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Controle social informal e a responsabilização de jovens infratores

Informal social control and the accountability of juvenile offenders

Contrôle social informel et responsabilisation de jeunes délinquants

Resumos

Explicações da criminalidade baseadas em teorias de controle social defendem que o enfraquecimento dos laços sociais e a não internalização dos padrões morais favorecem o cometimento de crimes. O objetivo deste estudo foi verificar se jovens infratores que cumprem medidas socioeducativas em meio aberto e já passaram, ou não, por medida de internação apresentam diferenças na intensidade em que estiveram submetidos a fatores que operam o controle social informal. Foi utilizado um survey aplicado a 243 jovens em cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto em Minas Gerais, que compõem a amostra deste estudo. A metodologia de análise incluiu a estimação de modelos de regressão logística binomial. Os resultados apontaram que os socioeducandos que estão submetidos, de forma mais intensiva, a determinados fatores de controle social, apresentam menores chances de estarem em progressão de medida, ou seja, de terem cumprido algum tipo de medida socioeducativa de internação no passado.

Controle social; Juventude; Crime


Explanations about criminality based on social control theories suggest that the weakening of social bonds and the non-internalization of moral standards increase the likelihood of delinquency. The goal of this study was to verify whether juvenile offenders participating in non-custodial socio-educational programs, having or not previously served custodial sentences, display differences in regard to the intensity with which they have been subjected to elements of informal social control. A survey applied to juveniles participating in non-custodial socio-educational programs in Minas Gerais was used, with a sample of 243 individuals. The analysis methodology included descriptive statistics as well as the evaluation of binomial logistic regression models. The results indicated that the individuals participating in socio-educational programs - who are more intensively subjected to certain social control factors - display a lower probability of being in rehabilitation, that is, of having already served a custodial sentence in the past.

Social control; Youth; Crime


Les analyses de la criminalité qui se fondent sur les théories du contrôle social défendent que l'appauvrissement des liens sociaux et la non-internationalisation des moeurs favorisent la perpétration de crimes. L'objectif de cette étude fut de vérifier si de jeunes délinquants, qui font l'objet de mesures socio-éducatives en milieu non carcéral, ayant ou non déjà fait l'objet de mesures d'emprisonnement, présentent des différences selon l'intensité de soumission aux facteurs d'opération du contrôle social informel. Nous avons réalisé une enquête sur des jeunes qui font l'objet de mesures socio-éducatives non carcérales dans l'Etat de Minas Gerais. Notre étude est composée d'un échantillon de 243 individus. La méthodologie de l'analyse comprend l'estimation des modèles de régression logistique binomiale. Les résultats ont démontré que les jeunes sous mesure sociale, soumis de forme intensive à des facteurs déterminés de contrôle social, présentent moins de chance de progression de mesure.

Contrôle social; Crime; Jeunesse


ARTIGOS

Controle social informal e a responsabilização de jovens infratores

Informal social control and the accountability of juvenile offenders

Contrôle social informel et responsabilisation de jeunes délinquants

Aline Nogueira Menezes MourãoI; Andréa Maria SilveiraII

IMestranda em Criminologia na Universidade de Ottawa. 120 University Street, Social Sciences Building, room 14002, Ottawa, Ontario, Canada, K1N6N5. alinenmmourao@gmail.com

IIDoutora em Ciências Humanas. Professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG. Pesquisadora do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais – CRISP/UFMG. Av. Pres. Antônio Carlos, 6627 Unidade Administrativa III. Cep: 31270-901. Belo Horizonte – Minais Gerais – Brasil. andrea@crisp.ufmg.br

RESUMO

Explicações da criminalidade baseadas em teorias de controle social defendem que o enfraquecimento dos laços sociais e a não internalização dos padrões morais favorecem o cometimento de crimes. O objetivo deste estudo foi verificar se jovens infratores que cumprem medidas socioeducativas em meio aberto e já passaram, ou não, por medida de internação apresentam diferenças na intensidade em que estiveram submetidos a fatores que operam o controle social informal. Foi utilizado um survey aplicado a 243 jovens em cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto em Minas Gerais, que compõem a amostra deste estudo. A metodologia de análise incluiu a estimação de modelos de regressão logística binomial. Os resultados apontaram que os socioeducandos que estão submetidos, de forma mais intensiva, a determinados fatores de controle social, apresentam menores chances de estarem em progressão de medida, ou seja, de terem cumprido algum tipo de medida socioeducativa de internação no passado.

Palavras-chave: Controle social. Juventude. Crime

ABSTRACT

Explanations about criminality based on social control theories suggest that the weakening of social bonds and the non-internalization of moral standards increase the likelihood of delinquency. The goal of this study was to verify whether juvenile offenders participating in non-custodial socio-educational programs, having or not previously served custodial sentences, display differences in regard to the intensity with which they have been subjected to elements of informal social control. A survey applied to juveniles participating in non-custodial socio-educational programs in Minas Gerais was used, with a sample of 243 individuals. The analysis methodology included descriptive statistics as well as the evaluation of binomial logistic regression models. The results indicated that the individuals participating in socio-educational programs – who are more intensively subjected to certain social control factors – display a lower probability of being in rehabilitation, that is, of having already served a custodial sentence in the past.

Key words: Social control. Youth. Crime

RÉSUMÉ

Les analyses de la criminalité qui se fondent sur les théories du contrôle social défendent que l'appauvrissement des liens sociaux et la non-internationalisation des moeurs favorisent la perpétration de crimes. L'objectif de cette étude fut de vérifier si de jeunes délinquants, qui font l'objet de mesures socio-éducatives en milieu non carcéral, ayant ou non déjà fait l'objet de mesures d'emprisonnement, présentent des différences selon l'intensité de soumission aux facteurs d'opération du contrôle social informel. Nous avons réalisé une enquête sur des jeunes qui font l'objet de mesures socio-éducatives non carcérales dans l'Etat de Minas Gerais. Notre étude est composée d'un échantillon de 243 individus. La méthodologie de l'analyse comprend l'estimation des modèles de régression logistique binomiale. Les résultats ont démontré que les jeunes sous mesure sociale, soumis de forme intensive à des facteurs déterminés de contrôle social, présentent moins de chance de progression de mesure.

Mots-clés: Contrôle social. Crime. Jeunesse

INTRODUÇÃO

A criminalidade urbana violenta, envolvendo principalmente jovens, aumentou de forma significativa no Brasil a partir do período que coincidiu com o processo de redemocratização do país, ocorrido no final dos anos de 1970 e anos 1980 (Zaluar, 2007). Paralelamente, observou-se o crescimento de atividades relacionadas ao tráfico de drogas no país e na América Latina como um todo. Um retrato das consequências dessa situação é o fato de 57% dos homicídios cometidos na cidade do Rio de Janeiro, em 1991, estarem relacionados ao tráfico de drogas (Zaluar, 2004). Em Belo Horizonte, os homicídios aumentaram 301% entre 1990 e 2005, grande parte dos quais também relacionados ao consumo e tráfico de drogas e quase sempre envolvendo jovens, quer como autores, quer como vítimas (Silveira, 2008).

Essa situação engendrou sentimento de medo e insegurança, principalmente nas grandes cidades e regiões metropolitanas, e uma crescente demanda por ordem, maior eficiência e dureza nas ações policiais tomou corpo em certos segmentos. Entre outras parcelas da população, propagaram-se ideais de justiça social e de defesa dos direitos humanos daqueles que estariam, muitas vezes, à mercê do poder discricionário das polícias e das instituições de segurança pública, incluindo os jovens em conflito com a lei.

Nesse sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei Federal N. 8069, de 13 de julho de 1990, apontou diretrizes fundamentais para o tratamento do público situado entre doze e dezoito anos de idade que comete uma infração, prescrevendo a aplicação de medidas socioeducativas que considerem a situação particular desses cidadãos como pessoas em desenvolvimento.1 1 Observa-se que o ECA estipula, em parágrafo único, que "Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade" (Título 1, Parágrafo único, ECA). As medidas socioeducativas caracterizadas pela não internação do adolescente, como a Advertência, a Prestação de Serviço à Comunidade (PSC) e a Liberdade Assistida (LA), são, segundo o Estatuto, sempre preferíveis àquelas restritivas de liberdade. Essas prescrições do ECA são coerentes com a perspectiva de que o fortalecimento dos laços entre o indivíduo e sua comunidade leva a resultados muito mais exitosos do que o simples encarceramento daquele que se encontra em uma situação de conflito com a lei.

Tal perspectiva compartilha do fundamento de teorias sociológicas para as quais quanto maior a identificação dos indivíduos com o sistema social, seus valores e normas, maior o interesse desses indivíduos em mantê-lo, maior o seu senso de pertencimento comunitário e maior o temor da exclusão, da perda da estima e do afeto, da vergonha e da culpa que decorreriam do rompimento com os padrões morais, via cometimento de um crime. Dessa forma, o crime ocorreria quando do enfraquecimento dos laços que unem o indivíduo à sociedade e da não internalização dos padrões morais da comunidade. As chamadas teorias do controle social pressupõem que quanto mais estreitas e intensas as relações do indivíduo nas esferas tradicionais da vida, como na escola, no trabalho, na família e na rede de amigos, menores serão as chances de que ele incorra em atos desviantes.

Por outro lado, teorias sociológicas da subcultura da violência ponderam que, em alguns grupos ou comunidades, os valores transmitidos pelas famílias e pares podem ser opostos àqueles convencionais. Nesse caso, deve-se considerar a possibilidade de que a força dos laços entre indivíduo e sociedade bem como a conformidade com as regras convencionais sejam mais frágeis. Zilli (2004) argumenta que, em comunidades nas quais teria surgido uma subcultura de violência, comportamentos violentos são aprendidos em um processo de identificação e associação às atitudes dos pares, sendo, portanto, valorizados entre esses indivíduos.

O objetivo deste artigo é identificar se existem fatores (características sociodemográficas, de controle social e tipo de infração cometida) que diferenciem adolescentes infratores (1) que foram responsabilizados através de medida em meio aberto, daqueles (2) que estão em progressão de medida, ou seja, que estão cumprindo medida em meio aberto, mas que foram responsabilizados inicialmente através de algum tipo de medida de internação (semiliberdade ou internação). A análise recairá sobre os socioeducandos em cumprimento de medida em meio aberto em Minas Gerais entre os anos de 2008 e 2009. Para mensurar controle social, busca-se, aqui, operacionalizar os principais elementos conceituais da teoria de Travis Hirschi (1969).

O referencial utilizado para a definição do problema investigado e para a análise dos dados encontrados no campo de pesquisa orienta-se pelas proposições das teorias do controle social utilizadas para a explicação do fenômeno do crime.

Este estudo não testa as teorias sociológicas do controle social, mas aplica seus pressupostos para explicar como diferentes contextos quanto à submissão a fatores de controle social informal podem favorecer trajetórias infracionais distintas e, portanto, levar a diferentes formas de responsabilização penal.

Na segunda seção deste artigo, apresentada a seguir, é desenvolvido um quadro geral das teorias sociológicas do controle social e, na terceira, apresenta-se um breve histórico das políticas de tratamento ao adolescente em conflito com a lei no Brasil. Na quarta seção, é exposta a metodologia empregada. Por fim, na quinta e sextas seções, respectivamente, são apresentados os resultados e a discussão dos principais achados do trabalho, bem como a proposição de novas possibilidades de estudo e abordagens do problema de pesquisa aqui explorado.

TEORIAS DE CONTROLE SOCIAL E CONFORMIDADE ÀS NORMAS

Talvez um dos primeiros e mais influentes teóricos do controle, no campo da sociologia, seja Durkheim. Tomando os "fatos sociais" como objeto de estudo da sociologia, Durkheim os caracteriza pelo poder de coerção externa que podem exercer sobre os indivíduos. Tal coerção seria expressa na forma de sanções ou mesmo pela resistência que se opõe à violação, por parte do indivíduo, de determinada norma (Durkheim, [1895] 2005, p. 37). Como exemplo, um ato seria criminoso não devido a qualquer característica intrínseca a ele, mas pelo fato de que ofende a uma consciência coletiva, sendo, então, socialmente reprovável (Durkheim, [1930] 2008). Tal perspectiva está alinhada a outras, também tradicionais e positivistas, acerca do controle social no âmbito da criminologia. De acordo com tais perspectivas, haveria um consenso nas sociedades que é perpetuado por meio das primeiras formas de socialização, sendo que as agências externas de controle social apenas são acionadas na medida em que são observados casos em que tal processo não se deu de forma adequada, resultando em práticas delinquentes (McLaughlin; Muncie, 2006). Observa-se que, portanto, teóricos do controle social concentram-se nas diversas formas de restrições que fazem com que o indivíduo se conforme às regras, e não na razão por que eles se desviam delas.

Reiss (1951), um dos primeiros teóricos do controle social, argumentou que a delinquência poderia ser definida como uma consequência da falha das formas de controle social e pessoal que produzem comportamentos em conformidade com as normas do sistema social, onde também se desenvolveram formas legais de punição. Como "controle pessoal" compreende-se a habilidade de o indivíduo evitar que suas necessidades sejam supridas através de atos que vão contra as normas e regras de sua comunidade. Já o "controle social" seria a habilidade de grupos sociais ou instituições tornarem suas normas e regras, de fato, efetivas. Apesar de não especificar quais seriam os mecanismos de controle pessoal ou social capazes de produzir comportamentos em conformidade com as normas, o autor afirma que instituições, como a família, têm importante capacidade explicativa acerca do fenômeno do crime, uma vez que podem reproduzir regras e valores de forma eficaz ou não. Com o objetivo de analisar os fatores de controle social e pessoal que se relacionam à reincidência criminal, Reiss (1951)2 2 Em seu estudo, Reiss (1951) utilizou dados da corte oficial juvenil relativos a 1.110 jovens brancos delinquentes entre os 11 e 17 anos de idade. Esses indivíduos foram colocados em probation (liberdade assistida) entre março de 1943 e outubro de 1944. também ressalta que, no caso de reincidência, tais formas de controle agem de maneira ainda menos expressiva sobre o comportamento dos indivíduos.

Mais tarde, no ano de 1965, Briar e Piliavin argumentaram que, além de dar ênfase à importância de instituições sociais, como família e escola, e às leis como mecanismos de controle, seria também relevante a consideração do "comprometimento com a conformidade".3 3 Tradução de responsabilidade do autor. Do original, "commitment to conformity" (Briar; Piliavin, 1965, p. 39). Isso implica que a questão central para o controle social não seria o medo das consequências materiais e da punição que advém da descoberta do ato desviante, mas a apreensão do indivíduo acerca das consequências negativas que a descoberta da prática de tal ato por outras pessoas pode trazer à sua vida social, vida que deseja manter e continuar a desenvolver (1965, p. 39). Mesmo que o indivíduo queira incorrer em um ato delinquente, o que o impede de realizá-lo pode ser a consideração das consequências negativas que isso pode gerar se o fato se tornar público. Para Becker (apud Briar e Piliavin, 1965, p. 40), a pessoa comprometida com determinada "linha de ação" deve estar atenta ao fato de que ela pode gerar consequências diversas, devendo, então, reconhecer que a decisão tomada (de praticar um ato desviante, por exemplo) terá desdobramentos que vão além do ato em si.

Em Causes of Delinquency ([1969] 2009), Hirschi busca explicar as causas da prática de atos delinquentes por meio de sua teoria do controle social, utilizando, para isso, dados sobre crimes produzidos na Califórnia, Estados Unidos.4 4 Os dados analisados e expostos na obra "Causes of Delinquency", de Travis Hirschi (1969), são provenientes de três fontes, que são os registros escolares, um survey "autoaplicado" aos alunos e registros policiais (Hirschi, 2009, p. 39). Os elementos que ligam o indivíduo à sociedade convencional e que poderiam prevenir que ele cometa algum ato delinquente seriam, para o autor: (1) "afeição" (attachment to others), (2) "comprometimento" (commitment), (3) "envolvimento em atividades" (involvement) e (4) "valores" (belief).

Caracterizando tais elementos, tem-se que a "afeição" seria medida através do quanto um indivíduo se importa ou não com os desejos e expectativas de outras pessoas. Assim, se um indivíduo é insensível à opinião alheia, seria também, sob esse aspecto, livre para cometer algum desvio (Hirschi, 2009). A "afeição" pode ser relativa a três tipos de relacionamento com o indivíduo, a saber, a afeição com os pais, com a escola e com os pares (peers). A "afeição" e a importância dada à opinião e reação dos pais constituiria um fator de controle e dissuasão frente às oportunidades de cometer atos que os contrariem. A análise dos dados feita pelo autor indica que, dentre aqueles que praticaram algum ato delinquente, mais do que não se importarem com a reação dos pais, talvez sequer pensem sobre a reação deles frente a suas atitudes. Os dados também indicam que, além da importância de os filhos se comunicarem com os pais, por exemplo, contando sobre suas atividades diárias, também seria relevante, para uma situação de controle que os próprios pais exponham aos filhos seus sentimentos frente ao comportamento deles (Hirschi, 2009, p. 108).

A "afeição" à escola, outra instituição convencional, sugere que aqueles alunos que declaram não gostar da escola e não se importar com a opinião dos professores sobre ele estariam livres para cometer algum ato delinquente. A "afeição" aos pares, da mesma forma que aos pais e aos professores, indicaria que quanto mais proximamente ligado aos colegas, ou mais respeitado por eles, menor a probabilidade de que um jovem tenha cometido um ato delinquente. Essa relação, no entanto, se dá de forma mais fraca que aquela relativa à afeição aos pais e aos professores. Destaca-se, também, que os dados não permitem afirmar que haveria uma relação íntima e de confiança entre pares delinquentes (Hirschi, 2009).

O "comprometimento" seria o elemento que faria com que o indivíduo considere os custos atrelados aos valores convencionais, como carreira e escolaridade, caso opte por um ato desviante, considerando todo o tempo e a dedicação investidos em determinada "linha de ação".5 5 "Linha de ação" é a tradução própria do autor acerca do termo "lines of action", utilizado por Travis Hirschi. Também é utilizado o termo "lines of activity", sendo que ambos indicam que o indivíduo pode se comprometer, em diferentes níveis, a determinado estilo de vida, ou seja, em conformidade ou não com as regras convencionais (considerando as possibilidades extremas). Desse modo, o indivíduo poderá optar pela conformidade com as normas na medida em que o desvio coloca em risco seu investimento social em um futuro em conformidade com normas convencionais da sociedade. Segundo o autor, em uma sociedade, a maior parte das "linhas de ação" adotadas por indivíduos seriam as convencionais (Hirschi, 2009, p. 20-21).

Um terceiro elemento considerado pelo autor para se pensar a ligação do indivíduo com a sociedade é seu "envolvimento" em atividades convencionais. O pressuposto é de que uma pessoa pode estar tão envolvida em atividades convencionais que sequer encontra espaço e tempo para se engajar em comportamentos delinquentes (2009).

O quarto elemento que compõe a teoria do controle social são os "valores", ou "crenças" do indivíduo. Os valores que permitem que um indivíduo cometa um desvio não são motivadores do ato em si, uma vez que ele não o pratica com o objetivo de alcançar fins ilícitos. Desse modo, quanto menos um indivíduo acredita que deva obedecer às leis sociais, maior será a probabilidade de incorrer em atos delinquentes (2009).

Em geral, quanto mais uma pessoa se encontra ligada à sociedade convencional, através de algum destes elementos, maior também a chance de estar fortemente ligada através dos demais elementos (2009).

Uma crítica à teoria do controle social de Hirschi parte do fato de que seus testes foram realizados por meio de dados transversais, ou seja, dados coletados em um mesmo período. Desse modo, não seria possível prever, de forma adequada, efeitos causais entre variáveis, mas sim correlações. Tal crítica foi formulada por Agnew (1985). Segundo esse autor (1985), espera-se que a delinquência tenha um impacto causal sobre os laços sociais. Assim, a afeição e respeito aos pais, professores e pares poderiam ser consequência da prática ou não de atos delinquentes. Do mesmo modo, a delinquência poderia também ter um efeito negativo sobre o comprometimento e envolvimento do jovem acerca de atividades convencionais, bem como sobre sua crença em valores convencionais. Sendo esse o caso, seria relevante um estudo que se pautasse sobre dados longitudinais, de modo a possibilitar a observação de efeitos causais entre variáveis (Agnew, 1985).

Para verificar qual seria, de fato, o efeito dos elementos dos laços sociais de Hirschi sobre a delinquência juvenil, Agnew utilizou um survey nacional longitudinal aplicado a adolescentes.6 6 O primeiro momento de aplicação do survey se deu no outono de 1966, nos Estados Unidos, e o segundo, durante a primavera do ano de 1968. Além da mensuração do efeito das variáveis relativas aos laços sociais sobre a prática de atos desviantes, Agnew também incluiu uma medida da seriedade do desvio cometido, uma vez que Krohn e Massey (1980) já teriam apontado para a possibilidade de que a teoria do controle social de Hirschi teria melhor poder de explicação sobre desvios menos graves (Krohn; Massey, 1980 apud Agnew, 1985).

Agnew (1985) confirmou, posteriormente, que a teoria do controle social seria mais adequada à explicação de crimes de menor gravidade. Além disso, concluiu que a capacidade de explicação da delinquência cometida no segundo momento da pesquisa, a partir das variáveis de controle social obtidas no primeiro momento, é de apenas 1,8%. Por fim, apesar de sugerir que a importância da teoria do controle social de Hirschi pode ter sido "exagerada", o autor atenta para possíveis vieses típicos em análises de painel (Agnew, 1985, p.53).

A próxima seção expõe um breve histórico das políticas de tratamento de adolescentes infratores no Brasil. Assim, pode-se conhecer melhor o contexto de análise dos dados utilizados e problematizar melhor os resultados apresentados.

POLÍTICAS DE TRATAMENTO DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI NO BRASIL

O marco da inclusão da questão social da criança abandonada ou desviante em políticas públicas, no Brasil, é a instituição do Código Penal da República de 1890, o qual não diferenciava crianças e adolescentes e determinava a idade penal aos nove anos de idade. A internação de crianças desviantes ou em situação de abandono em instituições especiais era vista como uma importante possibilidade de regeneração do indivíduo por meio de seu isolamento e educação especializada. Em decorrência do Código de 1890, foram criadas diversas instituições7 7 No ano de 1899, em Belém do Pará, um asilo foi transformado na Colônia Artística, Industrial e Agrícola da Providência, com 400 alunos e 15 oficinas. Em 1902, foi criado, em São Paulo, o Instituto Disciplinar de São Paulo. Em 1905, no Rio de Janeiro, foram criadas a Colônia Correcional de Dois Rios, destinada a jovens infratores, e a Escola Quinze de Novembro, de caráter preventivo-correcional, direcionada a crianças de nove a quatorze anos. Em Belo Horizonte, o Instituo João Pinheiro foi instalado em 1909, tendo como molde a escola-prisão francesa ,"Escola de Mettray", criada em 1840 para jovens delinquentes e abandonados (Marcílio, 2000, p. 41-42). com tal intuito no Brasil. No entanto, tais instituições apresentavam uma cultura repressora que, ao longo do tempo, tendeu a se fortalecer com a inclusão do encarceramento de "menores infratores" de 14 a 18 anos, caso não houvesse, no local, instituições apropriadas para recebê-los (Marcílio, 2000, p. 415).

Dando continuidade a uma trajetória de políticas que consolidavam uma doutrina da situação irregular8 8 A predominância, na época, da doutrina da situação irregular no Brasil levou à preferência do uso da privação da liberdade daquelas crianças ou adolescentes que fossem considerados incapazes de algum modo, visando à proteção social. A Lei nº 6.697, de 10 de outubro de 1979, define como situação irregular o "menor": (1) privado de condições essenciais à sua subsistência e saúde, seja por omissão ou por impossibilidade dos pais de provê-las; (2) vítima de maus-tratos impostos pelos pais ou responsáveis; e (3) em perigo moral, seja por encontrar-se em ambiente contrário aos bons costumes, ou por praticar infração penal (Artigo 2º, Código de Menores de 1979). Tal doutrina entrou em desuso no final dos anos 1980, passsando a vigorar a doutrina da "proteção integral". no trato de crianças e adolescentes (Silva; Gueresi, 2003), foi criado, em 1927, o Código de Menores, institucionalizando a expressão "menor", que já era de uso corrente desde o final do século XIX. Era considerada "menor" toda criança ou adolescente abandonada material ou moralmente, em consequência da negligência dos pais ou responsáveis. O Código de 1927 estabelecia que os menores

[...] deveriam ser recolhidos em abrigos apropriados, aguardar a realização de minuciosa investigação sobre as causas do abandono, para, em seguida, serem encaminhados às instituições "disciplinares", as quais seriam responsáveis pela formação moral, política e profissional de crianças e adolescentes (Frontana, 1999, p. 53-54).

Um novo Código de Menores foi criado em 1979, através da aprovação da Lei nº 6.697/79, tendo por principal diferença, em relação àquele do ano de 1927, a promoção da adoção das crianças e adolescentes em situação irregular, mais especificamente, carentes ou em abandono (Marcílio, 2000).

Durante o processo de redemocratização do país e com a promulgação da Constituição Federal de 1988, deixa-se de utilizar a expressão "menor" para garantir à "criança" e ao "adolescente" em conflito ou não com a lei, o status de sujeitos de direito. O Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) marca, no Brasil, a substituição da doutrina da situação irregular, no trato de crianças e adolescentes, para uma nova doutrina, a da proteção integral. No texto do Estatuto, são estipulados avanços que, segundo Mendez (1994, apud Silva; Gueresi, 2003, p.10), são fundamentais para a efetiva aplicação das medidas socioeducativas ali preconizadas. Para o autor, os principais avanços seriam: (1) a municipalização das políticas de atendimento direto; (2) a eliminação da reclusão do indivíduo por motivo de desamparo (antiga "situação irregular"); (3) a participação paritária e deliberativa do governo e da sociedade civil, através dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente; e (4) a hierarquização da função judicial através da criação dos Conselhos Tutelares, órgãos permanentes e autônomos que funcionam como ferramenta da sociedade civil para salvaguardar os direitos da criança e do adolescente.

A aplicação das medidas socioeducativas estipuladas no ECA varia de acordo com o caso apresentado ao juiz, considerando-se o tipo de delito praticado e o histórico do adolescente infrator. São previstas seis medidas no capítulo IV, artigo 112, do ECA, e o juiz decide qual delas o adolescente deverá cumprir, variando entre uma advertência até medidas de privação de liberdade, como a internação.

Devido à adoção dos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (Artigo 121, ECA), a medida de privação de liberdade só deve ser aplicada em último caso, sendo preferível, sempre que possível, a adoção de medidas que permitam a liberdade do adolescente. Outra medida que comporta, além da internação, a realização de atividades externas, é o regime de semiliberdade, considerado como uma transição entre a internação e a medida de meio aberto (Artigo 120, ECA). A terceira medida que pode ser aplicada é a de meio aberto, incluindo os programas "Prestação de Serviço à Comunidade" e "Liberdade Assistida". A medida de meio aberto é considerada adequada para os casos em que seja necessário "acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente" (Artigo 118, ECA), favorecendo, em grande medida, sua ressocialização na comunidade e em instituições.

Após a discussão de teorias sobre o controle social, bem como uma breve apresentação do histórico das políticas de tratamento do adolescente em conflito com a lei no Brasil, são expostos, a seguir, os dados e a metodologia empregada na sua análise, tendo em vista o alcance dos objetivos propostos neste artigo.

DADOS E METODOLOGIA

O objetivo deste trabalho consiste em avaliar os fatores (características sociodemográficas, de controle social e tipo de infração cometida) que diferenciam socioeducandos que cumprem medida em meio aberto em Minas Gerais. A análise recairá sobre dois grupos de jovens infratores: (1) socioeducandos que foram responsabilizados diretamente através de medida em meio aberto, e (2) socioeducandos que estão em meio aberto em regime de progressão de medida, sendo esse último uma espécie de grupo de tratamento.

As hipóteses centrais que guiam este trabalho e serão nele testadas podem se delinear da seguinte forma:

Hipótese 1–As infrações pelas quais os socioeducandos que estão em progressão de medida foram responsabilizados são caracterizadas como de maior potencial ofensivo que aquelas cometidas por socioeducandos que não cumpriram algum tipo de medida de internação.

Hipótese 2 –Socioeducandos que cumprem medida em meio aberto e que estão em progressão de medida socioeducativa estiveram submetidos, de forma menos intensiva, a fatores que operam os conceitos da teoria do controle social, como afeição, comprometimento, envolvimento e crença.

A fim de testar essas hipóteses, serão utilizados os dados produzidos durante a pesquisa "Mapeamento Estadual da Qualidade e Efetividade das Medidas Socioeducativas em Meio Aberto em Minas Gerais", coordenada pelo Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP/ UFMG), no ano de 2008 e início de 2009, em dezenove municípios do estado.9 9 Essa pesquisa foi realizada em parceria com a Superintendência de Avaliação e Qualidade do Sistema de Defesa Social (SASDS), que tinha como objetivo adequar os programas que aplicam as medidas socioeducativas em meio aberto em Minas Gerais às normativas preconizadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pelo Sistema Nacional de Atendimento Sócio-educativo (SINASE ). Foi financiada com recursos da SASDS e da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). Nessa pesquisa, foram coletados dados primários qualitativos através de entrevistas com os adolescentes e com as equipes técnicas dos programas de meio aberto. Também foram produzidos dados quantitativos, coletados com base na metodologia de surveys, com questionários autoaplicados.

Os questionários foram enviados a trinta e dois municípios de Minas Gerais, selecionados por cumprirem os critérios da pesquisa, quais sejam: a aplicação do sistema socioeducativo em meio aberto, abrigando os dois programas (Liberdade Assistida e Prestação de Serviço à Comunidade), bem como a autorização de aplicação do survey e acesso aos adolescentes. Questionários de dezenove municípios foram devidamente preenchidos e reenviados ao Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP) para análise. O número de respondentes foi suficiente para a pesquisa (405), considerando-se um total estimado de 1.377 adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto. Ressalta-se que os dados quantitativos utilizados para análise neste artigo não foram coletados através de uma seleção aleatória, o que pode resultar em viés de autosseleção. Não se tratando de uma amostra probabilística, não se podem fazer inferências para o conjunto dos socioeducandos em meio aberto de Minas Gerais. Apesar dessa limitação, a análise quantitativa através da estimação de modelos de regressão logística não se invalida.10 10 Sobre a utilização de amostras não probabilísticas em estudos quantitativos, ver artigo de Castro, Anastasia e Nunes (2009). Tampouco seria adequado limitar as análises dos resultados às significâncias estatísticas dos coeficientes estimados (Schrodt, 2010). Desse modo, os resultados devem ser analisados de modo a verificar se as questões teóricas abordadas são reforçadas pelos dados aqui utilizados.

De posse dos 405 casos a serem analisados, foram selecionados, para este artigo, apenas aqueles que continham informações acerca de todas as variáveis a serem utilizadas. A amostra final é composta por 243 casos. A análise dos dados foi realizada através de métodos de estatística descritiva e inferencial.

Para avaliar o efeito de fatores relativos à teoria do controle sobre o fato de o socioeducando estar em regime de progressão de medida, serão estimados modelos progressivos de regressão logística binomial. Tal método é adequado a situações em que se busca conhecer a influência de determinadas variáveis sobre outra binária, ou seja, sobre uma variável que apresente dois possíveis resultados, podendo adotar valores iguais a zero ou um. Em um modelo de resposta binária, é possível, então, conhecer os efeitos de uma série de variáveis explicativas sobre a probabilidade de resposta (Wooldridge, 2008, p. 520).

Considerando os pressupostos do método de regressão logística binomial escolhido para a abordagem do problema de pesquisa, a variável dependente utilizada é do tipo binária. Tal variável indica se o socioeducando já cumpriu (valor igual a 1), ou não (valor igual a 0), algum tipo de medida de internação no passado. Uma série de variáveis independentes, ou explicativas, foi incluída nos modelos de forma progressiva.

Inicialmente, foi estimado um modelo com variáveis relativas ao tipo de programa em meio aberto ao qual o socioeducando é vinculado (Liberdade Assistida, Prestação de Serviço à Comunidade, ou ambos), o tipo de infração pela qual foi responsabilizado, e variáveis socioeconômicas (sexo, raça ou cor e idade). Espera-se que os jovens que cometeram infrações mais graves apresentem maiores chances de estar em progressão de medida. Quanto às características sociodemográficas, espera-se que jovens do sexo masculino, mais velhos e que se autodeclaram de raça ou cor negra tenham maiores chances de estar em regime de progressão de medida socioeducativa. A partir desse primeiro modelo, também será possível observar o comportamento dos coeficientes estimados nos modelos seguintes, quando são incluídos fatores que operacionalizam os elementos de controle social.

Em seguida, foram estimados mais quatro modelos de forma progressiva, cada um incluindo variáveis que buscam operacionalizar os quatro elementos da teoria do controle social, de Hirschi. O elemento "afeição" foi tratado através da inclusão de variáveis que captam o quanto o indivíduo se importa com os desejos e expectativas de outras pessoas. Assim, as variáveis incluídas questionam (1) o bom relacionamento com a mãe e com o pai, ou responsáveis de ambos os sexos, e (2) com que frequência o socioeducando ouve elogios da família e dos amigos. A hipótese para essas variáveis é de que aqueles que declaram ter laços mais fortes com familiares e amigos tenham menores chances de estar em progressão de medida socioeducativa.

O elemento relativo ao "comprometimento", que indica o quanto o indivíduo investe em atividades que levariam a um futuro em conformidade com as normas sociais, foi operacionalizado por meio do questionamento sobre (1) se o indivíduo estuda, (2) sua expectativa de escolaridade, e (3) se tem um trabalho remunerado. A hipótese é de que os jovens que trabalham, estudam e têm expectativas de continuar estudando têm menores chances de estar em progressão de medida, já que teriam características mais expressivas do elemento "comprometimento".

A operacionalização do elemento "envol-vimento" foi realizada por meio de variáveis que indicam a frequência do indivíduo em cursos, estágios e outras atividades do próprio programa de meio aberto no qual está inserido. Esse elemento busca avaliar o grau de inserção do indivíduo em atividades que ocupariam seu tempo, em detrimento de envolvimento em atividades delinquentes. A hipótese para essas variáveis é de que aqueles indivíduos que apresentam maior frequência nas atividades do programa têm menores chances de estar em progressão de medida socioeducativa.

Por fim, no quinto e último modelo estimado, o elemento "valores" ou "crença" foi opera-cionalizado por meio das perguntas sobre (1) se o indivíduo declara ter alguma religião e (2) sobre sua crença de que o programa socioeducativo possa ajuda-lo a ter uma vida melhor no futuro. Esse elemento da teoria do controle de Hirschi busca avaliar em que medida o indivíduo acredita em valores, instituições e regras sociais. Assim, espera-se que aqueles que declaram ter uma religião e que acreditam no potencial positivo do programa sobre sua vida apresentem menores chances de estar em regime de progressão de medida socioeducativa. Nos Quadros 1a e 1b estão caracterizadas as variáveis utilizadas nas análises.



A partir da seleção da amostra e com base nas variáveis selecionadas, a análise estatística inferencial foi realizada com base na seguinte equação: Pr(Y=1|B) = P log[P/(1–P)] = β0 + (β1G2 2G3)+ β3 (tipo de infração cometida) + β4 (sexo) + β5(cor) + β6(idade) + β7(bom relacionamento com a mãe) + β8(bom relacionamento com o pai) + (β9F2 + β10F3)+ (β11A2 + β12A3) + β13(estuda) + β14 (expectativa de escolaridade) + β15(trabalha) + (β16C2 + β17C3) + β18(religião) + β19 (crença no programa) + θt + εi , em que G = Tipo de programa que participa; F= Frequência com que recebe elogios da família; A= Frequência com que recebe elogios dos amigos; e C= Frequência nos cursos, estágios e outras atividades do programa.

RESULTADOS

A análise descritiva dos dados por meio de frequências e percentuais dos indivíduos da amostra, bem como os percentuais relativos àqueles que já cumpriram medida de internação, são úteis para a compreensão da distribuição desses indivíduos pelas variáveis incluídas neste estudo. Na Tabela 1, é apresentada a distribuição de frequências e percentuais dos indivíduos por categorias das variáveis de controle relativas ao programa ao qual é vinculado, ao tipo de infração cometida e às características sociodemográficas.

A amostra é composta por 243 adolescentes socioeducandos, sendo que a maior parte deles é do sexo masculino (87,6%) e declara ser de cor ou raça negra (68,7%). A idade varia entre 12 e 21 anos de idade, sendo a média igual a 16,3 anos de idade. Dentre os socioeducandos da amostra, 27,9% estavam em progressão de medida, ou seja, já cumpriram algum tipo de medida de internação. Quanto ao tipo de programa ao qual estavam vinculados, 60,1% participavam do Liberdade Assistida (LA), 25,9% do Prestação de Serviço à Comunidade (PSC), e 14% estavam vinculados a ambos os programas (LA e PSC).

O tipo mais frequente de infração pela qual o adolescente alegou ter sido responsabilizado foi o furto (26,3% dos adolescentes), seguido do porte de drogas (20,6%). Em terceiro lugar, o uso de drogas representou 17,3% dos socioeducandos, e o roubo à mão armada, 11,5% deles. A infração de lesão corporal foi praticada por 9,9% dos adolescentes, e o porte de armas e o roubo foram ambos alegados, cada um, por 8,6% dos indivíduos. Por fim, o homicídio e a tentativa de homicídio foram praticados por 4,1% da amostra (1,2% e 2,9%, respectivamente).

A Tabela 2 apresenta a distribuição de frequências e percentuais dos indivíduos por variáveis independentes que buscam operacionalizar os elementos da teoria do controle social, de Hirschi (1969). No âmbito do elemento "afeição", a maior parte dos indivíduos declara ter um bom relacionamento com a mãe ou responsável do sexo feminino (91,4%). Em relação aos pais, ou responsável do sexo masculino, esse percentual é menor (66,7%). Quando questionados sobre a frequência com que ouvem elogios por parte dos familiares, 25,9% dizem que sempre ouvem, 62,1% dizem receber elogios às vezes, e 11,9% alegam nunca serem elogiados. Os percentuais são semelhantes quando se trata dos elogios recebidos por parte dos amigos, sendo que 20,2% disseram que sempre recebem elogios, 67,1% disseram que às vezes recebem elogios, e 12,8% disseram que nunca foram elogiados pelos amigos.

Quanto ao elemento "comprometimento", 46,9% dos socioeducandos estudam, e 78,2% esperam continuar estudando ou esperam voltar a estudar. Os que têm um trabalho remunerado representam 44,4% da amostra. Quanto à frequência em atividades oferecidas pelos programas socioeducativos em meio aberto, 54,3% dos indivíduos alegam frequentar sempre tais atividades, 25,9% dizem que frequentam às vezes, e 19,7% nunca frequentam. As variáveis que operacionalizam o elemento "valores" ou "crenças" indicam que 76,5% dos indivíduos têm alguma religião, e que 93% acreditam que o programa ao qual está vinculado pode ser importante para seu futuro.

Os percentuais de socioeducandos que já cumpriram algum tipo de medida de internação, por categoria das variáveis de interesse, são apresentados na Tabela 3. Dentre os adolescentes que estavam vinculados ao programa Liberdade Assistida, 32,9% estavam em progressão de medida, ou seja, já cumpriram algum tipo de medida de internação. Para os que estão vinculados ao programa Prestação de Serviços à Comunidade, esse percentual é de apenas 12,7%. Para aqueles que cumprem os dois programas, o percentual é mais alto (35,3%).

Quanto ao tipo de infração cometida, as que apresentam maior percentual de indivíduos que estavam em progressão de medida foram: roubo à mão armada (46,4%); porte de drogas (44%); e roubo (42,9%). O porte de armas e o homicídio aparecem em quarto lugar, com 33,3% dos indivíduos em progressão de medida, em cada. Em seguida, a tentativa de homicídio apresenta um percentual de 28,6% de indivíduos que já cumpriram internação. Dentre os que cometeram furto, esse percentual é de 25%, e, para o uso de drogas, 23,8%. O menor percentual de socioeducandos que já cumpriu medida de internação estava entre aqueles que foram responsabilizados por lesão corporal (4,2%). Esta análise descritiva dos dados fornece, de antemão, indícios de confirmação da hipótese de que os indivíduos que cometem infrações mais graves apresentam maiores chances de estar em progressão de medida.

Quanto às variáveis sociodemográficas, os coeficientes também se comportaram de modo a dar indícios de confirmação das hipóteses estabelecidas. Dentre os adolescentes do sexo masculino, 29,1% já cumpriram medida de internação, enquanto que, entre as mulheres, esse percentual é de 20,0%. Quando analisada a cor ou raça declarada por aqueles que se consideram pretos ou pardos (negros), 29,9% estavam em progressão de medida. Para os brancos, esse percentual foi de 23,7%.

Quanto às variáveis relativas ao elemento "afeição", percebe-se que, enquanto a qualidade do relacionamento com o pai não apresentava percentuais muito diferentes entre os que já cumpriram ou não medida de internação, o relacionamento com a mãe mostrou-se relevante. Dentre os que alegavam ter um bom relacionamento com a mãe, 29,7% estavam em progressão de medida, enquanto que, dentre os que tinham um relacionamento ruim com a mãe, apenas 9,5% já cumpriram medida de internação. Tal resultado não fornece indícios de confirmação da hipótese estabelecida. A análise da frequência com que o indivíduo ouve elogios da família não apresentou percentuais muito diferentes de indivíduos que já cumpriram medida de internação. No entanto, observa-se que há um percentual levemente maior de indivíduos em progressão de medida dentre aqueles que nunca ou que às vezes recebem elogios da família, indicando possibilidade de confirmação da hipótese. Quanto à frequência com que os adolescentes ouvem elogios dos amigos, aqueles que alegam nunca os terem recebido apresentam um percentual um pouco maior do que aqueles que sempre recebem elogios, também apontando para uma confirmação da hipótese. Nesse caso, o menor percentual está entre os que às vezes recebem elogios.

Em relação ao elemento "comprometimento", a variável que questiona se o jovem estuda ou não, indica que, dentre aqueles que não estudam, há um maior percentual de indivíduos que já cumpriu medida de internação (31,8%, em oposição a 23,7%), indicando uma confirmação da hipótese estabelecida. O contrário se dá quanto à expectativa de continuar estudando, quando o percentual de indivíduos em progressão de medida é maior entre os que demonstram pretender continuar a estudar (28,9%, contra 24,5%). Do mesmo modo, o percentual de adolescentes em progressão de medida é maior dentre os indivíduos que trabalham (29,6%, contra 26,7%, dentre os que não trabalham).

As variáveis de "envolvimento" indicam que quanto mais o indivíduo frequenta as atividades oferecidas pelos programas, maior é o percentual daqueles que estão em progressão de medida. Enquanto 31% dos que sempre frequentam as atividades já cumpriram medida de internação, dentre os que nunca frequentam, esse percentual é de 22,9%. Esse resultado aponta para uma possível não confirmação da hipótese, já que se observa um maior percentual de adolescentes em progressão de medida dentre aqueles que frequentam mais as atividades.

Por fim, no âmbito do elemento "valores" ou "crença", o fato de o indivíduo declarar ter ou não uma religião não impactou de forma significativa o fato de estar ou não em progressão de medida. Quanto à crença de que o programa ao qual está vinculado trará benefícios à sua vida, observa-se uma possibilidade de confirmação da hipótese, já que há um maior percentual de indivíduos em progressão de medida dentre aqueles que não acreditam nesse potencial do programa em meio aberto.

Após a análise das estatísticas descritivas, foram estimados, de forma progressiva, modelos de regressão logística para verificar de que modo determinados fatores, mantendo-se constantes outras variáveis, influenciam o fato de o socioeducando estar em progressão de medida, ou seja, de já ter cumprido, no passado, algum tipo de medida de internação. Utilizando o pacote estatístico SATA, foram estimados cinco modelos, sendo que, a cada novo modelo, foi acrescido um grupo diferente de variáveis. Além disso, foi verificado que não há problema de multicolinearidade entre as variáveis incluídas nos modelos estimados (analisando as medidas de "tolerância" e "VIF" através do comando "collin" no pacote estatístico Stata), que eles apresentam um bom ajuste (teste de significância "goodness-of-fit" através do comando "lfit") e que o uso do método de regressão logística é adequado (teste "linktest", que testa a especificação do modelo). Os resultados dos modelos estimados estão expostos nas Tabelas 4a e 4b, que apresentam as razões de chance, o intervalo dessas razões de chance, e as significâncias estatísticas dos coeficientes.

O primeiro modelo inclui variáveis que indicam o programa ao qual o socioeducando está vinculado, o tipo de infração pela qual foi responsabilizado, e características como sexo, idade e raça ou cor. Em seguida são estimados modelos que incluem, de forma sequencial, grupos de variáveis relativas a cada elemento da teoria do controle social, a saber, "afeição" (Modelo 2), "comprometimento" (Modelo 3), "envolvimento" (Modelo 4) e "valores" (Modelo 5).

A análise do primeiro modelo estimado indica que os socioeducandos que participam do programa Liberdade Assistida (LA) possuem maiores chances de estar em progressão de medida, quando comparados aos adolescentes que participam do programa Prestação de Serviço à Comunidade (PSC). Aqueles que participam somente do LA possuem uma chance 235% maior de terem cumprido medida de internação do que aqueles do PSC.

Quanto ao tipo de infração cometida, as maiores chances de estarem em progressão de medida estão entre os adolescentes que praticaram roubo (258%), roubo à mão armada (216%) e porte de drogas (184%). Aqueles responsabilizados por lesão corporal apresentam menores chances de terem cumprido anteriormente alguma medida de internação, apresentando uma chance 94,6% menor de estar em progressão de medida. Observa-se que, em conformidade com a Hipótese 1 definida anteriormente, aqueles que cometem infrações de menor potencial ofensivo, como a lesão corporal, têm menores chances de estar em progressão de medida socioeducativa. Os jovens que foram responsabilizados por infrações mais graves, principalmente roubo, roubo à mão armada e porte de drogas, apresentam maiores chances de já terem cumprido alguma medida de internação. As demais variáveis incluídas no modelo não apresentaram significância estatística para explicar o fato de o socioeducando estar ou não em progressão de medida.

No segundo modelo estimado, quando foram incluídas variáveis relativas ao elemento "afeição", a magnitude e a significância estatística dos fatores relativos ao tipo de programa e tipo de infração cometida pelo adolescente se mantiveram semelhantes ao padrão observado no primeiro modelo. Quanto às variáveis de "afeição" incluídas, apenas o bom relacionamento com a mãe e o fato de receberem, às vezes, elogio dos amigos apresentaram significância estatística. Aqueles adolescentes que declaram ter um "bom relacionamento com a mãe" têm chances 397% maiores de estar em progressão de medida, quando comparados àqueles que não têm um bom relacionamento com a mãe. Os adolescentes que, às vezes, recebem elogio dos amigos têm uma chance 64,5% menor de já ter cumprido medida de internação, quando comparados àqueles que nunca recebem elogio dos amigos.

O terceiro e quarto modelos estimados incluem variáveis que operacionalizam, respectivamente, os conceitos de "comprometimento" e "envolvimento". Em ambos, os coeficientes das variáveis relativas ao programa, à infração cometida, e ao elemento "afeição" comportaram-se de maneira semelhante aos modelos anteriormente estimados. No entanto, as variáveis relativas aos conceitos de "comprometimento" e "envolvimento" não possuem razões de chance estatisticamente significativas.

Por fim, o último modelo, mais completo, inclui as variáveis referentes ao elemento "crença" ou "valores". Os coeficientes estimados indicam que o indivíduo que acredita que o programa pode ser importante para seu futuro tem uma chance 68,9% menor de estar em progressão de medida, em comparação com aqueles que não acreditam em tal potencial do programa. Esse resultado confirma a hipótese de que aqueles que apresentam características mais fortes do elemento "valores" ou "crença" têm menores chances de estar em progressão de medida socioeducativa.

Observa-se que, portanto, os fatores mais relevantes para explicar o fato de o adolescente estar em progressão de medida incluem: estar vinculado apenas ao programa Liberdade Assistida; ter sido responsabilizado pela prática de roubo, roubo à mão armada, porte de drogas ou lesão corporal; ter um bom relacionamento com a mãe; não receber elogio dos amigos; e não acreditar que a medida à qual está vinculado para o cumprimento de sua pena trará benefícios à sua vida.

DISCUSSÃO

O artigo buscou analisar de que modo fatores relacionados à teoria do controle social de Hirschi (1969), controlados por fatores de características pessoais e de tipo de infração praticada, podem explicar a responsabilização de adolescentes em conflito com a lei através de medidas de internação ou apenas em meio aberto, no estado de Minas Gerais, Brasil. Os dados utilizados para a análise não foram produzidos com a finalidade de operacionalizar os conceitos teóricos de Hirschi (1969). Portanto, o que aqui se buscou foi contribuir para uma reflexão mais profunda sobre o contexto de responsabilização de adolescentes em conflito com a lei, testando as hipóteses definidas e cumprindo o objetivo proposto.

A descrição dos resultados obtidos através dos modelos de regressão logística estimados concentrou-se nas razões de chance que apresentam significância estatística. Contudo todos os coeficientes expostos nas Tabelas 4a e 4b devem também ser considerados em termos de sua relevância sociológica.

A Hipótese 1 estabelecida neste trabalho, que admite o caráter mais grave das infrações cometidas por adolescentes que estão em progressão de medida, ou seja, que já cumpriram alguma medida de internação, foi confirmada. Aqueles que foram responsabilizados pelas infrações de roubo, roubo à mão armada e posse de drogas são os que apresentaram maiores chances de estar em progressão de medida. Já os socioeducandos que foram responsabilizados por lesão corporal e uso de drogas têm menores chances de já ter cumprido medida de internação, diminuindo as chances de o indivíduo estar em progressão de medida, respectivamente, em 94,6% e em 22%. Todas as razões de chance dessas infrações citadas foram estatisticamente significativas, com exceção de "uso de drogas". Os coeficientes estimados para aqueles que praticaram tentativa de homicídio, homicídio, furto e porte de armas também não são estatisticamente significativos. No entanto, os resultados indicam que há maiores chances de adolescentes que praticaram tais infrações estarem em progressão de medida, o que também corrobora a Hipótese 1.

Quanto à Hipótese 2, que trata da maior expressão de elementos de controle social naqueles indivíduos que apenas cumpriram medida em meio aberto, a análise dos dados corroborou, em parte, tal hipótese. Inicialmente, as variáveis relativas ao elemento "afeição" comportaram-se de acordo com a hipótese, com exceção daquela que diz sobre o bom relacionamento com a mãe. Tal variável, cuja razão de chance foi estatisticamente significativa em todos os modelos, indica que os adolescentes que têm um bom relacionamento com sua mãe têm maiores chances de estar em progressão de medida, resultado que deve ser investigado de forma mais cuidadosa em estudos posteriores. Uma hipótese que se pode levantar de antemão refere-se à possibilidade de que o adolescente infrator que progride na medida socioeducativa, ou seja, que passa para outra de menor rigor, já apresente laços mais fortes com sua mãe, em comparação àqueles que apenas cumprem a medida de internação, sem passar pela progressão de medida. Para medir tal resultado, seria importante um estudo cuja amostra inclua indivíduos tanto em cumprimento de medida de internação quanto em meio aberto, de modo a avaliar, de fato, a diferença em termos de "afeição" entre esses dois grupos. Quanto a esse resultado, pode-se também considerar que a ausência da figura paterna pode vir acompanhada de uma maior propensão de o adolescente satisfazer necessidades materiais maternas, merecendo essa hipótese ser explorada em estudos posteriores.

Ainda dentro do elemento "afeição", aqueles que sempre recebem elogios da família têm chances 51% menores de estar em progressão de medida, em comparação com aqueles que nunca recebem elogios da família. Esse padrão se repete para aqueles que, às vezes, recebem elogio da família, em comparação com os que nunca recebem tais elogios. Em relação aos adolescentes que alegam sempre receber elogios dos amigos, eles apresentam 30% a menos de chance de estar em progressão de medida em comparação com os que nunca recebem elogios. Apesar de esses coeficientes não serem estatisticamente significativos, demonstram-se relevantes e corroboram a hipótese deste trabalho. Já os adolescentes que alegam que, às vezes, recebem elogios dos amigos, apresentam uma chance 64% menor de ter cumprido internação, em comparação com os que nunca recebem elogios (dessa vez, observam-se razões de chance estatisticamente significativas em todos os modelos estimados).

Dentro do elemento "comprometimento", os coeficientes das variáveis que indicam se o socioeducando estuda e se trabalha corroboraram a hipótese, apesar do menor impacto do coeficiente dessa última (o adolescente que estuda tem uma chance 34,8% menor de estar em progressão de medida, e o que trabalha, uma chance 7,4% menor). Já quanto à expectativa de escolaridade, os coeficientes indicam que, apesar da pequena diferença, aqueles que esperam continuar estudando têm uma chance 9,2% maior de estar em progressão de medida. No entanto, nenhum desses coeficientes é estatisticamente significativo.

Os coeficientes das variáveis que buscam representar o elemento "envolvimento", além de não apresentarem significância estatística, não confirmam a hipótese. Adolescentes que alegam nunca frequentar as atividades do programa têm chances 22,8% menores de estar em progressão de medida. De forma semelhante, aqueles que, às vezes, participam das atividades do programa têm chances 26,6% menores de estar em progressão de medida. Observa-se que os adolescentes que sempre participam das atividades dos programas socioeducativos têm maiores chances de estar em progressão de medida. Esse resultado, no entanto, precisa ser investigado melhor, dado que as atividades referidas pela variável são oferecidas pela própria instituição, ou seja, pode haver um viés advindo do controle social institucional exercido pelo programa. Uma hipótese que se levanta para trabalhos futuros refere-se à possibilidade de que o indivíduo que quer progredir na medida socioeducativa, ou seja, passar do meio fechado para o aberto, precise se envolver em atividades oferecidas pelo programa. Desse modo, tendo já progredido para o meio aberto, continua participando das atividades, com a finalidade de não mais regredir para o meio fechado e poder finalizar o cumprimento da medida socioeducativa que lhe foi imposta.

Quanto ao elemento "valores", a variável utilizada, que trata da crença do indivíduo de que o programa trará benefícios a seu futuro, confirmou a hipótese e é estatisticamente significativa. Assim, aqueles que acreditam que o programa possa trazer benefícios para sua vida têm uma chance 68,9% menor de estar em progressão de medida, em comparação com aqueles que não acreditam em tal potencial do programa. Esse coeficiente confirma a hipótese de que aqueles que apresentam características mais fortes do elemento "valores" ou "crença" têm menores chances de estar em progressão de medida socioeducativa. No entanto, ressalta-se que esse resultado também pode estar relacionado ao fato de a variável se referir a uma crença no próprio programa que o adolescente cumpre. De fato, a variável utilizada trata de uma crença em instituições, como indica a teoria. Entretanto, trata-se também da própria instituição por meio da qual o indivíduo está sendo responsabilizado. Assim, o elemento "crença" poderia não ser, nesse caso, um fator que leva a uma menor chance de que o indivíduo incorra em infrações que levem a uma responsabilização por medida de internação, mas sim um resultado do fato de ter passado, ou não, por um ou outro programa (passar por internação ou somente pelos programas em meio aberto).

Os resultados estão em sintonia parcial com a teoria de Hirschi. Os jovens que estavam em regime de progressão de medida estavam submetidos, de forma menos intensa, a fatores de controle social, principalmente a "afeição", o "comprometimento" e "valores/ crença". Contudo, acreditamos, como Agnew (1985), que resultados mais consistentes podem ser obtidos por meio da realização de um estudo com dados longitudinais, produzidos em momentos diferentes, de modo a captar, de fato, possíveis relações causais entre características dos elementos de controle social, em um primeiro momento, e a forma de responsabilização a que o adolescente em conflito com a lei foi submetido.

Cabe, ainda, ressaltar uma limitação deste trabalho, relativa ao fato de a amostra de socioeducandos não ter sido composta de forma probabilística. Então, os resultados estão sujeitos a um viés de autosseleção, uma vez que apenas foram utilizados para análise os questionários devidamente respondidos e devolvidos pelas instituições de cumprimento de medida socioeducativa. Desse modo, não se pretendeu fazer inferências para o conjunto total de socioeducandos em Minas Gerais no ano de 2009, mas sim verificar em que medida os dados disponíveis contribuem para problematizar esse contexto a partir de proposições teóricas anteriormente analisadas. Outros estudos apontam para a possibilidade de se trabalhar com amostras não aleatórias e para a potencialidade de análises que não se pautem somente no objetivo de fazer inferências para o total de uma dada população (Castro; Anastasia; Nunes, 2009; Schrodt, 2010).

Além disso, os resultados devem ser ponderados pela possibilidade de que alguns indivíduos façam parte de comunidades ou grupos onde os valores transmitidos, no âmbito familiar ou comunitário, são opostos àqueles disseminados em esferas convencionais da sociedade. Para Zilli (2004), a violência advinda das práticas do tráfico de drogas, por exemplo, tornou-se parte constitutiva do arcabouço simbólico e cultural dos moradores de algumas comunidades. As chamadas subculturas da violência envolvem comportamentos violentos que são apreendidos em um processo de identificação e associação. Assim, o recurso ao uso da violência por determinado indivíduo irá variar de acordo com o quanto ele absorveu os valores culturais associados à violência (Wolfgang; Ferracuti apud Zilli, 2004). Se tal componente subcultural estiver presente para alguns casos analisados neste trabalho, o elemento de "afeição" aos familiares ou aos pares, por exemplo, pode ser um fator de estímulo à prática de atividades ilegais e desviantes, já que o indivíduo buscará satisfazer as expectativas de pais ou amigos cujas atividades mais valorizadas podem fugir aos padrões convencionais da sociedade ou se relacionarem à prática de crimes.

Recebido para publicação em 05 de janeiro de 2012

Aceito em 04 de julho de 2013

Aline Nogueira Menezes Mourão – Mestranda em Criminologia na Universidade de Ottawa. Integrou o Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública CRISP/UFMG (2009 a 2012), participando de pesquisas nas áreas de prevenção à violência e criminalidade. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Sociologia do Crime, atuando principalmente nos seguintes temas: criminalidade, segurança, políticas públicas, controle social. Publicações recentes: The impact of payment source and Hospital Type on Rising Cesarean Section Rates in Brazil, 1998 to 2008. In: Birth: Issues on Perinatal Care; Seguro-desemprego e formalidade no mercado de trabalho brasileiro. In: REBEP – Revista Brasileira de Estudos de População.

Andréa Maria Silveira – Doutora em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Minas Gerais Professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Universidade Federal de Minas Gerais. Integra o Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública CRISP/UFMG, desenvolvendo pesquisas na área de prevenção a violência e criminalidade. Suas mais recentes publicações, são: Effectiveness and Evaluation of Crime Prevention Programs in Minas Gerais. Stability: International Journal of Security and Development, v. 1, p. 1-18, 2014; Mapa das Mortes Violentas: uma perspectiva comparada na América Latina. Ciência Hoje, v. 51, p. 30-33, 2013.

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  • 1
    Observa-se que o ECA estipula, em parágrafo único, que "Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade" (Título 1, Parágrafo único, ECA).
  • 2
    Em seu estudo, Reiss (1951) utilizou dados da corte oficial juvenil relativos a 1.110 jovens brancos delinquentes entre os 11 e 17 anos de idade. Esses indivíduos foram colocados em
    probation (liberdade assistida) entre março de 1943 e outubro de 1944.
  • 3
    Tradução de responsabilidade do autor. Do original, "commitment to conformity" (Briar; Piliavin, 1965, p. 39).
  • 4
    Os dados analisados e expostos na obra "Causes of Delinquency", de Travis Hirschi (1969), são provenientes de três fontes, que são os registros escolares, um survey "autoaplicado" aos alunos e registros policiais (Hirschi, 2009, p. 39).
  • 5
    "Linha de ação" é a tradução própria do autor acerca do termo "lines of action", utilizado por Travis Hirschi. Também é utilizado o termo "lines of activity", sendo que ambos indicam que o indivíduo pode se comprometer, em diferentes níveis, a determinado estilo de vida, ou seja, em conformidade ou não com as regras convencionais (considerando as possibilidades extremas).
  • 6
    O primeiro momento de aplicação do survey se deu no outono de 1966, nos Estados Unidos, e o segundo, durante a primavera do ano de 1968.
  • 7
    No ano de 1899, em Belém do Pará, um asilo foi transformado na Colônia Artística, Industrial e Agrícola da Providência, com 400 alunos e 15 oficinas. Em 1902, foi criado, em São Paulo, o Instituto Disciplinar de São Paulo. Em 1905, no Rio de Janeiro, foram criadas a Colônia Correcional de Dois Rios, destinada a jovens infratores, e a Escola Quinze de Novembro, de caráter preventivo-correcional, direcionada a crianças de nove a quatorze anos. Em Belo Horizonte, o Instituo João Pinheiro foi instalado em 1909, tendo como molde a escola-prisão francesa ,"Escola de Mettray", criada em 1840 para jovens delinquentes e abandonados (Marcílio, 2000, p. 41-42).
  • 8
    A predominância, na época, da doutrina da situação irregular no Brasil levou à preferência do uso da privação da liberdade daquelas crianças ou adolescentes que fossem considerados incapazes de algum modo, visando à proteção social. A Lei nº 6.697, de 10 de outubro de 1979, define como situação irregular o "menor": (1) privado de condições essenciais à sua subsistência e saúde, seja por omissão ou por impossibilidade dos pais de provê-las; (2) vítima de maus-tratos impostos pelos pais ou responsáveis; e (3) em perigo moral, seja por encontrar-se em ambiente contrário aos bons costumes, ou por praticar infração penal (Artigo 2º, Código de Menores de 1979). Tal doutrina entrou em desuso no final dos anos 1980, passsando a vigorar a doutrina da "proteção integral".
  • 9
    Essa pesquisa foi realizada em parceria com a Superintendência de Avaliação e Qualidade do Sistema de Defesa Social (SASDS), que tinha como objetivo adequar os programas que aplicam as medidas socioeducativas em meio aberto em Minas Gerais às normativas preconizadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pelo Sistema Nacional de Atendimento Sócio-educativo (SINASE ). Foi financiada com recursos da SASDS e da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).
  • 10
    Sobre a utilização de amostras não probabilísticas em estudos quantitativos, ver artigo de Castro, Anastasia e Nunes (2009).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Out 2014
    • Data do Fascículo
      Ago 2014

    Histórico

    • Aceito
      04 Jul 2013
    • Recebido
      05 Jan 2012
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