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O “animal eletrônico”: dilemas do ciberativismo verdeThe ‘electronic animal’: dilemmas of green cyberactivism

L’animal électronique: dilemmes du cyberactivisme vert

Resumos

Combinando as principais contribuições teóricas do Estruturalismo, Fenomenologia e Teoria Crítica, este artigo parte do pressuposto de que a vulgarização do termo “rede” tem contribuído para um entendimento apologético de fenômenos contemporâneos relacionados ao tema da política e da comunicação, incluindo-se a prática do “ciberativismo”. No intuito de retirar a carga ideológica do conceito, o artigo pincela as mudanças nas relações entre indivíduo e esfera pública desde a Grécia antiga, passando pela industrialização, até deter-se na modernidade contemporânea. A partir desta contextualização teórica e histórica, foi possível analisar criticamente a correspondência, presente no senso comum, entre “ciberespaço” e esfera pública, “ciberativista” e sujeito político, bem como apontar a virtualização da natureza e das questões ambientais, perpetrada pelas campanhas de organizações não governamentais. Assim, é apresentado o conceito de “animal eletrônico” como alegoria de uma “antipolítica”, da ausência da dimensão política que caracteriza os homens, os distingue entre si e do r eino natural.

Cultura Política; Comunicação; Esfera Pública; Ambientalismo; Novas Tecnologias; Desterritorialização


By combining the main theoretical contributions of Structuralism, Phenomenology and Critical Theory, this article starts from the premise that the vulgarization of the term “network” has contributed for an apologetic understanding of contemporary phenomena related to the subjects of politics and comunication, including the practice of “cyberactivism”. In order to remove the ideological load of the concept, this article summarizes the changes in the relationship between individual and the public sphere since the ancient Greece, during the Industrial Revolution and in contemporary modernity. From this theoretical and historical context, it was possible to make a critical analysis of the correlation, present in common sense, between “cyberspace” and the public sphere, “cyberactivist” and political subject, as well as to point out the virtualization of nature and environmental issues, perpetrated by NGO campaigns. Thus, we present the concept of “electronic animal” as an allegory for an “antipolitics”, for the absence of the political dimension that characterizes men and distinguishes them from themselves and the natural domain.

Political Culture; Communication; Public Sphere; Environmentalism; New Technologies; Deterritorialization


En faisant la combinaison des principales contributions théoriques du Structuralisme, de la Phénoménologie et de la Théorie Critique, cet article part du principe que la vulgarisation du terme “réseau” a contribué à une compréhension apologétique de phénomènes contemporains liés au thème de la politique et de la communication, y compris la pratique du “cyber-activisme”. En vue de retirer ce poids idéologique du concept, l’article dépeint les changements dans les relations entre individu et sphère publique depuis la Grèce antique, en passant par l’industrialisation, pour en arriver à la modernité contemporaine. Partant de ce contexte théorique et historique, il a été possible de faire une analyse critique du lien qui existe, dans le sens commun, entre “cyberespace“ et sphère publique, “cyberactivité” et sujet politique, ainsi que de signaler la virtualisation de la nature et des questions environnementales perpétrée par les campagnes des organisations non gouvernementales. C’est ainsi que nous présentons le concept “d’animal électronique” comme l’allégorie d’une “anti-politique”, du manque de dimension politique qui caractérise les hommes, les différencie entre eux et du règne naturel.

Mots-clés:
Culture Politique; Communication; Sphère Publique; Environnementalisme; Nouvelles Technologies; Dé-territorialisation


Não transforme o dinheiro num problema porque ele existe para ser solução.

O. Quiroga, “Peixes”, O Estado de São Paulo, 14 de fevereiro de 2013

Parece ser da natureza da relação entre as esferas pública e privada que o estágio final do desaparecimento da esfera pública seja acompanhado pela ameaça de igual liquidação da esfera privada.

H. Arendt (1987ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987. ARISTÓTELES. A política. São Paulo: Martins Fontes, 2006., p. 70).

INTRODUÇÃO

Ainda que seja redescoberto, de tempos em tempos, o termo “rede”, usado para designar e descrever o conjunto das relações sociais, não é novo. Nas ciências humanas, o conceito tem como marco o trabalho de Alfred Radcliffe-Brown (1881-1955) que, já nos anos 1940-1950, abrangia, indistintamente, as “estruturas” e as “relações sociais” em uma abordagem empirista. Nas últimas duas décadas, porém, o modo de apropriação da noção de rede tem se aproximado, em muito, do empirismo de Radcliffe-Brown ao não distinguir, como sugeriram Meyer Fortes (1906-1983) e Lévi-Strauss (1908-2009), o “modelo” da “realidade” (Fortes apud Lévi-Strauss, 1996LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996., p. 344).

A vulgarização contemporânea do conceito de “rede” com referência às conexões entre os “atores sociais” tem dificultado o distanciamento teórico-crítico dos contextos analisados ao pressupor que a mera descrição das relações diáticas possa converter-se em modelos reveladores do arranjo social. Para tanto, contribuíram o advento e a disseminação da Internet, compreendida como rede eletrônica de computadores interligados que, por sua vez, permite a formação de redes de indivíduos. Privilegiou-se, assim, o olhar sobre as dinâmicas sociotécnicas em vez do campo da significação resultante de interações simbólicas em uma dimensão social transcendente.1

As relações sociais, todavia, não são a matéria-prima direta ou única das estruturas propriamente ditas, assim como a sociedade é outra coisa além da somatória dos indivíduos. As estruturas se desvendam no plano epistemológico, ainda que a partir da pesquisa etnográfica ou empírica. Nas palavras de Lévi-Strauss,

O princípio fundamental é que a noção de estrutura social não se refere à realidade empírica, mas aos modelos construídos em conformidade com esta. Assim, aparece a diferença entre duas noções, tão vizinhas que foram confundidas muitas vezes: a de estrutura social e a de relações sociais. As relações sociais são a matéria-prima empregada para a construção dos modelos que tornam manifesta a própria estrutura social. Em nenhum caso esta poderia, pois, ser reduzida ao conjunto das relações sociais, observáveis em uma sociedade dada (Lévi-Strauss, 1996LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996., p. 315-316).

Sem colocar em questão o incontestável primado das infraestruturas, acreditamos que entre práxis e práticas sempre se intercala um mediador, que é o esquema conceitual por obra do qual uma matéria e uma forma, uma e outra desprovidas de existência independente, realizam-se como estruturas, isto é, como seres ao mesmo tempo empíricos e inteligíveis (Lévi-Strauss, 1976LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976., p. 156-157).

A vida social e as relações entre o homem e a natureza, embora não sejam apenas uma projeção, resultam, também, de um jogo conceitual que se desenrola no espírito (Lévi-Strauss, 1976LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976., p. 156-157). Os indivíduos não se comunicam através de informações tomadas como unidades contabilizáveis, transmissíveis e intercambiáveis através de um meio, mas por “estados de espírito” constituídos de representações. Conforme ensina Émile Durkheim (1858-1917). “A partir do momento em que se reconheceu que acima do indivíduo existe a sociedade e que esta não é um ser nominal e de razão, mas um sistema de forças operantes, uma nova maneira de explicar o homem se tornou possível” (Durkheim, 1989DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Edições Paulinas, 1989., p. 526).

Para a Sociologia, o indivíduo não é somente um dos atores em conexão com técnicas, artefatos, elementos orgânicos e inorgânicos que compõem a vasta rede de operações cognitivas que envolve a Terra ou o Universo, mas, sobretudo, a subjetividade sobre a qual se impõe o sistema social. Mais que uma entidade preexistente ou mesmo em processo de formação, o indivíduo é uma construção teórica que pode ser tomada como elemento central da análise desde que se considere a “consciência”, fenomenologicamente, como consciência “de” (alguma coisa). Quando se compreende a consciência (ou o “inconsciente”) desvenda-se, ao mesmo tempo, o sistema de forças sociais que a constitui.

Especialmente ao se analisar questões contemporâneas, ainda muito impregnadas de ideologia, é preciso levar em conta os condicionantes estruturais que corrompem, de modo imprevisível e, muitas vezes, inelutável, as motivações iniciais dos indivíduos. Sabe-se que cada campo simbólico impõe suas regras de funcionamento e define, em última instância, os interesses, objetivos e objetos de disputa entre os agentes (Bourdieu, 1983BOURDIEU, Pierre. Algumas propriedades dos campos. In:Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983., p. 89). Por exemplo, qual o nível de autonomia de um “ciberativista” que opera no “ciberespaço” motivado por campanhas ambientalistas? Quais são os efeitos de suas práticas para o campo ambientalista e para a sociedade mais ampla, incluindo-se o ambiente natural? Ele trabalha, efetivamente, em função de que “projeto histórico-social”?

De acordo com Herbert Marcuse (1898-1979), a dominação tende a perder o seu caráter explorador e opressor para se tornar “racional” sem que, por isso, deixe de ser dominação. A técnica, em si mesma, é “[...] dominação metódica, científica, calculada e calculante (sobre a natureza e sobre o homem) [...]”; ela atende a um projeto histórico -social em que a “racionalidade” tecnológica legitima a ordem cultural (Marcuse apud Habermas, 1968HABERMAS, Jürgen. Técnica e Ciência como ‘ideologia’. In:Técnica e ciência como “ideologia”. Lisboa: Edições 70, 1968., p. 46-47).

Os indivíduos não interagem com tecnologias como a Internet ao modo de “atores” ou sujeitos autônomos, mas se apoiam em sua ordem, raciocínio, memória, programas, bancos de dados, páginas eletrônicas, textos e imagens. Mesmo que os textos divulgados por movimentos ou ONGs ambientalistas através da Internet favoreçam a introspecção e a reflexão crítica em alguma medida, os computadores estão demasiadamente imiscuídos à racionalidade técnica.

O ciberativista verde habita o mundo de imagens dos espaços televisionados e fotografados dos encontros, fóruns e conferências internacionais; das cidades, monumentos, praças, florestas, rios, oceanos, icebergs onde as organizações ambientalistas realizam suas ações diretas reproduzidas eletronicamente. A política, transformada em espetáculo, apaga os limites do “eu”, do “verdadeiro” e do “falso”, do “público” e do “privado”. No lugar do sujeito, surge a “consciência espectadora”, prisioneira de um universo povoado de espectros e interlocutores fictícios nem sempre antropomórficos.

É assim que até mesmo os problemas ambientais são desterritorializados. A “natureza” tem sido essencialmente percebida como imagem veiculada pelas diversas mídias. Se o entorno social sempre correspondeu, em grande parte, à projeção de um mundo produzido coletivamente, o “meio ambiente” é hoje coproduzido pelas tecnologias de reprodução, transformação e geração de imagens. No interior deste universo de símbolos e signos que substituem a natureza, dissolve-se, também, a esfera pública, entendida como lugar onde se reúnem os indivíduos dotados de capacidade de julgamento, discurso e ação, e onde podem ser vistos e ouvidos por outros para a construção de consensos.

A chamada “opinião pública”, portanto, não corresponde à opinião coletivamente formulada no debate público onde “[...] os pares podem influenciar uns aos outros sobre a maneira de ver as coisas através da argumentação racional, chegar a um acordo sobre os princípios-chave e, por consequência, exercer influência legítima sobre os poderes existentes [...]” (Cohen ; Arato, 1999COHEN, Jean; ARATO, Andrew. Esfera pública y sociedad civil. Metapolítica, v. 3, n. 9, 1999, p. 37-55., p. 40). O retraimento para a subjetividade induz à projeção de critérios que só podem ter validade na experiência privada, comprometendo o juízo público, a veracidade e a objetividade dos fatos, e produzindo uma multidão de indivíduos prisioneiros de sua própria singularidade (Telles, 1990TELLES, Vera da Silva. Espaço público e espaço privado na constituição do social: notas sobre o pensamento de Hannah Arendt. Tempo Social, v. 2, n. 1, 1º semestre de 1990.).

Assim, as práticas políticas são esvaziadas de sentido crítico e subversivo. Enviar cartas já escritas “clicando enter” com o mouse, reencaminhar mensagens a um número cada vez maior de “amigos” através de um site a fim de acumular pontos e ganhar brindes, tornar-se “sócio” de uma organização não governamental e adquirir camisetas e bonés com sua marca são práticas que transformam a política em uma gincana onde se joga, em última instância, completamente só, na frente da tela, em comunhão virtual-planetária com a humanidade e com “natureza”.

Começam a se delinear os traços de um novo indivíduo cada vez mais distante do modelo clássico de sujeito humano autônomo, responsável pelas questões coletivas, cujo espaço de ação é a “esfera pública”. Se, no pensamento aristotélico, “o homem é um animal político” porque “é feito para a sociedade civil” (Aristóteles, 2006, p. 53), estaria emergindo, hoje, uma espécie de “animal eletrônico”, afeito à vida privada, que tem como espaço de ação as redes eletrônicas? Seria este um novo animal político?

AS METAMORFOSES DO INDIVÍDUO

Richard Sennett, em Carne e Pedra: o corpo e a cidade na civilização ocidental (1994), traça alguns diferentes contornos do indivíduo humano ao longo da história. A imagem ocidental da “pessoa moderna”, formada a partir dos textos gregos antigos, pode ser descrita como a de jovens guerreiros ou lutadores quase nus, empunhando lanças e protegendo-se, apenas, por peças de metal que lhes cobrem as mãos, ou como homens, nas ruas e lugares públicos, trajando roupas largas que expõem seus corpos livremente.

Entre os antigos gregos, o corpo desnudado era o signo de cidadania e civilidade que permitia distinguir os fortes dos vulneráveis, bem como os “civilizados” dos “bárbaros” que mantinham, por sua vez, o hábito de cobrir a genitália nos jogos públicos. O modo de exibir-se confirmava a dignidade de cidadania do antigo habitante de Atenas que dava, à liberdade de pensamento, a mesma importância atribuída à nudez (Sennett, 2008SENNET, Richard. Carne e pedra: o corpo e a cidade na civilização ocidental. Rio de Janeiro: C. Bestbolso, 2008., p. 30).

A imagem do indivíduo moderno, extraída da literatura europeia de fins do século XIX, é, então, muito diferente. Na poesia de Charles Baudelaire, o que se vê é o cidadão urbano, homem ou mulher, que vive a experiência da pressa e da efemeridade. No século XIX, a velocidade assumiu o descompasso entre as pessoas e as máquinas em virtude das inovações técnicas introduzidas nos meios de comunicação. Se, hoje, a velocidade dos transportes é condição que associamos ao descanso e à inércia, foi apenas aos poucos que a tecnologia transformou o movimento em uma experiência passiva (Sennett, 2008SENNET, Richard. Carne e pedra: o corpo e a cidade na civilização ocidental. Rio de Janeiro: C. Bestbolso, 2008., p. 338).

A imagem do indivíduo contemporâneo, presente na literatura e nas artes, é a de um corpo inerte, que viaja sozinho e silenciosamente, deixando deambular a memória pelas sendas da imaginação. Longe do herói grego e do indivíduo que se apressa para atingir seu objetivo cotidiano, tentando adaptar-se à nova velocidade dos transportes, o tipo que encontramos é aquele que se deixa levar sem resistência. Sob a perspectiva do antigo modelo de indivíduo humano, deparamo-nos com um modo de ser socialmente desefetivado. Conforme ilustra Sennet,

As cabines do vagão ferroviário europeu no século XIX comportavam de seis a oito passageiros, uns de frente para os outros, como nos grandes coches puxados a cavalo. Segundo o historiador Wolfgang Schivelbusch, sem o barulho peculiar das carruagens, essa disposição dos assentos provocou “embaraço nas pessoas, obrigadas a encarar-se em silêncio”. Por outro lado, na maciez confortável do trem, era possível ler. Nos carros lotados, cujos ocupantes liam ou olhavam pela janela, deu-se uma grande mudança social: o silêncio passou a resguardar a privacidade. Mesmo nas ruas, os transeuntes tornaram-se cientes do direito de não sofrer a interpelação de estranhos; a conversa de um desconhecido passou a ser encarada como uma violação. Antes, na Londres de Horgarth ou na Paris de David, ocorria justamente o contrário: em público, as pessoas tinham a expectativa de abordar e serem abordadas (Sennett, 2008SENNET, Richard. Carne e pedra: o corpo e a cidade na civilização ocidental. Rio de Janeiro: C. Bestbolso, 2008., p. 342-343).2

Os vagões norte-americanos sem cabine foram desenvolvidos por volta de 1840. Todas as poltronas eram viradas para um único sentido, cada passageiro podia manter o olhar fixo nas costas do que ia à frente, bem como a solidão e o silêncio por imensas distâncias. Antes do advento do transporte de massa, as pessoas raramente se sentavam juntas e sem conversar por um longo tempo. Esta particularidade do modo americano de se comportar em viagens foi adotada na Europa, influenciando a forma como as pessoas se sentavam, também, em cafés e pubs.

A pintura de Edward Hopper (1882-1967), cuja narrativa se orienta por homens e mulheres solitários em ambientes urbanos, bem expressaria a vasta subjetividade do indivíduo contemporâneo. Compõem suas telas leitores em trens, pensativos nos bares noturnos, trabalhadores descansando em calçadas, secretários em suas mesas, mulheres que olham sem ver a paisagem da janela ou, simplesmente, têm o corpo refreado pelos pensamentos à toa. Hopper não pinta fatos importantes ou personalidades, mas estados de espírito: melancolia, langor, alheamento, distração, contemplação, abatimento, concentração.

Georg Simmel (1858-1918), em seu ensaio sobre “A Metrópole e a Vida Mental” (1903), buscava penetrar o significado íntimo da vida especificamente moderna, a alma do corpo cultural da metrópole, para compreender de que maneira a personalidade individual se acomoda às poderosas forças sociais. Simmel apreende o homem urbano, de inícios do século XX, como aquele que procede por distinções e classificações, cuja mente é estimulada pelas diferenças de percepção geradas pelas impressões momentâneas. Para ele, as cidades criam condições psicológicas especiais, engendram uma cultura individual particular quanto aos fundamentos sensoriais da vida psíquica. Haveria um continuum entre a mente individual e a cidade, explicado pela instantaneidade das impressões, que mudam tão naturalmente quanto as imagens da vida metropolitana.

A mente moderna se comporta de maneira cada vez mais calculista e impessoal em função das novas exigências monetárias e econômicas. O mundo é transformado em um problema aritmético, todas as suas partes e fenômenos são dispostos por meio de fórmulas matemáticas. Ainda assim, mesmo os fatores que redundam em impessoalidade promovem uma subjetividade altamente pessoal. A atitude blasé, compreendida como distanciamento intelectual em relação ao mundo, torna-se predominante na vida metropolitana como reação aos estímulos e às rápidas mudanças sociais.

É assim que a vida subjetiva, de algum modo, estaria preservada. Quanto maior a proximidade física entre os indivíduos e a estreiteza dos espaços, maior a distância mental entre eles e com relação ao mundo. Para tanto, o significado e os valores das coisas, tal como as próprias coisas, devem ser destituídos de substância; nenhum objeto merece preferência sobre outro, como se tudo estivesse fora do indivíduo, em pontos distantes e separados no universo infinito projetado pela mente. A autopreservação da interioridade teria como preço a desvalorização de todo o mundo objetivo que produz, em contrapartida, sentimento de igual inutilidade e ausência de valor.

O psiquiatra espanhol Luis Rojas-Marcos, em La ciudad y sus desafíos: Héroes y Víctimas (1992), atualiza a obra de Simmel observando o comportamento do indivíduo contemporâneo nas grandes cidades já em fins do século XX:

Muitos cidadãos se defendem dos incessantes assaltos do meio isolando-se e protegendo seus sentidos, obscurecendo as vidraças de seus automóveis, levando continuamente aos ouvidos os walkmans a todo o volume, evitando a comunicação face a face, anestesiando com drogas ou álcool suas emoções ou fixando-se nas telas dia e noite, para evitar a visão da realidade. Como resultado, as vivências reais se tornam ilusórias e remotas, cria-se um mundo no qual a essência humana de carne e osso se torna menos real que as histórias que se apresentam no vídeo, filme, fita, ou nos jornais diários. Incapazes de alcançar uma vida pessoal gratificante, esses homens e mulheres optam por uma existência imaginária, sucedânea, de segunda mão, como espectadores, ouvintes ou leitores passivos dos meios de comunicação [...]. Diante do contínuo e intolerável bombardeio de seus receptores físicos e mentais, o indivíduo perde pouco a pouco sua capacidade de responder e adota uma atitude defensiva de recuo e desinteresse, sofre de embotamento afetivo e perde a capacidade de discriminar entre os múltiplos estímulos do meio, de discernir o essencial do supérfluo, a realidade da ficção. Os cidadãos se movem como em transe, em um estado de despersonalização que se manifesta em indiferença (Rojas-Marcos, 1992ROJAS-MARCOS, Luis. La ciudad y sus desafios(Héroes y Victimas). Madrid: Espasa Calpe, 1992., p. 109-110).

“Processos anômicos” de “isolamento”, “apatia”, “inércia”, “autismo social”, “alienação”, “estranhamento de si próprio e dos outros” (Rojas-Marcos, 1992ROJAS-MARCOS, Luis. La ciudad y sus desafios(Héroes y Victimas). Madrid: Espasa Calpe, 1992., p. 109-110). Para Simmel, esse estado de ânimo subjetivo resulta da completa interiorização da economia monetária irradiada dos grandes centros financeiros. Tudo é nivelado pelo dinheiro que, em si, é, também, código matemático capaz de quantificar todas as diferenças qualitativas. A mesma economia que, por outro lado, potencializa e amplia a capacidade do indivíduo de extravasamento psíquico para além dos limites do próprio corpo, fazendo sua vida interior transbordar em ondas para uma vasta área nacional e internacional.

Nas sociedades complexas, os indivíduos não se depararam com um crescente número de opções de realização pessoal, levando-se em conta que a especialização do trabalho exige um aperfeiçoamento, cada vez mais unilateral, que destrói a personalidade. Norbert Elias (1897-1990), em A Sociedade dos Indivíduos,3 observa que a especialização e a individualização, que constituem o processo civilizador, induzem a um maior controle dos afetos e à perda de liberdade. As pessoas seriam, cada vez mais, reprimidas, constrangidas e coagidas a se esconder umas das outras, e de si mesmas, em suas atividades mais elementares e universais. As funções corporais e os desejos instintivos, antes livremente expressos, são recalcados e relegados ao plano do inconsciente pela marcha civilizatória (Elias, 1994ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994., p. 103).

Trata-se, segundo Elias, de uma “privatização” da materialidade: da exclusão de certas esferas da vida do intercâmbio social. O indivíduo tem a sensação de ser “internamente” algo totalmente separado, de existir sem relação com os que estão “fora”. Os preconceitos interpessoais se multiplicam na mesma medida em que a individualização de acentua. Da mesma maneira que os indivíduos autocontrolados passam a estranhar a si mesmos, através do sentimento de vergonha e embaraço, estranham, também, uns aos outros. Do processo de individualização e privatização levado ao paroxismo, resulta que o “eu” e o “mundo”, o “interior” e o “exterior”, radicalmente separados, passam a confundir-se. Os homens podem, então, ser vistos e interpretados como seres incorpóreos, que habitam um mundo silencioso, suspenso; observam, escutam e tangenciam a vida cotidiana dos viventes, mas não são vistos nem ouvidos por eles.

O indivíduo contemporâneo absorve e se encontra diluído em cenários, informações, eventos, personagens, paisagens cujos referentes se situam, muitas vezes, a milhares de quilômetros de distância. Sua realidade é espectral: corpos são substituídos por imagens, espíritos são projetados em universos imaginários e em inúmeros sósias que vivem em seu lugar. Ele adquire algo de fantasmagórico, de presente ausente, ao mesmo tempo em que se acirra a distância entre o homem e a natureza, entre o indivíduo e os “objetos naturais” do conhecimento.

INDIVÍDUO E ESFERA PÚBLICA

A subjetivação, assim, dissolve a diferença entre o público e o privado na medida em que a sociedade passa a existir, apenas, em suas manifestações interiores. A esfera pública como espaço reconhecido de ação e opinião, cidadania, aparição e visibilidade, reduz-se progressivamente, bem como a esfera privada, que se mantém, apenas, em oposição ao público. Em decorrência da perda das relações objetivas, perde-se o senso do real, a distinção entre a fantasia individual e a realidade coletiva, ou entre a fantasia coletiva e a realidade individual. De acordo com Vera Telles, “[...] a perda do mundo comum constrói a figura do indivíduo desinteressado e desprovido de responsabilidade perante o mundo [...]” (Telles, 1990TELLES, Vera da Silva. Espaço público e espaço privado na constituição do social: notas sobre o pensamento de Hannah Arendt. Tempo Social, v. 2, n. 1, 1º semestre de 1990., p. 33).

A diferença entre a liberdade e a necessidade, deste modo, dissolve-se na experiência contemporânea. A “liberdade interior”, que o indivíduo experimenta, distancia-se da liberdade socialmente realizada. A identificação da liberdade com a interioridade põe em evidência, por um lado, o distanciamento do mundo e, por outro, o retraimento da experiência para o espaço impenetrável da intimidade. O desenvolvimento da economia capitalista teria amalgamado duas dimensões sociais no interior do indivíduo: o “mundo da vida” e o “sistema”. Estas duas dimensões, que seriam, segundo Jürgen Habermas em Teoria da Ação Comunicativa (1981), produtos da diferenciação da sociedade e da crescente complexidade do mundo moderno, têm o indivíduo contemporâneo como emblema de sua indissociação.

Os grandes dilemas e sofrimentos da vida moderna estão relacionados à impossibilidade de separação entre os domínios do poder, do dinheiro, da cultura e dos afetos ou, em termos durkheimianos (Durkheim, 1995), à ausência de uma dimensão simbólico-afetiva capaz de proteger o indivíduo das exigências, valores e transformações significativas da sociedade. O indivíduo, impossibilitado de orientar suas decisões de modo independente, encontra-se condenado ao mal-estar: se, por um lado, não se contenta, apenas, com a dimensão afetiva, por outro, também, não se satisfaz plenamente, buscando corresponder às incessantes demandas dos sistemas regulados pelo poder e pelo dinheiro.

A “ação comunicativa”, definida por Habermas como aquela que visa ao entendimento, não encontra espaço de realização em um universo onde a comunicação está a serviço de fins estratégicos. Mesmo a comunicação do sofrimento individual para outro indivíduo tem sido regulada por subsistemas complexos de racionalização dos sentimentos, que vão desde as análises e terapias ao treinamento do discurso profissional com fins de autopromoção no trabalho, no mercado ou na política (López-Ruiz, 2007). No recente processo de complexificação das sociedades, ao invés de se destacarem, progressivamente, um do outro (como defende Habermas), “sistema” e “mundo da vida” se aproximam cada vez mais.

A modernidade tem o dinheiro como linguagem universal. Embora seja a “dúvida” (ou o cogito cartesiano) a função epistemológica das sucessivas diferenciações sociais modernas,4 a legitimidade do dinheiro nunca é questionada. O sistema funciona por meio de alguns imperativos automáticos, que jamais são, na vida cotidiana, objeto de discussão ou relativização entre os indivíduos. O dinheiro é um valor sociocultural que ultrapassa a esfera econômica na medida em que seja capaz de agregar outros valores. No entanto, não é amplamente reconhecido como uma representação entre outras, senão como valor intrínseco. Pode ser compreendido, também, como um mediador-função, que impõe sua lógica aos complexos de ação integrados sistemicamente. A razão instrumental constitui todas as esferas da sociedade, mesmo a perspectiva subjetiva dos indivíduos. Mais que “colonizado” pelos sistemas político e econômico, o “mundo da vida” torna-se condição para a reprodução destes sistemas e vice-versa.

A modernidade se caracteriza, portanto, pela indistinção entre “sistema” e “mundo da vida” que torna possível e plausível o reconhecimento sociológico do sistema em cada indivíduo. Deste ponto de vista, a sociedade contemporânea pode ser compreendida a partir da subjetividade, das práticas, vivências e experiências comuns. Mesmo que cada um guarde suas idiossincrasias, conflitos e incompatibilidades com os valores da sociedade mais ampla, a monetarização do sistema se expressa claramente na monetarização da racionalidade e da sensibilidade individuais. Tanto é assim que, dificilmente, são encontrados espaços de criatividade não expostos à manipulação estratégica ou nichos de realização do indivíduo enquanto sujeito dotado de autonomia e responsabilidade.

Deste modo, a condição para a realização da esfera pública é a preservação da subjetividade em relação aos sistemas sociais, o “fechamento operacional” (Luhmann, 1998LUHMANN, Niklas. Acoplamentos estruturais. In: A política da sociedade. Tradução do original em alemão “Strukturelle Kopplungen” In:Die Politik der Gesellschaft (p. 372-405, Cap.10), Frankfurt a.M., Suhrkamp, 1998, por Rômulo Figueira Neves., p. 372-405). Todo observador, na teoria de Niklas Luhmann (1927-1998), é como um sistema que produz internamente seus próprios sentidos. A observação do ambiente e a auto-observação possibilitam e são possibilitadas pelo fechamento operacional que, no plano do indivíduo, pode ser interpretado como “circunspecção” (do latim circumspectio).5 Conceitual e historicamente, Habermas já demonstrara, em The Structural Transformation of the Public Sphere: An Inquiry into a Category of Bourgeois Society (1962), que a formação da esfera pública depende da separação entre público e privado (sociedade e indivíduo, objetividade e subjetividade).

ESFERA PÚBLICA E CIBERESPAÇO

As diversas mídias e a publicidade comercial e política produzem um ambiente comum, realidade construída a partir de signos, mensagens e valores partilhados, onde não haveria um “dentro e fora” das imagens. Jean Baudrillard (1929-2007) argumenta que já não existiria um medium no sentido literal, de meio através do qual as informações são transmitidas. As mídias, transformadas em ambiente, mesclaram-se à realidade e se tornaram inapreensíveis, sem começo, fim ou limites. Toda a realidade seria mídia (Baudrillard, 1991BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio d’Água, 1991., p. 43-44).

A dimensão corporal ou física, dos indivíduos e das coisas, é excluída enquanto presença, ainda que esteja representada por fotografias, figuras, textos ou imagens em movimento. O interior do indivíduo é dissolvido nas imagens que absorve, sem que possa, através dos “outros”, ver-se a partir de fora e reconhecer seus próprios limites. Por estar isolado no plano espectral da hiperconexão, torna-se mais suscetível às realidades que lhe são forjadas e às campanhas que clamam por sua ajuda. O ambiente da intimidade e o espaço da ação política se misturam, assim como o dentro e o fora, o eu e o outro, o mundo particular e o mundo comum, o privado e o público.

O discurso sobre a participação política contemporânea, que movimentos sociais, ONGs e governos contribuem para elaborar, toma o “ciberespaço” como lugar de referência para a ação política e para a observação dos problemas sociais e ambientais. Os indivíduos são convocados a participar de campanhas ambientalistas, entre outras, sem que precisem deixar a frente do monitor. É como se, hoje, a participação política em espaços públicos físicos de encontros “presenciais” tivesse qualquer coisa de irracional, de idion.6 A partir de casa, o “ciberativista” pode enviar cartas já prontas a empresários ou autoridades governamentais, assinar petições, reencaminhar mensagens recebidas por ONGs às listas de endereços de seu correio eletrônico, permitir que seu banco deposite, automática e mensalmente, uma quantia na conta de alguma instituição etc. O deslocamento e o esforço físicos são desnecessários, assim como o encontro com pessoas “estranhas” ao círculo social mais íntimo.

Na perspectiva do ciberativista, mergulhado na “floração iconográfica” das imagens eletrônicas, as possibilidades se potencializam, tudo é “força mágica” como diria Marcel Mauss (1872-1950): “[...] a distância não impede o contato, as figuras e os desejos são imediatamente realizados [...]” em um universo onde “[...] tudo nele sendo espiritual, tudo pode tornar-se espírito [...]” (Mauss, 2003MAUSS, Marcel. “Esboço de uma teoria geral da magia”. In: MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2003., p. 141). Os mitos de origem e o figurativo são sobrevalorizados e ressuscitados, enquanto o objeto e a substância desaparecem junto com o “exterior” deste mundo.

As campanhas de publicidade comercial e política, especialmente as de ONGs ambientalistas, contêm sempre algo de lúdico e mágico. A dimensão lúdica se torna a totalidade do modus vivendi contemporâneo, identificada na valorização da “descoberta infantil”, da “manipulação”, da “[...] curiosidade vaga ou apaixonada pelo ‘jogo’ dos mecanismos, das cores e das variantes [...]”. Para Baurillard, o espírito dominante de nossa época seria a paixão pelo “jogo” (compreendido de maneira generalizada e difusa) que reduz a “[...] curiosidade lúdica ao mero interesse [...] pelo jogo dos elementos [...]” (Baudrillard, 1995BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Rio de Janeiro/Lisboa: Elfos/Edições 70, 1995., p. 119).

As nossas bugigangas domésticas associam-se desta vez às máquinas, a dinheiro, aos concursos radiofônicos culturais, ao computador dos ‘dugstores’, ao mostrador do automóvel e a toda a aparelhagem técnica ‘séria’, desde o telefone ao computador, que constitui a ‘ambiência’ moderna do trabalho – tudo aquilo com que nos divertimos, mais ou menos conscientemente, fascinados pelo funcionamento (Baudrillard, 1995BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Rio de Janeiro/Lisboa: Elfos/Edições 70, 1995., p. 119).

No ciberespaço, a excitação das mentes contrasta com a imobilidade dos corpos. O ciberativista é um “ser das distâncias” que se projeta em sistemas cuja escala é desproporcional à extensão de sua percepção e à capacidade de seu corpo (Chesneaux, 1995CHESNEAUX, Jean. Modernidade-Mundo. Petrópolis: Vozes, 1995., p. 21). As singulares posições no espaço físico passam a ter uma relevância secundária. Como o “estrangeiro” deSimmel (1983SIMMEL, Georg. O estrangeiro. In: MORAES FILHO, Evaristo de (Org.).Simmel. São Paulo: Ática, 1983., p. 182), ele é um viajante em potencial, que unifica proximidade e distância, indiferença e envolvimento. A terra que habita é o globo, encolhido pelas escalas, técnicas de reprodução, modelos de simulação e imagens de satélite. O “fora do chão”, observara Jean Chesneaux (1922-2007), “[...] constitui uma categoria geral da modernidade, uma situação de dissociação para com o ambiente natural, social, histórico e cultural [...]” (Chesneaux, 1995CHESNEAUX, Jean. Modernidade-Mundo. Petrópolis: Vozes, 1995., p. 20).

O ciberespaço conecta os indivíduos pela suspensão. A coesão entre eles estaria na fragilidade de suas ligações, na coincidência entre anomia e conexão. O indivíduo busca, no ciberespaço, tornar reais as ligações fragilizadas da vida social ou estabelecer novas ligações igualmente delicadas. No ciberespaço, tomado como dimensão cosmológica, o etnógrafo pode identificar o modo como se projeta a sociedade. De acordo com Lévi-Strauss, “[...] a imagem que as sociedades fazem de si próprias é uma parte essencial de sua realidade [...]” (Lévi-Strauss, 1976LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976., p. 268), por isso a sociedade anômica teria no ciberespaço o seu reflexo mais radical: nele habitariam coletividades de princípios impessoais, imagens sem corpo ou sombra, como as figuras, as fotografias, os vídeos ou os desenhos animados que perderam seus referentes.

Assim como os mekarõ etnografados por Manuela Carneiro da Cunha, os ciberativistas trocam o dia pela noite, entram em contato com pessoas que estão sós e aparecem apenas “[...] a quem está, pelo menos temporariamente, segregado do espaço social” (Cunha, 1983CUNHA, Manuela Carneiro da. Escatologia entre os Krahó: reflexão, fabulação. In: Martins, José de Souza (Org.). A morte e os mortos na sociedade brasileira. São Paulo: Editora Hucitec, 1983, p. 323-339., p. 328). Quando vão à aldeia, os mekarõ nunca assomam ao pátio, entram nas casas pelos “fundos”, pela porta que dá para o mato. São relegados ao exterior do espaço público ou confinados à esfera doméstica, excluídos da sociedade dos vivos que tem como centro o pátio da aldeia.

Os mekarõ não têm movimento próprio, são impelidos pelo vento, toda a sua existência é atenuada; gostam da escuridão do mato, dos lugares recônditos, dos dias de chuva e temem o sol quente. Têm os “olhos parados, assentados em uma única direção” vendo somente “imagens dissociadas de seu contexto” (Cunha, 1983CUNHA, Manuela Carneiro da. Escatologia entre os Krahó: reflexão, fabulação. In: Martins, José de Souza (Org.). A morte e os mortos na sociedade brasileira. São Paulo: Editora Hucitec, 1983, p. 323-339., p. 326-337). Eles apenas se lembram, não conhecem nada realmente novo. Semelhante ao espaço dos mortos (os mekarõ) dos krahó, o ciberespaço pode ser imaginado como uma lagoa noturna (hipoti) em que se mergulha, perdendo e recuperando a memória. A água dormente do hipoti, tal como a de um Lete tropical, provoca o esquecimento.

Sem acesso à esfera pública, mekarõ e ciberativistas lidam de outra maneira com as regras sociais e etiquetas convencionais. Têm dificuldades de exercer papéis, demarcar distância social e, principalmente, estabelecer alianças, aspecto mais notável do mundo dos mortos:

Uma sociedade sem aliança é inviável, leva ao estado de natureza e, de imagens de homens, os mekarõ se tornam imagens de bichos, até que, ao cabo de suas metamorfoses, alcancem a perenidade da pedra ou do toco, assim como a negação de qualquer vida gregária (Cunha, 1983CUNHA, Manuela Carneiro da. Escatologia entre os Krahó: reflexão, fabulação. In: Martins, José de Souza (Org.). A morte e os mortos na sociedade brasileira. São Paulo: Editora Hucitec, 1983, p. 323-339., p. 336-337).

Neste “limbo impessoal” (Lispector, 1998, p. 23), todo o espaço exterior ao habitante ciberespacial é seu interior ampliado. As imagens com que se relaciona são projeções de si mesmo, todo o “mundo” é seu epifenômeno. O homem moderno teria sido “[...] lançado à interioridade fechada da introspecção, na qual suas mais elevadas experiências são os processos vazios do cálculo da mente, o jogo da mente consigo mesma [...]” (Arendt, 1987ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987. ARISTÓTELES. A política. São Paulo: Martins Fontes, 2006., p. 334).

O “lugar virtual” que, na cultura, de acordo com Lévi-Strauss, é a “identidade” capaz de orientar a interpretação e a explicação do real, torna-se, no ciberespaço, um campo mediado pelas técnicas sempre renovadas da informática. Mesmo quando muito sofisticados, os recursos da tecnologia balizam a imaginação segundo a criatividade, os objetivos e o conhecimento particular dos tecnólogos. O ciberespaço parece confirmar o conceito foucaultiano de poder: muito mais que uma instância repressora, é uma “rede produtiva que atravessa todo o corpo social” fazendo circular seus efeitos de forma contínua, ininterrupta, adaptada e individualizada na trama da sociedade (Foucault, 2002FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. São Paulo: Editora Graal, 2002., p.7-8; p.70-71).

No ciberespaço, diferentes “espacialidades” se entrecruzam (Ortiz, 1997ORTIZ, Renato. Um outro território: ensaios sobre a mundialização. São Paulo: Olho Dágua, 1997., p. 62). Como espaço transglóssico, compreende várias dimensões linguísticas, sobreposições e atravessamentos de diferentes “lugares” antropológicos descolados do território físico e constituídos de certo número de relações sociais. Como dimensão desterritorializada, o ciberespaço “deslocaliza” as relações sociais sem dissolvê-las completamente. Sendo um lugar estruturado por textos e vários idiomas, ele contém diferentes espacialidades marcadas por hierarquias e sinais distintivos: “[...] existe sempre uma língua ‘alta’ contraposta a outra, ‘baixa’, cujo prestígio social é inferior [...]” (Ortiz, 1997ORTIZ, Renato. Um outro território: ensaios sobre a mundialização. São Paulo: Olho Dágua, 1997., p.63). A maneira como cada usuário se apropria das informações que circulam pelas redes eletrônicas está associada à sua posição na hierarquia social, bem como ao funcionamento da própria rede. Tal como em um “campo simbólico”, estruturado de posições ou postos (Bourdieu, 1983BOURDIEU, Pierre. Algumas propriedades dos campos. In:Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983., p. 89), os interesses e objetivos dos usuários são, em grande parte, determinados pelo próprio campo.

No atual universo da informação, voltam a reinar as leis do “pensamento selvagem” que, é claro, não se refere ao pensamento dos “selvagens”, nem ao da humanidade primitiva ou arcaica, mas ao pensamento no estado “selvagem”, anterior ao pensamento cultivado, domesticado, que “não distingue o momento da observação e o da interpretação” (Lévi-Strauss, 1976LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976., p. 252-304). O pensamento selvagem é atemporal; ele quer captar o mundo como totalidade sincrônica e diacrônica. Tudo se passa como se o universo dito primitivo fosse o reino das mensagens e da informação icônica que a ciência substituiu pelo conhecimento analógico e analítico, até novamente reencontrá-lo através da cibernética, da informática, da matemática voltada aos sistemas e códigos binários da computação. “Seria preciso esperar até o meio deste século [XX] para que os caminhos, tanto tempo separados, se cruzassem [...]. O processo todo do conhecimento humano assume, assim, o caráter de um sistema fechado” (Lévi-Strauss, 1976LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976., p. 306).

O universo informacional evidenciaria a ausência de antinomia entre a “mentalidade lógica” e a “mentalidade pré-lógica”, o “pensamento selvagem” e o “civilizado”, todos igualmente regidos pelas associações, distinções, oposições e classificações binárias. “O pensamento selvagem aprofunda seu conhecimento com o auxílio de imagines mundi”, construindo edifícios mentais que lhe facilitam o entendimento do mundo. Em vez de duplicar os objetos, procura superar a descontinuidade original, ligando os objetos entre si. “Uma multidão de imagens se forma simultaneamente, nenhuma das quais é exatamente igual às outras; cada uma delas, por conseguinte, só traz um conhecimento parcial, mas o seu conjunto se caracteriza por propriedades invariáveis que exprimem uma verdade”. Neste sentido, é possível defini-lo, também, como pensamento analítico, pois é “[...] esta razão inteiramente ocupada em reduzir as separações e em dissolver as diferenças que pode, com toda exatidão, ser chamada de ‘analítica’” (Lévi-Strauss, 1976LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976., p. 299-300).

A desterritorialização arremessa os indivíduos ao mundo cosmológico comum, que adquire, realmente, a forma de um planeta, esfera suscetível, vista como as tecnologias satelitais a representam. A perspectiva do ciberativista é sempre a mesma das imagens aonde emigra pelos olhos de outros: ele habita o espaço através dos satélites que registram a Terra, as florestas tropicais ou as geleiras pelas câmeras aéreas, os mares pelas lentes subaquáticas, o universo microscópico e o telescópico.

Hannah Arendt identificou a modernidade com a “alienação em relação ao mundo” através do distanciamento imputado pela filosofia e, depois, pelo conhecimento científico, e não com relação ao ego, de forma semelhante ao que propuseram algumas correntes hegelianas, marxistas e freudianas da filosofia e das ciências sociais (Arendt, 1987ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987. ARISTÓTELES. A política. São Paulo: Martins Fontes, 2006., p. 266). A emancipação humana, sob estes termos, corresponderia ao retorno ao mundo de proporções vitais, à desvirtualização ou à reterritorialização, e não ao reencontro do indivíduo com sua suposta essência.

CIBERATIVISMO VERDE E ESFERA PÚBLICA

Movimentos sociais e organizações não governamentais têm produzido, especialmente desde os anos 1970, imagens de impacto disseminadas pelas diversas mídias. É possível afirmar que estas organizações e movimentos se especializaram na geração de “ações-imagem” (Marzochi, 2009MARZOCHI, Samira Feldman. Metamodernidade e política: a ONG Greenpeace. Tese de doutorado em Sociologia, IFCH-Unicamp, 2009., p. 229) em que ativistas aparecem subindo a bordo de barcos de pesca, pilotando botes que enfrentam navios baleeiros, escalando e descendo de paraquedas do topo de chaminés industriais, flutuado em balões sobre sítios de testes nucleares, pendurando longas faixas em grandes monumentos, usando o corpo para bloquear dutos de resíduos industriais, entre outros exemplos. Várias organizações não governamentais, como o Greenpeace, Sea Sheperd Conservation Society, Earth-First e Rain Forest Action Network engajaram-se em esforços similares (Castells, 1998CASTELLS, Manuel. The information age economy: society and culture. v. 2: The power of identity. Oxford: Blackwell Publishers, 1998., p. 128-129).

A mise-en scène registrada eletronicamente, para fins de replicação em outros contextos, corresponde sempre a um descolamento da realidade. As cenas gravadas devem ser impressionantes e curtas o suficiente para que sejam exibidas diversas vezes; os coordenadores de campanha das organizações devem garantir que as mídias veiculem o material produzido, que as ações tenham um impacto máximo sobre a audiência (strike minds) e que haja uma boa resposta da opinião pública em termos de arrecadação de fundos e fluxo de doações.

As organizações não governamentais ambientalistas fundam universos cosmológicos particulares e constroem suas imagens da “natureza” a partir do material audiovisual que produzem. Para as campanhas e ações em alto-mar, podem levar sua ilha de edição, seu laboratório fotográfico, fotógrafos, cinegrafistas e jornalistas que seguem um roteiro pré-definido ao modo de um filme publicitário. São cenas de vídeo e fotografias distribuídas via satélite gratuitamente para jornais, revistas,sites e redes de TV de todo o mundo, onde a “natureza” aparece limpa, seca, inodora, em formas e contornos nítidos, cores vivas e brilhos que substituem o olhar e o contato direto do indivíduo com o mundo orgânico.

O espectador das ações diretas ambientalistas é, também, o consumidor potencial de alimentos orgânicos, do material de papelaria como cadernos, livros e cartões feitos de papel reciclado livre de cloro, das roupas e acessórios fabricados com matérias- primas sustentáveis, travesseiros, bonecos recheados com ervas medicinais e pintados com corantes naturais, bonés, chapelões e camisetas fabricadas com tecido 100% algodão, artesanatos, velas, cerâmicas, CDs, bijuteria artesanal etc. É o frequentador potencial de lanchonetes que servem café, doces, salgados e refeições utilizando somente produtos orgânicos ou dos espaços abertos à realização de eventos como apresentações musicais, debates, lançamentos de livros e vernissages motivados por causas ambientais.

Além do eventual consumo de produtos ecológicos e da frequência em eventos ambientalistas promovidos ou não pelas organizações, todo o contato entre as ONGs e seus simpatizantes, apoiadores ou afiliados, dá-se através dossites e páginas eletrônicas. A sede física destas organizações, normalmente, não é um espaço aberto ao trânsito ou encontro entre colaboradores e representantes da organização. Os sites nacionais das ONGs são os “pontos de acesso”, definidos por Anthony Giddens (1991GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991., p. 91) como pontos de conexão entre indivíduos e representantes de sistemas abstratos.

É como se os sites das ONGs internacionais fossem, também, os próprios escritórios, uma vez que os afiliados não têm acesso aos estabelecimentos das organizações.7 Mas, não só. Em suas páginas eletrônicas, desenrolam-se as ações- imagem das ONGs ambientalistas. Os sitessão a “região de fachada” (Goffman, 1983GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes, 1983, p. 218) da instituição que se estende a todas as partes do planeta onde atua. Estas partes heteróclitas (imagens de diferentes lugares), por sua vez, combinam-se para compor um mesmo universo cosmológico, fundando uma nova geografia.

As organizações podem oferecer aos afiliados (referidos, por vezes, como “sócios”) carteirinhas, adesivos, boletins periódicos, relatórios anuais, informativos por correio eletrônico, senhas para áreas reservadas de seus sites, bem como chamadas para a participação em campanhas virtuais como “ciberativista”. O ciberativismo consiste em assinar petições e enviar cartas já escritas pelas ONGs a presidentes, governadores, parlamentares, ministros ou grandes empresários. Os indivíduos são convocados a participar de campanhas como conexões ou nós em uma rede eletrônica de informações, e, não mais como sujeitos no sentido clássico, que pressupunha autonomia de julgamento, independência, originalidade, personalidade, reflexão.

Assim como os sites das ONGs, os ciberativistas também não se localizam no mapa geográfico convencional: eles têm como “identidade” o Protocolo de Internet (IP) e a página privada em um correio eletrônico, isto é, seu endereço de e-mail. A esfera de atuação eletrônica do ciberativista, portanto, não encontra correspondência necessária entre as fronteiras regionais ou nacionais, ainda que o indivíduo esteja territorial e socialmente situado ou em trânsito no espaço físico.

A rigor, o ponto de onde atua é sempre a “máquina” composta de um suporte e de programas, de hardware e softwares: PC,desktop, notebook, laptop, tablet, iPhone, iPad, iPod, Smartphone, Google Glass, entre outros em ligação com a Internet. Em casa, no trabalho, nas ruas ou estradas, pode-se dizer que o ambiente virtual que se configura a partir da relação do indivíduo com sua máquina seja sempre “privado”: momento de leitura, observação e escrita em que, geralmente, não se considera a interferência significativa da presença de terceiros.

A privacidade e a inércia da prática ciberativista é oferecida como uma vantagem pelas organizações não governamentais. Uma das fotos publicitárias do Greenpeace mostrava duas moças conversando e tomando chá dentro de um bote de borracha no centro de uma sala. No cartaz, a mensagem: “você pode ajudar tanto quanto um ativista mesmo sem sair de casa”. O valor da praticidade, da economia de tempo e esforço, embutido nos produtos à venda no mercado, estende-se ao campo da política. Junto com a carteirinha de sócio, revistas, bonés, adesivos, camisetas, senhas para “frequentar” as áreas restritas dos sites das ONGs, o ciberativista compraria, também, uma forma rápida, cômoda e ascética de “participação” política, que não consome o tempo do lazer, da família, da produtividade no trabalho e dispensa o contato com pessoas estranhas ao círculo da intimidade.

A prática ciberativista assemelha o fazer político a uma espécie de magia eletrônica: um clique de mouse pode “salvar o planeta” – o mesmo que aparece na tela do computador, em fotografias de satélites ou programas do Google, em um ponto distante da galáxia. Tecnologia, magia, utopia, política, mercado, ressurgem indiferenciados no universo do ciberativista: o transcendente e o imanente tecem a mesma teia de sensações, sentimentos, fótons e códigos numéricos. Para Baudrillard (1995BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Rio de Janeiro/Lisboa: Elfos/Edições 70, 1995., p. 206), não se trata mais de um mundo de representações que se sobrepõem e se atravessam, mas de uma realidade única e imanente: a “ordem dos signos”

Assim como não existe separação ontológica, mas relação lógica entre o significante e o significado, também não há separação ontológica entre o ser e o respectivo duplo (a sombra, a alma, o ideal) divino ou diabólico; impera somente o cálculo lógico de signos e a absorção no sistema de signos. Na ordem moderna, deixou de haver espelho onde o homem se defronte com a própria imagem para o melhor ou para o pior; existe apenas a vitrine – lugar geométrico do consumo em que o indivíduo não se reflete a si mesmo, mas se absorve na contemplação dos objetos/signos multiplicados (Baudrillard, 1995BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Rio de Janeiro/Lisboa: Elfos/Edições 70, 1995., p. 206-207).

Ao mesmo tempo, o “mundo comum”, onde os atos e as palavras produzem efeitos, onde as coisas realmente “acontecem”, parece distante dos indivíduos, bem longe de seu raio de ação. A Terra surge, para o ciberativista, como outro ser visto do espaço, longínquo e pequeno, até mais vivo que ele, passível de adoecer e extinguir-se. Os ciberativistas vivem uma “territorialidade desenraizada” (Ortiz, 1997ORTIZ, Renato. Um outro território: ensaios sobre a mundialização. São Paulo: Olho Dágua, 1997.), condição contemporânea que lhes permite perceber os riscos ambientais de maneira diferente, como se a Terra, transformada em emblema, estivesse em outro lugar fora da Terra.

O ciberativista é feito, pelas campanhas não governamentais internacionais, um espectador. Uma vez que os temas de campanha são definidos em reuniões internacionais e as estratégias para a realização das ações diretas espetaculares são traçadas em sigilo, só resta ao “ativista” admirar pela televisão, rádio ou Internet o modo como a organização emprega a contribuição mensal dos colaboradores.

As organizações exercem o papel de uma verdadeira mídia – “segunda consciência, órgão da realidade” (Subirats, 1989SUBIRATS, Eduardo. A cultura como espetáculo. São Paulo: Nobel, 1989., p. 71) – que informa seus temas de campanha, justificativas científicas, posicionamentos, interlocutores, opositores políticos, eventos, ações diretas etc. Nas palavras deLazarsfeld e Merton (1987LAZARSFELD, Paul F.; MERTON, Robert K. Comunicação de massa, gosto popular e ação social organizada”. In: COHN, Gabriel (Org.). Comunicação e indústria cultural. São Paulo: T.A. Queiroz, 1987., p. 241), todavia,

Este amplo suprimento de comunicações é capaz, tão somente, de fazer surgir uma preocupação superficial com os problemas da sociedade, superficialidade que, muitas vezes, encobre a apatia da massa. O indivíduo se limita a ler relatos de questões e problemas, chegando mesmo a discutir acerca das linhas alternativas de ação. Este vínculo, no entanto, bem mais intelectualizado e muito mais remoto com a ação social organizada, não é estimulado. O cidadão interessado e bem informado pode congratular-se consigo mesmo em razão de seu elevado estágio de interesse e informação, sendo para ele impossível perceber sua recusa de tomar decisões e agir. Em resumo, ele considera seu contato secundário com a esfera da realidade política, suas leituras, seus programas de rádio, suas reflexões, como um desempenho substitutivo. Acaba confundindo conhecer os problemas do momento com fazer algo a seu respeito. Sua consciência social permanece imaculadamente pura. Está preocupado. Está informado. Tem todos os tipos de ideias em relação a qualquer coisa a ser feita. [...] Neste sentido, os meios de comunicação de massa devem ser incluídos entre os narcotizantes sociais mais respeitáveis e mais eficientes. Chegam a ser tão eficazes a ponto de impedir os viciados de reconhecerem sua própria doença. Os meios de comunicação conseguiram, sem dúvida, elevar o nível de informação de amplas populações. Longe, entretanto, de ser essa sua intenção, doses crescentes lançadas por esses meios vêm involuntariamente canalizando as energias dos homens para um conhecimento passivo, em lugar de uma participação ativa.

Mesmo que as próprias ONGs internacionais constatem a ausência de um verdadeiro envolvimento com as causas ambientais (ou outras) e que critiquem, abertamente, o “ativismo de sofá” (slacktivism8), o fato é que, para continuarem atuando, necessitam, apenas, que os cidadãos dediquem um mínimo de tempo e esforço para divulgar o nome da organização (a “marca”) e sustentá-la financeiramente. A prioridade das ONGs internacionais não é colocar em questão a lógica monetária (social e ambientalmente destrutiva) que articula a sociedade mundial, nem transformar profundamente a ética de consumo, trabalho e produção. O potencial colaborador financeiro é, exatamente, aquele cuja prática cotidiana está de tal modo atrelada à funcionalidade do sistema que muito pouco lhe resta senão doar certa quantia de dinheiro a uma associação.9

O “ANIMAL ELETRÔNICO”

Os ciberativistas verdes, orientados pelas organizações ambientalistas internacionais, não estão comprometidos com nenhuma ideologia bem definida, tampouco se referem a pensadores que tenham formulado um quadro teórico, ético, político, científico ou histórico rigoroso quanto aos problemas ambientais. Suas publicações não mencionam as diferentes linhas do pensamento ecológico: preservacionismo, conservacionismo, ecocentrismo, ecologia profunda, as várias influências filosóficas, políticas, culturais ou religiosas. Também não se encaixam, claramente, entre os diversos movimentos e organizações ambientalistas que surgira m desde fins do século XIX, no pós-Segunda Guerra ou durante a Guerra do Vietnã.

Ao trabalharem em conjunto sob a coordenação de organizações, os ciberativistas servem, especialmente, a metas institucionais e administrativas: aumentar o número de associados e colaboradores, difundir suas “marcas”, expandirem-se internacionalmente, conquistar credibilidade científica e legitimidade política. Ao mesmo tempo em que os afiliados às organizações não governamentais estão completamente livres em sua vida privada (para refletir, julgar ou agir como quiserem, adotando qualquer tipo de ideologia), quando servem de “ciberativistas” devem aceitar, integralmente, as posições, os argumentos e as formas de ação definidas pelas ONGs. O ciberativista combina duas éticas aparentemente contrárias: a do comando eletrônico das práticas e a do vazio de ideias que as articulem. Embora as organizações produzam cosmologias atrativas e forneçam identidades prêt-à-porter, não se dedicam a elaborar um programa de transformação social.

O apelo publicitário, assim como a narrativa de um mito, constrói um mundo que se sustenta na capacidade de identificação e projeção daqueles a quem o discurso é dirigido. Durkheim diria que “[...] o homem pensa o mundo como pensa a si mesmo [...]” e, por isso, a sociedade pode se organizar em nós de maneira duradoura, “[...] suscitando todo um mundo de ideias e sentimentos que a exprimem, mas que, ao mesmo tempo, é parte integrante e permanente de nós mesmos [...]” (Durkheim, 1989DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Edições Paulinas, 1989., p. 220-322). Deste modo, é possível afirmar que o universo “hiper-real” da publicidade, mesmo o das ONGs ambientalistas, seja uma expressão heurística da modernidade contemporânea.

As cosmologias projetam o modo como os homens se imaginam. As campanhas ambientalistas apresentam combates no mar, aventuras na Amazônia, escaladas a monumentos, voos de balão. As ONGs se dirigem às crianças, adultas ou não, aos afiliados, atuais e futuros, e aos filhos destes. O universo infantil pode ser compreendido como um denominador comum a diferentes cosmologias contemporâneas. A “criança”, tomada como um tipo ideal weberiano, predomina entre os grupos urbanos que crescem em meio a sistemas relativamente planejados, relacionam-se com pessoas, natureza e objetos de modo funcional, e são constantemente estimulados pela publicidade comercial e política a desejar coisas, personalidades e mundos fantásticos inatingíveis, reluzentes no horizonte do consumo. Manter o espírito infantil significa estar aberto a diferentes ideologias, por vezes contrárias entre si.

As campanhas publicitárias em geral, incluindo-se as ambientalistas, voltam-se ao público “universal”: dirigem-se igualmente a todos e a ninguém, às diversas idades, aos vários gêneros, às distintas classes sociais, a todo o conjunto do público nacional e internacional. Os novos mundos da informação tendem a impor formas de comportamento que apagam as linhas demarcatórias entre as condutas consideradas adequadas para cada faixa etária. As crianças se envolvem com temas, – como as questões ecológicas planetárias, – que antes eram vistos como problemas da vida adulta, enquanto os adultos se encontram em ambientes culturais inicialmente reservados aosjovens.10

Enquanto, nas crianças, são identificados novos tipos de neurose (acompanhados, muitas vezes, de pânico e insônia), associados à super-responsabilização ecológica, conduzida pelas próprias escolas e campanhas de organizações ambientalistas, os adultos são constantemente estimulados a desprender-se das preocupações triviais da vida, que adquirem, entre eles, uma carga simbólica excessiva. Ao mesmo tempo em que ocorre a liberação precoce dos indivíduos da situação infantil, especialmente com relação ao acesso às informações, desenrola-se o processo de infantilização da vida adulta. Como diria Baudrillard, os “[...] próprios adultos fingem que são crianças para iludir sua infantilidade real [...]” (Baudrillard, 1991BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio d’Água, 1991., p. 21).

As campanhas comerciais e políticas infantilizam o espectador, inibem a capacidade de julgamento, distinção e escolha, recriando a realidade ao modo que lhes convém, através de palavras de ordem, slogans, cenários coloridos e atmosfera de aventura. Edgar Morin (1990MORIN, Edgar. Cultura de massas no Século XX: o Espírito do Tempo, v. 1: Neurose. São Paulo: Forense Universitária, 1990., p. 160) já observara que a cultura das imagens apela para as disposições afetivas de um homem imaginário universal, próximo da criança e do arcaico. As relações com objetos, pessoas, cultura, lazer, trabalho e política são, progressivamente, reguladas pelo lúdico.

Uma das estratégias publicitárias das ONGs é a produção, por agências de marketing, de jogos eletrônicos “ecológicos”, disponíveis nos sites das organizações, que transmitam mensagens capazes de induzir o jogador à filiação. As peças publicitárias participam de um sistema de premiações que contribui para valorizar, não apenas a agência e o publicitário, como, também, o “produto” anunciado, isto é, a própria ONG. Outra estratégia é oferecer brindes como camisetas, bolsas, bonés e pulseiras com a marca e o nome da organização para quem participar ou ajudar na divulgação de suas campanhas.

Uma vez que o contato do ativista com a instituição se dê pelo consumo de mercadorias, imagens e informações, a política se transforma em um jogo de acionar identidades e cosmologias através de sites, peças publicitárias, competições virtuais, nomes, emblemas e marcas. A publicidade não governamental, assim como as demais formas publicitárias, “[...] fantasmaliza o espectador, projeta seu espírito na pluralidade dos universos figurados ou imaginados [...]” (Morin, 1990MORIN, Edgar. Cultura de massas no Século XX: o Espírito do Tempo, v. 1: Neurose. São Paulo: Forense Universitária, 1990., p. 169-170).

A percepção das questões ecológicas depende do modo como as diversas mídias elaboram seus conteúdos através de um sistema de tecnologias e instituições que faz dos indivíduos os pontos últimos de sua extensão, ao contrário do que imaginava Marshall McLuhan (1911-1980).11 Não são os aparelhos e as instituições a ampliação dos sentidos humanos, mas sim, o contrário: os “ciberativistas” servem de extensão às tecnologias e instituições.

A perspectiva individual do ciberativista, porém, é a mesma de McLuhan: uma ONG ambientalista internacional, por exemplo, pode lhe servir de extensão, pois, associar-se a ela significa, de algum modo, estar conectado a todos os cantos do mundo onde a organização possui escritórios ou realiza ações de campanha. A ONG reorganizaria o sensorium dos indivíduos, como se ossites, as narrativas, ações diretas, slogans, relatórios, mensagens eletrônicas, substituíssem as faculdades classicamente concebidas da cidadania, relacionadas à autonomia da razão, visibilidade, capacidade discursiva, de julgamento e ação.

As ações diretas não governamentais, no entanto, apenas existem como imagem: não produzem nenhum efeito por elas mesmas, não interferem, efetivamente, sobre a realidade com a qual interagem senão mediadas pelas técnicas de reprodução. Apenas fazem sentido no plano da representação e da recontextualização, porque é outro o público que deve apreciá-las, e não aquele que está, casualmente, em presença delas. A meta das organizações é sensibilizar a multidão de espectadores espalhados pelo mundo, potenciais doadores, bem como governos, administrações, organizações multilaterais, políticos, empresários, comerciantes, consumidores, estudantes, envolvidos, de algum modo, com as questões ambientais.

Os que participam, involuntariamente, das cenas não são os destinatários da ação, mas os coadjuvantes nos planos de filmagem. Os ativistas bem treinados, tais como os atores e os dublês de cinema, vivem as ações de modo desencaixado de seu contexto, atuando em um filme que ainda será “montado” e exibido. Trata-se, em geral, de ações exemplares a serem enquadradas pela câmera, ações-imagem e, poucas vezes, de encenações voltadas, também, ao público local, muito restrito em comparação à capacidade de alcance das cenas espetaculares.

Nas ações diretas, não há um eu a ser representado, embora haja atores que representem a ONG coletivamente. Os ativistas não são, simplesmente, pessoas em seus papéis cotidianos, tentado transmitir competência ou segurança profissional. Suas atuações são extracotidianas, embora sejam, ao mesmo tempo, planejadas, calculadas, racionais. Uma vez incorporado o papel de ativista que se fantasia de milho transgênico, por exemplo, não se trata mais de se representar como ativista, mas de executar o plano da organização com êxito, levando em conta que desafiar, pacificamente, autoridades, ser agredido, preso ou ferido, pode fazer parte do desfecho da ação. Cada ativista contribui para compor a totalidade da cena, anulando sua individualidade. A mensagem está no arranjo visual e nos comentários subsequentes do coordenador da campanha.

A mise en scène das ações diretas corresponde a um teatro no interior do teatro, a uma encenação dentro da encenação cotidiana. O mais adequado, talvez, seja tratar o desempenho cênico das ONGs internacionais como performance no sentido artístico, entendida como “ilusão da ilusão”. Assim como nas artes performáticas o artista pretende provocar um “choque estético” no espectador, através de atuações fora de contexto para registro em vídeo ou fotografia, os movimentos ambientalistas unem esta estratégia à transmissão de uma mensagem política explícita – contra ou a favor (pois as obras de arte tendem a complexificar as possibilidades de interpretação). Diferente das artes, porém, está na imagem eletrônica, infinitamente reprodutível, a aura das ações diretas.

A dependência das doações de pessoas físicas e, portanto, do apoio da opinião pública, induz as organizações a se orientar, sobretudo, contra a entropia, transformando as causas ambientais em seu elemento justificador. Isto exige que suas campanhas sejam voltadas, essencialmente, para a conquista de colaboradores financeiros. As ONGs são forjadas, através do tempo, pela necessidade de afirmação institucional, crescimento, visibilidade e manutenção. Deste modo, submetem-se a um processo de racionalização que transforma as motivações iniciais do movimento em ideologia de legitimação institucional, substituindo por metas objetivas os valores que, inicialmente, davam sentido às suas ações.

A “reflexividade” das organizações não governamentais é orientada segundo critérios de êxito institucional, por metas como produzir impacto midiático, atingir a opinião pública, fazer-se compreender em suas tomadas de posição, destacar-se frente a outras ONGs que partilham dos mesmos temas de trabalho, divulgar sua marca, conquistar afiliados. A reflexividade das organizações é, por estes motivos, pragmática e sistêmica no sentido luhmanniano: não corresponde ao aprimoramento intelectual e moral dos indivíduos e das sociedades, mas ao aperfeiçoamento dos sistemas técnicos e institucionais, de acordo com seus escopos particulares.

As campanhas ambientalistas não governamentais pressupõem um novo tipo de sujeito político, que, além de encarnar os aspectos atribuídos à individualidade moderna, apenas existe em conexão com computadores interligados por redes eletrônicas. O ciberativista está em relação com conteúdos (informações, conhecimento científico, discursos políticos, ideologias, imagens) organizados ou produzidos por instituições que, elas mesmas, são tecnologias capazes de economizar esforço intelectual dos cidadãos no conhecimento, na interpretação e análise das questões sociais, políticas e ambientais.

O “animal eletrônico” surge como metáfora do modo como aparelhos, instituições, tecnologias, participam da vida política, decisivamente, interferindo na atividade intelectual de apreensão e julgamento da realidade. Enquanto o termocyborg (cybernetic organism)12designa, originalmente, a adequação do corpo humano às condições adversas do espaço extraterrestre, substituindo o trabalho da evolução por conexões entre homem e máquina, o “animal eletrônico” se insere no contexto da “polis tecnológica” (Haraway, 1994HARAWAY, Donna. Um manifesto para os cyborgs: ciência, tecnologia e feminismo socialista na década de 80”. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de (Org.).Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1994., p. 246). Teria chegado ao fim uma determinada concepção política do humano: a “visão humanista liberal do self”, segundo a qual tudo o que caracteriza o sujeito como aquele que mantém o controle, “julgamento, consciência, autonomia, ação individual, escolha, independência” estaria sendo desconstruído (Hayles apud Santos, 2003SANTOS, Laymert Garcia dos. Politizar as novas tecnologias: o impacto sócio-técnico da informação digital e genética. São Paulo: Ed. 34, 2003., p. 287). À semelhança dos movimentos estéticos pós-modernistas, difunde-se uma noção específica de “morte do sujeito” (Jameson, 1993JAMESON, Frederic. O pós-modernismo e a sociedade de consumo. In: KAPLAN, E. Ann (Org.). O mal-estar no pós-modernismo: teorias e práticas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993., p. 29-30).

O que distingue o campo político é, exatamente, a existência de sujeitos autônomos e responsáveis, capazes de justificar e defender, através do discurso e da ação, seus pontos de vista singulares na presença de outros sujeitos. A política serve, assim, de anteparo à lógica monetária dos sistemas. Se a subjetividade individual é regida pelos imperativos sistêmicos, de maneira a não deixar margem alternativa ao fazer genuinamente político, não é possível afirmar que o “ciberativismo verde” seja, de fato, uma prática política.

No lugar do cidadão ativo, encontra-se o “animal eletrônico”, enredado, fisgado ou encoleirado, que pode sonhar, talvez, com uma natureza livre em um mundo distante, mas que inibe a expressão de sua humanidade em troca de algumas prendas. Se chegou “ao fim uma determinada concepção política do humano”, é porque nos deparamos com a reprodução do sistema econômico (ambientalmente destrutivo) através do conjunto de práticas dos indivíduos. Mas, como ensina a antiga profecia indígena, repetida pelo Greenpeace, é possível, ainda, que o homem recupere sua alma e, refazendo a ligação entre alma e corpo, desvirtualize a natureza.

REFERÊNCIAS

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  • 1
    “Transcendente”, é claro, aos indivíduos.
  • 2
    William Hogarth (1697-1764) era pintor e cartunista inglês. Jacques-Louis David (1748-1825) foi representante do neoclassicismo francês, e o pintor oficial da Corte Francesa e de Napoleão Bonaparte.
  • 3
    Conjunto de três ensaios inter-relacionados: o primeiro redigido em 1939, o segundo entre 1940 e 1950 e, o terceiro, em 1987.
  • 4
    Mesmo levando-se em conta que “[...] este processo social de diferenciação tenha ultrapassado, há muito, as antigas concepções europeias de razão” (Habermas, 1990HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1990., p. 340).
  • 5
    “Característica de circunspecto; análise minuciosa de um objeto; ação ou comportamento que denota cautela na maneira de agir ou de falar observando, assim, todas as circunstâncias ou perspectivas de alguma coisa” (http://www.dicio.com.br/circunspeccao/).
  • 6
    Idion era um dos termos que se opunha a público, ao qual se associava idiotes, alguém que se encontrava na ignorância das coisas coletivas” (Ortiz, 2006, p. 85-86).
  • 7
    Assumindo que o contato entre os associados e a organização se dê exclusivamente por meio dos sites, uma ONG como o Greenpeace lança, em 2008, um “escritório virtual em Portugal”. Embora a página eletrônica seja “portuguesa”, a equipe de duas pessoas que a mantém trabalha na sede do Greenpeace Internacional, em Amsterdã. Assim, as doações dos afiliados portugueses à organização são destinadas diretamente ao Greenpeace Internacional, evitando as despesas do que seria um estabelecimento português. Não há um Diretor executivo para o Greenpeace Portugal, mas sim, um “porta-voz” da organização, além dos responsáveis pelas diferentes campanhas atuando localmente, e dos ativistas que devem sustentar e atender às solicitações da ONG (www.greenpeace.org/portugal/noticias/greenpeace-lan-a-escrit-rio-vi, acessado em 26/05/2012).
  • 8
    http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/01/130116_ongs_estrategia_mdb.shtml, acessado em 01/03/2013.
  • 9
    Os movimentos e ONGs ambientalistas internacionais têm submetido suas práticas à progressiva institucionalização, racionalização e burocratização. As instituições tendem a se tornar uma estrutura administrativa complexa, mais técnica e menos personalista, onde as regras da gestão de fundos e distribuição de funções são mais importantes que os embates ideológicos, as utopias e o carisma de seus ativistas (Marzochi, 2013, prelo).
  • 10
    Como afirma Debert (2004DEBERT, Guita Grin. Cultura adulta e juventude como valor. Texto apresentado no ST13: Imagens da Modernidade: mídia, consumo e relações de poder.ANPOCS, Caxambu, 2004., p. 17), as “[...] informações disponíveis, os temas que são objetos de preocupação, a linguagem, as roupas, as formas de lazer, tenderiam a perder a marca etária”.
  • 11
    A roda é extensão dos pés, o livro é extensão dos olhos, as roupas são extensão da pele, o circuito elétrico é extensão do sistema nervoso central e assim por diante (McLuhan, 1969McLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo: Editora Cultrix, 1969., p. 81).
  • 12
    Os criadores do conceito de cyborg (1960) foram Manfred Clynes e Nathan Kline (apud Santos, 2003SANTOS, Laymert Garcia dos. Politizar as novas tecnologias: o impacto sócio-técnico da informação digital e genética. São Paulo: Ed. 34, 2003., p. 264-319) em função dos projetos aeroespaciais da NASA. “O cyborg incorpora deliberadamente componentes exógenos que ampliam a função auto-regulatória de controle do organismo [...]. Se o homem, no espaço, além de voar em seu veículo, precisa o tempo todo checar as coisas e fazer ajustes só para manter -se vivo, tornar-se-á um escravo da máquina. O propósito do cyborg, bem como de seu próprio sistema homeostático, é propiciar um sistema organizacional no qual esses problemas de tipo robô são assumidos automática e inconscientemente, deixando o homem livre para explorar, criar, pensar e sentir”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    26 Nov 2013
  • Aceito
    30 Jun 2014
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