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Habitação de aluguel no Brasil e em São Paulo

Rented housing in Brazil and in São Paulo

Logement en location au Brésil et à São Paulo

Resumos

O objetivo deste artigo é entender a evolução e o estado atual do mercado de aluguel de moradias nos pais, vinculando a evolução demográfica à dinâmica do mercado de locação. Visa contribuir também para a discussão sobre a importância da implantação de uma política de aluguel no Brasil. Para tanto, no primeiro item, analisa a evolução demográfica da população brasileira, colocando algumas hipóteses de projeções populacionais. No segundo item, sobre habitação de aluguel no Brasil, mostra a evolução da proporção de domicílios alugados. Constata-se que a opção pela locação não diminui a renda das famílias, e que a habitação de aluguel não é de má qualidade, e é mais centralizada, densa e acessível. No terceiro item, onde se expõe o caso específico de São Paulo, verifica-se que o imóvel de aluguel era a forma predominante de moradia até os anos 1970, mostrando o perfil do locador e do locatário paulistano.

Habitação de aluguel; Locação social; Aluguel no Brasil


The aim of this article is to understand the evolution and current state of the home rent market in the country by connecting demographic evolution to the dynamics of the rent market. It also intends to contribute to the discussion on the importance of implementing a rent policy in Brazil. Therefore, in its first item, the article analyzes Brazilian population's demographic evolution, positing a few population projection hypotheses. In the second item, about rented housing in Brazil, it shows the evolution in the percentage of rented homes. According to our findings, choosing to rent does not decrease families' income, nor do rented homes have a poor quality; they are more centrally located, dense, and accessible. In the third item, where São Paulo's specific case is presented, we verified that rented homes were the predominant form of housing until the 1970's, showing the profile of the city's landlords and tenants.

Rented housing; Social renting; Rent in Brazil


L'objectif de cet article est de comprendre l'évolution et l'état actuel du marché des locations de logement dans le pays en établissant le lien entre l'évolution démographique et la dynamique du marché des locations. Il veut aussi apporter une contribution à la discussion sur l'importance de la mise en oeuvre d'une politique de location au Brésil. Ainsi une analyse sur l'évolution démographique de la population brésilienne est faite dans un premier temps permettant de faire quelques hypothèses de projections des populations. Le deuxième point, concernant les logements destiné à la location au Brésil, montre l'évolution de la proportion des domiciles loués. Cela permet de constater que le choix de la location ne diminue pas le revenu familial et que les logements en location ne sont pas en mauvais état, ils sont plus centralisés, denses et accessibles. Dans un troisième point, où l'on traite plus spécifiquement du cas de São Paulo, on peut vérifier que la location d'un logement était la manière d'habiter la plus courante jusque dans les années 1970 et saisir le profil des propriétaires et des locataires paulistes.

Logements locatifs; Location social; Location au Brésil


DOSSIÊ

Habitação de aluguel no Brasil e em São Paulo

Rented housing in Brazil and in São Paulo

Logement en location au Brésil et à São Paulo

Suzana PasternakI; Lucia Maria Machado BógusII

IDoutora em Saúde Pública. Professora Titular da Universidade de São Paulo. Membro de corpo editorial da Cadernos Metrópole (PUCSP). Rua do Lago, 826. Cidade Universitária. Cep: 05508-090 - Sao Paulo, São Paulo - Brasil. suzanapasternak@gmail.com

IIDoutora em Arquitetura. Professora titular do Departamento de Sociologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Rua: Ministro de Godói, 969. Perdizes. Cep: 05014-901. São Paulo - São Paulo - Brasil. lubogus@uol.com.br

RESUMO

O objetivo deste artigo é entender a evolução e o estado atual do mercado de aluguel de moradias nos pais, vinculando a evolução demográfica à dinâmica do mercado de locação. Visa contribuir também para a discussão sobre a importância da implantação de uma política de aluguel no Brasil. Para tanto, no primeiro item, analisa a evolução demográfica da população brasileira, colocando algumas hipóteses de projeções populacionais. No segundo item, sobre habitação de aluguel no Brasil, mostra a evolução da proporção de domicílios alugados. Constata-se que a opção pela locação não diminui a renda das famílias, e que a habitação de aluguel não é de má qualidade, e é mais centralizada, densa e acessível. No terceiro item, onde se expõe o caso específico de São Paulo, verifica-se que o imóvel de aluguel era a forma predominante de moradia até os anos 1970, mostrando o perfil do locador e do locatário paulistano.

Palavras-chave: Habitação de aluguel. Locação social. Aluguel no Brasil

ABSTRACT

The aim of this article is to understand the evolution and current state of the home rent market in the country by connecting demographic evolution to the dynamics of the rent market. It also intends to contribute to the discussion on the importance of implementing a rent policy in Brazil. Therefore, in its first item, the article analyzes Brazilian population's demographic evolution, positing a few population projection hypotheses. In the second item, about rented housing in Brazil, it shows the evolution in the percentage of rented homes. According to our findings, choosing to rent does not decrease families' income, nor do rented homes have a poor quality; they are more centrally located, dense, and accessible. In the third item, where São Paulo's specific case is presented, we verified that rented homes were the predominant form of housing until the 1970's, showing the profile of the city's landlords and tenants.

Keywords: Rented housing. Social renting. Rent in Brazil

RÉSUMÉ

L'objectif de cet article est de comprendre l'évolution et l'état actuel du marché des locations de logement dans le pays en établissant le lien entre l'évolution démographique et la dynamique du marché des locations. Il veut aussi apporter une contribution à la discussion sur l'importance de la mise en oeuvre d'une politique de location au Brésil. Ainsi une analyse sur l'évolution démographique de la population brésilienne est faite dans un premier temps permettant de faire quelques hypothèses de projections des populations. Le deuxième point, concernant les logements destiné à la location au Brésil, montre l'évolution de la proportion des domiciles loués. Cela permet de constater que le choix de la location ne diminue pas le revenu familial et que les logements en location ne sont pas en mauvais état, ils sont plus centralisés, denses et accessibles. Dans un troisième point, où l'on traite plus spécifiquement du cas de São Paulo, on peut vérifier que la location d'un logement était la manière d'habiter la plus courante jusque dans les années 1970 et saisir le profil des propriétaires et des locataires paulistes.

Mots-clés: Logements locatifs. Location social. Location au Brésil

INTRODUÇÃO

No contexto da rápida urbanização nos países em desenvolvimento, o déficit habitacional se constitui no grande desafio para a gestão das cidades. Esse é o caso da América Latina, onde se estima que, em 2015, esse déficit atingirá 50 milhões de unidades. Além do grande crescimento urbano, houve também, nos países latino-americanos, um acentuado processo de metropolização, o que agravou a demanda por habitações. No Brasil, em 2008, o déficit habitacional foi estimado em mais de 5,5 milhões de unidades, do qual 83% é registrado em zonas urbanas, afetando, principalmente, as famílias com renda de até 3 salários mínimos, atingidas por 89,6% desse déficit.

No Brasil, a política dominante tem focado tradicionalmente a promoção da casa própria, desde a Fundação da Casa Popular, nos anos 1940, passando pelo Sistema Financeiro da Habitação, entre 1964 e 1986, pelas políticas municipais desenvolvidas após a Constituição de 1988, pela outorga de cartas de crédito e, agora, a partir de 2009, com a atuação do Programa Minha Casa, Minha Vida. Por outro lado, a demanda da população em geral e dos movimentos organizados também clama, de modo crescente, pela produção e propriedade de novas moradias.

O problema das moradias para grandes contingentes populacionais, nas grandes cidades, constituiu, desde as primeiras décadas do século XX, um grande desafio para o urbanismo. Conforme se depreende do discurso realizado por Roberto Simonsen, então presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) na Conferência inaugural das Jornadas de Habitação Econômica (Simonsen, 1942 apud Bonduki, 2004 p.79), a questão da habitação é, nas cidades, "problema de difícil solução pela iniciativa privada, porque, num país onde o capital é escasso e caro e o poder aquisitivo médio tão baixo, não podemos esperar que a iniciativa privada viesse, em escala suficiente, ao encontro das necessidades da grande massa, proporcionando-lhe habitações econômicas". Assim, para sua solução deveriam contribuir, cada vez mais, tanto o Estado quanto a iniciativa privada, seja pela atuação do capital imobiliário, seja pela ação dos pequenos proprietários na produção de moradias próprias ou para locação.

O processo de urbanização no Brasil foi marcado, ao longo de sua história, pelo descompasso entre a demanda por habitação e a oferta de moradias, sobretudo para as famílias de baixa renda. A concentração fundiária e a especulação imobiliária, aliadas a um fraco desempenho do poder público nas cidades, destacam-se entre os fatores responsáveis pelas deficiências de infraestrutura e pela situação de precariedade habitacional em áreas periféricas que se formaram e adensaram ao longo da segunda metade do século XX. Nesse contexto, as políticas de financiamento da casa própria, a instabilidade que caracterizou o mercado de trabalho durante décadas, aliadas a situações de forte pressão inflacionária, promoveram, nas cidades, a difusão e a valorização da propriedade imobiliária em detrimento das moradias de aluguel.

Mas a ideia de utilizar a propriedade da casa como a principal forma de construir um patrimônio familiar tem esbarrado no fato de que grande parte da população necessita de um aporte não desprezível de subsídios para consegui-la. De outro lado, moradia digna é um direito constitucional, e o aluguel pode se constituir em forma complementar na redução do déficit habitacional em camadas de renda baixa. Nos países desenvolvidos, o mercado de aluguel representa proporção forte no mercado de habitações: nos Estados Unidos, 32% das casas são alugadas, enquanto na Holanda, esse percentual atinge 46%, na França 37% e na Inglaterra 29%. No Brasil, em 1960, a proporção de domicílios alugados era de 25,61%, percentual que foi decrescendo até o ano 2000, quando chegou a 14,29%, tornando a subir levemente em 2010, para atingir 18,32%. No município de São Paulo, o aluguel era dominante em 1920, com 78,6% dos domicílios alugados, decrescendo em 1979 para 38,2%, para 21,6% em 2000 e tornado a subir em 2010 para 24,8%. Cabe também notar que, considerada a demanda total, o déficit de 2,017 milhões de unidades é devido ao ônus excessivo do aluguel (assim considerado quando ultrapassa 30% da renda familiar) e que parte dessa demanda pode ser considerada como uma clientela potencial para os programas de aluguel social, que ainda possuem alcance muito limitado no atendimento da população que se aglomera nas grandes metrópoles brasileiras. Enquanto, nos Estados Unidos e em alguns países da Europa, a moradia de aluguel é usada extensivamente com relativo sucesso, na América Latina, em geral, ela inexiste como política pública voltada para as camadas de rendas mais baixas.

O objetivo deste artigo é entender a evolução e o estado atual do mercado de aluguel no país, vinculando a evolução demográfica à dinâmica da moradia para locação. Visa também a contribuir para a discussão sobre a importância da implantação de uma política de aluguel social no Brasil.

Os dados apresentados e as hipóteses formuladas pretendem subsidiar os debates acerca de um espaço urbano produzido a partir de um intrincado jogo de forças entre o Estado, o capital – sobretudo em suas frações imobiliária e financeira – e a sociedade civil.

EVOLUÇÃO DEMOGRÁFICA: Brasil

População por região brasileira

Segundo o Censo Demográfico de 2010, o Brasil atingiu, nessa data, a população de 190.755.799 habitantes. A Tabela 1 mostra que a população brasileira aumentou mais de 19 vezes o seu tamanho, desde 1872, quando ocorreu o primeiro recenseamento. Até 1940, as taxas de mortalidade e fecundidade apresentavam valores elevados. A partir daí, a mortalidade começou a decrescer. A fecundidade, entretanto, conservou-se elevada até bem mais tarde, o que resultou em altas taxas de crescimento populacional nas décadas seguintes. Na Tabela 2, notam-se as taxas elevadas nas décadas de 1960 a 1980. Após 1980, as taxas declinam, atingindo 1,17% anuais entre 2000 e 2010.

As regiões Nordeste e Sudeste reúnem quase 70% da população brasileira em 2010. Nota-se, no entanto, que o peso relativo a essas regiões vem caindo: o Sudeste representava, em 1980, 43,40% do total populacional brasileiro, e o Nordeste, 29,24% Essas percentagens decresceram, enquanto outras regiões aumentaram o seu peso relativo, como o Norte, que passou de 5,6% da população brasileira em 1980 para 8,3% em 2010, e o Centro Oeste, atualmente com 7,4% da população do Brasil. Em 2010, o Norte e o Centro Oeste concentravam 15,69% da população brasileira, enquanto que, 30 anos antes, em 1980, esse percentual era de apenas 11,37%. De outro lado, o Sul vem perdendo peso relativo.

O incremento absoluto da população brasileira, nas últimas décadas, aumentou até 1991, reduzindo-se após essa data (Tabela 4). O percentual do incremento para o Norte subiu continuamente, de 4,39% nos anos 60 para 14,14% entre 2000 e 2010. Para o Centro Oeste, o aumento populacional representava 9,56% do aumento brasileiro na década de 70, reduzindo-se para 8,7% nos anos 80 e tornando a aumentar para 11,55% do incremento populacional do país entre 2000 e 2010. A parcela do aumento da população brasileira que reside no Nordeste oscilou em torno de 25%, enquanto que, para o Sudeste, reduziu-se de 41% em 1960-70 para 38% entre 2000 e 2010. A proporção do crescimento brasileiro no Sul decresceu de 20% nos anos 60 para 11,6% nos anos 2000. Esses dados demonstram que o Brasil assiste a certa redistribuição da sua população, a qual se reflete no crescimento populacional de cada região (Tabela 4).

Além da mudança na distribuição da população entre regiões, o grau de urbanização da população brasileira vem aumentando. Em 1970, a proporção da população considerada urbana ultrapassou a rural. Cabe destacar que a definição de urbano, no Brasil, é bastante frágil: trata-se de população que vive em um dado perímetro, demarcado pela Câmara Municipal de cada cidade. Apesar dessa fragilidade, utilizando-se esse conceito de modo uniforme, é possível ter uma indicação da evolução dessa proporção.

Na Tabela 5, observa-se que a proporção da população urbana ultrapassa 70% mesmo nas regiões Norte e Nordeste, chegando a atingir mais de 90% no Sudeste. Pode-se dizer que, nos últimos 40 anos, a população brasileira mudou seu padrão de crescimento e de distribuição regional, e está cada vez mais urbana. Outra informação importante diz respeito ao tamanho do grupo domiciliar, que vem caindo de forma contínua tanto nas zonas urbanas como nas rurais. Assim, mesmo com crescimento populacional menor, a demanda por moradias cresce em ritmo maior: em 1980, a média de moradores por domicílio era de 4,2, caindo para 3,3 em 2010. Entre 2000 e 2010, a densidade domiciliar apresentou um declínio de 13,2%, mais acentuado que entre 1991 e 2000, quando foi de 9,6%.

A região Norte apresenta a maior densidade domiciliar, enquanto a região Sul apresenta a menor. Mas a tendência ao declínio é uma característica geral, associada, sobretudo, à redução da fecundidade.Das cinco regiões, apenas a Norte tem média de moradores por domicílio igual a 4,0. Nas demais, esse valor já se situa na faixa entre os 3,1 do Sul e os 3,5 do Nordeste, com pequenos diferenciais entre domicílios rurais e urbanos.

Taxas de crescimento populacional por tamanho de município

Observando-se as taxas de crescimento populacional por tamanho de município, percebe-se que elas são negativas, para a última década, em cidades com até 10.000 habitantes. As maiores taxas entre 2000 e 2010 ocorreram em municípios entre 100 mil e 500 mil residentes, sendo que o valor, nesse segmento, ultrapassa a taxa das cidades grandes em mais de 14%. A população brasileira se urbaniza, mas cresce mais intensamente nas cidades médias. Essa situação difere da de décadas passadas, quando a taxa de crescimento metropolitano apresentava a maior intensidade. As únicas cidades com crescimento maior que 2%, na década, foram Brasília, na região Centro Oeste, e Manaus, no Norte. As três maiores cidades brasileiras – São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador – tiveram crescimento pouco expressivo na década. É importante notar também que, além da capital, no Estado de São Paulo situam-se duas outras grandes cidades com mais de 1 milhão de habitantes: Guarulhos e Campinas. A Tabela 7 apresenta as taxas geométricas de crescimento.

Figura 1


Estrutura etária

Ao observarmos as três pirâmides etárias para os anos de 1991, 2000 e 2010, verificam-se importantes mudanças ocorridas na estrutura etária da população brasileira nas duas últimas décadas. Nota-se o acentuado estreitamento da base, ao mesmo tempo em que o ápice se torna mais largo. Esse novo desenho decorre do contínuo declínio dos níveis de fecundidade e, em menor parte, de uma diminuição da mortalidade no período.

No ano 2000, a população com até 19 anos representava 40,17% do total populacional na data. Essa proporção diminui em 2010, para 32,99%. Em números absolutos, esses grupos etários perderam 5.282.811 pessoas. Todo o crescimento da população brasileira, na década, ocorreu pelo crescimento da população adulta: entre 20 e 59 anos houve um aumento de 20.184.832 residentes e, entre os de mais de 60 anos, um aumento de 6.054.568 residentes. A proporção de pessoas com 60 anos e mais passou de 8,56% do total populacional para 10,79% e a de pessoas entre 20 e 59 anos de 51,27% para 56,22%.

As distintas regiões do Brasil não se comportaram de forma homogênea, já que a transição demográfica ocorreu em momentos diferentes em cada uma delas. A região Norte, apesar do envelhecimento comum a todas as regiões brasileiras, ainda apresenta ganho de população nos grupos etários entre 5 e 9 anos e entre 10 a 19 anos, em função da alta fecundidade anterior (Tabela 9), embora seus percentuais de população com menos de 5 anos tenham caído de 9,64% em 2000 para 7,23% em 2010. A proporção de idosos subiu de 5,53% para 6,82%. Entre as regiões brasileiras, é a que apresenta a estrutura etária mais jovem. Entre 2000 e 2010, só o grupo etário de até 5 anos perdeu população, indicando uma diminuição de fecundidade bastante recente.

Tabela 10

O Nordeste tem ainda uma população relativamente jovem, com 16,68 % de pessoas com menos de 10 anos, mas já apresenta 10,28% de pessoas com 60 anos e mais, proporção superior à do Norte, com 6,82% de idosos. Em 2000, essas proporções eram 21,35% e 8,42%, respectivamente. Mas deve-se notar que a perda populacional dos grupos mais jovens, com até 19 anos, foi grande: mais de 2 milhões de pessoas.

As regiões Sul e Sudeste são as mais envelhecidas: as duas já apresentavam, em 2000, percentual de idosos de mais de 9% da população total e proporção de jovens de até 10 anos de cerca de 17% e 18% da população total. Ambas atestam, em 2010, perdas consideráveis de contingentes populacionais nos grupos etários até 20 anos e ganho considerável entre idosos.

A região Centro Oeste apresenta perda populacional nos dois primeiros grupos etários, de até 10 anos. O percentual de crianças de até 10 anos representava 19,8% do total populacional em 2000, passando a 15,57% em 2010. A proporção de idosos subiu de 6,62% para 8,81%.

A população brasileira está crescendo menos, esboçando uma nova distribuição regional – embora Sudeste e Nordeste ainda sejam as regiões mais populosas, o crescimento é maior no Norte e Centro Oeste –, e é cada vez mais urbana, embora o crescimento maior ocorra nas cidades médias. Trata-se também de uma população menos jovem, onde o ganho populacional nas idades entre 20 e 40 anos foi de quase 9 milhões de pessoas. É nessa faixa etária que se concentra a demanda por moradia, quando núcleos familiares se formam. Além disso, a existência de um diferencial de 6 milhões de idosos também propõe um certo tipo de casa, já que, muitas vezes, o idoso mora só.

Tipo de família

A família brasileira vem apresentando mudanças em sua configuração, ao longo das últimas décadas. No país como um todo, os domicílios com apenas uma pessoa representam mais de 12%, proporção maior no Sudeste (onde mais de 3 milhões têm esse perfil) e menor no Norte (com apenas 365 mil com esse perfil). Assim, entre os mais de 57 milhões de unidades domiciliares brasileiras, em 2010, em quase 7 milhões morava só uma pessoa.

O tipo de unidade doméstica mais frequente ainda é o tipo nuclear, com quase 40 milhões de unidades, 67% do total de domicílios brasileiros. As famílias estendidas representam 19% do total, com quase 11 milhões de unidades abrigando pessoas com parentes. A hipótese para esse tipo de unidade doméstica abrigando parentes, há tempos atrás, ia ao encontro da necessidade de apoiar pais, avós e sogros, dado que a previdência social era insuficiente. Hoje, a hipótese aponta em direção contrária: após a previdência rural, em muitos lares brasileiros de baixa renda, a aposentadoria dos mais velhos é uma das poucas fontes de renda monetária. No Norte e no Nordeste, esse tipo de arranjo familiar chega a existir em ¼ dos domicílios. As famílias compostas estão presentes em apenas 2,6% dos domicílios. A previsão para o futuro próximo é de aumento das unidades unipessoais, com o aumento da expectativa de vida (a previsão é de que a esperança de vida alcance e ultrapasse 80 anos em 2014) e a sobrevida feminina, no que resultará um numero maior de mulheres vivendo sós.

Projeções populacionais

Neste item, serão utilizadas as projeções feitas pela Coordenação de População e Indicadores Sociais do IBGE, na Gerência de Estudos e Análise da Dinâmica Demográfica. Essas projeções foram atualizadas em 2008 e, até o momento, são as utilizadas oficialmente pelos organismos estatais brasileiros. Utiliza-se o método dos componentes, ou seja, o seguimento de coortes de pessoas, expostas às leis de fecundidade, mortalidade e migração, por grupo etário, vigentes no momento atual e projetadas segundo alguns cenários historicamente determinados.

Desde os anos 60, a taxa de crescimento da população brasileira vem declinando, tendência que se intensifica com quedas mais pronunciadas da fecundidade. Se o ritmo de crescimento populacional se mantivesse no mesmo nível observado na década de 60 (aproximadamente 3%), em 2008, a população brasileira teria alcançado 295 milhões de pessoas. O Censo de 2010 resultou numa população de 193,5 milhões.

No período 1970-1980, o incremento absoluto da população brasileira foi de 25.855.124 pessoas, o que correspondia a uma taxa de crescimento de 2,49% ao ano. A taxa bruta de natalidade alcançava 29,74 por mil, e a de mortalidade 5,08 por mil. No período 1980-1991, o incremento populacional foi próximo do anterior, de 25,24 milhões de pessoas, resultando em taxa menor: 1,95% anuais. A natalidade reduziu-se para 25,46 por mil e a mortalidade aumentou ligeiramente para 6,13 por mil, devido à influência de uma estrutura etária mais envelhecida. A diferença populacional de mais de 100 milhões de pessoas entre o projetado e o encontrado em 2010 deve-se quase que exclusivamente à queda dos níveis gerais de fecundidade, que passaram de cerca de 6 filhos por mulher, nos anos 50, para 1,86 filhos por mulher em 2010. Com isso, a taxa de crescimento populacional diminuiu de 3,04% ao ano, no período 1950-60, para 1,17% entre 2000 e 2010, e poderá alcançar -0,291% em 2050, com uma população projetada de 215,3 milhões.

Com esses resultados, espera-se que a população do Brasil atinja o chamado "crescimento zero" por volta de 2040, apresentando, a partir daí, taxas de crescimento negativas, resultando em declínios absolutos do volume da população. Assim, até 2039-2040, o país ainda apresentará potencial de crescimento, fruto do balanço entre nascimentos e óbitos. Nessas projeções, o IBGE considerou o saldo migratório internacional como nulo.

Tabela 11

As estimativas de migração internacional se revestem de maior complexidade, já que, muitas vezes, ela acontece na clandestinidade, sem registros oficiais. Estimou-se que, ao longo da década de 1980, um total entre 1,4 e 2,5 milhões de pessoas de 10 anos e mais deixaram o país. O saldo migratório internacional seria assim algo em torno de 550 mil pessoas. O IBGE resolveu não incorporar esse saldo negativo às suas projeções, dado que:

  • A retirada de pessoas acima de 10 anos por migração, combinada com o aumento de mortalidade pelo aumento da idade média, provocaria distorções na projeção da estrutura etária e poderia prejudicar a projeção de políticas de educação e saúde.

  • No início do século XXI, estaria acontecendo um retorno ao país de origem, o que eliminaria o saldo negativo.

A Divisão de População da CEPAL – CELADE – também não recomenda a incorporação de migração internacional na América Latina. Assim, as estimativas foram calculadas com migração internacional nula, aumento da esperança de vida em cerca de 0,6 anos por ano, redução da fecundidade até uma assíntota de 1,5 filhos por mulher, coeficiente de mortalidade infantil declinante, já que há melhoras no saneamento básico, vacinação em massa, pré-natal difundido, incentivo ao aleitamento materno e presença de agentes comunitários de saúde. O coeficiente de mortalidade infantil ainda é bastante elevado (23,30 por mil nascidos vivos em 2008), quando comparado aos coeficientes do Chile (7,20), da Argentina (13,30) e do Uruguai (13,10), mas apresenta tendência declinante. A esperança de vida seria maior, se não fosse a sobremortalidade masculina, que, no grupo etário entre 20 e 25 anos, é 4 vezes maior que a feminina , sobretudo pela violência.

Tabela 12

O efeito combinado da redução dos níveis de fecundidade e da mortalidade no Brasil tem produzido transformações no padrão etário da população, sobretudo a partir de meados da década de 1980. O formato tipicamente triangular da pirâmide populacional brasileira, com base alargada, está cedendo lugar a uma pirâmide populacional característica de uma sociedade em acelerado processo de envelhecimento, que se caracteriza pela redução da participação relativa de crianças e jovens, acompanhada do aumento da participação dos idosos. Em 2010, o contingente de crianças entre 0 e 14 anos correspondia a 20,07% do total, enquanto que o de pessoas com 65 anos e mais era 7,38%. Em 2050, o primeiro grupo representará 13,15%, ao passo que a população idosa ultrapassará os 22% da população.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Embora a expectativa seja de arrefecimento do crescimento demográfico – as projeções indicam taxas geométricas de crescimento populacionais declinantes a partir de 2010 (0,83% ao ano entre 2010 e 2020, 0,44% entre 2020 e 2030 e taxa negativa de -0,93 entre 2030 e 2050) –, o déficit habitacional quantitativo é ainda elevado no Brasil, correspondendo a cerca de 5,5 milhões de unidades em 2008, e tanto esse número como déficit qualitativo devem aumentar. O número de pessoas por domicílio está diminuindo, sobretudo em zonas urbanas, onde já atinge 3,3 pessoas por moradia em 2010. O percentual de pessoas que vivem sós, que alcançou 12% no Sudeste em 2010, também deve aumentar, ainda mais com a expectativa de envelhecimento populacional, o que favorece a sobrevivência sem a presença do cônjuge por mais tempo. O aumento da renda média faz os jovens desejarem morar sozinhos, e as mudanças de comportamento trazem novos arranjos familiares, inclusive com casais não compartilhando o mesmo teto. Para além da aquisição da casa própria, torna-se importante conhecer o mercado de aluguel como uma alternativa possível, sobretudo para alguns grupos populacionais como os de famílias jovens que acabaram de ingressar no mercado de trabalho, estudantes e outros residentes temporários, casais divorciados, casais mais velhos cujos filhos já abandonaram o lar parental e queiram reduzir o tamanho de sua unidade habitacional sem comprometer o patrimônio, além de outros segmentos. Os dados demográficos indicam uma possível demanda crescente desse tipo de unidade.

HABITAÇÃO DE ALUGUEL NO BRASIL

No ano 2010, existiam, no país, 10.503.535 domicílios alugados, onde residiam 31.609.943 pessoas, cerca de 16% da população brasileira. O desenvolvimento do capitalismo no Brasil, a política de favorecimento de casa própria, a instabilidade laboral que existiu durante décadas, aliada a uma memória inflacionária, promoveu, nas cidades, a difusão da propriedade imobiliária. A Tabela 13 mostra que a proporção de domicílios alugados, crescente entre 1940 e 1960, declina fortemente entre 1960 e o ano 2000, de 27,61% do total de moradias para 14, 29% para o país como um todo. Mesmo na década de 80, sob forte crise, continuou a existir a difusão da propriedade em todo o país. Tal fato corresponde a alguns mecanismos: compra formal, compra de unidades irregulares e 'invasão' de terras. Pelo censo brasileiro, casas próprias, mesmo em terrenos ocupados de maneira irregular, são classificadas como próprias. O crescimento das favelas no país como um todo atesta esse último mecanismo: entre 1991 e 2010, o número de assentamentos favelados cresceu de 3.197 para 6.329, e a população brasileira residente em favelas passou de 480.595 pessoas em 1980 para 1.659.548 em 2000. No ano de 2010, esse número foi de 3.224.529 pessoas, correspondendo a 5,61% da população brasileira. A comparação entre os moradores de favelas em 2000 e 2010 deve ser feita com cautela, dado que, em 2010, as formas de coleta incluíram fotos de satélite e pesquisa prévia. Dessa forma, o aumento de residentes nesses núcleos pode também ser devido à melhoria na coleta de dados, refletindo apenas parcialmente um aumento real, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste, onde a coleta costumava apresentar inúmeros problemas.

Nota-se que o aumento do percentual de imóveis próprios ocorreu em todas as regiões. Na região Norte, o percentual de 34,25% de imóveis alugados, no ano 1970, destoa das demais. Trata-se de período de expansão de fronteira, o que pode ter resultado num aumento momentâneo de locações. Já o que se nota nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul é uma diminuição contínua da proporção de casas alugadas entre 1960 e 2000, de mais de 21 pontos percentuais no Nordeste e de cerca 11 a 13 pontos percentuais no Sudeste e Sul. A região Centro Oeste mostra um comportamento distinto, tendo aumentado seu percentual de moradias alugadas entre 1960 e 1980. Deve ser lembrado que a consolidação do Distrito Federal, onde a moradia de aluguel era habitual, deve ter influenciado esse resultado.

Países com tradição jurídica latina e países escandinavos tendem a apresentar taxas mais altas de propriedade que os países de tradição inglesa e alemã, com médias de 70% de proprietários. Na Alemanha, essa proporção fica por volta de 52%, e, nos países anglo-saxões, 65%. No antigo bloco comunista, ter casa própria associou-se à privatização do antigo conjunto de moradias de aluguel, na década de 90. Assim, na Federação Russa, a propriedade saltou de 33% para 60% nos anos 90.

No Brasil, em 2010, a proporção de moradias alugadas subiu para 18,32%. Esse aumento ocorreu em todas as regiões, com maior intensidade no Sul, onde o percentual de casas alugadas subiu 7,75 pontos percentuais. Algumas hipóteses se configuram:

  • A Lei do Inquilinato foi abrandada, resultando em risco menor para o locador e favorecendo, dessa forma, o investimento em moradias de aluguel.

  • A oferta de casas para venda, até 2009, quando foi lançado o programa Minha Casa, Minha Vida, diminuiu. As alternativas de investimento financeiro permitiram maior remuneração, fazendo com que o investimento em moradia própria fosse postergado.

  • O valor do aluguel reduziu-se em relação ao valor do imóvel.

  • Em regiões metropolitanas, o custo e o tempo do transporte provocaram mudanças de residência para locais próximos ao emprego ou estudo. Assim, nota-se aumento populacional nos centros urbanos e aumento de imóveis para locação.

  • A melhoria da renda, de outro lado, fez com que proprietários, na periferia, construíssem unidades para locação, o que também aumentou a oferta. Em alguns casos, essas moradias são produzidas pelo processo de autoconstrução.

Torna-se importante a verificação das características desse mercado de aluguel. Dados censitários mostram que, em 2010, a casa oferecida para locação apresenta melhores condições em termos de infraestrutura, materiais e densidade domiciliar. Além disso, entre os apartamentos, a proporção de unidades alugadas é bem maior que entre as casas.

Em relação ao tipo de domicílio, para o Brasil como um todo, a proporção de domicílios próprios em casas individuais é superior à de domicílios alugados: 82% das moradias próprias são casas individuais no lote, enquanto que, entre as alugadas, a proporção de casas é de 77%; de outro lado, entre os apartamentos, o percentual de aluguel é bem maior que entre as casas, chagando a 18,09%. O apartamento de aluguel chega a constituir ¼ dos domicílios alugados no Sul e cerca de 20% das unidades alugadas no Sudeste. Aluga-se mais nos centros urbanos, onde a verticalização é maior, o que resulta numa oferta grande de apartamentos para locação. É interessante notar que, no município de São Paulo, há mais aluguel de casas que de apartamentos, o que parece retratar a crescente verticalização da cidade com lançamentos verticais para venda.

Para o conjunto do país, o número médio de pessoas por domicílio, em 2010, mostrou uma redução de quase 13% na década, passando de 3,8 em 2000 para 3,3 em 2010. Entre os domicílios alugados, esse índice é menor, tanto para o Brasil como um todo (3,0) como para as diferentes regiões (no Sul, chega a 2,87 pessoas por domicílio e, no Sudeste, a 2,98). Uma hipótese plausível seria a de que os optantes por moradia de aluguel fossem preferencialmente pessoas sós, famílias sem filhos e pessoas idosas. Famílias em outro momento do ciclo vital tenderiam a privilegiar a propriedade da moradia, conforme relação já levantada por Turner e Fichter (1992). Mesmo associando ao indicador pessoas por domicílio, uma análise por classe de renda, para classes de renda iguais, a média de pessoas por domicílio era sempre menor nos alugados; por exemplo, na classe de renda mais pobre, de até ¼ de salário mínimo, a média de pessoas por domicílio, para os domicílios próprios, era 3,40 e, para os alugados, 3,02; na camada de 5 a 10 salários mínimos, encontrou-se a média de 3,64 pessoas para os próprios e 3,25 para os alugados. Finalmente, nas camadas mais abastadas, com mais de 30 salários mínimos mensais, a média de residentes era de 3,44 pessoas por domicílio entre os próprios e de 3,11 entre os alugados, em 2010.

A distribuição dos domicílios por classe de renda é similar: a renda média dos domicílios próprios é de 4,38 salários mínimos e a dos alugados, 4,16 salários mínimos. A concentração está, nos dois casos, nas classes de até 3 salários mínimos: 55,61% para os próprios e 55,38% para os alugados.

O rendimento médio mensal domiciliar dos domicílios próprios é 5,2% maior que dos domicílios alugados, se considerarmos o Brasil como um todo. Essa relação não é a mesma para as distintas regiões: nas mais pobres, a relação se inverte (no Norte, o rendimento mensal dos domicílios próprios era 86% dos alugados; no Nordeste, 88%). Aluguel, em áreas pobres, não representa solução de moradia para as famílias de renda muito baixa, que resolvem seu problema habitacional de outra forma, por ocupação irregular de terra, autoconstrução, etc.

Em relação à infraestrutura sanitária, cabe destacar que:

  • As condições sanitárias são melhores nas casas alugadas, independentemente da classe de renda: mesmo na classe de até ¼ de salário mínimo, 21% dos domicílios próprios não tinham qualquer espécie de instalação sanitária, enquanto que, entre os alugados da mesma classe, o percentual foi menos de 4%. Chama a atenção que, nas classes de renda mais baixa, de até ½ salário mínimo, quase 40% das casas próprias não tenham banheiro. Entre os alugados, essa proporção não ultrapassa 3,5%.

  • Em relação ao destino dos dejetos, entre os domicílios próprios, 30% das casas apresentavam destino inadequado em 2010; já entre as casas alugadas, essa porcentagem era de 21%.

Os dados apontam que o imóvel alugado não é de má qualidade: a casa oferecida para locação apresenta melhores condições em termos de infraestrutura e densidade de ocupação. Além disso, a renda média dos residentes em imóveis alugados é semelhante à dos residentes em imóveis próprios e, em muitos casos, maior. O pagamento do aluguel, para as famílias de inquilinos, impacta pouco a renda domiciliar. De qualquer forma, o número absoluto de domicílios brasileiros com destino dos dejetos inadequado é assombroso: são 2.219.908 unidades alugadas com condições de saneamento inadequadas e 14.344.155 unidades próprias nessa condição, ou seja, quase 40% do total dos domicílios brasileiros não têm acesso a rede de esgoto ou fossa séptica.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

O sonho da casa própria instalou-se de maneira profunda no imaginário dos brasileiros. Proporcionar à família uma moradia é aspiração legítima, num país ainda com memória inflacionária e de emprego oscilante como o Brasil. A casa própria, além de bem de raiz, proporciona ao dono as vantagens de empréstimo hipotecário, a certeza de ter um teto, a possibilidade de modificar a casa de acordo com seu gosto e suas necessidades. Mas, lembrando que a habitação é, antes de tudo, um serviço, a locação pode representar uma alternativa viável. Turner (1976, p.5) já afirmava que "o importante acerca da habitação não é o que ela é, mas o que faz na vida das pessoas." Quando se escolhe uma casa, na verdade, está se escolhendo não apenas um imóvel, mas decidindo sobre uma série de variáveis: local, acessibilidade, serviços, uso de capital, investimento financeiro. Além disso, o ciclo de vida familiar torna as necessidades de moradia específicas para cada momento. As políticas habitacionais tradicionais enfatizam a moradia como bem de capital, incentivando a propriedade. Se, de um lado, esse é um anseio que vem ao encontro do que deseja o trabalhador em geral, de outro, afeta a mobilidade (Engels, [1860] 1969, 1965), aumenta o risco financeiro pela concentração de ativos numa única propriedade, acentua a periferização urbana, já que reproduz uma infinidade de pequenas casas individuais, onerando os serviços de infraestrutura. Nesse sentido, cabe lembrar o papel desempenhado, nessa expansão periférica, pela autoconstrução de moradias, motivada por fatores que vão do alto custo da contratação de mão de obra, até dificuldades de acesso a trâmites burocráticos para aprovação de plantas e até de regularização da obra. Como cada vez mais, sobretudo nas periferias metropolitanas, encontram-se imóveis para locação produzidos pela autoconstrução, podem-se retomar alguns aspectos do clássico debate sobre o caráter espoliador dessa modalidade de produção da casa e até da própria cidade (Maricato, 1979, 2009; Oliveira, 1991). É fato que a informalidade nas relações de trabalho, o baixo desempenho para a economia e a duvidosa qualidade da habitação produzida conduzem a um questionamento dessa alternativa construtiva como forma de provisão habitacional. Isso reforça a necessidade de uma política habitacional que ofereça variedade de alternativas, de forma que a população possa ter acesso a uma moradia adequada.

HABITAÇAO DE ALUGUEL EM SÃO PAULO

O aumento da condição de propriedade, ou seja, a moradia em casas próprias, ocorreu em todos os segmentos espaciais estudados. Em 2010, a proporção de moradias alugadas sobe de 14,29% para 18,32% entre 2000 e 2010. Esse aumento se dá tanto no Brasil como um todo, como na região Sudeste e no município de São Paulo.

No município de São Paulo, o aluguel era a forma predominante de moradia até 1970. Mesmo em 1950, após a promulgação da Lei do Inquilinato, que congelou os aluguéis, tornando a atividade rentista pouco atraente, a proporção de imóveis residenciais alugados era ainda superior a 50% (59,3%). A cidade era mais compacta, e o uso do automóvel ainda não tão difundido. A grande expansão periférica se iniciou nos anos 50, através da tríade loteamento de periferia, casa própria e autoconstrução. A oferta minguante de unidades de aluguel, aliada ao incentivo para a compra de lote próprio na periferia e a opção pelo transporte rodoviário expandiram os limites urbanos e aumentaram o percentual de casas próprias, sobretudo nas áreas periféricas. A Tabela 15 mostra a diminuição da proporção de casas de aluguel entre 1980 e 2000 em todos os anéis do tecido urbano para ver a distribuição dos anéis, (ver Pasternak; Bógus, 1998). Essa diminuição foi maior no anel periférico, chegando a 18,82 pontos percentuais. No anel central, foi de 16,60 pontos percentuais.

O percentual de casas alugadas diminui do centro em direção à periferia em todos os períodos. A maior proporção de imóveis para a locação tem se conservado no anel central, que agrega o centro histórico e alguns bairros populares e degradados, com grande concentração de cortiços, além de pequenos imóveis do tipo quitinete. A diminuição foi constante entre 1980 e 2000. Entretanto, em 2010, há uma pequena recuperação dessa proporção nos anéis central, exterior e periférico, os de menor renda média. Chama a atenção o incremento de mais de 3 pontos percentuais na proporção de imóveis de aluguel na periferia.

Os distritos com maior proporção de unidades de moradia alugadas em 2010 estão na região central do município, com exceção de Vila Maria, distrito de origem operária, situado na zona leste da cidade. Alguns distritos bastante periféricos também apresentam alta incidência de aluguel, como Vila Medeiros, Jaguara e Tucuruvi.

O aluguel médio, em São Paulo, representa 23,49% da renda média dos chefes inquilinos: a renda média do responsável pelo domicílio era de 4,8 salários mínimos em 2010, e o aluguel médio atingia 1,17 salários mínimos.

Uma das poucas fontes encontradas sobre o perfil dos inquilinos e proprietários no Município de São Paulo foi a pesquisa FIA-SECOVI, sobre o perfil de locatários e locadores, realizada em 1995. Esse estudo foi amostral, entrevistando 545 inquilinos e 212 proprietários, através de questionário fechado. Favelas e cortiços não foram incluídos na pesquisa. A amostra foi definida através de sorteio, por quadras, nas diversas zonas do município. Essa pesquisa ajudou a embasar as modificações na Lei do Inquilinato de 2001, desmistificando alguns pontos:

  • O locador típico não é o grande proprietário, com muitos imóveis de aluguel. A maior parte tem poucas unidades: 72% possuem até 2 apartamentos de aluguel, e 82% até 2 casas. Trata-se, assim, de pequeno rentista, com renda não muito superior à do inquilino: entre os locatários, 26,4% apresentavam renda maior que 20 salários mínimos, enquanto que, entre os locadores, 26% tinham renda maior que 30 salários mínimos. A classificação em extratos de renda apontou 59% dos locadores nas classes C e D, enquanto, entre os inquilinos, essa proporção alcançou 66%. Percebe-se que a diferença entre os dois grupos não é grande, embora 14% dos proprietários pertença à chamada classe A e só 4% dos inquilinos pertençam a essa mesma classe.

  • O aluguel representava cerca de 40% da renda do proprietário; de outro lado, comprometia entre 20% e 40% da renda de 25,4% dos inquilinos, e o comprometimento de renda alcançava entre 40% e 60% para 30% dos entrevistados (convém notar que as cifras da pesquisa de 1995 diferem das do Censo de 2010).

  • Em relação à escolaridade, os locadores apresentam escolaridade mais alta que os locatários: 31% têm curso colegial ou superior, enquanto que, entre os inquilinos, a proporção é de 17%. O grupo com curso superior completo concentrava 5,2% dos inquilinos e 13,2% dos proprietários. A proporção de viúvos (as) entre os locadores apresentou-se também maior nessa pesquisa: 16,5% e 11,8% de viúvos, separados, ou divorciados, respectivamente, apontando para a atividade rentista como estratégia de sobrevivência de pessoas idosas.

  • O número médio de cômodos nas casas alugadas foi de 4,6 e, nos apartamentos, 6,3. A área média das casas foi de 46,4m2, e a dos apartamentos 88,4m2. O aluguel médio dos imóveis de 1 dormitório foi de 1,28 salários mínimos, de 2 dormitórios, de 2,50 salários mínimos e de 3 dormitórios, de 4,33 salários mínimos. Existe uma relação de proximidade geográfica entre locadores e inquilinos, que costumam morar no mesmo bairro. Na periferia, muitos imóveis de aluguel ocupam terreno comum a outro imóvel.

  • As sucessivas intervenções do governo na legislação do aluguel teriam contribuído para reduzir a oferta de imóveis de aluguel, o que pode ser percebido pela idade avançada dos imóveis na carteira dos locadores: 26% das casas e 25% dos apartamentos foram construídos na década de 1970 ou antes. Parte significativa dos imóveis tinha mais de 30 anos: 47,4% das casas e 42% dos apartamentos. Só cerca de 5% dos imóveis foi construído nos últimos 10 anos. Esse fato, aliado à falta de manutenção, explica as queixas mais frequentes dos inquilinos: umidade e instalações em mau estado e mal conservadas.

  • As informações sobre o imóvel para alugar foram obtidas, na maioria, boca a boca; em 29%, o acesso se deu por imobiliária e apenas em 4,5% dos casos a informação foi conseguida por anúncio em revista ou jornal; já a negociação repartiu-se igualmente entre a relação direta com o proprietário e a intermediação de administradora.

Perfil atual do inquilino paulistano

É possível construir um perfil do inquilino e do imóvel de locação a partir dos microdados do Censo Demográfico de 2010; infelizmente, o tipo de informação disponível não permitiu a construção do perfil do locador. Entretanto, foi possível a comparação entre as casas alugadas e as próprias, e entre moradores de casas alugadas e de próprias.

Tipo de casa e infraestrutura

Os materiais de construção predominantes praticamente são os mesmos nos dois subconjuntos, moradias alugadas e próprias: alvenaria com revestimento. As casas próprias apresentam qualidade construtiva ligeiramente inferior às alugadas: entre elas, mais de 8% não têm revestimento, enquanto que, nas alugadas, isso acontece em 7,68%. É importante destacar que as casas construídas em favelas, embora em terreno invadido, são consideradas próprias. Pesquisas sobre aluguel em favelas em São Paulo mostraram que o aluguel médio era da ordem de 0,65 salários mínimos, cerca de 55% do aluguel médio encontrado pelos dados censitários (que incluem todos os imóveis alugados do município). O yield, no aluguel na favela, era mais alto que no mercado formal, atingindo, em média, mais de 3%. No mercado formal de São Paulo, ele varia entre 0,6 e 0,8%. Nas favelas paulistanas, as casas são de alvenaria e contam com eletricidade e água, sendo o esgoto ligado à rede pública, presente em 60% dos domicílios. O locador reside no mesmo imóvel que o locatário em 24,43%, e na mesma comunidade em 50% dos casos. Assim em ¾ das unidades faveladas alugadas, locador e locatário são seguramente do mesmo estrato social. São os próprios favelados que constroem unidades ou quartos para alugar e complementar sua renda.

Indicadores domiciliares

  • A densidade domiciliar é menor nos alugados que nos próprios: nos domicílios próprios, há 3,9 pessoas por domicílio, enquanto que, nos alugados, o grupo doméstico é menor: 3,42 pessoas por domicílio.

  • Entretanto, como a casa alugada é menor que a própria (4,44 e 5,91 cômodos por domicílio, respectivamente), a alugada apresenta maior densidade de pessoas por cômodo e por dormitório, ultrapassando o limite recomendado pela OMS, de 2 pessoas por dormitório, no máximo.

  • Em relação ao banheiro, o percentual de domicílios sem banheiro é ínfimo: 2,35% nas casas próprias e 1,02% nas alugadas, Mas, mesmo os domicílios sem banheiro completo (sanitário, pia e chuveiro), dispunham, na grande maioria, de algum tipo de equipamento sanitário: 74% dos sem banheiro nas casas próprias e 88% nas alugadas. O número médio de banheiros alcançou 1,61 nas casas próprias e 1,22 nas alugadas

  • O número médio de banheiros é um indicador pertinente para a mensuração do padrão de moradia. Assim o maior número médio de banheiros nas casas próprias mostra que uma parcela delas é de alto padrão. As alugadas, com média menor, apresentam variabilidade menor, mostrando um padrão mais baixo, porém mais homogêneo. Em São Paulo, isso se explica pelo fato de que unidades muito pobres, em favelas e na periferia, são computadas como próprias. Mas, analisando a distribuição de renda dos chefes, nota-se que a proporção de chefes com renda mensal acima de 10 salários mínimos é bem maior entre os chefes de casas próprias (14,08%) do que entre os chefes locatários (9,36%).

Infraestrutura

  • Praticamente todos os domicílios do município de São Paulo são servidos por rede pública de água, e têm, pelo menos, 1 ponto de água interno. No município de São Paulo, mesmo os domicílios em favelas são servidos pela rede pública de água: 97,76% das casas em aglomerados favelados estão ligados à rede; para o Estado de São Paulo, o percentual foi de 96,35% e, para o Brasil como um todo, de 88,34% das moradias faveladas em que existe ligação à rede (dados do Censo de 2010).

  • Apenas 5,70% de todos os domicílios do município de São Paulo não são ligados à rede de esgoto. O percentual de domicílios próprios com destino inadequado de dejetos – 6,25% – é maior que o de alugados (3,95%). Esse dado deve estar sendo influenciado pelo fato de os domicílios em invasão serem considerados, quando a casa é própria, como próprios, mesmo o terreno não o sendo. No município de São Paulo, as unidades de moradia em favela, embora sejam servidas por água, apresentam séria deficiência em relação aos destinos dos dejetos: em 29,98% das casas, o destino é inadequado, ou seja, é diferente de rede pública de esgoto ou fossa séptica. A cifra municipal aproxima-se da do Estado de São Paulo, onde 31,62% das unidades faveladas apresentam destino inadequado dos dejetos, e do Brasil, onde essa cifra era de 32,73% em 2010.

  • O destino do lixo também mostra cifras melhores em moradias alugadas que próprias: é coletado diretamente em 95% dos domicílios próprios e em 97% dos alugados. A maior proporção de lixo coletado em caçamba, em unidades próprias, deve estar ligada à proporção de casas próprias em favelas, onde essa forma de coleta, não raro, é a única possível.

  • Tanto casas próprias com alugadas são ligadas à energia elétrica. Novamente a presença de medidor coletivo nas próprias (13,91%) ou sem medidor (3,18%) deve estar ligada a unidades em favelas. Além disso, a proporção de 7,42% de medidores coletivos nos domicílios alugados remete ao aluguel de quartos em cortiços.

Sobre a presença de utensílios domésticos na residência, os dados de 2010 mostram que tanto as moradias próprias como as alugadas são bem servidas por objetos de consumo. Praticamente todas as unidades possuem TV em cores (a pesquisa de 1995 já mostrava que 73,4% dos inquilinos a possuíam). Lavadora de roupas, que, em 1995, estava presente em 30% dos inquilinos, em 2010, atingia 70%, proporção menor que entre os proprietários (85%). O micro computador, raro em 1995 (apenas 3,1% dos inquilinos o possuíam), aparece em 52% das casas alugadas e em 64% das casas próprias. E, entre os que têm computador, a maioria está ligada à internet. O telefone celular é um dos itens de consumo, tal como a TV em cores, que integra o universo tanto de domicílios próprios (88%) como de alugados (92%). Já o fixo, compreensivelmente, é mais frequente nas casas próprias. O carro para uso particular, que, em 1995, aparecia entre 21% dos inquilinos, agora surge em 39%. O transporte público de São Paulo é muito deficiente, o que auxilia a explicar a proporção de 9% de motos e 55% de automóveis particulares no total de domicílios.

Aspectos demográficos dos chefes de família

Neste item, algumas variáveis em relação aos chefes de família de moradias próprias e alugadas em São Paulo são comparadas: sexo, estrutura etária, cor, estado civil, migração, permitindo notar que:

  • Cerca de 56% dos chefes de família são homens, proporção que se mantém nas casas próprias e nas alugadas.

  • Os chefes das casas alugadas são mais jovens que os de casas próprias: a idade média dos chefes, em 2010, foi de 49,4 anos para as casas próprias e 40,1 anos para as alugadas. A proporção de chefes com até 40 anos para as casas próprias foi de 30%, enquanto que, para as alugadas, atingiu 55%. O aluguel mostra-se a alternativa possível para famílias mais jovens.

  • 35% dos chefes de família em São Paulo não são brancos. O percentual de pretos e pardos entre os chefes moradores em aluguel é maior. Isso deve estar ligado ao menor poder aquisitivo desse grupo. Entre a população favelada brasileira, 50% são pretos e pardos. No município de São Paulo, a presença de não brancos nas favelas é majoritária: 61% (a população brasileira como um todo tem 51% de pretos e pardos, e a do município de São Paulo 40%).

  • Em relação ao estado civil, a diferença entre chefes moradores em casas alugadas e próprias é grande: entre os moradores de aluguel, 49% são solteiros, enquanto que, entre os residentes em casa própria, apenas 27%. Mesmo em relação aos que têm parceiros fixos, a proporção dos proprietários é maior (62%) que a dos inquilinos (56%). E nota-se também que, entre os inquilinos, predomina a união consensual: 65%. Assim, qualquer programa de aluguel social deverá levar em conta, para assinatura de contrato, essa situação específica em relação ao direito da família entre os prováveis candidatos a inquilinos. A proporção de viúvos é significativamente maior entre os proprietários.

  • O percentual de não nascidos no município é maior entre os moradores de casa alugada que nas próprias: 52% e 44%, respectivamente. Percebe-se que a condição de não migrantes – aqueles que nasceram e sempre moraram na capital paulista – é menor entre os chefes de casas alugadas: 40% estão nessa situação ante 50% dos chefes residentes em casas próprias. E, considerando-se aqueles não naturais da capital, o percentual de propriedade é maior entre os nascidos no estado de São Paulo. Percebe-se que o acesso à casa própria é dificultado para o migrante de outro estado, agravando-se quando o migrante é do Norte ou Nordeste.

  • O tempo médio de residência do migrante, no Estado de São Paulo, é maior entre os proprietários (30 anos) que entre os inquilinos (17 anos). Para o município, a situação se mantém, com proprietários morando no município, em média, há 29 anos e locatários há 16 anos. Percebe-se que o inquilino é mais migrante, preferencialmente nascido no Norte ou Nordeste e que chegou ao município há menos tempo. Quase 48% dos migrantes tiveram como local de moradia anterior as regiões Norte e Nordeste, sendo essa proporção mais alta entre inquilinos. Chama a atenção, para o município, que mais de 7% dos moradores totais tiveram sua moradia anterior no exterior, percentual ligeiramente superior entre os inquilinos. Entretanto, apenas 27,1% dos estrangeiros moram de aluguel, enquanto, para os brasileiros, a proporção sobe para 30,4%. Os países de origem do maior número de migrantes estrangeiros residentes no município são Angola (dos quais 35% são inquilinos), Argentina (38% inquilinos), Coréia (52%), Peru (69%), Bolívia (76%) e Paraguai (79%). Nota-se que, entre os migrantes de países pobres da América Latina, o acesso à moradia por meio do aluguel e, provavelmente, a uma moradia precária de aluguel, é alta.

Aspectos socioeconômicos dos chefes de família

Alguns itens censitários, relacionados a escolaridade, trabalho, renda, previdência social e local de trabalho, permitiram uma caracterização dos chefes de família paulistanos moradores em casas alugadas e próprias:

  • Quase 95% dos chefes de família do município de São Paulo sabem ler e escrever, sendo o índice um pouco maior entre os moradores de casas alugadas. Em relação ao indicador de maior escolaridade, ou seja, 12 anos e mais de estudo, 27,64% dos chefes moradores em casa própria pertencem a esse segmento, contra 22,12% dos moradores em casas alugadas. Na pesquisa de 1995, havia apenas 5,2% de inquilinos com curso superior. Nesses 15 anos, a proporção de formados em cursos superiores aumentou no município, devido à expansão de novos cursos superiores e faculdades, o que se reflete nos dados.

  • O percentual de chefes de família que se declarou desocupado na última semana de julho de 2010 foi, para o município, de 36,19%, proporção menor entre os chefes inquilinos (26%) que entre os proprietários (40%). E, entre os que não trabalharam naquela semana, a proporção dos afastados por algum motivo de sua ocupação habitual foi maior entre os inquilinos. Esse resultado era esperado, pois, sem salário, fica difícil pagar o aluguel.

  • A estrutura ocupacional dos chefes mostra algumas diferenças significativas: a proporção de chefes com "ocupações superiores" (dirigentes, gerentes, liberais e intelectuais) é maior entre os proprietários que entre os locatários: 26,74% e 20,86%, respectivamente. De outro lado, entre os trabalhadores não especializados, com grau inferior na escala ocupacional, a relação se inverte: há mais inquilinos (14,29%) que proprietários (11,02%). Entre as outras categorias ocupacionais, a única com diferença digna de nota foi a dos trabalhadores de serviços e comércio: 21% dos inquilinos e 17% dos proprietários.

  • A informalidade é grande entre os empregados no município de São Paulo: 14% do total dos chefes não possuem carteira de trabalho assinada; há mais trabalhadores por conta própria entre os proprietários, assim como mais empregadores. Os dados mostram também que a maioria dos chefes paulistanos não contribui para a previdência social (63,4%), proporção bem maior entre os inquilinos. A proporção de chefes que usufrui de aposentadoria ou pensão é maior entre os proprietários. Mas, quando se fala em transferência de renda (bolsa família ou qualquer outra forma), não há diferença entre proprietários e inquilinos.

  • A proporção de trabalhadores que usam o próprio domicílio como local de trabalho, para todos os chefes, foi de 29%, maior entre os proprietários, mas bastante grande também entre os inquilinos: 27,6%. Proporção reduzida trabalhava em outro município: 4,68% dos proprietários e 3,54% dos inquilinos.

  • A renda média dos chefes com renda é maior entre os proprietários: 6,55 salários mínimos contra 4,98 dos inquilinos. A distribuição de renda para os dois subconjuntos mostra a mesma moda (entre 1 e 2 salários mínimos). Mas a porcentagem dos que ganham mais que 5 salários mínimos é mais alta entre os proprietários (29,14%) que entre os inquilinos ( 27,36%).

Nota-se que há certo esforço dos inquilinos para se localizar perto do trabalho: quase 39% dos inquilinos gastam menos de 30 minutos para o deslocamento entre casa e trabalho, enquanto que essa proporção, para os proprietários, foi de 34%. Mas, em relação aos grandes tempos de deslocamento, a situação é bem semelhante: com mais de 60 minutos de deslocamento estão 30,5% dos proprietários e 28% dos inquilinos. O resultado sugere que a localização em relação ao trabalho, ao menos no território paulistano, não é o ponto mais importante na escolha de uma casa para alugar, contrariando um mito persistente nos meios acadêmicos.

Resumindo, o perfil do inquilino paulistano mostra que é alfabetizado, com mais de 22% com escolaridade superior a 12 anos de estudo; 74% estão ocupados, sendo que as ocupações modais são ligadas a serviços e comércio e a trabalhos não especializados (mais de 35% dos inquilinos, ante cerca de 31% dos proprietários). A maioria dos inquilinos estava empregada no setor formal em 2010, mas não era contribuinte do INSS (previdência oficial). A renda média dos locatários foi inferior a 5 salários mínimos mensais, e a renda modal situou-se entre 1 e 2 salários mínimos. Quase 30% trabalhavam no próprio domicílio, e, entre os que não trabalhavam em casa, 25% despendiam mais de 1 hora no deslocamento entre casa e trabalho.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

A casa alugada situa-se, geralmente, em localização mais central no tecido urbano do que a casa própria. Em São Paulo, as maiores proporções de imóveis de aluguel encontram-se nos distritos do centro. Nesse sentido, por estar associada a localizações mais centrais, e, portanto, mais próxima de empregos e equipamentos, a habitação de aluguel pode se constituir em opção melhor para famílias de baixa renda. Miraftab (1997) comenta que, na Cidade do México, as mães chefes de família preferem alugar casa em algum lugar central do que ser proprietárias num assentamento informal periférico. Assim, poupam dinheiro e tempo de deslocamento, além de ficarem mais com os filhos.

Além da localização central, percebe-se também que, no município de São Paulo, o imóvel alugado não apresenta qualidade inferior ao próprio. Quanto aos proprietários locadores, eles são constituídos, na grande maioria, por viúvas e pequenos rentistas com renda equivalente à dos seus inquilinos. Desmistifica-se, dessa forma, a ideia sobre a existência de grande provedores privados de moradia de aluguel, com controle absoluto sobre o montante a pagar. A lógica de funcionamento desses pequenos proprietários apoia-se muito mais numa complementação de renda e (ou) pensão do que numa estratégia de acumulação. Os inquilinos costumam ser mais jovens; a proporção de pretos e pardos é maior entre eles que entre os proprietários, assim como o percentual de solteiros. Na locação informal, o yield costuma ser bem maior que na locação formal, cerca de 3%, enquanto que, na formal, essa percentagem vai de 0,6 a 0,8%. E a informalidade nos contratos de locação é, nas áreas de periferia, acompanhada pela informalidade no processo de produção da casa, expressando a fragilidade das políticas de regulação do solo urbano.

Recebido para publicação em 18 de dezembro de 2013

Aceito em 22 de março de 2014

Suzana Pasternak - Doutora em Saúde Pública. Professora Titular da Universidade de São Paulo. Membro de corpo editorial da Cadernos Metrópole (PUCSP). Tem experiência na área de Planejamento Urbano e Regional, com ênfase em Fundamentos do Planejamento Urbano e Regional. Atuando principalmente nos seguintes temas: Favela, Habitação Popular, Estudos Urbanos. Publicações recentes: Mudanças na estrutura sócio-ocupacional das metrópoles brasileiras. Cadernos Metrópole (PUCSP), v. 14, p. 233-278, 2012; A dinâmica espacial da desigualdade na Região Metropolitana de São Paulo. Revista de \Estudos sobre Urbanização, Arquitetura e Preservação, v. 47, p. 1-88, 2011; Urbanização, meio ambiente e saúde em São Paulo. InterfacEHS (Ed. português), v. 6, p. 51-72, 2011; O Estado de São Paulo no Censo 2010. Nyssa, v. 199, p. 24, 2011.

Lucia Maria Machado Bógus - Doutora em Arquitetura. Professora titular do Departamento de Sociologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Coordena o Observatório das Metrópoles São Paulo. Atua nas áreas de Sociologia Urbana e Demografia, com ênfase em Política Pública e População, analisando principalmente os seguintes temas: cidade, desigualdade social, urbanismo, metropolizacao e migração. Publicações recentes: A especificidade de Quebec no quadro das Políticas Migratórias Canadenses. Travessia (São Paulo), v. 69, p. 71-86, 2011; Os refugiados e as políticas de proteção e acolhimento no Brasil: História e Perspectivas. Revista de História (UFES), v. 27, p. 101-114, 2011; Urbanização, meio Ambiente e Saúde em São Paulo. InterfacEHS (Ed. português), v. 6, p. 52-72, 2011.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Out 2014
  • Data do Fascículo
    Ago 2014

Histórico

  • Recebido
    18 Out 2013
  • Aceito
    22 Mar 2014
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