo dos franceses no emprego do termo exclusão e pela dimensão de sua influencia no debate brasileiro. Neste capítulo, o leitor é apresentado a outras noções associadas à exclusão social: desfiliação, desqualificação, desinserção, vulnerabilidade etc. Esses termos aparecem na bibliografia em análise ora como sinônimo de exclusão ora como sua negação crítica. Outro tema derivado da perspectiva da exclusão como fragilização e quebra dos laços sociais, abordado pela autora, é o da integração/desintegração social, no que concerne a relação indivíduo e sociedade e a da sociedade enquanto conjunto.

Leal ao fazer a análise crítica da bibliografia não deixa de mencionar os eventos que corroboraram para a intensificação do uso da noção de exclusão pelas ciências humanas: a crise do Estado de bem-estar e o seu impacto para os direitos; as transformações no mundo do trabalho e os processos de precarização do trabalho e de desemprego delas decorrentes; o declínio de instituições que se constituíram enquanto pilares da modernidade. No entanto, é pouco, o leitor se ressentirá da ausência de uma contextualização histórica que lhe permita relacionar esses processos ao tema da exclusão.

No capítulo dois, a autora procura evidenciar como se constituiu o debate da exclusão como fragilização e quebra dos laços sociais na sociedade brasileira por meio da influência dos franceses e as ênfases dos autores brasileiros em consideração à realidade histórico-social em que desenvolvem suas pesquisas e análises. Uma das particularidades do debate brasileiro é a associação entre desumanização, violência e processos de exclusão social. "A sujeição potencial à eliminação física é um quesito da condição da exclusão repetido por vários autores que, em sua maioria, se citam e se referenciam mutuamente" (p.91). Se na análise francesa a noção de exclusão tem sido utilizada para pensar, entre outros problemas, o processo de migração em uma situação de declínio do Estado de bem-estar e aumento do desemprego, no Brasil a condição dos moradores de rua é por excelência um problema típico-ideal para as análises que operam com a noção de exclusão.

No último capítulo, Leal expõe as críticas à noção de exclusão a partir da perspectiva da contradição. O leitor sentirá a quebra do padrão adotado pela autora nos capítulos anteriores. Naqueles a abordagem é feita por meio da apresentação das ideias de vários autores. Aqui ela deixa claro que a crítica será reconstruída por meio dos argumentos de dois autores brasileiros: Pedro Demo e José de Souza Martins.

A essência da crítica desses autores à noção de exclusão advém de suas filiações a uma perspectiva de análise da realidade social construída no campo do marxismo, que se desenvolve por meio da lógica da unidade dos contrários, das relações antagônicas e contraditórias. Elementos, para essa perspectiva, constitutivos do capitalismo enquanto sistema. Neste sentido, não haveria grandes novidades na noção de exclusão e nos fenômenos aos quais ela se aplica. Esses seriam processos inerentes ao capitalismo e/ou aprofundamentos de suas contradições. Essa visão de exclusão leva a autora a recuperar parte do debate sobre marginalidade social da década de 1960 e 1970, com o objetivo de identificar as afinidades entre a abordagem da exclusão como contradição e a da marginalidade social.

Pode-se dizer que a autora nos leva a concluir que embora a noção de exclusão tenha caído no gosto de uma vasta gama de analistas sociais, além de aparecer em programas de governos, partidos e orientação de políticas, a sua consolidação enquanto categoria de análise não se opera ou se opera de modo muito frágil. Entre as referências analisadas pela autora, não é raro que a opção pelo uso da noção seja acompanhada de reticências, justificativas e mesmo de ressalvas quanto ao seu alcance. No entanto, a recorrência dos usos, advém do fato de a noção se referir a um leque bastante variado de situações que se não são propriamente novas ganharam uma nova roupagem em razão das transformações que atingiram a sociedade contemporânea a partir da década de 1970 do século passado.

Giuliana Franco Leal ao se propor fazer uma análise crítica da noção de exclusão o que faz, além disso, é nos levar a pensar sobre os limites das ciências sociais em particular e das ciências humanas em geral em refazer seus paradigmas explicativos em um mundo marcado pelo signo do novo e do incerto. Talvez, ao final, o leitor espere que ela opere a passagem da noção para o conceito de exclusão; que ela forneça um conceito de exclusão válido, preciso, não polissêmico ou que invalide a noção. Ela não chega a invalidá-la, porém o que fica para o leitor é a pergunta: deveríamos continuar usando a noção de exclusão?

(Recebido para publicação em 31 de janeiro de 2012)

(Aceito em 29 de março de 2012)

Claudete Gomes Soares -Doutora em sociologia. Professora Adjunta I da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), em Chapecó- SC, da área de conhecimento Sociologia e Política. Principais publicações: A radicalização da democracia e a questão racial no projeto político do PT da década de 1990. Perseu: História, Memória e Política, 2011; A politização da questão racial. Teoria e Debate, 2009; Romantismo e política na teologia da libertação. Idéias. Rev. do IFCH-UNICAMP, 2005. claudetesoares@gmail.com

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Nov 2013
  • Data do Fascículo
    Ago 2012
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