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TRABALHADORES TERCEIRIZADOS E LUTA SINDICAL de Paula Marcelino

MARCELINO, Paula. Trabalhadores terceirizados e luta sindical. 2013. Appris, Curitiba: 310

É possível sindicalismo de terceirizados? Se sim, quais seriam as características e particularidades do sindicalismo desses trabalhadores? De que forma a estrutura sindical corporativa brasileira afetaria esse sindicalismo? Como a fragmentação dos trabalhadores, decorrente da heterogeneidade dos contratos de trabalho dentro de uma mesma empresa, afetaria a organização sindical dos terceirizados?

Estas são algumas das questões que Paula Marcelino busca responder em Trabalhadores terceirizados e luta sindical. Motivada pelo debate sobre a crise do sindicalismo, analisada por alguns autores, nos anos de 1980 e 1990, como indicativa de um declínio histórico desse movimento, Marcelino procura contribuir para esse debate, a partir de uma perspectiva crítica e de um estudo exploratório sobre a atuação sindical de trabalhadores terceirizados, uma vez que a terceirização, entre outros elementos, era considerada, por essas análises, como nociva para o sindicalismo.

As teses que sustentaram tais diagnósticos, como a constituição de uma sociedade “pós-industrial”, a “heterogeneidade” e a “fragmentação” da classe trabalhadora são questionadas pela autora que, sem deixar de reconhecer os obstáculos colocados especificamente pela terceirização à ação sindical, na medida em que esta gera uma “fragmentação específica” dessa classe (p. 108), argumenta não ser possível deduzir uma fraqueza inevitável do sindicalismo de uma maior heterogeneidade e segmentação entre os trabalhadores, como, tampouco, conceber esses obstáculos como intransponíveis; ao contrário, pois, dependendo da conjuntura, esses obstáculos podem ser o motor ou um dos fatores da luta dos trabalhadores.

Essa análise baseou-se nos resultados de uma pesquisa empírica realizada junto a duas categorias de trabalhadores terceirizados que trabalham para a Replan (Refinaria de Paulínia – SP) nas áreas de manutenção, montagem industrial e construção civil, bem como para a Funcamp (Fundação de Desenvolvimento da Unicamp), representados, respectivamente, pelo Sindicato da Construção Civil (filiado à CUT) e pelo Sindicato dos Comerciários (filiado à Força Sindical) da região de Campinas (SP). Pesquisa que contemplou, ainda, entrevistas com sindicalistas do Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp (STU) e do Sindicato dos Petroleiros, representantes das duas categorias atingidas pela terceirização no âmbito da Unicamp e da Replan, isto é, os funcionários públicos e os petroleiros, conhecidos pela sua forte tradição de mobilização.

Para desenvolver o estudo dos dois casos selecionados, a autora se debruçou sobre uma vasta bibliografia que discute a terceirização e deteve-se, particularmente, nas análises produzidas no campo da Administração e do Direito, mostrando como essas áreas definiram a terceirização e discutiram suas vantagens ou o seu caráter (i)lícito. A cuidadosa análise dessa bibliografia, feita no primeiro capítulo, explicita os ambíguos significados atribuídos à terceirização, como sinônimo de “modernidade” e de “parceria”, além dos problemas presentes em definições tão vagas sobre a natureza das atividades sujeitas, ou não, à terceirização e expressas nos conceitos “atividade-fim” e “atividade-meio”, comumente utilizadas no julgamento da licitude ou não da terceirização.

Contrapondo-se às análises mencionadas acima e a algumas abordagens produzidas no campo das Ciências Sociais, a autora elabora uma definição da terceirização não meramente técnica, mas que contempla a sua dimensão política. Conforme é proposto: “[...] terceirização é todo processo de contratação de trabalhadores por empresa interposta, cujo objetivo último é a redução de custos com a força de trabalho e/ou a externalização dos conflitos trabalhistas” (p. 50, grifos da autora). Nesta definição, privilegia-se a relação empregatícia porque, segundo Marcelino, é na natureza dos contratos estabelecidos entre as empresas/fundações e os trabalhadores que se encontra o elemento mais estável dessa relação, a qual se caracteriza pela presença de uma empresa interposta, responsável pela intermediação dos trabalhadores que desenvolvem atividades em benefício da produção ou do serviço de outra empresa, sendo que é a partir dessa intermediação da força de trabalho que os lucros são auferidos. O reconhecimento da importância política da terceirização expressa, nesta definição, corresponde a uma das contribuições desse estudo, ao explicitar que a utilização da terceirização não objetiva, somente, reduzir custos, ampliando a exploração da força trabalho, mas, também, atingir a organização da classe trabalhadora, recompondo o domínio exercido sobre esta e suas organizações.

A discussão das ações colocadas em prática pelos sindicatos em defesa dos terceirizados e da visão destes sobre suas organizações sindicais é desenvolvida no segundo e terceiro capítulos. A autora constatou, por um lado, a existência de um sindicalismo de terceirizados atuante, combativo e com um discurso classista, como é o caso do Sindicato da Construção Civil, cuja capacidade de mobilização revelou-se nas greves realizadas anualmente e em suas conquistas efetivas – como os aumentos reais de salário. Por outro lado, constatou-se, também, um tipo de atuação política e sindical conservadora por parte do Sindicato dos Comerciários, que assumia uma postura submissa às empresas e um apego à Justiça do Trabalho como principal forma de luta. Contraste que se manifestou, em certos aspectos, na percepção dos trabalhadores entrevistados sobre os seus respectivos sindicatos: em oposição à confiança declarada nas ações do Sindicato da Construção Civil verificou-se o descontentamento e a falta de conhecimento sobre a atuação do Sindicato dos Comerciários.

Porém, é na análise da relação entre esses sindicatos e os das categorias preponderantes (o Sindicato dos Petroleiros e o Sindicatos dos Trabalhadores da Unicamp – STU), que Marcelino destrincha os nós dessa relação, ao examinar a influência que a estrutura sindical corporativa de Estado exerce sobre os posicionamentos assumidos por cada um deles frente à terceirização e aos trabalhadores terceirizados. Conforme é demonstrado, os problemas da terceirização não envolvem, apenas, as relações de trabalho e a sua consequente precarização, mas, também, disputas entre os sindicatos pela representação dos terceirizados, estabelecidas, muitas vezes, em defesa da preservação de suas respectivas bases e, consequentemente, da vida sindical – que, tanto no Sindicato da Construção Civil como no Sindicato dos Comerciários, apesar das suas significativas diferenças, era mantida sem uma participação orgânica dos trabalhadores, mas graças às contribuições sindicais compulsórias.

Como explicar disputas desse tipo entre sindicatos pertencentes a uma mesma central sindical, como exemplificam o Sindicato da Construção Civil e o Sindicato dos Petroleiros, é uma das questões que a autora se coloca. Sem desconsiderar outros elementos que possam explicar a dificuldade de uma luta unificada entre esses sindicatos, Marcelino discute o peso da unicidade sindical nessas disputas pela representação, presentes, igualmente, entre o Sindicato dos Comerciários e STU. Enquanto o primeiro sequer reconhecia a condição de terceirizados dos trabalhadores da Funcamp, dificultando as possibilidades destes lutarem por um reenquadramento profissional, o segundo defendia a unicidade e a investidura sindical, como pouca atenção dispensada aos terceirizados – apesar de tê-los sindicalizado.

Em Trabalhadores terceirizados e luta sindical, o leitor encontrará, portanto, uma análise fundamental e inédita da relação entre terceirização e estrutura sindical, além de uma crítica contundente aos limites que esta impõe para a organização e a ação sindical. Ao realizar essa crítica, Marcelino não desconsidera a dimensão política da terceirização e as iniciativas concretas de organização dos terceirizados. Ao contrário, pois sua pesquisa conclui, justamente, que existe um sindicalismo ativo de terceirizados, apesar dos efeitos da terceirização sobre os sindicatos; conclusão que cabe ser destacada frente aos questionamentos sobre o destino do sindicalismo e a potencialidade política desses trabalhadores. Marcelino desconstrói os questionamentos fundamentados na situação de terceirização, demonstrando, no entanto, o papel ativo exercido pela estrutura sindical na moderação das lutas. Permitindo-nos compreender, desse modo, que a mobilização dos trabalhadores terceirizados é mais complexa, porque se esbarra nos limites que essa estrutura impôs, historicamente, ao sindicalismo brasileiro, mas, nem por isso, ela é impossível.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2015
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